Versão Inglês

Ano:  1934  Vol. 2   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 377 a 387

 

A OTITE MEDIA AGUDA E A MASTOIDITE AGUDA NO LACTANTE E EM SUAS RELAÇÕES COM A PEDIATRIA

Autor(es): DR. MARIO OTTONI DE REZENDE (1)

Todos nós estamos fartos de saber das dificuldades, por vezes insoluveis decorrentes das inflamações do ouvido médio nas creancinhas abaixo de um ano de idade, e das complicações, de carater geral, que elas acarretam, perturbando por completo, não diremos a marcha da doença, tomos, e muitas vezes, o acerto do proprio diagnostico. Somos dos que pensam que a correlação entre a oto-rino-laringologia e a pediatria, é por tal modo intensa, que nenhum serviço clinico de creança deverá existir, sem possuir anexo, um bom serviço de otorino-laringologia, servindo não só aos primeiros anos de vida das creanças, como tambem, podendo alcançar os 7 e mesmo 10 anos.

Não é de hoje que estas ideias estão aceitas de modo absoluto; de 1900 para cá, desde que a oto-rino-laringologia alcançou, sobretudo no periodo de 1905 até hoje, seu mais
dilatado surto, emparelhando-se em soma de conhecimentos, ás especialidades existentes, as melhores organisadas, a utilidade de uma união intima entre ela e a pediatria, não é mais discutivel.

KARL GRÜNERT, von TRÖLTSCH, PONFIK, HALTMANN, GOMPERZ, ALEXANDER, NEUMANN, POLITZER e tantos outros, foram os pioneiros da observação e estudos no territorio da oto-laringologia infantil; e o que eles fizeram em beneficio, sem numero, a estas creancinhas, só quem anda ao par de tais assuntos, poderá aquilatar.

Tudo, nos lactantes, se faz e se processa de modo diferente do que acontece no adulto; os pediatras, melhor que qualquer de nós, conhece a verdade real deste axioma. Uma anatomia em formação, uma fisiologia em nascimento, só podem gerar fenomenos clinicos diversos daqueles observados nos adultos; as reacções mais intensas ou mais frustas, a ausencia de informações diretas, o desenvolvimento, apenas em esboço do sistema nervoso, tanto da vida de relação quanto da vida vegetativa, não permitem, sem uma observação durante anos a fio, deduções exátas sobre a patologia infantil.

E sendo, nestes pequenos sêres, tudo especial, quem tiver de observá-los tem que se colocar em uma faceta particular do prisma da medicina geral; não basta ser medico, é preciso também, ser pediatra; assim, todos os especialistas, que por dever de oficio e de correlação entre especialidades, tiverem de tratar ou observar creacinhas, não podem deixar de estar ao par dos progressos gerais da pediatria.

Não tenho por fim expôr novidades sobre o assunto deste trabalho, mas, tão somente, colocá-lo em fóco, de forma a poder receber, de todos, maior cooperação em beneficio destes pequeninos, que são a vida de seus Paes.

Algumas carateristicas anatomicas são de maior interesse para o otologista que examina um recem-nascido, ou melhor, uma criança dentro de seu primeiro ano de vida extra-uterina. ALEXANDER as classificava, mais ou menos, como se segue:

1) "O conduto auditivo externo do recemnascido é em forma de fenda. Nas primeiras semanas de vida suas paredes superior e inferior, quasi que se tocam. O conduto auditivo externo osseo ainda não está desenvolvido. Quando, por isso, uma infiltração inflamatoria da péle que o reveste, ou mesmo a maceração da epiderme do conduto tiver lugar, tratando-se, tão somente, de um conduto cartilago-membranoso, a impraticabilidade dele se processa em toda sua extensão, isto é, até o tímpano. Daqui decorre a dificuldade da endoscopia e impossibilidade de um diagnostico para os menos hábeis. Esta dificuldade na otoscopia não deixa de cooperar para diminuir a clareza do diagnostico de uma otite, ou mastoidite, nos recemnascidos, por parte dos pediatras."

2) A abundancia da parte oleosa da secreção ceruminosa nos lactantes, pode pertubar a visibilidade da membrana timpanica, e ocasionar erros de diagnostico. As mães costumam considerá-la, geralmente, como secreção purulenta.

3) O timpano é fortemente inclinado para fóra, e, nas primeiras semanas de vida, é quasi que horizontal, o que, tambem, muito dificulta a otoscopia. Esta, nos recemnascidos, deverá ser praticada dirigindo a extremidade do especulo para a parede superior do conduto, tornando assim o timpano mais facilmente visivel. Desta forte inclinação da membrana timpanica, decorre o mau prognostico das otites dos recemnascidos, dada a tendencia ás perfurações umbelicadas.

4) A camada epidermica da membrana timpanica tem colorido especial e é muito mais resistente que mais tarde, por isso a vermelhidão produzida pelo turgor vascularis,
apresenta-se muito menos nitida e, quando a epiderme estiver macerada e descolada, somente aparecerá através dela um fino reticulo avermelhado. Tambem a infiltração e o abaulamento da membrana timpanica, são observados com dificuldades, devido a mesma causa. A ausencia do sector luminoso, nas creanças até o fim da quarta semana de vida, não tem nenhuma significação patologica. Até o fim do quarto mês a membrana timpanica normal pode apresentar-se vermelha quando do choro continuado.

5) A quantidade normal de ar, do ouvido medio dos recém nascidos, é pequena. Por uma perturbação na função da trompa terá lugar uma pressão negativa, no ouvido medio, por meio do qual poderão ser aspirados, do naso-faringe, microbios, secreções etc. através das trompas.

6) A mucosa do ouvido medio é muito suculenta, pois contem, em sua camada subepitelial, rico tecido mucoso com muitos vasos sanguineos e linfaticos. Esta mucosa está sujeita a hiperemias ativas é passivas. Do mesmo modo atúa a mucosa do antro, daí a cooparticipação deste, nas inflamações do ouvido medio nas creanças.

7) A mastoidite é diploetica, a parede externa do antro é da finura duma folha de papel nos recém nascidos quase sempre cartilaginosa. Pela supuração do antro, uma rapida fusão do tecido osseo de sua parede externa se processa e, como consequencia, dá lugar á formação de um abcesso subperiostal. Nas otites dos recém nascidos, mesmo sem a formação de pus, tem lugar um rapido edema sobre a mastoide, dando causa a freqüência de mastoidismo, no inicio destas especie de otites.

8) O canal facial, no ouvido medio dos recém nascidos, é em geral deiscente. O hiatus spurius do canal do facial não é revestido de osso separando-o da dura mater. Pela via dos vasos linfaticos peritubarios e perifaciais, uma inflamação pode propagar-se, rapidamente, ao nervo facial e á dura mater. Devido a este facto fica explicada a frequencia das paresias faciais de origem otitica nos recém nascidos, o modo facil com que aparece o meningismo e a explicação da rapidez com que se processa a meningite, na primeira infancia, assim como todas as complicações intracraneanas.

9) As trompas são curtas e largas. A pressão, sob a qual elas se fecham, em repouso fisiologico, nos recém nascidos, é extremamente pequena. O naso-faringe é pequeno. Nas otites da primeira infancia, dá-se uma rapida serie de trocas entre o ouvido medio e o naso-faringe. Assim pode acontecer que, pelos vomitos, corpos estranhos, de origem alimentar, possam penetrar no ouvido medio. De outro lado a otite acabará causando uma piorréa da trompa e, por esta, como infecção focal, a dispepsia, não podendo existir, de nenhum modo, uma mastoidite."

Assim ocupa a otite media aguda, sob grande numero de fundamentos, uma posição especial na patologia da primeira infancia. Como ficou dito, as condições anatomicas particulares por si mesmas, as qualidades histologicas da mucosa das vias aereas superiores, a diátese exsudativa, serão outras tantas razões que focalisam a disposição e a frequencia com que se observam as otites medias agudas neste periodo da vida.

Supuração do ouvido dá a idéa de que seja sempre, o ouvido medio o orgão supurante, no entanto, e sobretudo nos recemnascidos, devido a aproximação anatomica de suas paredes, os eczemas humidos podem dar causa a produção de pús deste conduto, sem que o ouvido medio esteja doente. Outra causa que preocupa, em demasia, o espirito do clinico e, ainda mais do especialista, é a decorrente da falta, ou melhor do atrazo, na involução do tecido embrionario, de carater mixomatoso, da mucosa do ouvido medio e guie se deve processar dentro das primeiras semanas de vida. Por motivos ainda não claramente elucidados, a presença deste tecido, ou por defeitos circulatorios, ou pela sua facil tendencia a engorgitar-se ou por possuir certa predisposição á se inflamar, quando a involução não se dá logo, faz sujeitas, as creancinhas, a dôres de ouvido recedivantes sem supuração ou, quando desta, de carater benigno.

Em tais casos os Paes deverão ter conhecimento da necessidade de paracentése, por vezes repetidas, e do curso que deverá ter tal otite, isto é, que ela terminará com o fim do período de involução, deste tecido embrionário. Deverão, os Paes, estar ainda informados de que a repetição da paracentésse é absolutamente inócua para a audição; é que o perigo não está nesta pequena intervenção cirurgica, mas sim na retenção do pus no ouvido medio.

O que conhecemos sobre as intimas relações existentes entre a mucosa da caixa timpanica e as meningeas, através dos vasos sanguíneos e das dobras da dura mater, que penetram pela sutura petro-esquamosa, não nos deixará admirados do que observamos nas creanças, e algumas vezes mesmo nos adultos, quando da presença de serios sintomas meningêos nas otites agudas imperfuradas. E' o meningismo, que está a um passo da meningite serosa, e que se apresentará com a sintomatologia classica: febre, sônolencia, falta de apetite, por vezes vomitos e convulsões. O acerto do diagnostico será confirmado pelo efeito surpreendente da paracentése do timpano que fará, por encanto, desapareceer todos estes terriveis sintomas.

Este meningismo, ao que parece, devido a uma edema local, difere da meningite serosa, que já indica uma modificação geral, não, só das proprias meningeas, como da constituição do proprio liquor, pela rapidez com que se modificará logo após a paracentése, e mesmo, pela ausencia de elevação da pressão do liquido cefalo-raqueano, quando da punção lombar.

Nas creanças o pus, mais que nos adultos, tende a caminhar ou na direcção das meningeas, ou através da trompa de Eustaquio, sempre muito larga. Deste ultimo fáto decorre da tensão exagerada observada no adulto, nos casos de otites imperfuradas e causadoras, para este, de dores horriveis que podem deixar de existir nas creancinhas.

A importancia deste sintoma é capital, não só porque a otite media aguda poderá se processar, nos pequenos, sem os sinais dolorosos carateristicos, como tambem, o choro, a insônia, o mau estar geral podem faltar, dando lugar, por parte dos Paes, a uma relativa confiança na benignidade da molestia, ainda tanto mais razoavel, quanto sintoma alarmantes não existem; de um lado esmaecidos pela ação narcotisante do meningismo, de outro favorecido pela largura exagerada da trompa de Eustaquio, que deixando escoar facilmente o pus pelo naso-faringe, esconde o perigo da propria otite, tornando a creança aparentemente sossegada e dormindo bem; um pouco demasiado mesmo ! Este sono não é, no entanto um sono sadio, mas sonolência que a observação da Mãe já notara, pois que o filhinho, mamando dificilmente, mal acaba de mamar, dorme de novo. Neste momento, um especialista que conheça a situação, poderá salvar a creança por meio de uma paracentése, o que não se dará, caso não estiver ao par do que se passa, facilitando deste modo o aparecimento de uma complicação grave que poderá por termo á existencia deste pequenino ser.

E' obvio que, ás vezes, a natureza venha em socorro do infeliz, rompendo-lhe a membrana timpanica e pondo ordem na desordem causada pela otite media aguda.

Firmemos, pois, o segunite aforismo:

Não somente o desassossego da creança, como tambem o sossego exagerado, com forte tendencia ao sono, faz pensar na existencia de um processo inflamatorio agudo do ouvido medio e na necessidade de imediato e cuidadoso exame de seus ouvidos por um bom especialista.

Não só com as meningeas, estão em relação os ouvidos das creanças; mas tambem com o aparelho digestivo, e esta é interna; as condições anatomicas decorrentes da largura e comprimento das trompas, as pertubações fisiologicas das mucosas do naso-faringe, e, por continuidade de todo o tractus digestivo, as desordens gerais causadas pela diminuição de resisténcia de todo organismo infantil, as infecções, por proximidade, provindas do ouvido medio, são fátos favoraveis á intercorrelação entre as afecções dos ouvidos e das vias aereas superiores, com o aparelho digestivo em geral. Diarréas intensas, bem como, por vezes, constipação de ventre pertinaz, são observadas no inicio das otites medias agudas. Nas prisões de ventre a seringa deve ser usada, de preferencia, para o ouvido medio, que para o esvaziamento do recto e colon. As diarréas tem como causa uma base septica, as constipações originam-se nas reacções meningeas. Em edade avançada do periodo infantil, a causa mais comum produzindo a predisposição á otites recidivantes, é a riqueza do tecido adenoide do faringe e em volta do ostio tubario, (amigdala tubaria).

Por que processo as vegetações se tornam nocivas ao ouvido medio?

De dois modos podem elas ser nocivas ao ouvido: mecanico e infecioso. O aumento inflamatorio do tecido adenoide será acompanhado de aumento da mucosa nasal vizinha, que ocasionará, no minimo, grande deficiencia respiratoria pelo nariz. Qual a consequencia fisiologica deste fáto? Ao se processar o ato da deglutição tem lugar um fáto já conhecido: na prova de Vasalva negativa, e é, a prova de Toynbee; quando da deglutição com o nariz fechado, um a pressão negativa no naso-faringe se dará, seguida de aspiração do ar do ouvido medio. A continuação repetida desta aspiração, e da rarefação aerea dela consequente, ocasionará uma transudação no cavum timpanico. Este transudato é o fenomeno decorrente que acompanha as pertubações mecanicas da respiração nasal causadas pelas vegetações adenoides. E' natural que o serum do transudato, constitua bom meio alimentar para as possiveis infecções do ouvido medio. Microbios que aí. penetrem, podem adquirir grande virulencia e ocasionar uma otite media aguda.

Citemos, ainda, a diatese exsudativa que, por vezes, é a unica causa do quadro patologico da escrofulose, cujo quadro não é mais que a tuberculose da creança exsudativa.

As condições anatomicas, a que já nos referimos, demonstram a facilidade com que podemos ser despitados por uma otite media aguda, e mesmo por uma mastoidite, sobretudo nos recemnascidos e, ainda, a possibilidade de permanecerem estas entidades patologicas desconhecidas por longo trato de tempo. Assim é que em muitos casos a anamnése as refere
á poucos dias. Quando já datam de semanas sem que o timpano haja perfurado. Pelas dificuldades da otoscopia, não será facil o diagnostico de uma otite catarral, que surpreenderá ao especialista, poucos dias depois, com profusa supuração. Na ausencia de dados anamnesticos e de sinais otoscopicos, a otite pode passar desapercebida por completo, e daí a denominação de otite latente. Diz GUSTAV ALEXANDER que quanto mais habil e pratico fôr o especialista que examine, tanto mais raros serão os casos de otites latentes. Boa iluminação, espéculos adequados e uma boa lente, facilitam enormemente a otoscopia nos recém nascidos. Precisamos ter em conta que os tímpanos das creanças nas otites agudas, ao envez de uma superfície vermelha, igual a dos adultos, apresentam-se revestidos de uma camada epitelial macerada e opaca, com fendas muito estreitas que podem deixar perceber, através o vermelho da membrana timpanica. Doutras vezes, um ligeiro retículo de vasos injectados, é o unico sintoma da otite.

Ao lado da otoscopia outros sintomas caracterizam a presença de uma otite media aguda; dentre os principais, destacamos a dôr ao se tocar o pavilhão da orelha. As creancinhas mais edosas levam mesmo, as mãozinhas como que para defenderem o ouvido. A dôr ao mamar, que é suspenso pelo chôro. A elevação repentina da temperatura, fala pela otite; e um aumento superior á 38.º pela otite supurada. A falta de apetite e a fraqueza são sintomas que a acompanham. A umbilicaçao postero superior, indica cooparticipação do antro no processo inflamatorio. A frequencia do processo inflamatorio, na primeira infancia, facilita o diagnostico. Afirma ALEXANDER que examinado um recém nascido e afastada a existencia de uma pneumonia, quando da elevação da temperatura, com fraqueza e falta de apetite, podemos falar na presença de uma otite.

Como já dissemos, a temperatura póde servir para distinguirmos uma otite simples de outra supurada. Temperatura acima de 38.º fala, com certeza, por esta espécie e contra aquela.

O diagnostico da mastoidite, nestes casos, não é difícil, se compararmos, pela apalpação, ambas as mastoides, e não desprezarmos um qualquer ligeiro edema, a queda do conduto,
a frequencia das otites latentes e masotidites, a dispepsia dos recém nascidos, são outros tantos meios que facilitarão o diagnostico.

Aconselha ALEXANDER a paracentése da membrana timpanica, feita precocemente nas otites da primeira infancia. Dá, ainda, á técnica a seguir que é particular e de acordo com a anatomia apresentada por estas criaturinhas.

Ei-la:

"Durante a paracentése o dorso da criança deve estar apoiado ao torax da pessôa que a segurar, e sua cabeça virada para o lado oposto ao ouvido a ser operado, mas não inclinada, isto é, pendida para este lado."

Esta recomendação é importante, pois que a cabeça estando pensa, um perigo corre a creança por ocasião da paracentése, e é o da luxação do estribo seguida de labirintite supurada e meningite aguda.

A diferença, entre uma otite supurada do adulto e a da creança recemnascida, consiste em que esta póde conduzir á dispepsia e á atrofia de seu portador e, assim sendo, quando não tender a regressão, isto é, quando a supuração continuar sem tendencia a transformar-se em corrimento mucoso, mesmo sem sintomas, para o lado da mastoide e sem fenomenos de retenção no cavum timpanico, ao fim de 4 semanas, a antrotomia deverá ser praticada afim de que se processe a cura tanto da otite quanto da dispepsia.

Nestes casos não nos esqueçamos a utilidade da radiografia, ao lado dos exames cuidadosos praticados para, a descoberta de uma complicação mastoidéa, pois que ela, quasi sempre, vem completar, com vantagens os demais metodos de exame.

Longe nos conduziria a exposição e a discussão do que se possa entender por otite latente. Não comportam os limites deste trabalho, o entrarmos na explanação deste assunto. No entanto, limitaremos a definir, de acôrdo com as ideias de GUSTAV ALEXANDER, o que seja esta entidade morbida se a podermos denominar assim. "Uma otite só poderá ser tida como latante, quando após um exame, ou varios exames, praticados com extremo cuidado, sinal algum garantido de otite possa ser encontrado."

As doutrinas modernas sobre a ação das otites médias agudas, nos fenomenos de toxicose dos recemnascidos, constituem, só por si, um vasto assunto que bem merece a observação cuidada e dos otologos e dos pediatras. Quanto não aproveitariam as creancinhas se estas duas especialidades se quizessem dar as mãos numa união forte para o combate da mortalidade infantil ! Ainda ha pouco, os Drs. MARKUS SALZBERGER e ELCHANAN RIBINOVICI, escreviam o seguinte: "A anamnese desta molestia é tipica. Os Paes contam que seu filho adoecera de repente, com vomitos e diarréa. A creança apresenta-se apatica, sem apetite, abatida e, na maioria dos casos, com ligeira elevação de temperatura. E' preciso saber-se que os Paes nunca se referem a uma molestia dos ouvidos. Geralmente os casos são vistos com apenas alguns dias de doença. As creanças são, na maioria, creanças de peito e conservam, ainda, bom estado de nutrição.

O quadro sintomatico da molestia em estado mais avançado será o seguinte:

Temperatura, geralmente, nas imediações de 39.º, raramente mais elevada entre 39.º e 40.º em alguns casos normal. Creanças de aspeto cansado, algumas imoveis no leito, outras muito inquietas, chorosas, gritando de maneira típica: «grito de toxicóse». Apresentam-se apaticas, sem apetite, não se interessam com o que as rodeiam, nos casos graves mostram-se entorpecidas e mesmo sem sentidos. Olhos fundos, assim tambem as fontanelas, o que é sinal de grande perda aquosa do organismo infantil. Os movimentos são vagarosos, de carater algum tanto patetico, teatral. Pestanejar raro, vomitos e diarréa incessantes, no periodo terminal contrações tonicas e clonicas e vômitos côr borra de café! Nos casos ligeiros, somente alguns destes sintomas aparecem: apatia, movimentos lentos, olhos e fontanelas fundos, falta de apetite, sensorio ligeiramente entorpecido ou completamente livre. Estes casos pódem se tornar graves no decurso da molestia.»

FINKELSTEIN comentando os trabalhos americanos (ALDEN, LYMAN, MARIOTT etc.), sobre este assunto diz: «As molestias do antro e da mastoide já tinham sido notadas ha tempos, mas não em tão grande numero e sem a consideração bastante quanto á sua significação para a vida. Seu aparecimento, em casos de timpano mais ou menos suspeitos, não foi convenientemente tomado em consideração. Entretanto, para os casos em que uma pertubação de nutrição não possa ser facilmente explicada, deve-se ter mais em vista a possibilidade de uma genese otogenica, o que não acontecia até agora quando no se tinha um exame seguro dos ouvidos.» (Curso anual de aperfeiçoamento para medicos, Julho, 1928, pg. 12).

Nem todos os pediatras estão de acôrdo com o tratamento ativo, empregado pelos otologistas, contra as pertubações decorrentes da existencia da otite média supurada aguda do primeiro periodo da vida infantil; dividem-se, e muito naturalmente, em dois grupos principais: o dos entusiastas e são aqueles que obtiveram, em casos de sua clinica, resultados inesperados e grandemente satisfatorios, e que, por vezes levados pela analogia, caem no exagero de fazerem operar a maioria deles e, em muitos, sem resultado; e o grupo dos abstencionistas, quasi sempre composto dos antigos entusiastas que, tendo caído em exagero, viram peiorar as suas estatísticas e resolveram voltar ao antigo regimen. De fato, o sistema empírico deve ser afastado da medicina, o verdadeiro é que nos casos de dispepsia dos recém nascidos, sem a indicação formal resultante de um exame meticuloso do ouvido, não devemos praticar a antrotomia. O diagnostico otologico deve dizer se em tal ou qual caso, de atrofia dispepsia, existe ou não uma otite ou mastoidite.

Tambem não devem os pediatras esperar o aparecimento dos sinais meningiticos para mandarem praticar a paracentése ou a antrotomia, isto é, sob a ação de uma indicação vital. A indicação deve ser feita no momento em que possa aproveitar ao doentinho. Ainda mais, diagnosticada a mastoidite, o unico tratamento deverá ser a antrotomia e não a simples abertura do abcesso subperiostal. ALEXANDER falando aos pediatras afirma - "que uma paracentése protelada e não praticada a tempo, tanto quanto uma mastoidite protelada e não praticada a tempo, traz comsigo consequencias desastrosas para a creança", e entre estas:

1) Um decurso lento da otite com pequena tendencia á cura e inclinando-se á cronicidade.

2) A persistencia de supuração terminando em complicação endocraneana.

3) Transformação em supuração cronica com formação precoce de côlesteatoma, com surdez, com necessidade mais tarde, de uma operação radical e com pertubações no desenvolvimento corporal e espiritual."

Nos casos de temperatura elevada, em que o naso-faringe esteje como, quasi sempre acontece, tambem atacado e que uma duvida, exista em saber-se se a temperatura correrá por conta da molestia deste ou de uma otite, será preferivel, sempre, atribuir-se a esta ultima a origem da febre.

Enumera, G. ALEXANDER, em forma de conclusão, as seguintes particularidades da otite dos recemnascidos:

1) Em todas as pertubações de nutrição, os ouvidos das creanças devem ser examinados, com regularidade, se possível diariamente, quer haja ou não sintomas que justifiquem o exame.

2) A hiperemia inflamatoria da membrana timpanica, nos recem-nascidos, distingue-se, frequentemente, por uma fina arborização vascular ou por um campo cinzento opaco.

3) A quéda da parede postero-superior do conduto auditivo extérno, indica uma mastoidite. (antrite).

4) O edema do plano mastoideo, tanto em sua forma frusta, quanto na evidente só poderá ser examinado pela apalpação conjunta das mastoides feita por traz.

5) Se no fim de 4 semanas o corrimento do ouvido não apresentar tendencia a cura (não aparecer pus mucoso), mesmo que não existam sintomas para o lado da mastoide, esta deverá ser aberta.

6) Nos casos de otites supuradas bilaterais, a paracentése deverá ser feita em ambos os lados, na mesma ocasião. Nas mastoidites duplas, o lado peior será operado em primeiro lugar, o lado melhor curar-se-á comumente, sem operação. A operação de ambas as mastoides, num recém-nascido, constitue um traumatismo operatorio de grande gravidade.

7) Com a dificuldade da otoscopia, nos casos de otites em recém nascidos, o numero das otites latentes aumenta. Verdadeiramente latentes são as otites tuberculosas dos recém nascidos e a mastoidite tuberculosa dos mesmos, bastante frequentes até a idade dos 8 meses.

8) A ação local do genius epidemicus, não existe. E' preciso notar, porém, que as más condições higiênicas da vida podem aumentar, em frequencia e violencia, a fatal combinação entre a nasofaringotite e a dispepsia.»

Aqui estão resumidos, os conhecimentos modernos da otologia da primeira infancia, que tão intimamente ligam as duas especialidades de tão grande importancia na medicina destas criaturinhas.

Não é possível a existencia de um serviço de pediatria médica sem o concurso assíduo, inteligente e cooperante de um bom otologista-rinologista. A medicina muito tem caminhado; é, pois, necessário que nos coloquemos á altura do progresso que a propulsiona nos tempos modernos.




(1) Oto-rino-laringologista da Santa Casa de Misericordia de S. Paulo

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial