Ano: 1934 Vol. 2 Ed. 4 - Julho - Agosto - (7º)
Seção: Associações Científicas
Páginas: 315 a 320
ASSOCIAÇÕES CIENTIFICAS
Autor(es): -
ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA
Secção de Oto-rino-laringología
Sessão de 17 de Maio de 1934.
Sob a presidencia do Dr. Homero Cordeiro e secretariada pelos Drs. Horacio de Paula Santos e Rubens V. de Brito, realisou-se a 17 de Maio ultimo, a quinta sessão ordinaria deste ano da Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina.
ORDEM DO DIA:
l.º) - DR. FRANCISCO HARTUNG (S. Paulo) - «Corpo estranho no nariz».
(Este trabalho está publicado na integra em outra parte desta revista).
DISCUSSÃO:
Dr. Horacio, de Paula Santos: - Diz ter o A. muita razão quando chama a atenção para esses casos, banais para o especialista, más que dão muita preocupação ao clinico e ao doente. Lembra casos interessantes, alguns dos quais com sintomatologia de ozena. Em 1 deles o nucleo era um pedaço de borracha de sifon de lança-perfume; em 2 outros, eram individuos que trabalhavam em pedra, de modo quê o rinolito era enorme, chegando a empurrar fortemente o septo nasal. Em um outro caso, o corpo estranho era um grão de bico encravado no meato medio de um paciente de 30 anos.
Dr. Braz Gravina: - Cita um seu caso ocorrido na clinica O. R. L. do Hospital Humberto I.º: tratava-se de uma creança de 3 anos, que viera com o diagnostico de tumor maligno! O nariz sangrava muito e após o exame rinoscopico, foi retirado da narina um grande pedaço de chupeta.
Dr. Alario Ottoni de Rezende: - Recorda um caso de rinolito gigante em uma senhora que se queixava de obstrucção nasal, havia 20 anos. A peça se espraiava por todos os meatos e após uma cirurgia difícil, o rinolito foi retirado, tendo se verificado que o nucleo central era constituído por cristal de rocha.
Lembra-se de um outro caso de corpo estranho do nariz, constituido por um pedaço de vidro de parabrisa, cujo portador sofrêra um desastre de automovel meses antes.
Dr. A, Vicente de Azevedo: - Cita um caso de obstrucção nasal unilateral em um menino, cuja causa era um caroço de amendôa, envolto em sais de calcio.
Dr. Francisco Hartung (encerrando a discussão): - Agradece aos colégas o interesse despertado pelo seu caso.
2.º - DR. JOSE' JULIO CANSANÇÃO (S. Paulo) - "Sobre um caso de fractura traumatica do laringe".
Resumo: O A. apresenta a observação interessante de um individuo que sofrêra violento traumatismo na parte anterior do pescoço, ficando imediatamente dispneico, disfagico e completamente afonico. Indicada a traqueotomia, esta teve uma sequencia operatoria complicadíssima: logo de inicio, manifestaram-se sinais graves de asfixia, o que obrigou-o a praticar a traquetomia num só tempo com o trocater de Botlin-Poirier. Como este era de calibre para creança, o A. resolveu substituí-lo por uma canula de Krieshhaber, porem o sangue, invadindo o campo operatorio, tornou inexequivel tal proposito. O doente cáe em grave asfixía, cianóse e em quasi apnéa. Nesse interim, formava-se um enfisema sub-cutaneo, no pescoço, atingindo em pouco tempo o torax, até a quinta costela.
O A. deante desta apavorante situação, intuitivamente introduziu o dedo indicador na ferida operatoria, em busca do orifício feito pelo trocater, achando-o e dilatando-o suficientemente, a canula foi introduzida, voltando o doente a respirar. O A. chama a atenção para a evolução benigna do caso e termina dizendo que toda traqueotomia requer rapidez nos tempos operatorios, e que a abertura traqueal deve coincidir com a linha mediana longitudinal.
DISCUSSAO:
Dr. Mangabeira Albernaz: - Diz apoiar plenamente a assertiva feita pelo Dr. Cansanção, de serem raras as fracturas do laringe. Em toda sua vida clinica só teve um caso, aliás gravissimo. Tratava-se de uma mulher que viajando em um ônibus, teve a infelicidade de colocar o braço na janela, justamente no momento em que, em sentido contrario, passava outro veículo. Recebeu então um choque tremendo que esmigalou o hombro e determinou
grave fractura do laringe. A doente apresentava, quando a examinou, uma lesão anfractuosa, irregular, já suturada pelo primeiro medico que a acudira. Apesar do estado gravissimo da paciente foi forçado a operá-la, em vista da grande dificulade respiratoria. Incisão até a furcula, afastamento dos planos até a cartilagem tiróide. Um fragmento desta, de 1,1/2 cent. de comprimento, destacára-se do resto da cartilagem e fora atraído para a região infra-hioidéa, penetrando na cavidade faringéa. Sutura em 5 planos. Terminada a intervenção, que durou aproximadamente 2 horas, a paciente respirou francamente e o que é' mais curioso, poude falar. Veio porem a falecer 2 dias após, em consequencia da fractura da cintura escapular.
Dr. Mario Ottoni de Rezende: - Acha interessante o caso por diversos motivos: pela fractura, que se demonstratava pela crepitação por um hematoma que se formara na aritnoide esquerda; bastante intenso e que impedia uma bôa respiração, já de per si prejudicada por uma concomitante paresía da corda vocal correspondente. Focalisa o facto de serem os hematomas bastante raros, pois que em geral eles se formam e rompem a mucosa, e mais, que a pericondrite supurada, quasi sempre fatal e que comumente se forma nessas fracturas, não se verificou. Finalmente chama a atenção para outro facto: de querer o doente simular uma dispnéa, afim de ser dado como invalido para o trabalho.
Dr. Gabriel Porto: - Lembra-se de um caso do Instituto Penido Burnier. O paciente assistia os trabalhos de calçamento de uma rua, quando foi atingido por um projectil no pescoço. Pela radiografia, verificou-se uma sombra metalica encravada na tiroide, e que após a retirada, foi identificado como um pedaço de marreta. Cura. Frisa a raridade das fracturas do laringe.
Dr. Francisco Hartung: - Cita igualmente o caso de uma senhora que caiu, batendo com a região anterior do pescoço em uma pia. Quando a examinou, havia disfonía, dispnéa, dores intensas e temperatura. Hemorragia. Fez o tratamento com a ingestão de liquidos gelados, compressas geladas, calcio e anti-infecciosos. Pela laringoscopia indirecta, verificara a existencia de uma "rasgadura" da mucosa da prega aritno-epiglotica. Cura em 5 dias.
Dr. Homero Cordeiro: - Frisa que nunca é demais relembrar aquele seu caso apresentado na "Semana Oto-neuro-oculistica", em Outubro de 1926, no qual o enfisema era tão grande que o doente parecia aquele conhecido reclame dos pneumaticos Michelin!!
Dr. José Julio Cansanção (encerrando a discussão): - Agradece a contribuição dos colegas.
3) - DR. MARIO OTTONI DE REZENDE (S. Paulo) - "Sobre um caso de actinomicóse da região orbitaria esquerda, com invasão endocraneana. Micetoma a grãos branco-amarelados. Discomices brasilensis (Lindenberg 1909)."
(Este trabalho está publicado em outra secção desta revista).
DISCUSSÃO:
Dr. Mangabeira Albernaz. - Pede a palavra para dizer que, formado na Baía, um meio em que a medicina tropical é cultivada com grande interesse, não perdeu o habito de viver ao par dessa especialidade, obrigando mesmo a idéa de publicar em francês ou inglês, um manual de oto-rino-laringologia exotica. Por isso mais do que ninguem, ouvia com o maximo interesse a observação do Dr. Ottoni, pois é este um dos assuntos que mais lhe tem interessado.
Diz que o caso do A. em sua opinião tem um dos mais elevados, interesses, é de absoluta raridade, assegurando que não ha na literatura nacional, nenhum caso publicado, de micetoma da face, e que nos manuais comuns de medicina tropical não ha tambem referencia alguma ao facto. Baseia-se sobretudo nos dois trabalhos mais exaustivos até hoje publicados em qualquer língua, sobre o assunto: as téses de concurso dos professores Heitor Fróes e Eduardo Araujo, da Baía, dadas a lume em 1930. Tem a impressão que a nomenclatura dessas afecções esteja ainda um tanto confusa. E' comum vêr-se tais lesões designadas pelo nome de actinomicoses. Não resta duvida que o são, pois o seu causador é um Actinomices. Mas se assim admitirmos, temos actinomicose do conducto em certas micoses superficiais benignas, do ouvido. Actinomicose da boca, o simples sapinho; actinomicose da mandibula, causada pela Actinoma bovis; a do pé, nos "Pé de Madura", produzidos pela especie Actinomices etc.
Isto traz ao clinico, grande confusão. A verdade, é que não se pode, de modo geral, designar as micoses, pelos cogumelos causadores. Julga que o termo actinomicose deveria ficar adstricto
á micose produzida pelo actinomicose bovis, isto por direito de antiguidade e de frequencia. As micoses do tipo descrito pelo Dr. Ottoní ficaria reservado o nome de Micetomas.
Reputa o caso do Dr. Ottoni, de maior importancia, porque parte do principio de que a ciencia nacional tem na patologia exótica seu maior campo de originalidade. Propõe então, á Associação que mande verter para o francês e faça publicar nos "Bulletins de la Societé de Pathologie Exotique", e de Paris, o magistral estudo do Dr. Ottoni Rezende.
Dr. Mario Ottoni de Rezende (encerrando a discussão) : - Agradece a gentileza que encerra a proposta do Dr. Mangabeira. Diz que dá o nome generico de actinomicose, mais é de opinião que esse nome deva ser reservado ás lesões produzida pelo Actinomices bovis. Aos demais ficaria reservada a denominação de micetoma. Diz que não conhecia os trabalhos da Baía, apresentando o seu caso mais como uma homenagem ao que é nosso, do que como vantagem á oto-rino-laringología.
4) DR. MANGABEIRA ALBERNAZ (Campinas) - "Processo simples e pratico de anestesía para as injecções endotraqueais".
(Tambem este trabalho sae publicado em outra parte desta revista).
DISCUSSÃO:
Dr. Roberto Oliva: - Diz que em 1926, na "Semana Oto-neuro-oculistica", o Prof. Marinho fez uma comunicação sobre anestesía completa do bronqueo e traquéa apenas pela cocanisação da mucosa esofageana, e que ele proprio tem feito isso, ultimamente, na Santa Casa com o fim de broncografia. Após a cocanisação, com tampões de algodão da mucosa esofageana, o doente suportava bem a introdução de uma sonda de Nelaton afim de injectar o lipiodol no bronquio.
Dr. Mario Ottoni de Rezende: - Diz que obtem boa anestesía traqueal pela instilação directa da cocaina a 10 % no laringe. Acha interessante no trabalho do Dr. Mangabeira, e facto de usar a "Larocaína", que alem de menor ação toxica, é mais barata.
Dr. Gabriel Porto: - Acha de bastante atualidade o trabalho do Dr. Mangabeira, pois que atualmente os clínicos estão pedindo a broncografia.
Diz que achou interessante o fato, tambem observado pelo Dr. Guedes de Mélo F.o de a novocaina, que nunca pensou ser um anestesico de contacto, ter dado ótimos resultados, fazendo abolir completamente a tósse.
Dr. Mattos Barreto: - Considera a simplificação que tem sofrido a anestesía na endoscopia. Acha muita semelhança entre o processo apresentado pelo Prof. Marinho e o empregado nas clinicas de broncoscopia do Prof. Chevalier Jackson. Para a laringoscopia, faz-se em geral apenas dois toques demorados com sol. de cocaina a 10 % sem adrenalina, sobre a mucosa dos seios piriformes, por meio de pequenas mechas de gaze, mantidas por pinças proprias. Este contacto do tampão sobre a mucosa, prolongado quanto possivel, é muito mais eficaz do que a simples instilação ou a embrocação. Bloqueando-se assim o laringêo, obtemos a anestesía do endo e exolaringe. Introduzido o tubo broncoscopico, prosegue-se a anestesía a medida do necessario, da traquéa até a primeira carina e mesmo nas ramificações bronquicas, pela passagem de um pequeno tampão de gaze preso em pinça propria.
Viu tambem aplicar, especialmente para corpos estranhos, o "spray" com sol. de cocaina a 10% e em seguida a instilação endolaringea de 2 cc. a 2 %. Não se anestesía em absoluto a creança, mesmo para a extirpação de papilomas. Para a esofagoscopía no adulto em caso de corpo estranho, instila-se apenas algumas gotas de sol. de cocaina a 10% na boca do paciente já deitado.
Dr. Homero Cordeiro: - Felicita o A. pelo interesse que tem demonstrado no ensaio e divulgação dos novos anestesicos. Acha que todos os metodos hoje discutidos, em tése são bons, e tem cada um as suas indicações e vantagens. Concorda com o A. prin, cipalmente na parte em que preconisa a substituição da cocaina por outros anestesicos menos toxicos e mais baratos.
Dr. Mangabeira Albernaz (encerrando a discussão): - Não concorda com o que acaba de dizer o Dr. Oliva. Não acha o processo indicado mais facil do que o seu, porque é muito mais incômodo introduzir um estilete até o esofago, do que instilar algumas gôtas de anestésico aqui ou ali. Alem disso, não pode admitir que se queira comparar o metodo que utilisa um soluto a 1% de um anestesico pouco toxico, com outro em que se lança mão de um soluto 10 % de um produto muito mais toxico. Só isso já é uma desvantagem pesada do metodo citado pelo Dr. Oliva, Inutil será insistir nas outras desvantagens, das quais sobressai a econômica.
Quanto o que diz o Dr. Ottoni, concorda em parte. Mas está plenamente convicto de que ele conseguirá o mesmo resultado se instilar a sol. de cocaina a 1% em. vez de 10%. A seu vêr, não resta a menor duvida que as anestesías comumente usadas para as broncografias, são excessivas.