Versão Inglês

Ano:  1934  Vol. 2   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Progressos da O. R. L.

Páginas: 308 a 314

 

A tonsilectomia nas endoccardites (1)

Autor(es): Prof. F. CURTIUS,
Dr. DIEKER
Dr. E. WIRTH (Heildelberg).

O estado atual da questão da tonsilectomia como meio curativo das endocardites, resume-se do seguinte modo: Uma verdadeira "infecção focal" é responsavel, nas endocardites floridas, pelas perturbações do endocardio. As amigdalas não constituem tanto um fóco septico quanto servem, principalmente, de porta de entrada do agente infeccioso. Disto deduz-se que uma tonsilectomia evita a penetração de novos germens, mas não terá ação sobre o fóco de endocardite já existente. Nos casos mais favoraveis a intervenção evitará uma recidiva da endocardite.

Na endocardite florida, por conseguinte, a operação não terá resultado brilhante e, muitos autores consideram-na como sem resultado, quiçá, nociva. (B. SCHTTMÜLLER, NONNENBRUCH). O. VOSS, diz, de modo geral, que a tonsilectomia não melhora a infecção, mas a piora. A maioria dos autores indicam a intervenção após o desaparecimento dos sintomas agúdos e nos intervalos afebris (R. SCHOEN, O. BRUNS e outros).

E' questão importante decidir-se se devemos considerar as amigdalas de acordo com SCHOTTMÜLLER, corno porta de entrada do agente nocivo, ou se a devemos ter, propriamente, como um fóco de infecção através do qual, constantemente, novos agentes microbianos invadirão o corpo e manterão a molestia cardiaca. Este ultimo modo de ver é muito provavel, segundo L. FISCHER.

Tambem o desaparecimento pronto dos sintomas septicos, em seguida á tonsilectomia, para os doentes sem endocardites e sem outro fóco septico, tal como se observam comumente na pratica, fala sem duvida sobre o facto de constituirem as amigdalas, cronicamente inflamadas, fócos septicos, mesmo quando não sejam observados claramente fócos purulentos ou de tromboflebite. Póde-se demonstrar que quando da remoção de tais fócos nas amigdalas, eleva-se a força defensiva do organismo e a cura do segundo fóco no endocardio torna-se muito mais provavel. Por isto pode-se observar que as tonsilectomias, mesmo nas inflamações agúdas e em estados febrís, têm sido facilmente praticadas sem a superveniencia de perigos que, anteriormente, se supunha existir.

As observações, relativamente escassas, até agora publicadas, mencionam que, mais ou menos, dois terços das endocardites permaneceram sem recedivas após a tonsilectomia. Melhores efeitos foram obtidos nas endocardites reumaticas.

Os autores entram em seguida no estudo dos 41 casos de suas observações, em que todos os pacientes foram examinados, cuidadosamente, no ponto de vista geral e laringologico e seguidos muito tempo após a tonsilectomia. Uma estatistica de bons resultados, da grandeza desta, ainda não foi conhecida.

Trata-se de doentes com endocardites, que frequentaram suas clinicas desde 1922 e para os quais praticou-se a tonsilectomia. Na maioria individuos jovens, assim distribuidos:
1 doente no primeiro decenia; 19 no 2º; 17 no 3.º; 3 no 4.º e 1 no 5º. 21 do sexo masculino e 20 do feminino.

INDICAÇÃO: - A tonsilectomia aconselhada, em geral, sómente naqueles casos em que a anamnese mencionava a existencia de anginas recedivantes ou nos que apresentavam sinais evidentes de tonsilite cronica (vermelhidão circunscrita dos pilares ou de uma parte da propria amigdala, cicatrizes aderentes aos pilares, expulsão de pús das amigdalas pela sua expressão, pressão dolorosa das mesmas e adenites cervicais). Pelos exames de seus pacientes os autores confirmaram a concepção de que as anginas, são uma causa frequente de endocardites, segundo L. FISCHER e G. J. KATZ em mais de 40 % dos casos. Em regra os proprios doentes (35 vezes) diziam que suas perturbações cardiacas seguiriam-se a ataques de angina, tratando-se, na maioria dos casos de exacerbações de tonsilites cronicas. As amigdalas só se apresentavam aumentadas nas crianças; nos adultos acima de 20 anos eram, na maioria, pequenas e atroficas em consequencia das inflamações cronicas, em 4 casos um ou mais abcessos peritonsilares foram notados na anamnese, em 1 caso foi descoberto, por ocasião da tonsilectomia a existencia de um abcesso até ai ignorado.

A resposta a questão se si deve, nos casos de perturbações gerais ocasionadas pelas amigdalas, retira-las de vez ou, primeiramente, experimentar um tratamento conservador, ainda não póde ser dada. Deve-se, tendo em vista os máos resultados desaconselhar qualquer metodo de tratamento conservador das amígdalas nas molestias gerais. Pela "expressão e sucção" existe sempre o perigo de se ativar o processo inflamatorio nas amigdalas. Certa vez os autores observaram, loto após a compressão das amigdalas, um calefrio. Sómente a extirpação deverá ser empregada quando houver convicção, de uma molestia geral.

EXAMES BACTERIOLOGICOS foram praticados em 8 amigdalas extirpadas. 4 apresentavam "estreptococcus hemoliticus" e 4 nenhum germen patogenico. Uma questão interessante é a de saber-se si os germens encontrados no sangue (particularmente estreptococcus viridans) tambem o eram, em grande numero, observados nas amigdalas extirpadas. Isto não foi possivel num caso particularmente seguro, clinica e bacteriologicamente, de endocardite lenta. Este facto faz pensar que as amígdalas não constituem porta de entrada para o germen causador desta especie de endocardite, muito embora já se soubesse que os estreptococcus verdes da boca, comumente encontrados nas amígdalas se diferenciam, em muitos pontos, do estreptococcus viridans de SCHOTTMÜLLER. Isto explicaria, provavelmente, o porque da endocardite lenta, de acordo com as idéas de SCHOTTMÜLLER, não tirar resultado da tonsilectomia.

Em 2 casos, particularmente, tipicos de endocardite, foram inoculados os germens obtidos com a cultura das amigdalas, extirpadas, afim de se conhecer da capacidade eletiva de localisação, de acôrdo com as idéas de ROSENOW.

No primeiro caso não foi possivel, com a inoculação, obter uma endocardite ou nefrite em nenhum dos animais infectados.

No segundo os autores puderam concluir que, provavelmente, alguns dos germens encontrados nas amígdalas, gozam de propriedades artrofilas (sobretudo os estreptococcus) e que podem ocasionar o reumatismo humano.

Como agente da endocardite foram encontrados no sangue 1 vez estreptococcus hemoliticus, 4 vezes estreptococcus viridans (SCHOTTMÜLLER), 2 vezes estreptococcus anhemoliticus (enterococcus) e 1 vez estafilococcus aureus e albus. O estreptococcus anearobius, que K. BINGOLD encontrou em 4 casos de endocardites sub-agudas mortais, nunca pôde ser observado. Infelizmente nem todos os casos puderam ser profundamente observadas, no que se refere a sua cultura. Em, dois dos casos em que a presunção, da existencia de germens circulantes no sangue, era quasi certa, não pôde ser demonstrada pela cultura. E' de se vêr que, aqui, tratava-se de germens ultravisiveis.

29 doentes foram tonsilectomisados nos intervalos afebris e 12 em periodos agúdas e sub-agúdas da endocardite. A tendencia a hemorragias, durante e após as operações, era maior nos doentes portadores de endocardites que para os homens, sem perturbações circulatorias. Particularmente nos casos de endocardites agúdas, a frequencia das hemorragias e elevação de temperatura post-operatoria era maior. Em 27 operados sem febre observou-se 6 vezes fortes hemorragias e elevação de temperatura acima de 38.º. Em 12 casos operados, em estado agúdo houve 5 fortes hemorragias e 7 elevações da temperatura. Todos os pacientes, examinados depois, afirmam que depois da extirpação das amigdalas nunca mais tiveram encomodos na garganta. De 20 reexaminados que sofriam, anteriormente, de anginas recidivantes, queixam-se só 3 dentre eles de dôres no deglutir sem febre, 2 de tosse frequente e 2 de aumento na tendencia a catarro bronquico e faringeano depois da tonsilectomia, destes, 3 eram portadores de fortes modificações para o lado do nariz (desvio septo, rinite atrofica, sinusite cronica). Estas perturbações já existiam anteriormente a tonsilectomia e eram, na certa, a causa das sensações observadas para o lado da garganta depois da intervenção cirurgica.

Qual foi o decurso clinico da afecção cardiaca nos 41 pacientes, de endocardite que se sujeitaram a tonsilectomia?

Dois casos foram perdidos de vista; 2 vieram a falecer devido ao enfraquecimento cardiaco, segundo comunicação de seus parentes.

2 vieram a falecer devido ao enfraquecimento cardiaco, segundo comunicação de seus parentes.

Dos 37 restantes vivem, ainda, 23. 14 morreram. Os doentes que ainda vivem, puderam ser reexaminados na clinica excepto um que foi para o estrangeiro, e durante 2 anos, após a tonsilectomia, pode-se estar a par de sua fixa de doente.

Sobre o destino dos mortos existem em parte exames necroscopicos e em parte noticias dos clinicos que os trataram. Geralmente a morte sobrevem no primeiro ano após a intervenção cirurgica, sómente 3 morreram mais tarde (2, 3 e meio e 8 anos depois).

Os demais doentes; ainda vivos, foram divididos: em observados pouco tempo (até 1 ano: 4 doentes); observação longa (2, 5 anos: 10 doentes), observação bem longa (7, 12 anos: 9 doentes).

Para a critica dos exames do coração e de sua capacidade empregou-se a percussão, a ascultação e provas de função, assim tambem foram utilizados os exames radiograficos e o electro-cardiograma. Não deu a tonsilectomia o menor resultado em 4 casos de endocardite lenta tipica (com a existencia de estreptococcus viridans (SCHOTTMÜLLER) no sangue e nos 4 casos já mencionados com tipo de decurso clinico da endocardite lenta com anemia, tumor do baço, nefrite focal de LÖHLEIN, nos quais foram encontrados 2 vezes o estreptococcus anhemoliticos (dicto enterococcus) e 2 vezes nenhum germen pôde ser pesquizado. As pioras, já observadas antes da tonsilectomia, continuaram em aumento e não puderam ser contidas em nenhum desses casos; preciso é que se diga, ainda, que 4 deles foram operados em periodo febril.

Para os 29 restantes com endocardite, nem sempre se pôde notar uma relação entre os que tiveram tendencia a recidivas e o estado da garganta e do exame do coração. Frequentemente a afecção cardiaca melhora com a ausencia das amigdalas. Algumas vezes as condições do coração pioraram sem que perturbações de grande monta se tivessem processado para o lado da garganta. De todos os operados só um, que sofria de um vicio na mitral, adquiriu um outro vicio da aorta, após a tonsilectomia. Uma piora do estado geral se processou para 9 doentes, muito embora tivesse sido abolida a tendencia á anginas após tonsilectomia.

E' muito importante, para o decurso da afecção cardiaca, o grau anterior, ante-operatorio, dos sofrimentos do coração. Para todos os pacientes em que, antes da tonsilectomia, havia sinais de descompensação, houve uma peiora progressiva do estado geral.

Uma melhora evidente, do exame cardiaco, após a tonsilectomia, teve luar para 13 pacientes.
Os sintomas sépticos: febre, tumor do baço, anemia, foram influenciados, beneficamente, em 14 dos 20 casos pela tonsilectomia.

Em 4 casos, ao contrario, novos surtos de endocardites, se processaram; tais casos merecem nossos cuidados.

Uma questão de grande importancia é a de saber-se, segundo a experiencia dos autores, se uma tonsilectomia seria aconselhavel no periodo febril de endocardite. De um modo geral eles só aconselham-na, neste estado, no caso não haver melhora alguma da molestia. Tratar-se-ia, aqui, de uma escolha de casos de mau prognostico. Exceptuados 8 casos do endocardite lenta e casos de semelhante a lenta, que foram tonsilectomisados sem resultado, foram operados em estado agúdo mais 4 pacientes, portadores de endocartites. Dois destes morreram e para o terceiro a endocardite piorou com a intervenção. Resta, no entanto, um caso, provavelmente com endocardite em inicio, que foi beneficamente influenciado pela tonsilectomia.

R. SCHOEN comunicou, tambem, um caso semelhante em que a tonsilectomia praticada logo no inicio da endocardite fez cessá-la. Provavelmnete seria, então, aconselhavel, quando notados os primeiros sinais de uma endocardite, em um paciente portador de uma angina, retirar-se, logo, as amígdalas. Em casos outros não se deve esperar muito, segundo a experiencia dos autores, da pratica da tonsilectomia nos casos de endocardites febris. Ha, ainda, a notar uma peiora, no estado geral, observada algumas vezes.

A pressão sanguínea, em 9 doentes, aumentou muito embora a tonsilectomia; talvez mais do que a admitida pela idade dos pacientes. Por duas vezes a pressão abaixou e nos casos restantes permaneceu sem modificação. Se a comparticipação dos rins tenha sinificação no prognostico, não se póde afirmar com segurança. 16 doentes tinham antes da tonsilectomia o exame de urina positivo. 7 destes doentes devem ser tidos como peiorados após a intervenção. 9 melhorados. Não se deve, pois, considerar comparticipação dos rins como contra-indicação da operação.

De acôrdo com outros autores, não parecem ter os sintomas renais influencia alguma com a pratica intervencionista. Os sintomas subjectivos, concordam, nestes doentes, em regra, com os resultados objectivos dos exames. Sómente duas vezes ele falou contra este modo de ver.

Como causa mortis dos doentes, os pacientes ficaram assim distribuidos: De 14 mortos 4 sofriam de endocardite lenta pura (estreptococcus viridans) e 4 apresentavam o mesmo decurso clinico que o da endocardite lenta. Estes 8 nada obtiveram com a intervenção cirurgica e logo após, com a peiora do estado geral, vieram a falecer.

Dos 6 doentes restantes faleceram 3 em suas casas e 3 na clinica.

Em resumo:

Numa totalidade de 41 doentes com endocardites, 29 foram tonsilectomisados no periodo afebril e 12 em estado agúdo. Deixa ver o seguinte:

1) - Tecnicamente a operação correu bem, mesmo nos casos de endocardite agúda, muito embora nestes as hemorragias e elevações de temperatura fossem observadas, mais frequentemente, que nos operados nos intervalos afebris.

2) - Os exames bacteriologicos, sobretudo nas fórmas septicas, revelaram, frequentemente, a presença do estreptococcus hemoliticus. O estreptococcus viridans (SCHOTTMÜLLER), nunca foi encontrado nas amigdalas, nos casos certos de endocardite lenta com exame sanguíneo positivo. Em 21 casos de endocardite lenta não foram encontrados germens
patologicos, quer no sangue quer nas amígdalas.

3) - De 23 sobreviventes e reexaminados, que sofriam de anginas frequentes, sómente 3 queixaram-se de dôres para deglutir e perturbações, para o lado da garganta. A causa disto
estava, provavelmente, nas modificações existentes do nariz que já tinham sido constatadas antes da intervenção cirurgica. Nestes casos, tambem, o nariz deverá ser tratado.

4) - Em 8 casos de endocardite lenta a tonsilectomia não só retardou como evitou o decurso mortal. Em 13 dos 23 pacientes com endocardite, melhoraram, tambem, com o desaparrecimento dos males da garganta, os exames do coração. Particularmente influenciados foram os casos (14) com sintomas septicos e reumaticos. Não ha nenhuma vantagem na pratica da tonsilectomia nos casos floridos de endocardite febril. Em geral a intervenção será prescrita nos intervalos apireticos.

5) - Mesmo lesões cardiacas já existentes podem melhorar muito com a operação, exceto nos casos em que haja: descompensação que, mesmo com a tonsilectomia e com o desaparecimento das anginas, deve-se esperar uma piora progressiva.

6) - Não constitue contra-indicação á comparticipação dos rins que, mesmo quando da tonsilectomia, muito pouco será influenciado por ela. As sensações subjectivas dos doentes
com endocardite, melhoram, em regra, de acôrdo com o exame da garganta e do coração. Sómente em 2 casos houve discrepancia desta regra.

M. O. R.



(1) Munch. Med. Wch. - An. 81 - Janeiro de 1934.

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