Versão Inglês

Ano:  1934  Vol. 2   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 113 a 117

 

SOBRE UM CASO DE ESTENOSE CICATRICIAL DO LARINGE (1)

Autor(es): Dr. HOMERO CORDEIRO (2)

A estenose cicatricial do laringe é uma afecção secundaria oriunda de uma lesão grave desse orgão.

Varias são as causas responsaveis pela estenose: primeiramente mencionaremos as traumaticas, como contusão, fratura, ferimentos produzidos por instrumentos perfuro-cortantes, por arma de fogo, e principalmente os ferimentos de guerra; as queimaduras por causticos, gazes, raios X e radio; as lesões por corpos estranhos endo-laringêos, e finalmente os traumatismos do laringe resultantes de intervenções urgentes para combater asfixia iminente; praticadas sem a devida tecnica: traqueotomia muito alta ou lateral, intubação muito prolongada (ulceração de decubitus).

Em segundo lugar, citaremos as estenoses causadas por processos inflamatorios agudos, como as observadas na difteria, tifo, escarlatina, sarampo etc. e tambem as consequentes á processos inflamatorios cronicos, como a sifilis, terciaria do laringe, a tuberculose, a lepra, o escleroma e principalmente as condrites e pericondrites.

Por fim, acrescentaremos as produzidas por lesões neoplasicas.

Sob o ponto de vista anatomo-patologico, podemos classificar as estenose do laringe em tres categorias: estenoses mucosas, estenoses cartilaginosas e estenoses mixtas. A gravidade dessas estenoses depende do grau, da forma, da localisação e extensão das lesões.

Inumeros são os metodos empregados para, o tratamento das estenoses, mas na realidade podem ser divididos em dois grupos:

1.º) Metodos endolaringeos de dilatação lenta, progressiva, procedidos ou não de pequenas intervenções.

2.º) Metodos cirurgicos por via externa, isto é, a traqueotomia baixa, a laringostomia ou a traqueo-laringostomia, seguida da dilatação da esténose.

Os primeiros metodos dão na maioria das vezes ecelentes resultados, principalmente quando empregados em tempo oportuno, sob o controle da laringoscopia diréta.

Pelos metodos cirurgicos por via externa serão tratadas as estenoses avançadas quasi infranqueaveis, com perigo de vida dos pacientes.

Feito este rapido resumo, passemos á nossa observação:

A. C. português, com 46 anos, casado, ex-enfermeiro do Hospital da Força Publica, residente nesta Capital.

Historico do doente: Até 5 anos atrás, gosou sempre bôa saude. Acusa passado luetico, tendo feito tratamento irregular. Em 1925 teve forte irritação da garganta e narinas, sem todavia sentir dores. Examinado nessa ocasião, verificou-se tratar de placas mucosas disseminadas no laringe, faringe e fossas nasais que desapareceram com tratamento especifico administrado. Desde essa epoca começou uma leve rouquidão que foi aos poucos aumentando. Em 1928 começou a notar certa dificuldade na respiração, principalmente quando fazia um esforço fisico. Essa falta de ar foi se acentuando gradativamente, principalmente á noite, devido ao acumulo de catarro na glote, que o deixava as vezes asfixico. Como seu estado fosse sempre peorando, resolveu em 1929 fazer, uma viagem até Portugal, na esperança de que, com a mudança, de clima, tiraria proveito para a sua saude. Mas tal não se deu e, como continuasse a passar mal, resolveu consultar um especialista no Porto, tendo este feito o diagnostico ,de provavel neoplasia maligna e aconselhando-o que voltasse ao Brasil, junto aos seus. Ultimamente; como seu estado se agravasse dia a dia, procurou uma das clinicas oto-laringologicas da Capital, tendo os colegas indicado uma traqueotomia de urgencia, o que não quiz se submeter, por ter horror a tal intervenção.

Por indicação de um seu amigo, veio nos procurar em 27 de Novembro de 1930 Causava impressão o seu estado: forte dispnéa, respiração ruidosa com tiragem e cornagem, afonia quasi completa. Ao menor esforço, ficava quasi asfixiado.

Exame do doente: Com dificuldade conseguimos fazer o exame do laringe: o espaço glotico estava reduzido a um pequeno orificio pouco maior que uma cabeça de palito de fosforo, e ao redor massas esbranquiçadas de tecido fibroso cicatricial pareciam ter invadido todo o laringe, mantendo presas, como que soldadas, as cordas vocais e aritnoides. Deante desse quadro dramatico, propuzemos-lhe a traqueotomia imediata, intervenção essa que o paciente se opôz, dizendo textualmente "que preferia morrer a ter que fazer tal operação".

Nessa mesma tarde conduzimos o nosso doente ao Sanatorio de Sta. Catarina, para melhor examiná-lo e nos orientar qual a melhor diretriz a seguir.

Após anestesia previa do laringe com solução cocaina-adrenalina, praticámos com a espatula de Brunings, um minucioso exame e verificámos então, que as aderencias fibrosas formavam uma especie de membrana que se estendia sobre o espaço glotico, havendo apenas perto da comissura anterior aquele pequeno orificio já citado, por onde a respiração se fazia estridulosamente.

Intuitivamente nos veio a idéa de, com um bisturi longo de laringe, incisarmos a membrana e facilitar desse modo a respiração, evitando a traqueotomia que tanto terror causava ao nosso doente.

Praticada a intervenção, conseguimos o que esperavamos: a respiração melhorou sensivelmente, perdendo aquela forma ruidosa que apresentava antes; sentindo-se o paciente bastante aliviado.

Tres dias depois iniciamos a dilatação gradual do laringe com as sondas metalicas rectas e ôcas de Killian-Brunings.



Figura da Sonda de Killian5



Tecnica de dilatação: Anestesia previa com sol. Cocaina-adrenalina (10 %) do laringe e traquéa. Introdução da espatula de Brunings até o laringe e através desta, a sonda metalica ôca. Primeiramente começamos com a sonda mais fina (7 mm.), previamente untada com vaselina, liquida que introduzimos até o 2.º ou 3.º anel da traquéa. Retirada da espatula, ficando a sonda in loco, 20 minutos, que foi perfeitamente suportada. Duas vezes por semana repetiamos a mesma manobra. No fim de 2 meses, passavamos francamente a sonda de 10 mm., mas como o nosso paciente sentia-se fastigado, queixando-se de insonias (talvez devido a cocaina), resolvemos fazê-lo descançar por algum tempo. Somente oito meses depois é que recomeçamos as dilatações, tendo havido nesse intervalo uma leve recidiva da estenose.

No fim de 3 meses davamos por terminadas as dilatações, pois tinhamos chegado á sonda de 13 mm. Recomendamo-lhe, que ao menor embaraço da respiração, procurasse-nos imediatamente.

Passaram-se já 2 anos e continua a passar bem, sem sinal algum de recidiva, apenas persistindo a vóz rouca.

Comentarios: Pela leitura da observação do nosso caso, ficou demonstrado tratar-se de uma estenose progresiva do laringe, produzida pela cicatrisação das ulcerações lueticas, que provavelmente haviam atingido todo o laringe, provocando aquela formação de aspeto membraniforme, que imobilisava as cordas verdadeiras e as aritnoides, dando a impressão que estava tudo soldado num só bloco.

Outro fato que devemos destacar, é a proporção em que ficou reduzida a fenda glotica: um pequeno orificio um pouco maior que a cabeça de um palito de fosforo. A primeira vista; tinha-se a impressão de uma asfixia imediata ou não muito remota. Mas os autores assinalam que na estenose progressiva lenta, o doente tambem vai a ela se adaptando, modificando o ritmo respiratorio e aparentemente procuram disfarçar o grau avançado da lesão. Mas no nosso doente era já impossivel qualquer tentativa de acomodação.

Quanto ás sondas empresadas para a dilatação gradual, inumeros são os tipos e modelos. Demos preferencia as metalicas rectas e ôcas, primeiro, porque tivemos ocasião de, vêr o seu emprego na clinica de Killian em Berlim, e segundo, porque apresentam a dupla vantagem de permitir melhor respiração durante a aplicação e facilitar a expulsão, pela tosse das secreções que se vão acumulando no laringe e traquéa.

Estas sondas devem ser introduzidas delicadamente sem forçar muito a estenose, pois não devemos ter muita pressa na dilatação, repetindo o mesmo calibre durante 2 a 3 sessões seguidas.

As recidivas, como acontece em quase todas estenoses cicatriciais, são possiveis e desse fato devem estar informados os pacientes, para que reiniciem as dilatações, ao menor sinal de embaraço respiratorio.

Receando recidiva, só hoje resolvemos apresentar este nosso caso, dois anos após as ultimas dilatações e depois de termos nos cientificado estar o doente completamente curado, a pesar de continuar com a voz rouca.

RESUME'

DR. HOMERO CORDEIRO - Sur un cas de sténose cicatricielle du larynx.

L'A. présente un cas de sténose laryngée cicatricielle, chez un homme de 46 ans, syphilitique, traité par dilatation graduelle et progressive avec des sondes metalliques droites et creuses, de Killian - Brunings, à travers de la laryngoscopie directe (spatule de Brunings). Actuéllement, deux aprés la dernière série de dilatations, le malade se porte bien, sans récidive. Enrouément.




(1) Comunicação apresentada á Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina,: em 17 de Janeiro de 1934.
(2) Oto-rino-laringologista do Hospital Humberto 1.º

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