Versão Inglês

Ano:  1934  Vol. 2   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 107 a 112

 

INDICAÇÕES E RESULTADOS DA LARINGECTOMIA TOTAL (1)

Autor(es): Dr. GABRIEL PORTO (2)

No tratamento do câncer do laringe, além dos recursos cirurgicos, têm sido recomendados o radium e a radioterapia profunda.

E' incontestavel que a radioterapía profunda e o radium exercem ação manifesta sobre os tumores malignos, tanto no dominio experimental como nas aplicações terapeuticas. Devemos entretanto reconhecer conforme afirma Casadessus (2) que o estudo da ação das irradiações está ainda em seu inicio, apesar das constantes e notaveis pesquizas que se realizam no inundo inteiro.

Si no tratamento do câncer de outras regiões, as irradiações por vezes já podem ser aconselhadas como método de escolha, no câncer intrinseco do laringe na opinião da maior parte dos autores, elas devem ser condenadas. Mesmo os grandes adéptos das irradiações assim se manifestam. Hegener (5) em conferencia. feita em Maio de 1932, com o intuito de demonstrar a superioridade da terapeutica das irradiações sobre a cirurgía, afirma que os blastomas do laringe lucram mais com a cirurgia aplicada por mãos adestradas do que com as irradiações, nocivas as cartilagens laringéas. O método de Seiffert (cit. 4) que consiste em aplicar o radium através janelas abertas nas cartilagens tireóidéas não logrou melhores resultados. Na literatura encontram-se contudo; casos de câncer endo-laringeu curados por estes processos. Principalmente o método de Coutard, (cit. 6) modernamente, tem dado alguns resultados. E' portanto digno dos maiores encômios o esforço empreendido por Sargnon, Lannois, Halphen, Cottenot, Lermoyez, Rigaud, Coutard, Hautant, Garulla e tantos outros com o fito de melhorar os resultados da terapeutica das irradiações, talvez o tratamento ideal no futuro.

Em moderno trabalho sobre o tratamento do câncer do laringe, Duerto (4) conclue que a radioterapía não cura o câncer laringeu e que ela é talvez uma esperança certa e não uma realidade. Casadessus (2) focalizando «O estado atual da cirurgia do laringe diz: «que os resultados obtidos pelas radiações penetrantes no tratamento do câncer laringeu sendo muito, raros e de outro lado oferecendo estas irradiações grandes, inconvenientes para o tratamento cirurgico ulterior, atualmente não se deve aconselhar sua aplicação nas neoplasias laringéas operáveis»

Como se vê a maioria dos autores, estrangeiros não é favoravel ao tratamento pelas irradiações; entre nós se verifica o mesmo.

O Prof J. Marinho e seus ilustres assistentes Paulo Brandão, Estevam de Rezende e Aristides Monteiro, por nós consultados, gentilmente nos informaram que jamais viram câncer do laringe curado pela radioterapia profunda ou pelo radium.

Em São Paulo sobre o mesmo assunto assim se manifestou nosso ilustre coléga Mario Ottoni de Rezende (9): «Nossos doentes que tem sido submetidos a irradiações ainda mesmo em dóses as mais insignificantes tem tido como resultado o mais absoluto insucésso. Quando ouço falar que um portador de câncer do laringe foi tratado pela radioterapia profunda, quasi que garanto que este homem vai morrer mais rapidamente. Não aconselho doente nenhum fazer radioterapia. Todos os casos são quasi que infalivelmente mortais, mesmo aqueles em que se pratique técnica das mais cuidadosas. Si esses cuidados técnicos não forem preenchidos pelo operador, o paciente não durará mais de oito dias. O edema super-agudo o asfixiará rapidamente. E' o que tenho observado.»

O Prof. Paula Santos (12) endossando as ideias do Dr. Mario Ottoni salienta ainda que a radioterapia possue a agravante de colocar o paciente em condições de inoperabilidade.

Quanto a nós devemos dizer que jamais vimos câncer do laringe curado pelo radium ou pela radioterapia profunda. Em todos os casos que acompanhamos o tratamento pela radioterapía profunda, observamos o mais absoluto insucesso. Parece, portanto que atualmente devemos contra-indicar a radioterapia profunda nos neoplasmas intrinsecos do orgão vocal; só á cirurgia compete tais casos. A radioterapia só deverá ser aplicada nos cânceres inoperaveis. Servirá então de consolo ao paciente e permitirá estudos e pesquisas com o fim de se obter melhoria de técnica e dos resultados.

A cirurgia do câncer do laringe compreende duas especies de intervenções, as conservadoras e as radicais ou mutilantes.As primeiras são representadas pela tireotomia e as mutilantes pela laringectomía total.

A tireotomía é indicada nos casos de câncer circunscrito e a laringectomía total nos neoplasmas mais desenvolvidos e intrisecos. A primeira é a operação benigna e conservadora por ideal, respeitando o orgão e sua função, mas, infelizmente, nem sempre póde ser indicada. Os casos ideais para a tireotomia são aqueles em que o neoplasma, ocupando a parte mediana da corda vocal, não atinge o angulo anterior e a apófise vocal apresenta-se com movimentação livre, indicando que as lesões não são profundas.

O aperfeiçoamento técnico nos permite hoje que casos mais avançados sejam tratados pela cirurgia conservadora, graças á tireotomía larga com ressecção cartilaginosa. E' o método que Saint-Clair-Thomson vai vulgarizando com excelentes resultados. Tapia (cit. 3) nos casos de neoplasmas ocupando o angulo anterior tem obtido bons resultados com a tireotomia anterior.

Casadessus para tais casos aconselha a tireotomía seguida de aplicações de radium. Alguns autores são favoraveis a electrocoagulação e ao radium como auxiliares da laringofissura. O método de Sebileau - as laringectomías economicas ao sabor das lesões não tem tido aceitação. Casadessus (2) as classifica de desastrosas e o Prof. Portmann (cit. 3) sábia e pitorescamente nos ensina que na cirurgia do câncer não existem bôas economías.

Entre nós, infelizmente, ainda não existe a fobía cancerosa, de que nos fala Duerto, e que leva os doentes mais precocemente á presença dos especialistas, permitindo assim que as intervenções conservadoras entrem na pratica diaria. E' verdade que na maior parte dos casos cabe alguma culpa aos clinicos e as vezes até aos especialistas; é preciso que se difunda em nossas faculdades e no publico, a noção que todo homem fumante de mais de 40 anos que apresentar rouquidão permanente deve ser considerado um caso suspeito de câncer laringeu, curavel por uma intervenção conservadora, devendo por isso ser enviado sem perda de tempo ao laringologista. Só assim estas intervenções entrarão na pratica diaria. No Brasil devemos citar David de Sanson (11) como o pioneiro da tireotomía, si bem que os resultados obtidos por aquele ilustre colega sejam inferiores aos que ele tem colhido com a laringectomía.

Não temos experiencia da cirurgia conservadora do laringe; todos os nossos doentes de neoplasma se apresentaram em fases mais adiantadas a exigirem a laringectomía total. Muito bem tem sido os resultados da tireotomía: Casadessus (2) obteve 75 % de curas, Colledge e Peacok (3), Saint-Clair Thomson (10) e Chevalier Jackson tiveram 80 % de curas com a laringofissura; Glück é Sorosen 86,5 % (cit. 5) e Schmiegelow 88,8%. (cit. 5).

Infelizmente estas intervenções tão benignas e de resultados tão brilhantes; não podem ser aplicadas a todas neoplasias intrinsecas do laringe. Muitas vezes mesmo devemos recorrer a laringectomía total, operação radical, embora mutilante. Outróra teve tambem em vóga a hemi-laringectomía que hoje tende a ser abandonada; por apresentar maiores inconvenientes e fornecer resultados menos seguros, que a extirpação do orgão vocal. Graças ao aperfeiçoamento técnico moderno: a laringectomia total já póde ser classificada entre as intervenções benignas. As estatisticas recentes mostram que sua mortalidade baixou consideravelmente. Glück e Sörosen (cit. 3) em seus ultimos 100 casos obtiveram 100 % de sucessos operatorios. Colledge e Peackok (3) em 200 laringectomías totais só registraram um óbito. Para Tapia (cit. 3) a mortalidade operatoria foi de 6 %. Em um total de 15 laringectomías (10 da clinica do Prof. Marinho e 5 de Campinas - 2 executados pelo Dr. Mario Gatti e outros 3 por nós) só foi registrado um óbito correspondendo a mortalidade a 6 % dos casos.

A laringectomia total, ao contrario do que se poderia supor a primeira vista, não incapacita totalmente o doente para a luta pela vida. Os laringectomizados, com o uso de aparelhos, pódem falar de modo razoavel, ou o que é ainda melhor, por meio de pseudo-voz, aperfeiçoada pela terapeutica de exercicios, conforme aconselha Stern (13). Ha pouco tempo tivemos oportunidade de ver no Rio de Janeiro um advogado laringectomizado, sem o uso de aparelho entender-se facilmente com seus clientes. Nosso ultimo operado, alguns dias depois de deixar o hospital, já dispensava o lapis e o papel, servindo-se da voz cochichada.

Os resultados obtidos com a extirpação total do orgão vocal (na terapeutica do câncer) pódem ser classificados de óptimos. Tapia (cit. 3) obteve 75 % de curas. Casadessus (2) 80 %. Sebileau (cit. 3) em 13 casos teve uma recidiva - 73 % de curas. São os seguintes resultados colhidos com os nossos 15 laringectomizados (10 da clinica do Prof. J. Marinho e 5 de Campinas): 1 óbito operatorio (chóque), 2 óbitos com recidiva, 1 óbito 2 mêses após operação por miíase da traquéia, 8 casos de cura com sobrevivencia de mais de 3 anos e 3 operados recentemente em bôas condições. Percentagem de curas 66 %.

Tais resultados servem para demonstrar a eficiencia da cirurgía no tratamento do câncer intrinseco do laringe. As estatisticas serão tanto mais brilhantes quanto mais seleccionados forem os casos. Entretanto não nos parece louvavel que o laringologista, no afan de possuir estatisticas brilhantes, só opere os casos óptimos, rejeitando todos os outros em que forem menores as probabilidades de cura. Tal proceder não é razoavel porque a experiencia tem demonstrado que, em materia de câncer do laringe, existe muita cousa obscura. As vezes, neoplasmas operados precocemente recidivam com gravidade e outros operados tardiamente, em estado mais ou menos grave, em periodo quasi inoperavel, não recidivam, apresentando sobrevivencia até de mais de 15 anos. Tal fato levou alguns autores a emitir a opinião paradoxal que os cânceres mais avançados recidivam menos que os em inicio, devido a uma especie de imunisação adquirida pelo organismo. (5ª).

Seguindo a orientação das maiores autoridades no assunto, pensamos que a laringectomía total se impõe:

1.º -Quando o blastoma iniciado em uma metade do laringe ultrapassa a linha mediana adiante, e sobretudo atrás.

2.º -Quando a neoplasia embora limitada a um só lado, se apresenta em individuos com menos de 35 anos.

3.º - Quando o neoplasma, invadindo somente a metade inferior da epiglóte, se extende as cordas.

4.º - Quando a neoplasia começa a ultrapassar o laringe, embora exista integridade do laringe e da lingua.

Do exposto conclue-se:

1.º-A radioterapía profunda não deve ser aconselhada no câncer intrinseco do laringe.

2.º-A cirurgia é atualmente o método de escolha para o tratamento das neoplasias intrínsecas do orgão vocal.

3.º- Os blastomas intrínsecos do laringe quando circunscritos devem ser tratados pela tireotomía e quando mais desenvolvidos pela laringectomia total.

4.º-A tireotomía é operação benigna- oferecendo elevada percentagem de curas.

5.º-A laringectomía total, graças ao aperfeiçoamento técnico moderno, já póde ser classificada de operação benigna; sua mortalidade operatoria é de 6 %. Seus resultados de cura definitiva são bons - 66 %.

RESUME'

DR. GABRIEL PORTO - A' propos des indications et des résultats de la laringectomie totale.

Après une révision dans la littérature étrangère et nationale, 1'Auteur conclut que la chirurgie est la méthode de choix pour le traitement des neoplasies intrinsèques du larynx; actuellement elle donne des meilleurs résultats que la thérapeutique des irradiations. Les neoplasmes intrinsèques et circonscrits de 1'organe vocal doivent être traités par la thyreotomie et les plus avancés par la laryngectomie totale. La téchnique chirurgicale moderne a fait de la laryngectomie totale une operation bénigne; sa mortalité est de 6 % La guérison definitive est verifiée duns 66 % des cas. Tels sont le résultats obtenus dans 15 extirpations du larynx.

BIBLIOGRAFIA

1) Comunicação apresentada á Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina em 17 de Março de 1934.
2) - Casadessus, Prof. - L'état actuel de la chirurgie du larynx. Revue d'Oto-rhino-laryngologie. 1932. - Pag. 835.
3) - Colledge (Lionel) e Peacock (Lionel). - Analysis of 126 cases of malignant desease of the upper air passages treated during a period of ten years 1921-1930. Resumido nos «Les Annales d´Oto-Laryngologie» 1933. N.º 10. Pag. 1233.
4) - Duerto, J. - El tratamento del cancer laringeo, Revue d'Otorhino-laryngologie, 1932. Pags. 415. 547 e 953.
5) - Hegener, J. - Terapeutica das irradiações em Laringo-rino-otologie (Parte Clinica) Resumo da Revista Oto-laringologica de S. Paulo, 1933; n.º 2. Pag. 131.
6) - Kahler-Otto, Die bösartigen Neubildungen des Kehlkopfs. In Hand Buch der Hals-Nasen - Ohrenheilkunde herausgegeben von A. Denker und O. Kahler, Fünfter Band. S. 408.
7) - Molinié, J. - Tumeurs malignes du larynx - Traité pratique d'Oto-rhino-laryngologie. Pag. 690.
8) -Monteiro Aristides - Raios X no tratamento do cancer em oto-rino-laringologia. O Hospital. Ano V. Março 1933, N.º 3.
9) - Rezende, Mario Ottoni de - Comentario á comunicação dos Drs. Paulo Brandão e Estevam de Rezende na Semana de Oto-rino-neuro-oculistica, em São Paulo, 1926. Pag. 116.
10) - Saint Clair Thomson - Le cancer intrinseque du larynx. Revue d'Oto-rhino-laryngologie; 1932. Pag. 689.
11) - Sanson, David - Cancer do laringe. Comunicação á Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro em a Nov. 1929; -Brasil Medico, 1929, n.o 51. Pag. 1579.
12) -Santos, Paula - Comentario a comunicação dos Drs. Paulo Brandão e Estevam de Rezende na Semana de oto-rino-oculistica em S. Paulo, 1926. Pag. 116.
13) - Stern, Hugo - Der Mechanismus der Sprech und Stimmbildung bei Laryngektomierten und bei derartigen Fällen angewandie Uebungstherapie. Handbuch der Hals-Nasen-Ohrenheiikunde. Fünfter Band. Seite 494.




(1) Comunicação apresentada á Secção de Oto-Rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina em 17 de Março de 1934.
(2) Oto-laringologista do instituto Penido Burnier - Campinas

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