Ano: 1934 Vol. 2 Ed. 2 - Março - Abril - (2º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 100 a 106
SOBRE DOIS CASOS DE PAPILOMAS RECIDIVANTES DO LARINGE TIPO JUVENIL. (1)
Autor(es): DR. MARIO OTTONI DE REZENDE (2)
Sabemos, perfeitamente, que nada de novo poderemos apresentar, com este estudo, ao conhecimento da Casa, mas animou-nos trazê-lo, não sua raridade que, infelizmente, não existe, mas a relação das dificuldades decorrentes do tratamento de tal afecção, particularmente nas creancinhas. Uma delas já se sujeitou a perto de 30 intervenções cirurgicas; hoje está quasi bôa, mas não ainda restituida, por completo, a sua saúde normal e á fisiologia de seu orgão fonatario. Outra curou-se com o emprego de uma medicação interna, que, em todo caso, merece ser conhecida.
Outros ensinamentos não possuem as observações apresentadas. Como recordação do que merece avivado aos espiritos alertas dos especialistas desta Casa, daremos uma grande serie de processos e metodos aplicados ao tratamento de tão desanimadora afecção, para os medicos e para os pacientes.
l.ª observação: - A. M. F., com 3 anos e meio de idade, brasileira, branca, residente em S. Paulo.
Procurou-nos em 31 de Março de 1930, enviada por um nosso distinto colega. Diz o pai da criança que, ha mais ou menos, um ano, fôra operada de mastoidite e 3 meses após; devido a deficiencia de cicatrisação, da ferida, foi operada, tambem, das vegetações adenoides, tendo se processado, então, a cura da ferida mastoidéa. Desde a operação da mastoide que a menina andava rouca e, esta rouquidão persiste até agora, e em grau mais intenso, ocasionando, por vezes, grandes sustos a seus pais, tal o grau de asfixia.
EXAME: - Criança bem nutrida, ligeiramente cianotica, com respiração estridulosa e tiragem intensa ao nível da furcula external e do epigastrio. O tipo respiratorio indicava, conforme os ensinamentos de Chevalier-Jackson, uma obstrução alta, laringéa, das vias aéreas.
Pela laringoscopia pudemos observar um tumor, de aspeto de couve-flor, enchendo; quasi que completamente, todo o laringe.
Diagnostico: - Papiloma do laringe, pela idade e pelo aspeto carateristico da lesão tumoral.
Intervenção: - No dia 9-5-1930 praticamos a primeira intervenção, em laringoscopia direta, por meio do aparelho de Seiffert, realisando o rebarbamento das massas tumorais, que se assestavam, sobretudo, ao nivel da parede posterior, do laringe. Ao finalisarmos a intervenção, feita em anestesia geral ao cloroformio, a doentinha teve uma alerta respiratoria que nos obrigou a praticar, incontinente, a traqueotomia.
Exame histopatologico: - Feito pelo DR. HUMBERTO CERRUTI, revelou, como esperavamos - Papiloma juvenil.
No dia 17-5-1930, isto é, 8 dias após, praticavamos nova intervenção, esta já sem anestesia alguma, e com a ajuda da espatula de Brünnings, tão sómente, tendo retirado, de novo, grande quantidade de tecido tumoral. Em 9-7-1930 - Nova operação com o mesmo resultado. Desta data até 20-8-1930, foram aplicadas 3 dóses de Raios X, durando cada uma, 6 minutos e 15 % H. E. D. Em 20-8-1930 reoperada de novo. Em Setembro, além das operações, aplicamos acido tanico, em pó, localmente. Continuamos reoperando quando necessario e modificando a terapeutica local, mais com fito experimental que com a crença da cura. Assim foram usados: o acido lactico a 80% e o alcool absoluto. A aplicação do acido tanico produziu tal reação que chegamos a pensar em pericondrite. Em principios de Setembro tivemos que reabrir a traqueotomia, que já estava curada e daí até final do tratamento não pudemos mais retirar a canula traqueal. Esta doentinha foi reoperada, perto de 30 vezes entre 9-5-1930 até 14-11-1931, isto é durante um ano e meio. Nesta ultima data foi retirada a canula traqueal, tendo sido praticada a ultima operação um mês antes. Revimos a doentinha em 29-1-1932, completamente curada de seu papiloma, mas conservando, ainda, um estado de rouquidão bem acentuado. Respiração normal, estado geral ótimo. Nos ultimos mêses aplicamos, localmente por varias vezes, alcool absoluto. Sofreu, ainda, em Outubro de 1933, mais duas intervenções por pequena recidiva. Hoje, 17-1-33 a doentinha continua muito bem.
Epicrise: - Trata-se um caso de papilomatose laringea, com obstrução completa do laringe, em uma criança de 3 anos e meio de idade e que já havia sido operada de vegetações adenoides e de mastoidite; por outro colega. Isto já indicava grande deficiencia de defesa organica. Esta papilomatose já aparecera no decorrer das primeiras afecções operadas. Nosso fim, ao apresentar este caso clinica, foi o de mais uma vez, recordar aos distintos colegas, o que já estão fartos de saber, mas que não faz mal algum o recordar, e é a dificuldade, quasi sobreumana, de podermos vencer, com galhardia, esta afecção tão tenazmente recidivante.
Podemos afiançar que, por varias vezes, chegamos quasi a desanimar de obter a cura. Medicações as mais variadas não traziam melhora alguma, operações sobre operações punham em cheque a paciencia do medico e, mais ainda, dos pais da criancinha. Estribado nos conhecimentos e na enorme pratica de CHEVALIER JACKSON, insistimos na repetição do rebarbeamento das massas tumorais, até que, como ele já o afirmára, um dia deixou o tumor de crescer e a doente poude ter repouso e alivio, de sua terrivel e incómoda molestia, unida ao dissabor e aos perigos que corria com o uso forçado da canula traqueal. Pareceu-nos que após o uso do alcool absoluto o tumor regrediu e perdeu sua exuberancia de crescimento.
As operações sem anestesia; conforme a pratica de CHEVALIER JACKSON, que assim atúa até nos adultos, afasta os perigos dela decorrentes e é de grande simplicidade nas crianças. Estas habituam-se ás manobras por tal fôrma que, quando deitadas, abrem logo as boquinhas e, sem protestar, deixam-nas fazer. Não é má a aplicação, por alguns momentos, logo que tivermos o laringe á mostra, de um porta algodão com cocaína a 10% e adrenalina. Isto nos facilitará a intervenção, abolindo o reflexo de constrição do laringe e, ainda, diminuindo a perda sanguinea que viría perturbar a visibilidade do campo operatorio.
2.ª observação: - N. M., 3 anos, pardo, brasileiro, residente em S. Paulo.
Vimo-lo, pela primeira vez, em Fevereiro de 1932. Sua mãe, que o acompanhava, dizia que ha 2 mêses ficára rouco e ha 15 dias peorara da rouquidão e além desta, tinha, ás vezes, pequenos acessos de asfixia que aumentava quando fazia qualquer esforço.
Menino bem nutrido e robusto, apresentava-se ligeiramente asfixico com tiragem ao nível da furcula external e do epigastrio. A asfixia aumentava; grandemente, quando chorava, arroxeando-lhe a face.
Já o aspeto da tiragem era carateristico de um impedimento, no transito do ar ao nivel do laringe. CHEVALIER JACKSON considera a tiragem ao nível da furcula external e do epigastrio como sinal patognomonico de uma obstrução alta do aparelho respiratorio. Pelo exame praticado pela laringoscopia indireta notamos a presença de um tumor bocelado e franjado, dando o aspeto de uma couve-flor, ao nivel da corda vocal esquerda, que estava tomado pelo neoplasma, em toda sua extensão, sobretudo em sua parte anterior e na base da epiglote.
Diagnostico: - Papiloma da corda vocal esquerda.
Retiramos, logo em seguida, pela laringoscopia direta, com a espatula de Brünnings, grande parte do tumor que foi enviada ao DR. CERRUTI de cujo exame o resultado confirmou o diagnostico clinico.
Esta creança, voltou 15 dias depois de tal modo asfixiada que não tivemos remedio senão praticarmos uma traqueotomia de urgência. Por mais 2 ou 3 vezes fizemos o rebarbeamento do tumor em laringoscopia direta e sem anestesia. A indocilidade do pequeno fez-nos descontinuar o tratamento cirurgico e de acordo com os ensinamentos da escola francesa, resolvemos experimentar a ação dos alcalinos em dóse elevada, por algum tempo.. Receitamos-lhe 4 gramas de magnesia calcinada por dia, podendo esta dóse ser elevada a 6 gramas nas 24 horas.
O doentinho fez uso desta medicação pelo espaço de 6 mêses, e voltou ao exame que demonstrou regressão quasi completa das massas tumorais, e por tal fôrma que nos animou a retirar a canula traqueal de que era portador.
A medicação foi continuada e é ainda usada até hoje, na dóse de 2 gramas por dia. Atualmente fala e respira normalmente.
Epicrise - Trata-se de uma creança de 3 anos, portadora de papilomas difusos da corda vocal esquerda, diagnosticada pela laringoscopia indireta e confirmado pelo laboratorio.
Operada recidivou, rapidamente, necessitando traqueotomia. Reoperada, por diversas vezes, não tirou resultado. Praticada medicação alcalina, pela magnesia calcinada na dóse de 4 a 6 gramas diarias, curou-se em 6 mêses de uso continuo do remedio. Hoje está são com restitutio completo da voz que é quasi normal.
A nossa primeira doentinha está, tambem, em uso desta mesma medicação, mas em dóses menores, por não se dar bem com ela, vomitando quasi sempre o medicamento.
Suficientemente conhecida a anatomia patologica dos papilomas, não se torna necessario repetir aqui a magnifica descrição feita, não só por muitos anatomo-patologistas, como e sobretudo por SEIFFERT e KAHN, em seu otimo Atlas de Histo-patologia do nariz, cavidade bucal e laringe, publicado em Wiesbaden em 1895.
OERTEL, divide-os em tres fórmas, até hoje aceitas pelos clínicos e que são: 1.ª) - representada por nodulos variando de tamanho; desde uma semente de canhamo até uma de ervilha, possuindo superfície lisa raramente desigual, quasi sempre pediculado sobre a camada mucosa; 2.ª) - fórma glandular que póde tomar a fórma de uma pelouse, tendo em vista o tamanha de seus nodulos. A 3.ª fórma impõe-se pela grandeza de sua expansão; as néo-formações são em grande numero, reunidas em nodulos, variando de tamanho desde um grão de arroz a uma ervilha e que se distribuem de forma compata semelhando couve-flor, e, geralmente, transbordando os limites do laringe.
Terapeutica: - Nos papilomas duros; isolados, a retirada, pelas pinças laringeas para polipos e mesmo pelas alças frias, é de regra. Os papilomas nos adultos devem ser examinados histo-patologicamente; dada a possibilidade de sua degeneração. As alças quentes não devem ser empregadas, devido a grande reação local que costumam produzir. A dificuldade começa com os casos de papilomas multiplos recidivantes. Trata-se, aqui, não sómente, da possibilidade de nova proliferação in loco, como tambem da invasão de outros territorios do laringe e das vias aéreas. Muito embora todas as pesquizas feitas pela cirurgia do laringe e das vias aéreas superiores, para resolver ;o problema de que tratamos, é preciso dizer-se que seus resultados não satisfazem e tem sido extraordinariamente incertos. Muitas molestias foram responsabilisadas pelo aparecimento dos papilomas: a escrofulose, a anemia, a predisposição á tuberculose, á sifilis hereditaria, etc. Muitos laringologistas negam, porém, esta origem; assim A. THOST, não a confirma no estudo de seus casos.
WERNER que possue estudos completos sobre os papilomas, acha que a causa principal da origem deles, reside numa irrigação exagerada da mucosa laringea. Segundo ele a cooparticipação dos vasos sanguineos na formação dos papilomas, não tem sido estudada convenientemente. A congestão local fórma a base da hiperplasia. Assim, para este autor, ao contrario da anemia, escrofulose, etc., a vegetação papilomatosa basea-se, mais, num estado hiperemico. Esta suposição está de acordo com as idéas de muitos autores, que atribuem a causa do aparecimento dos papilomas, ao sarampo, ao catarro cronico, a coqueluche, etc. Os exantemas agúdos, nas creanças, têm forte papel etiologico na origem deles, mas dado o resumido numero de casos de papilomas, ao lado dos inumeraveis casos de exantemas, torna-se necessario a ligação desta causa á determinada disposição individual. Assim, a molestia estará ligada, não a uma, mas a diversas causas. THOST pensa que esta disposição não será só local, mas geral, assim observa a concomitancia com os papilomas do laringe, das verrugas da pele.
ROSENBERG, BAUMGARTEN e outros, dada a observação, mais comum, dos papilomas do laringe, na camada popular e, ainda a ocurrencia das moléstias em varios membros da mesma familia, supõem que a origem destes tumores está ligada a um estado constitucional, que poderia ser combatido por uma medicação dirigida no sentido de modificá-lo e corrigí-lo, evitando as recidivas.
Como modificação de uso interno, o arsénico é o mais empregado. BLUMENFELD, porém, nunca tirou resultado com seu emprego. ERLICH acha, no entanto, que a aplicação subcutanea ou intravenosa deste medicamento dá resultados positivos: cacodilato de sodio. O iodo tem sido empregado, sobretudo combinado ao arsenico. Particularmente aconselhada tem sido a medicação alcalina; assim COOPER aconselha o uso de um cálice de agua de cal depois de cada refeição. A magnesia calcinada tem sido a mais empregada, a dose ,acha-se na proximidade de 4 gramas diarias, durante muito tempo, até que o papiloma desapareça.
O nosso segundo caso obteve a cura graças a esta medicação.
Como medicação local têm sido aconselhado: acido cromico, acido lactico, acido tricloracetico, nitrato de prata, etc. e mais recentemente o cloreto de zinco. O alcool absoluto deu bons resultados nas mãos de BRONNER e GRANT e as pulverisações de formalina em solução a 1 %. O acido azotico foi empregado por WITMACK.
Dada a semelhança entre os papilomas e as verrugas, e como estas tendem a desaparecer espontaneamente, muitos autores desaconselham qualquer intervenção ou tratamento local, afim de evitar-se a irritação e consequente proliferação do epitelio. Sómente os casos graves devem ser operados e com cuidado, afim de que não seja ofendida a mucosa sã.
No caso de intervenção esta deve constituir; de acorda com a opinião da maioria dos laringologistas, no simples rebarbeamento das massas tumorais, sem ofender o epitelio são. O modo de se praticar varia com cada cirurgião sendo que, hoje, a retirada pelas vias naturais e sem anestesia, deve ser a preferida por inocua e de facil manejo. ROSENBERG prefere, como instrumento, o uso: da alça, por ser inofensiva em mãos habeis. Nos papilomas pequenos, em que a alça não dá pegada, usa-se pequenas curetas, e mesmo pinças, empregadas com cuidado. VOLTALINI emprega a esponja armada na extremidade de um fio e introduzida no laringe e retirada esfregando e deslocando assim as pequenas massas tumorais.
HARMER, da clinica de CHIARI, empregava um processo semelhante e que era praticado por meio de uma escova de cabelo após cocainização.
Tambem os tubos de O'DWYER e as bolsas de THOST, foram empregadas como metodos de tratamento, aqueles sobretudo nos casos de dispnéa.
O radium constitue, tambem um dos meios de luta contra os papilomas; o modo de seu emprego varia com os autores, sobretudo no que se refere a dosarem e a filtração. A anestesia é necessaria, afim de que seja evitada a tosse. Os Raios X são empregados, sobretudo nas creanças. A fulguração após tireotomia é, tambem, usada.
BLUMENFELD diz «que os casos benignos saram com ou sem os numerosos medicamentos aconselhados; os casos graves nunca se curam». A traqueotomia favorece a cura, pelo repouso que dá ao laringe. Casos ha, porém, em que ela nenhum valor tem e que, muito embora uma permanencia da canula por anos seguidos, os papilomas permanecerão na mesma.
O prognostico dos papilomas é sério. ROSENBERG em 170 casos encontrou 31 mortes. Numerosos autores referem-se á casos de morte. Para as creancinhas ele é mais grave que para os mais idosos; assim de 5 anos, em diante, os casos de morte são raros. A sufocação, a pneumonia, as molestias agúdas da infancia, especialmente o sarampo e a difteria, são, as causas de morte mais comuns.
RESUME'
DR. MARIO OTTONI DE REZENDE - Sur deux cas de papillomes du larynx chèz deux l'enfants.
L'A. rapporte deux cas de papillomes du larynx chèz deux enfants:
Dans le 1.e cas, une fille de 3 1/2 ans, la guérison survint seulement après trente séances d'ablations des masses, sous le contrôle de la laryngoscopie directe, sans anesthésie.
Dans le 2.e cas, un garçon dá 3 ans, l'A. a amené la guérison; par l'emploi prolongé de la magnésie calcinée (4-6 grs. par jour).
(1) Comunicação apresentada á Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina, em 17 de Janeiro de 1934.
(2) Oto-rino-laringologista da Santa Casa de S. Paulo