Versão Inglês

Ano:  1934  Vol. 2   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 01 a 10

 

UM CASO DE PÊNFIGO DAS MUCOSAS (1)

Autor(es): PROF. DR. ADOLPHO LINDENBERG
DR. MARIO OTTONI DE REZENDE

Santa Casa de São Paulo

O caso que vamos apresentará consideração da casa e daqueles que podemos intitular de raro. O Prof. Adolpho Lindenberg observou, ha tempos, um caso identico, em que era atacada a mucosa ocular e o que agora vamos demonstrar, o Prof. Lindenberg e quem vos fala, é, talvez, o primeiro caso descrito em São Paulo e quiçá, no Brasil. A literatura nacional compulsada não nos deu a conhecer nada de semelhante; em todo caso estas afirmativas são feitas com todas as reservas necessarias. Em outros paizes, no entanto, esta molestia já tem sido, não raramente, observada sobretudo em Viena.

As considerações gerais que, em seguida, fazemos sobre o pênfigo, não nos pertencem, mas sim á OTTO KREN, de Viena (Handbuch der Hals - Nasen-Ohrenheilkunde - Denker - Kahler - Vol. 4º - Pag. 516 e seguintes).

J. M. - 50 anos - Brasileira - Casada - São Paulo.

Doente vista, pela primeira vez, em 30 de Janeiro de 1933.

Conta que ha 2 anos começou, a arranhar a garganta, com sensação de ardor e sem doer. Garganta vermelha. Esta vermelhidão foi, aos poucos, alastrando por toda a boca e em alguns pontos apareceram manchas brancas no meio da vermelhidão. Estas manchas brancas aumentaram grandemente com o tempo. Estes sintomas e lesões apareceram, tambem, na mucosa vaginal e anal com a formação das mesmas placas brancas, a que já se referiu. Nunca teve febre, dôres de cabeça ou outras.

Doia muito para engulir. Fez tratamento os mais variados sem o minimo resultado.

EXAME: - Doente bastante emagrecida. Palato mole: sobretudo em seus pilares, apresentando forte eritema, de aspéto esfoliativo. Estas lesões propagavam-se, em ilhotas, pela parte posterior do palato duro. Nas bochechas, (fig. 1) sobretudo do lado direito, é que elas eram maiores, com formação de esfoliações epiteliais bastante extensas. Dir-se-ia tratar-se de enorme placa de leucoplasia cheia de grandes fendas e sobre um fundo vermelho, levemente arroxeado. A impressão, a primeira vista era que se tratasse de sapinho ou difteria. Nos labios (fig. 2) lesões identicas existiam, no superior e no inferior, não diferindo das do interior da boca senão pelo aspéto ulceroso e proliferante. A epiglote em sua face externa, interna e bordo apresentava-se, assim como a prega ari-epigiotica de ambos os lados, com as mesmas lesões observadas na boca. Refere a paciente que as tinha, tambem, nos orgãos genitais e em torno do orificio anal(?)

DIAGNOSTICO CLINICO - Pênfigo das mucosas.

Sujeita, pelo Prof. Lindenberg, ao tratamento pela Germanina aconselhado com insistencia pelos alemães, a paciente melhorou extraordinariamente, a ponto de podermos considerá-la como curada.

Atualmente, 14 de Outubro de 1933, todas as lesões descritas resumem-se no seguinte:

a) - as do palato mole, palato duro e labios desapareceram por completo;

b) - as da bochecha á direita quasi cicatrisadas, observando-se, porém, ainda, leve processo leucoplasico sem esfoliamento mucoso;

c) - bochecha esquerda em sua parte bem posterior e inferior uma placa, de aspéto leucoplasico, que indica, ainda, a necessidade de continuar-se o tratamento;

d) - labios quasi completamente sãos, havendo pequenissima ulceração na parte mediana e interna do labio inferior;

e) - laringe são.

Estado geral da paciente melhorou extraordinariamente, tendo engordado bastante.

As formações bulosas das mucosas são comuns ao pênfigo, ao eritema multiforme, aos enantemas produzidos por medicamentos etc., só, porém, as circustancias que as acompanham caraterisam a molestia. Estas vesiculas desaparecem, rapidamente, pelos inumeros traumatismos que se processam na cavidade bucal e, ainda, pela gracilidade da camada cornea, que não resiste a estes traumas. As lesões deixadas pela rutura das vesiculas, e é o que se observa comumente, podem ser pequenas ou grandes, estas quasi sempre produzidas pela confluencia de varias vesiculas pequenas. Assestam-se, de preferencia, no palato mole, isoladas ou confluentes, desde o tamanho de uma cabeça de alfinete até a formação de fócos difusos, de aspeto e revestimento branco-amarelado ou quando pequenas, de côr vermelha, puntiformes e correspondendo aos orificios glandulares. Podemos exprimir o aspeto apresentado, dizendo que ele se aproxima do de uma queimadura da mucosa de 2.º grau. Quando sem o revestimento do enduto epitelial, que cobre as lesões, a camada epitelial mais profunda nos aparece com uma grande riqueza em vasos sanguineos, que lhes dão colorido vermelho intenso. De seguida o néo-epitelio invado a parte desepitelisada e pode ser reconhecido pela coloração branco-azulada que o caraterisa.



Fig. 1



Fig. 2



"Assim o esfoliamento do epitelio, ao lado do epitelio branco-azulado de néoformação, separados por erosões ainda abertas tudo isto com ligeiro processo inflamatorio, caraterisa, ainda, a pênfigo vulgar".

Ao lado desta fórma típica, existe ainda, mencionada na literatura, a fórma ulcerosa que não se enquadra, no entanto, no tipo classico.

A cura do pênfigo vulgar se processa sem cicatriz alguma, quando muito seguida de leve pigmentação na zona que fôra afetada. Os pontos de eleição em que o pênfigo aparece são sobretudo o palato mole, em menor intensidade, o palato duro e as bochechas. As gengivas são raramente atacadas. A lingua, por vezes, apresenta a molestia, sobretudo em fórma de aftas e nos casos agúdos, póde, mesmo, perder parte do seu revestimento epitelial. Os labios podem ser portadores da molestia, mas só em sua parte vermelha. As erosões revestidas de crostas ou massas sanguinolentas, são as afecções mais observadas. A garganta é raramente atacada.

Dôres de queimadura, agulhadas; podem ser intensas, mas, geralmente, são suportaveis. Quasi sempre a sensação dolorosa perturba a alimentação, fazendo com que os pacientes sofram com a falta de alimentos. Acessos de sufocação podem ter lugar, quando da localisação da molestia no laringe, na epiglote e traquéa, podendo necessitar a pratica da traqueotomia O paciente póde ficar febril. O prognostico é duvidoso para alguns casos; para varios é infausto e muitos curam-se. Variará de conformidade com a extensão da molestia e da fórma agúda porque se mostrarem, dependendo ele da maior ou menor fórma por que se apresentar afetada a pele.

As diferentes fórmas do pênfigo: vulgaris, foliaceus e vegetans. observadas na pele, não apresentam esta diferenciação nas mucosas, mas não ocasionam nestas sinão o sintoma de descamação epitelial. Comumente o pênfigo vegetante reage na pele que se avisinha da boca, com ulcerações papilares, como acontece, claramente, nos labios, muito embora na mucosa, propriamente dita, quasi nunca ou raramente elas se formam. Alguns autores, no entanto, observaram estas vegetações mesmo nas mucosas, assim BLOCH, FUSS, v. ZUMBUSCH, HERXHEIMER, descreveram-nas em variados sitios da cavidade bucal excetuando-se o palato, as bochechas, parte inferior da lingua onde, si bem que as vesicular sejam encontradiças, vegetações nunca foram descritas.

Como diagnostico diferencial devemos ter em mente o eritema, multiforme que, sobretudo na sua fórma vesicular, é de extrema semelhança com o pênfigo a cronicidade da molestia e sua persistencia, sem intervalos de cura aparente, como é de habito na eritema, faz pensar no pênfigo. A confluencia das vesicular, a perda sanguinea das erosões são sintomas do pênfigo. A inflamação, ao contrario, é mais comum no eritema multiforme. Os sintomas subjetivos são identicos a ambos; sem os carateristicos apresentados pelas lesões da pele, muitas vezes, o diagnostico é de extrema dificuldade. Devemos não perder de memoria os eritemas com vesicular, produzidos pela antipirina e, sobretudo, pelo iodo, quando usados prolongadamente.

Finalmente, a cronicidade do decurso fala quasi sempre pelo pênfigo; assim, erosões serpiginosas, em corôas de faixas estreitas com os centros revestidos de epitelio, ou erosões, maiores, com ou sem depositos epiteliais frescos ou antigos, possuindo, ainda, no mesmo quadro, ao lado de uma epitelisação completa, vesiculas frescas, etc., isto é, o encontro de lesões recentes, velhas e velhissimas, isto é, lesões curadas, no mesmo paciente, umas ao lado das outras, permite firmar-se o diagnostico de pênfigo.

Ainda outras dermatoses podem confundir-se com o pênfigo, o lichen ruber planus, o lupus eritematoides, a epidermolisis bulosa hereditaria, a lues, as aftas cronicas recidivantes, etc.; estas, porém, possuem carateres outros que raramente escapam ao olhar perspicaz de um dermatologista experimentado.

O professor Adolpho Lindenberg descreve; em seguida, a parte referente á histopatologia e ao tratamento do caso clinico em apreço:

"Apresentava a doente na mucosa bucal, zonas extensas de uma superficie vermelha erosada, apresentando no centro placas roseas esbranquiçadas, salientes, mas achatadas e lisas, á maneira de membranas difteroides.

Na saliva colhida na boca, veem flutuando pequenos retalhos de epitelio. As membranas centrais deslocam-se com facilidade, embora revelando alguma aderencia. O corte (Fig. 3) mostra serem as mesmas constituidas só por tecido epitelial hipertrofiado, com notavel acantose nas camadas inferiores e hiperkeratose, muito irregular, nas superiores, onde ainda sai veem muitas celulas nucleadas e algumas em diskeratose.



Fig. 3



Fig. 4


Destacada a membrana, em cuja base se viam bem as reintrancias correspondentes ás saliencias papilares, notava-se uma superficie vermelha viva, humida, exatamente igual á adjacente as membranas.

Alguns dias mais tarde, apresentou a doente uma placa no labio, com o mesmo carater, mas de superficie mais saliente e irregular. O corte aí nos permitiu verificar as relações do derma com a lesão epitelial. Notamos aí (Fig. 4) no epitélio, o mesmo espessamento das camadas, acompanhado de diskeratose, notando-se, tambem, no derma, um acentuado aumento das papilas. A esquerda da preparação, a alteração epitelial exagera-se e a membrana epitelial separa-se expontaneamente do derma, deixando entre um e outro um espaço vasio, á maneira de bolha em formação. O derma, tanto nas camadas mais profundas como nas superficiais, apresenta um edema acentuado, com vasos dilatados e aumento dos espaços linfaticos, que confluem uns com os outros. Na zona correspondente á maior lesão epitelial, a infiltração no derma, de celulas redondas, é muito acentuada.

Este maior comprometimento do derma em relação com a maior lesão do epitelio, justifica o diagnostico de Pênfigo vegetante, distinguindo-se assim das outras variedades de Pênfigo, onde a reação do derma é insignificante, limitando-se a lesão, sobretudo, ao epitelio (epiteliose).

Com relação ao tratamento, resolvi ensaiar no caso em apreço a Germanina.

Este preparado usado já ha muito tempo, com grande sucesso, na Tripanosomiase Africana (molestia do sono), foi ensaiado com proveito no pênfigo, por Veil, na Alemanha,, que admitia a hipotese de poder ser o pênfigo, aliás de etiologia desconhecida, de natureza parasitaria.

As experiencias de Veil foram coroadas de sucesso, e hoje conhecem-se já muitas dezenas de casos de pênfigo tratados, com resultado, figurando entre eles a dermatite de Duhring e alguns de pênfigus foliaceus.

Não tenho conhecimento de nenhum caso de Pênfigo vegetante curado com a Germanina. Resolvi, entretanto, ensaiar, no caso, tendo em vista a faze incipiente da molestia.

A Germanina é usada em injeções intra-venosas, em solução a 10 %, variando a dose de alguns centigramos a 1 gr., injetada em dias alternados, ou com maior intervalo.

A marcha do tratamento será orientada pela albuminuria, que poderá aparecer, já ao cabo de algumas injeções, e por um exantema, podendo sobrevir logo após a primeira injeção. Estas complicações são de carater benigno, mas a repetição das injeções apressa a recidiva das mesmas.

A marcha do tratamento foi a seguinte:

22-4-3 -Inj. 0,5 germanina.
27-4-3 -Inj. 0,5 germanina.

No dia seguinte a doente acusou febre a 39.º e um exantema generalisado na face e nos membros; de carater eritematoso, sem formação de bolhas e que desapareceu ao cabo de 8 dias. Ensaiou-se a desensibilisação, injetando por via sub-cutanea, no dia 23-5-1933 - 0,1 de germanina.

A injeção produziu reação inflamatoria muito dolorosa no local da mesma; não houve, porém, reprodução do exantema. A vista disto, prosegue-se no tratamento:

26-5-33 -- 0,3 germanina
31-5-33 -- 0,3 "
7-6-33 -- 0,4 "
12-6-31 -- 0,5 "
17-6-33 -- 0,6 "
23-6-33 -- 0,6 "
1-7-33 -- 0,3 "
8-7-33 -- 0,3 "
15-7-33 -- Albumina na urina.

Até aqui o doente tomou 4 g. 4 e as melhoras têm vindo se acentuando, a epitelisação normal vae se fazendo na mucosa da boca, restando, ainda, duas pequenas placas na face
interna das bochechas. Manifestações bolhosas que logo no principio do tratamento tinham aparecido nos membros, nas orelhas e na vagina, desapareceram por completo. Estado geral muito bom. A doente engorda.

12-7-1933 -- Albumina positiva
5-8-1933 -- Albumina negativa. Inj. 0,3 germanina.
12-8-1933 --- 0,3 germanina
19-8-1933 --- 0,3 "
26-8-1933 -- 0,3 "
26-8-1933 - Albumina positiva
12-9-1938 -- Albumina negativa 0,4 germanina
21-9-1933 - 0,5 germanina
4-10-1933 -- 0,5 "
12-10-1933 -- Albumina positiva
23-10-1933 - Albumina positiva
14-11-1932 -- Albumina positiva
20-11-1931 -- Albumina negativa - Inj. 0,5 germanina.

A 27-11-1933, a doente apresentou-se livre de qualquer lesão para o lado das mucosas. Dois mezes depois, em 30-1-1934, voltou á consulta mostrando ao nivel da mucosa das bochechas, uma pequena recediva sob a fórma de pequenas placas salientes, uma de cada lado, mais ou menos de 2 centimetros de diametro. Não acusando albumina na urina, e com estado geral muito bom, recomeçou-se o tratamento, de cujo resultado dar-se-á, conta oportunamente.

Como conclusões:

1) - trata-se de um caso, bem raro, de Pênfigo vegetante da mucosa bucal, confirmado pela clinica e pelo microscopio;

2) - o tratamento pela Germanina póde ser tido como otimo, tendo-se em vista a gravidade com que, geralmente, se apresentam tais casos e sua resistencia a qualquer metodo terapeutico;

3) - resalta, ainda, que o Pênfigo vegetante é, dentre os que afetam as mucosas, o de consequencias mais sérias.

4) - a disensibilisação pela injecção hipodermica da Germanina, em dose minima, parece ter favorecido a possibilidade da continuação da cura, fazendo desaparecer os sintomas que a impediam (albumina e exantema).

ZUSAMMENFASSUNG

Prof. Dr. Adolpho Lindenberg und Dr. Mario Ottoni de Rezende -
Uber ein Fall von Schleimhautpemphigus.

Es wird über einen Fall von SchIeimhautpemphigus berichtet, welcher als "Pemphigus vegetans" diagnosticiert wurde und in dem der Germaninbebandlung einen vorläufig Erfolg gezeitigt hatte, insofern als nach einem vollkommenen Schwinden der Erscheinungen, ein kleines Recidiv nach zwei Monaten sich einstellte.




(1)Comunicação apresentada a Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina, em 18-12-1933.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial