Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Editorial

Páginas: 209 a 236

 

2.ª SEMANA DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA

Autor(es): -

REUNIDA DE 6 A 11 DE JULHO DE 1936 EM S. PAULO

SOB OS AUSPICIOS DA SOCIEDADE DE MEDICINA E CIRURGIA DE S. PAULO

SESSÃO INAUGURAL

Antes do inicio da sessão inaugural da SEGUNDA SEMANA DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA, a SOCIEDADE DE MEDICINA E CIRURGIA DE S. PAULO realisou uma sessão ordinaria com o fim especial de receber como socios correspondentes extrangeiros os Snr. Profs. Pedro Belou, do Instituto de Anatomia da Universidade de Buenos Aires e, Justo Alonso, catedratico de Oto-Rino-I,aringologia da Faculdade de Medicina de Montevidéo,. e como socios correspondentes nacionais os Snrs. Profs. Ildeu Duarte catedratico de Oto-Rino-Laringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Belo-Horizonte e. Raul David de Sanson, livre docente de Oto-Rino-L,aringologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de janeiro.

Para saudar aos primeiros foi dada a palavra ao Prof. Antonio de Paula Santos que pronunciou as seguintes palavras

Senhor presidente,
Senhores representantes do governo,
Senhores congressistas;

Coube-me a honra de saudar os professores justo Alonso, de Montevidéo e Pedro Belou, de Buenos Aires, como professor catedratico que sou da Faculdade de Medicina de São Paulo, e como socio da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, neste segundo congresso de Oto-Rino-Laringologia que se realisa sob os auspicios desta Sociedade.

Vindo de países amigos, Urugai e Argentina, aos quais cada vez mais nos unimos e estreitamos em relações de amizade e ciencia, é não só uma honra, mas grande prazer saudar os seus representantes, nossos velhos conhecidos pelos inumeros trabalhos que têm publicado.

Incidente acorrido á ultima hora impediu que o professor Pedro Belou pudesse comparecer embora se associe em idéa aos nossos trabalhos.

De ha, muito acompanhamos com carinho a atividade cientifica de justo Alonso, professor de Oto-RinoLaringologia e especialista do Instituto de Radiologia de Montevidéo, através de abalisadas publicações nas mais importantes revistas da especialidade.

Sucessor de Manuel Quintella, dele adquiriu o pendor para os estudos do cancer em oto-rino, podendo-se lembrar sua brilhante colaboração no estudo das neoplasias do laringe, do ouvido e do palato. Parece existir uma tradição, - talvez tendencia, - na escola uruguaia, para este genero de estudos, pois já Cassanello, em 1886, 12 anos após Bileroth, praticava em sua patria a primeira laringectomia do continente americano. E Justo Alonso detem em seu arquivo mais de uma centena de laringectomias, praticadas com técnica propria e grande exito.

Nota-se em toda a sua produção cientifica, de par com a mais alta cultura, atilado senso clinico, e profundo espirito crítico.

E deve-se a estes predicados o avisado e sabia preceito, do tratamento das monocordites.

Agrada-nos realçar na personalidade de Pedro Belou seu titulo de professor de anatomia descritiva da Faculdade Gencias médicas de Buenos Aires, em cujos laboratorios realizou os monumentais estudos de anatomia descritiva, comparada e cirurgica do orgão do ouvido. Estes trabalhos compendiados no seu Atlas de Anatomia do orgão do ouvido, publicado em 1930, constituem realização notavel.

Iaureado pela Academia Médica de Buenos Aires, em 1922 com o primeiro premio do certame de obras, teve tambem excelente acolhida no X Congresso Internacional de Otologia de Paris, no mesmo ano.

Numa apreciação justa e autorisada, Sobileau frisa os méritos de Belou não sabendo que mais admirar, si sua habilidade anatomica, labor, paciencia, tenacidade confecção e interpretação das peças e preparados, ou a ingenhosidade para triunfar das dificuldades técnicas.

A Europa, que agora se debate em equações insoluveis, crea para nós americanos a obrigação de salvar o patrimonio científico da civilisação.

Porisso, é que da nossa geração, sómente passará á posterioridade o homem que servir de alavanca ao entusiasmo dos moços que abraçam esta responsabilidade.

E' porque me permito apresenta-los, prof. Pedro Belou e prof. justo Alonso ao estimulo de meus colegas jovens do Brasil, com as saudações, as mais respeitosas da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo.

Em seguida o Dr. Roberto Oliva fez o discurso de recepção, dos novos socios correspondentes nacionais, dizendo:

Meus senhores

A Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo sente-se, possuida de intenso júbilo ao receber como seus socios correspondentes os snrs. professores Ildeu Duarte e Raul David de Sanson. E razões de sobra justificam essa acertada deliberação de grande numero de consocios outorgando-lhes a maior distinção, que em face de nossos estatutos, poderiamos conferir-lhes.

Na grande galeria de cientistas patricios e especialmente naquela formada por oto-rino-laringologistas, Ildêu Duarte e Raul David de Sanson ocupam lugar de destacado brilho, quer considerados em seus valores pessoais, quer sob o prisma dias escolas que souberam fundar.

São dois espiritos animadores por excelencia das instituições cuja fundação inspiraram. As instituições, como a vida, não se mantêm, sinão á custa de um incessante desenvolvimento. Vivem do espirito que as anima, que as não deixa parar, sinão evoluir na luta constante contra o retrocesso, contra o declinio.

Ildeu Duarte, emérito professor de Belo-Horizonte, catedratico perfeito, detentor da cadeira que ocupa após brilhante e rumoroso concurso, é a figura consumada de cientista, cuja reconhecida competencia acha-se cheia dos ensinamentos colhidos nos Estados Unidos. Ao lado de Mosher e de Chevalier Jackson tornou-se habilissimo operador especializado na retirada de corpos estranhos das vias aéro-digestivas. Pontifica na capital mineira, onde vê crescer cada vez mais o circulo de alunos que não cansam de o aplaudir.

Raul David de Sanson, no dinamismo acentuado da Capital do país, especialista afamado e consumado, desdobrando-se entre sua clinica, seus discípulos e seus estudos, conseguiu um justo renome que já ultrapassou as fronteiras do nosso país. No recente congresso de Bruxelas, representou, com grande destaque o Brasil, apresentando interessantes trabalhos sobre abcessos do cerebro. Além disso, mercê da sua operosidade, conseguiu, para os estudiosos brasileiros, reais vantagens quanto á estadia em Paris.

Polemista de folego, apaixonado das idéas que defende, orientador competente, conta já ao redor de si com grande numero de ardorosos assistentes, que lhe seguem as pegadas, ouvindo-lhe a palavra fluente sempre impregnada de profunda cultura básica.

Snrs. professores Ildeu Duarte e Raul David de Sanson, a Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo acolhendo-vos em seu seio, apresta-vos uma homenagem de que sois bem dignos e espera que vos sentireis bem em nossa companhia, propugnando sempre e cada vez mais pelo progresso da nossa profissão.

O Prof. Justo Alonso agradecendo disse: "não sabia que ia realizar-se o que agora assisto, nem sabia que havia aqui para mim um titulo para socio correspondente estrangeiro. Todavia, isso não me surpreende, dada a carateristica gentileza de todos os brasileiros e de seus homens. Desde hoje tenho um novo titulo, o de socio correspondente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo. Este titulo me obriga à trabalhar mais agora afim de contribuir para a ciencia da America 1,atina. Este trabalho que não sairá do nosso pensamento, terá por fim unir nossos povos, que não deverão mais se separar".

O Prof. Ildeu Duarte pronunciou as seguinte palavras: "Francamente, não esperava pela agradavel surpreza que me acaba de atingir e levanto-me para agradecer as amaveis palavras do Dr. Roberto Oliva".

O Prof. R. David de Sanson focalisou os progressos da Otorino-laringologia pronunciando a conferencia que se segue

Meus caros Amigos

Nos ultimos dias de janeiro recebia, eu, da Sociedade de Medicina de S. Paulo, o honroso convite para participar da Semana Oto-rino-laringologica, segunda a reunir-se em S. Paulo, em julho deste ano e, bondosamente dissimulada, uma intimação para realizar nessa douta Saciedade, uma conferencia sobre assunto de minha especialidade. Para cumprir a primeira parte do convite, logo alistei-me e aqui estou com pequena bagagem, desejoso de receber as luzes dos presados colegas paulistas.

Sobre a segunda parte do convite, não fosse a conhecida benevolencia dos amigos que aceitaram a obrigação de me ouvir, certo que não me arriscaria ao desempenho desta tarefa que tanto me honra e ao mesmo tempo tanto me intimida.

Os laços de velhas amizades, que o tempo e a separação não afrouxaram, tiveram, o ano passado, por ocasião da reunião do Congresso Pan-Americano, numa visita relampago, a oportunidade de sentir toda a cordialidade dos colegas de S. Paulo. Sómente a este sentimento posso atribuir a honra do convite. Peço aos meus presados amigos que levem em consideração a minha emoção se, por acaso, não puder corresponder á prova de tanta estima e amizade.

Palmilhando a especialidade com todo o carinho e entusiasmo, constitue minha preocupação permanente determinar-lhe os seus limites e eleva-la como merece. Já vai longe a época em que o especialista se apoiava ao cirurgião para valer-se de um socorro diante de um imprevisto. Qual de nós se valeria presentemente de um cirurgião para praticar uma ligadura, sem corar? "Tem toda a oportunidade os conceitos emitidos por Zimmermann em recente artigo publicado nos Anais de Oto-rinolaringologia francêses, onde analisa as relações da nossa especialidade com a cirurgia nervosa e muito bem acentúa que o trabalho neuro-cirurgico só é exequivel com o esforço comum do oto-rino-laringologista, do neuropatologista, do oculista, do especialista em cirurgia nervosa, do anatomo-patologista, do neuro-radiologista, unidos pela mesma idéa. Apesar da importancia excecional da analise oto-rino-laringologica nas afecções cerebrais, o especialista não deve limitar-se á simples constatação do estado oto-rino-laringologico. Este ponto de vista, na sua opinião, implica forçosamente em sólido conhecimento de neurologia em geral e neuro-cirurgia em particular, constituindo a nossa especialidade, na cadeia dos fatores, um dos seus élos para. alcançar, no domínio científico, um plano mais elevado". Em todos os países despertam os especialistas na conquista de seus direitos, procurando eliminar os aparentes disparates que se nos deparam a cada instante. Ha muito que já deveriam estar banidos dos compendios de oto-rinologia os chamados abcessos latentes, silenciosos ou ambulatorios, que a nossa ignorancia, como muito bem acentúa a sabedoria do Professor Buys, de Bruxelas, ainda não soube diagnosticar. E' fóra de dúvida que, determinada sintomatologia os deve caraterizar, tão frusta porém que a nossa argucia ainda não conseguiu apreendê-los. E' de hontem e para muitos ainda permanece, a divisão dos abcessos encefalicos em abcessos coletados e abcessos encapsulados. Para os primeiros admitem alguns especialistas apenas o isolamento por simples formação piogênica e, para outros, a formação de uma verdadeira capsula.

A recente orientação de Clovis Vincent, Marcel David e Pierre Puech, no tratamento dos abcessos encefalicos, veio provar a possíilbilidade de provocar a maturação artificial dos abcessos encefalicos e a formação de uma capsula resistente que permita opera-los como se fossem verdadeiros neoplasmas, afastando destarte a possibilidade de sequelas tão conhecidas quanto desagradaveis para o doente. Os progressos sempre crescefites da otologia, direi melhor, da neuro-otologia, permitiram determinar com exatidão as vias de comunicação e estabelecer os seus diferentes centros. Já não alcançam, exclusivamente, as lesões perifericas do ouvido, as perturbações do equilíbrio.REVISTA OTO-LARINGOLOGICA DE S. PAULO subordinado a este nervo e sim ao decimo par. A' medida que novas observações vão sendo publicadas, mais detalhadamente, se vai desvendando o sentido da gustação no territorio do nono par e, já que falamos na cirurgia dos nervos era craneanos, porque não extender ás nossas atividades a operação de Mackenzie, secção do ramo externo do espinhal, no torcicole espasmodico e a secção do grande nervo de Arnold nas nevralgias de seu territorio, como recomenda Ody, tanto mais que nesta cirurgia os preceitos são os mesmos daqueles que obedecemos para alcançar a loja posterior. Se a cirurgia da dõr teve em França um apostolo na pessoa de Leriche, não resta a menor dúvida que as suas preocupações de grande cirurgião nunca visaram o dominio dos pares craneanos, que pertencem aos dominios da cirurgia especialisada. Acredito sinceramente que somando maiores conhecimentos neurologicos penetraremos com muita mais vantagem nos dominios da neurorcirurgia dentro dos limites que nos pertencem, região infundibulo-tuberiana, angulo ponto cerebelar e loja posterior.

Longe de mim a intenção de pedir para nossa especialidade os dominios de toda neuro-cirurgia. Além de descabida, semelhante preocupação demonstraria profunda ignorancia do assunto. A neuro-cirurgia implica muito mais na sopra de conhecimentos neurologicos do que cirurgicos. Razão porque entre o avultado numero de cirurgiões, reduzido é o numero daqueles que se dedicam á cirurgia cerebral e, poucos universalmente reconhecidos pela sua sabedoria. A trepanação em si é tudo quanto ha de mais simples, e, está ao alcance de qualquer interno de cirurgia, levantar o retalho osteo-cutaneo. E apenas um tempo dramatico que não exige maiores conhecimentos anatomicos. Poderiamos dizer que a neurocirurgia atravessa um periodo identico ao que foi a cirurgia geral, ha alguns anos atrás. Ao clinko competia estabelecer o diagnostico e ao cirurgião intervir. Atualmente, não se compreende um cirurgião incapaz de discutir um diagnostico cirurgião e impõr o seu ponto de vista e note-se que os problemas da neuro-cirurgia são muito mais complexos e obscuros. Não se trata de uma -, irurgia que implica sómente audacia, porém, muito saber.

Vi em Paris Clovis Vincent e sua escola, no Serviço da Pitié e De Martel no seu Serviço da Rue Vercingetorix. Este ultimo é indiscutivelmente um grande cirurgião: elegante, de linha, opera com maestria. O primeiro, profundo neurologista, mestre, formou a escola. que reluz no brilho dos seus discípulos David e Puech. Tenho a certeza que estes dous nomes, dentro de muito pouco tempo, formarão na limitada constelação dos eleitos da neuro-cirurgia. Clovis Vincent que durante longos anos foi o neurologista de De Martel, aos cincoenta anos empunhou o bisturi e, em dez anos, tem no seu acervo mais de 2.000 intervenções. O neurologista desprezou o cirurgião para tornar-se neuro-cirurgião e o cirurgião não prescinde do neurologista para intervir . Tal é a situação de De Martel. Acompanhei com assiduidade Clovis Vincent nos seus Serviços, assistindo e seguindo algumas dezenas de intervenções, de localizações diversas. Nunca vi um só caso operado cuja lesão não fosse constatada. Ao lado da sintomatologia clinica tem o maior valor a interpretação da ventriculografia, sempre praticada uma hora antes da intervenção. Os serviços da Pitié somaram no ano de 1935, até Setembro, para mais de 500 ventriculografias e aproximadamente a mesma cifra de intervenções, com uma percentagem de mortalidade cirurgiã de 17 a 18%. O grande segredo da neuro-cirurgia está na interpretação dos sintomas que se apresentam antes, durante e após a intervenção e na oportunidade dos recursos aplicados.

Nos tumores da loja posterior, do angulo ponto cerebelar e do quarto ventrículo, que tão unidos estão á nossa especialidade, os cuidados post-operatorios equivalem aos cuidados cirurgicos e, não raras vezes, da argucia do cirurgião depende a vida do doente. Assim me foi dado observar numa criança, operada no Serviço de Pitié, de um tumor do 4.° ventrículo. A cavidade deste ventrículo ficou aberta, apenas protegida pelas meninges cuidadosamente suturadas. O pequeno paciente suportou o traumatismo operatorio sem grande schock, todavia seguiu para a enfermaria com a recomendação de possivel estado sincopal, que poucas horas após se manifestou. Fôra prevista uma alteração da pressão, por desequilibrio da hidrostatica do liquido cefalo-raquidiano e prontamente acudido com injeções intra-ventriculares de 200 a 250 cm3. de liquido de Ringer: A perturbação da pressão intra-ventricular pôde ser ocasionada por excesso ou falta de liquido. A punção dará a indicação para retirada do liquido em excesso ou injeção de grandes massas de liquido de Ringer (150, 200 e mesmo 250 cm3.) exigidas pela capacidade aumentada dos ventrículos dilatados, orientação dada antes da intervenção pela ventriculografia. Tambem como auxilio suplementar tem toda a indicação as injeções intra-venosas de sulfato de magnesio. Este acidente motivado pela descompressão tanto pôde suceder horas depois da intervenção, como no sexto e mesmo no oitavo dia. O prognostico tem outra significação se o paciente, portador de tumor frontal, sofreu urna trepanação da loja posterior. Apesar das localizações diametralmente opostas, a interpretação da ventriculografia e a sintomatologia ,permitem, ás vezes, semelhante confusão e, nestes casos, o socorro acima indicado não prevalece. O que desejo sobretudo acentuar é que, se até hoje, os abcessos encefalicos têm a sua principal etiologia nas complicações das otites e das sinusites, se os tumores da loja posterior implicam na perturbação do oitavo par craneano, assim como os tumores do angulo ponto cerebelar; se a cirurgia dos nervos craneanos têm toda a relação com os nossos dominios, pela. sua sintomatologia, para qual somos constantemente solicitados por clinicos, cirurgiões e até mesmo pelos neurologistas, porque então abrir mão da terapeutica? Pratiquei algumas ventriculografias e encefalografias assim como varias intervenções sobre o encefalo. Não me foi dado observar acidente imediato na ventriculografia, porém, num caso de tumor do angulo ponto cerebelar da clinica hospitalar do Dr. Otavio Aires no Hospital S. João Batista da Lagôa, observado com o Dr. Leme Lopes e publicado por este ilustre neurologista no n.° de Março deste ano da Revista Medicamenta, a morte sobreveio vinte e quatro horas após. A paciente devera ser operada logo após a ventriculografia, pratica hoje em dia adotada, por ser esta intervenção chocante, nos casos de tumores e principalmente se o volume dos ventrículos é exagerado; tal era o caso da nossa doente. Não se conhecendo ainda bem, nos seus detalhes, a fisio-patologia do liquido cefalo-raquidiano e as causas que determinam o bloqueio do aqueducto de Silvio, mesmo a retirada do ar injetado nem sempre é bastante para impedir tais acidentes. A nossa inexperiencia não ousou levar a paciente, em estado de coma sobre a mesa de operação e, no entanto, a autopsia praticada revelou um tumor isolado do angulo ponto cerebelar, de remoção relativamente facil. No Serviço de Clovis Vincent assisti algumas intervenções praticadas sobre pacientes que entraram em estado de coma, e tambem vi no dia seguinte estes mesmos pacientes com a lucidez recuperada, respondendo normalmente a todas as perguntas. A possibilidade de trepanar pacientes em estado de ,coma permitiu que fosse introduzido um tratamento curativo para certos casos de molestias consideradas, até bem pouco tempo, sem recurso terapeutico. Quero referir-me as hemorragias ventriculares, cuja sintomatologia clinica se caracteriza por letargia e hipertermia. E esta possibilidade nasceu na observação da cirurgia dos tumores da região infundibulo tuberiana, simultaneamente com a caraterização dos acidentes ventriculares. A punção dos ventrículos, a remoção do derrame sanguineo seguido da lavagem dos mesmos com a remoção da causa primaria, conseguiram curar naquele serviço doentes já em estado de coma. Estou convencido que, no dia que o especialista tiver compreendido o alcance desta cirurgia, teremos resolvido muitos problemas interessantes, a ella atinentes. Aliás eu vejo que ela caminha a passos largos, abrindo novos horizontes, atraindo todos aqueles que não se satisfazem com o limitado territorio, dentro do qual tem sido até bem pouco tempo exercida. Os ultimos assuntos tratados, quer em publicações, como por exemplo, a hidrocefalia otitica, quer discutidos em congressos, como sucedeu no Congresso Latino, onde representei o Brasil, e no Congresso da Sociedade Francêsa de Oto-rino, para o qual fui convidado, tiveram o maior interesse e os mais amplos debates, a discussão dos temas: Abcessos encefalicos e tratamento das meningites. E' bem de ver que esses progressos não se podem realizar de um modo repentino; exigem trabalhos, sedimentação e, ao mesmo tempo, uma nitida compreensão dos problemas. Foi-me dado verificar. a magnifica organização do Serviço da Pitié, onde o saber e a boa vontade de Clovis Vicent, Marcel. David e Pierre Puech conseguiram, dentro de um Serviço de neurologia, a organização cirurgica mais perfeita, tudo ás expensas destes homens de ciencia. A admiravel articulação daquele Serviço e a sua atividade explicam os seus resultados. Aprimoraram as investigações científicas, com um nucleo de completa hegemonia e a parte material com todos os seus detalhes. A equipe cirurgia trabalha numa perfeita harmonia, dentro de uma disciplina quasi militar, cada qual no seu posto, tudo a tempo e a hora, sem muitas vezes a troca de uma só palavra. O preparo do paciente é feito com todas as minucias e a asepsia obedece ao maior rigôr. Após o levantamento do retalho osteo-cutaneo, pode-se dizer que a remoção do tumor é feita quasi que exclusivamente com a eletrocoagulação e a aspiração, de modo a evitar qualquer traumatismo sobre a massa cerebral.

E a instalação mais perfeita que vi e tudo foi previsto para evitar qualquer interrupção. Os aparelhos de aspiração trabalham conjugados, permitindo ao operador agir com a máxima tranquilidade. A anestesia. empregada é sempre a local e não se tratando de tumores que repercutem sobre a região infundibulo-tuberiana, o Luminal, o Gardenal, o Sedol, ou outro qualquer hipnotico é, por vezes, associado, sempre em pequenas doses. Durante toda a intervenção o paciente recebe sôro, ás vezes num volume até de dous litros, e a perda de sangue é rigorosamente controlada. Causou-me surpresa nunca ter assistido uma só transfusão. O tónico, por excelencia empregado para, sustentar o musculo cardiaco, é a estriquinina, sendo que, não raramente, toma o paciente nas vinte e quatro horas até 10. mg. deste medicamento. A Escola de Pitié não faz misterios dos beneficios colhidos em visita feita á America do Norte. De lá trouxeram toda a experiencia e todos os ensinamentos dos neuro-cirurgiões americanos, especialmente da escola de Cushing. Dentro dá patologia nervosa ha que considerar, pelo seu desenvolvimento, duas categorias de tumores: os neoplasmas que se desenvolvem no intimo do tecido nervoso e, aqueles que arbitrariamente poderiamos classificar como extra-encefálicos, cujo prognostico apresenta as. melhores. probabilidades de cura definitiva.

Com prazer, direi mesmo com um pouco de vaidade, constatamos ;a veracidade dos nossos argumentos quando traçamos os limites da nossa especialidade, mais uma vez confirmados pela importancia que Clovis Vincent e sua escola dão ás otites e sinusites latentes na etiologia dos abcessos encefalicos. O nosso primeiro caso de abcesso encefalico, operado e curado e já publicado, teve como fator determinante uma mastoidite latente, factor sobre o qual insistimos e esta constatação já tem alguns anos.

Em 1933, uma Tese do Dr. Rubem Amarante saída dos nossos serviços, intitulada "Oto-antrite latente na primeira infancia", documentada em observações cuidadosas, focalisou o assunto no Rio de janeiro, chamando a atenção do pediatras. Desde então a otite latente tem sido cuidada, entre nós, com muito mais carinho. Tombem, num trabalho publicado em Dezembro de 1934, em colaboração com o Dr. Antonio Leão Veloso intitulado "Considerações sobre o Tratamento da Trombo-Flebite dos seios lateral e cavernoso", tornei a insistir na possibilidade da otite latente como factor etiologico na tromboflebite do seio lateral e dizia "No terreno das conjeturas é admissivel supôr a existencia de um elo entre a otite silenciosa e a flebite do seio lateral".

Recentemente, Lesné, David, Launay e Askenasy apresentaram á Sociedade de Pediatria de Paris (Societé de Pediatrie de Paris t. XXXIV n .º 1 de janeiro de 1936) o caso de uma criança de 11 anos, operada e curada de "um volumoso abcesso encapsulado no lobo temporal direito, consecutivo a uma. otite latente numa criança. Ablação de uma só peça sem drenagem e, nos comentarios, referindo-se ao ponto de vista clinico, acentuam sobre a evolução "II apparait tout a fait vraisemblable que la cause de fabcès soit áttribué a une otite latente". E acrescentam: "Il semble, d'ailleurs et Clovis Vincent insiste sur ce point que les otites et les sinusites latentes sont moins rares qu'on ne le croit habituellement".

Esta afirmação pela boca de Clovis Vincent e sua escola tem um valor absolutamente dogmático.

Neste caso, como em todos os outros publicados, e elemento decisivo para a localização e o tratamento foi a ventriculografia. Intervenção que se pratica com a mesma facilidade e desembaraço que a encefalografia; tudo depende exclusivamente da pratica. No Serviço da

Pitié o habito conduz o operador a se guiar quasi que exclusivamente pela pratica e, a subtração do liquido assim como a injeção de ar, se fazem pelo traquejo da repetição diaria que dispensa toda e qualquer medida.

Só depois da minha passagem pelo Serviço de Clovis Vicent é que me foi dado compreender a inconstancia dos resultados, nos casos de tumores do encefalo, dentro dos limites, por mim operados e tambem me ficou a convicção de identicas possibilidades no dia que conseguir, dentro de um serviço perfeitamente equipado, a mesma organisação.

Resolveu o Ilustre Presidente da República dedicar este ano ao Ensino. E digno de todos os encomios o desejo manifestado por S. Excia de assentar definitivamente as bases de uma organização perfeita e eficiente. Creio, todavia, que as tendencias já manifestadas por aqueles que tomaram a si a tarefa de executar o pensamento do Chefe da Nação se orientam para uma solução que provavelmente se perderá em caminho. Antes de se cogitar da organização da Cidade Universitaria, outros problemas mais relevantes pedem uma solução muito mais urgente, talvez mesmo muito menos dispendiosa. Temos todos ainda presente na memoria o fracasso de duas tentativas feitas nesse sentido e, no entanto, o vulto das despesas então previstas, certamente que representavam uma migalha diante do quantum a dispender para a execução dos planos em estudo. Todos aqueles que mourejam nos hospitais do Rio de janeiro bem sabem como difícil praticar a medicina científica e, para ser sincero, é forçoso confessar que ela quasi não existe.

Não creio que o nosso descalabro financeiro permita realizar os planos em estudo. Tive a oportunidade de conhecer de perto, na minha recente viagem a Paris, a Cité Universitaire. Iniciada ha dez anos sob o patrocinio e patriotismo do Senador Deutsch de da Meurthe, acaba de terminar agora o seu programa, graças a munificencia particular de Rockfeller, que tomou a seu encargo a Casa Central, representada na avultada soma de 90 milhões de francos. E não é tudo realizar a construção. Muito mais dispendioso será o custeio de uma organização, cuja administração, sómente, exigirá algumas centenas de contos de reis. Si no momento que passa os Hospitais se resentem da falta de verba, a ponto da; Sta. Casa de Misericordia diminuir de 300 leitos a sua lotação, como pretender a utopia de tom plano suntuoso?

Na minha passagem pela França tive a oportunidade de visitar Bordeaux e conhecer de perto as. atividades do Prof. G. Portmann, ao meu ver, um dos mais completos oto-rino-laringologistas que conheci até hoje, com os verdadeiros atributos de um perfeito professor. A sua Escola é um facto e tem a repercussão que merece. E o proprietario e principal redator de uma das melhores revistas da especialidade. Homem de estudos é ao mesmo tempo um excelente organizador. Sabe dividir e aproveitar o seu tempo. Tem na sua residencia os seus secretariados organizados, cada qual com o seu gabinete para a clinica para o ensino para a revista e até para a politica, como Senador que é pela Gironde. Os seus ficharios são completos. "Reglé comme du papier a musique" como dizem os franceses, visita, e opera logo cedo pela manhã os seus doentes de Clinica, privada. Logo a seguir dirige-se para o Hospital, onde passa a visita, se é dia de operação. O tempo de se preparar e já sobre o doente anestesiado, rodeado de auxiliares e alunos, numa curta exposição focalisa o caso cirurgico e com o auxilio de giz de côr; sobre um campo esterelisado, adrede, preparado, sobre o peito do doente, em braços rapidos e incisivos explica o, que vai praticar e a cada tempo que executa; passam todos, cada um por sua vez, junto ao campo- operatorio; para melhor observar os tempos cirurgicos. Terminada a intervenção, enquanto os do Serviço cuidam de outro paciente a ser operado, passam os discentes para a sala de curso, contígua á sala de operação, e detalha sobre o quadro negro o caso, discutindo indicações, tratamento e progmostico. O homem de sociedade cede então o seu lugar ao docente severo e exigente na disciplina, dominado pela unira preocupação de bem transmitir, e de melhor se sentir compreendido. Terminado o serviço hospitalar, transportam-se todos para o ambulatorio, onde os; doentes já examinados esperam a ultima palavra do Mestre, que a todos interroga sobre detalhes doe exame e conselhos a ministrar, estimulando os mais estudiosos e aguilhoando o amor proprio dos menos atentos. Nos dias de preleção, numa grande sala, com todos os recursos, expõe auxiliado pelo seu chefe de clinica e assistentes, com minucias o assunto, sem arroubos de oratoria, com o recurso de farta documentação e clara exposição. Diversos dèpartamentos estão organizados de modo a permitir que os alunos possam se occupar -horas a fio ou mesmo o dia inteiro, se quizerem, nos diferentes métodos de investigação. Junto á Clinica Hospitalar se acha o museu anatomo-patologico com um fichario completo de todos os casos estudados e operados no Serviço. Calhou na minha estadia em Paris que tivesse a oportunidade de assistir, a convite, algumas das aulas e demonstrações do Curso de especialização, ministrado por este professor. Curso de uma quinzena, realizado diariamente -das nove ás doze e das quinze ás dezoito e meia, frequentado com assiduidade por especialistas, já no exercício da profissão, alguns antigos alunos vindos de fóra e outros do estrangeiro. Não muda o professor Portmann uma linha das suas atitudes, e no entanto o auditorio já não é de estudantes e de recem-formados, porém de profissionais, alguns mais encanecidos que o professor o qual esqueceu por um momento a igualdade de classe para aceitar as prerrogativas de Mestre cioso do seu auditorio a exigir o mesmo respeito e as mesmas atenções.

Ao terminar a exposição do assunto indaga se entre os ouvintes paira alguma dúvida e solicito prontamente acóde a todas as perguntas para todas as explicações. E nas demonstrações cirurgicas a orientação tem a mesma exatidão dos cursos de Bordeaux. Diante da personalidade dinamita deste entusiasta da sua profissão que volta e meia se desloca. para extremos opostos, servindo-se de todos os meios de transporte, de modo a não perder tempo, que ensina, que redige, que publica e que ainda faz política, trabalha a imaginação na creação de um ambiente digno de todas estas actividades. Ambiente creado de )facto pelo espirito de organização de uma capacidade invulgar, que se abriga, porém, dentro das paredes de um vetusto casarão, que espera para breves dias a remodelação, que coloque dentro do ambiente que merece o digno continuador da primeïra escola francesa de Otorino-laríngologia creada em Bordeaux pelo professor Moure, que foi na sua época um dos mais reputados e acatados laringologistas.

E se encareci a sciencia francesa nas escolas da Pitie e de Bordeaux, justo que tambem reverencie duas personalidades medicas de Paris. Quero referir-me a Victor Veau, que a Divisão Palatina tornou sobejamente conhecido e a Henry Welti, o atual pioneiro da cirurgia da tireoide, em Paris, e divulgador das idéas de Crile.

O primeiro, com o estudo embriologico e anatomico do assunto, experimentou e criticou todos os processos para chegar a conclusão que o verdadeiro principio da correção está no alongamento do véu e na sutura muscular. Estabeleceu com a sua experiencia os tempos cirurgicos e provou que o problema funcional, tão ou mais importante que o cirurgico- é tanto melhor quanto mais proximo dos dous anos fôr operada a criança.

Henry Welti, que visitou o Brasil no ano passado, aqui deixou o seu coração. Tornou-se, em França, o paladino das nossas aspirações e procura por todos os meios estreitar os laços de profunda amizade e simpatia aqui conquistados. Simples, elegante e cuidadoso. E' certamente um nome de projeção na sua geração. A idéa de um estreitamento universitario entre o Brasil e a França, foi o resultado do aconchego que sentiu entre nós.

A sua gentileza abriu todas as portas para esta aproximação e nos poz em contato com o Reitor e com o Decano da Universidade de Paris, assim como o Senador Dr. Honnorat, ex-Ministro da Instrução Publica. e atual diretor da Cité Universitaire. O resultado deste entendimento, amplamente divulgado, deve ser de todos conhecido, motivo por que deixamos de repisar nos seus detalhes. Espero que dissipadas as nuvens do continente europeu e melhorada a nossa situação cambial, este entendimento produzirá os seus frutos. Mencionado os nomes de Veau e Welti, não o faço com o proposito unico de cortezia, porém, focalizar ainda dous territorios, absolutamente dentro dos limites discutiveis da oto-rino-laringologia.

Destacando especialmente a personalidade de Portmann como professor, apenas acudiu ao meu espirito o desejo de mostrar que não será com novas reformas que a finalidade desejada será atingida.

O mal do nosso Ensino, apenas me refiro ao superior, na esféra das minhas atividades, não está sómente na deficiencia de suas instalações. Outra murtas causas merecem ser analisadas. E' este o ponto mais vulneravel, para o qual. deveriam convergir todos os esforços. Entre os povos civilizados, não foi o Brasil o unico a sofrer as consequencias da desmoralização do Ensino. Num recente artigo, publicado na "Presse Medicale" intitulado "L'élan vens les Humanités", João Coelho referese a um artigo publicado no "British Medicar JournaV, por Henry Brackenbury, onde esta personalidade inglesa lamentava que o preparo dos estudantes na Inglaterra se fizesse num nível por demais baixo e ao mesmo tempo pedia, com autoridade, a melhora imediata da cultura geral dos estudántes. Para documentar a sua opinião sobre os perigos -de um preparo educativo insuficiente para aqueles que procuram a carreira medica, Brackenbury publicou uma severa critica americana que termina com a seguinte conclusão: "tão pouco o preparo, que os estudantes são, na realidade, semi-iletrados". Si o mal de muitos consolo é, resta-nos essa ficha de consolação.

Filosofia errada e comodista que não pode prevalecer, consolo que nos humilharia se contra ele não houvesse reação. Felismente que estas apreciações não generalizam. Enquanto que no velho continente povos e dirigentes se preocupam com o porvir, o Brasil tem diante de si um futuro risonho, cheio de esperanças. Que inveja desperta a nossa tranquilidade apenas de quando em vez sacudida pelo choque natural das idéas ou das ambições tão ao alcance dos mais ousados! Tenho a convição do povo que seremos amanhã. S. Paulo dá bem uma prova deste vaticínio e já o desejo dos grandes cometimentos começa a empolgar os espiritos, não mais, como acentúa o velho professor -da Sorbonne, grande amigo do Brasil, com a finalidade egoistica do goso individual.

Em todos os tempos, individualidades brasileiras souberam pelo seu patriotismo e pelo seu acendrado amor ao trabalho, alcançar renome dentro e fóra do país. Para minha geração duas se afirmaram como dous belos exemplares da humanidade - Oswaldo Cruz e Vital Brasil. Ambos compreenderam o alcance da medicina experimental nutra época em' que imperava o ceticismo.

A projeção destes dois nomes na historia do nosso país, marca uma época, na evolução da inteligencia brasileira.

Antes de terminar agradecemos aos nossos amigos, a boa vontade com que nos ouviram e esperamos que a indulgencia do auditorio perdoará a nossa insistencia em focalizar, mais uma. vez, os limiteis da nossa especialidade. O nosso desejo não foi outro sinão aquele de pedir a todos que partilharam deste Congresso, a colaboração no sentido de demonstrar bem, ás novas gerações medicas, a bela e dificil cirurgia que nos pertence. Um conhecimento superficial da especialidade, por culpa nossa, tem contribuido para deixar no espirito dos nossos universitarios uma idéa falsa do seu valor.

O Prof. Pedro Belou, infelizmente, não poude comparecer por causa justissima.

O Dr. Colombo Spinola, representante de varias sociedade sabias da Baía, pronunciou o seguinte discurso.

Exmo. Snr. Presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgica de São Paulo.

Meus Senhores

É-me, infinitamente agradavel, congratular com a Sociedade de Medicina e Cirurgica de São Paulo, em nome do Estado da Baía e de suas sociedades sabias, Sociedade Medica dos Hospitais, Sociedade de Medicina, Associações dos Docentes livres - que me incumbiram de trazer-vos mensagens de incentivo ao vosso labôr científico, ao lado tambem do agradecimento muito sincero e muito cordear de que vos sou devedor, pelo convite com que me distinguistes para participar destas reuniões da Segunda Semana de Oto-rino-laringologia, que sob tão promissores auspicios hoje se iniciou para graudio dos especialistas brasileiros.

Quero deixar, nestas palavras, antes de tudo, a alta admiração que a Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo nos inspira e o valor de sua vida científica, coberta de glorias, no seu já longo trilhar pelo caminho arduo, mas brilhante da ciencia de curar. Sinto, pois, uma grande honra e uma imensa alegria em tomar parte nesta semana de atividade científica especialisada, que, com tanto ardor e com tão alto patriotismo organisastes.

Rendo as minhas homenagens á ciencia paulista, ás suas sociedades medicas, á sua jovem, modelar e gloriosa Faculdade de Medicina, monumento da ciencia medica patria, aos seus Hospitais - primorosos em organização material e impecaveis na orientação científica, aos seus serviços de Assistencia Social, onde a colaboração particular é de molde a orgulhar todo um ,povo, ciente de suas responsabilidades coletivas. Tudo isso nos atrai e nos vivifica com a confiança no futuro do Brasil, como filhos todos deste portentoso e colossal País. E' a Baía quem assim vos fala, posso-vos quasi dizer, que é a Baía unanime, quem assim se exprime, amiga de São Paulo desde as épocas primévas de nossa evolução, quando aquele destemeroso Fernão Dias, desbravara os sertões inhospitos, varando, com sua impetuosidade e sua vontade mascula as terras paulistas e o interior .bravio da Baía, virgens de braços humanos, onde a malaria dizimava os que se afoitavam a penetrar-lhe o amago, até a Baía das primeiras decadas deste século, com sua Escola Medica tradicional a instruir na ciencia de Hipocrates os vossos filhos, os filhos deste poderoso Estado, com o mesmo carinho, com a mesma hospitalidade tradicional da terra baiana, debaixo daquele céu tropical, como se filhos da Baía o fossem. Vêde que estamos irmanados por laços que se não apagam. Esta satisfação ainda é maior porque temos a ventura de sentir, de auscultar vossa terra e saber que muitos daqueles que se educaram, que se aprimoraram naquele sagrado templo da Medicina, ali no Terreiro de Jesus, ao lado da antiga Catedral do Salvador, chegaram ao zenith da gloria. Basta citar três nomes para confirmar a justeza dessa assertiva: Enjolras Vampré, Celestino Bourroul e Carmo Lordy luminares, hoje, da Faculdade de Medicina de S. Paulo. E, por tocar mais de perto ao meu coração, peço-vos permissão para nomear dois baianos, que emprestam as luzes de seus talentos a esta soberba terra paulista, antigos companheiros meus de internato na Clinica de Eduardo Morais, ha, quasi, um quinto de século, e, que, tão de perto colaboraram na organização desta magnifica semana: Mangabeira Albernaz e Teofilo Falcão.

Snrs. da Sociedade de Medicina e Cirurgia, organizadores da Segunda Semana de Oto-rinolaringologia:

As reuniões que vamos assistir, os momentos que vamos viver representam o mais sagrado e o mais puro patriotismo. Dessa forma praticamos um acto de acendrad oamor ao Brasil. Com estes certamens científicos poderemos elevar tanto o nome de nosso País quanto as melhores embaixadas diplomaticas. Bastou a descoberta de Pasteur para o imortalizar, imortalizando a França; a descoberta de Roux prestou maiores e melhores serviços a humanidade que todos os tratados de Paz até então assinados; Koch, imortalizou a Alemanha; Hansen a Noruega; de Calmette morto orgulha-se mais a França do que deu seu maior político vivo.

Aceitai, pois, Snrs. da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo, a nossa aprofunda admiração.

Demonstrastes ainda, quanto desejais a integridade de nossa patria, reunindo-nos aqui, especialistas de todos os rincões de nossa Federação, que é forte e será forte porque é unida. Destes a prova de quanto sois pela união dos brasileiros do Norte, dos brasileiros do Sul, dos brasileiros do Centro, e nos congregastes a todos, sem distinção do pedaço de sólo patrio em que vivemos, e em que tivemos a ventura de nascer.

Todos brasileiros, todos pelo Brasil e todos pela Paz naquelas formosas e imperecíveis palavras de Pasteur, citadas pelo genio imortal de Landouzy : "a humanidade é conduzida pela ciencia para as regiões serenas da paz".

Snrs. da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo as nossas homenagens.

O Prof. A. de Paula Santos, em seguida, pronuncia as seguintes palavras: "Antes de encerrar esta sessão inaugural, eu me permitiria pedir para que constasse na áta de hoje um voto de profundissimo pezar pela morte do talvez maior especialista de ouvidos, o Prof. Barany, e não me permito fazer o necrologio de Barany porque seria repetir os mesmos elogios com que o Snr. Presidente fez, na Sociedade Oto-rino-laringologica, quando nós todos, julbilosos, comemoramos o jubileu científico desse notavel professor, pela passagem de seu 60.° aniversario. Esse aniversario,que deveria ser a 25 de Abril deste ano, não ocorreu porque soubermos agora que Barany morrera a 7 do mesmo mês. Conto certamente, que será com o apoio de todos e com a mais viva tristeza que esse voto será acolhido".

Em seguida foi encerrada a sessão ordenaria da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo e aberta, pelo Presidente desta Sociedade, Dr. Macio Ottoni de Rezende, a SESSÃO INAUGURAL DA SEGUNDA SEMANA DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA com as seguintes palavras

Pela segunda vez está reunida a "Semana de OtoRino-Laringologia".

A Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo estava satisfeita com o ter tido a iniciativa, ha 10 anos passados, da primeira Semana da especialidade, e, agora, ainda mais o está, com a desta segunda reunião.

Do que foi a Primeira, dizem, claramente, os anais desta Casa, tendo o seu brilho superado ao exigido por urna desprentenciosa Semana e alçado as raias de verdadeiro Congresso de Oto-Rino-Laringologia. Quasi todos os espoentes da Especialidade estiveram aqui congregados, por 6 dias a fio, e o que era a Oto-Rino-Laringologia Brasideira, ficou bem evidente pela elevação dos trabalhos apresentados e pela clarividencia e amplitude das discussões dos mesmos.

A Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo tivéra, ao realisa-la, uma ideia feliz.

Passados 10 anos, eis, de novo, sob o mesmo této e, agora, em numero muito mais elevado, uma pleiade de Colegas pronta a atender e a. realizar os desejos da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo, quando a congregou para a "Segunda Semana de Oto-Rino-Laringologia" .

Desta feita, além dos colegas brasileiros, conta Ela com a presença de dois ilustres professores de nações arraigas, o Exmo. Sns. Prof. Pedro Belou, Diretor do Instituto de Anatomia, de Buenos Aires e Professor titular da Faculdade de Ciencias Medicas da mesma cidade, e o Exmo. Snr. Prof. Justo Alonso, catedratico de Oto= Fina-Laringologia da Faculdade de Medicina de Montevidéo.

Estes dois luminares da ciencia medica sul-americana darão, por certo, maior realce e vivacidade ás discussões dos assuntos erre debate, aproveitando, assim, ainda melhor, os seus colegas do Brasil.

Pelo programa dos trabalhos, distribuidor boje, cujo numero aproxima da centena, vêr-se-á do esforço que vai ser exigido de cada colega, para que, dentro das 12 sessões, em que estão escalados, possam, ser lidos e discutidos.

E necessario que o regulamento seja cumprido no integra; e que não só os expositores o. tenham sempre em mente, mas tambem que os Senhores Presidentes de sessões façam-no obedecido, afim de que o tempo baste aos assuntos e ás discussões.

Tudo que puder ser resumido, sem prejuizo da ex.Posição, aproveitará á apreensão e, ainda, aos debates dos trabalhos.

O Presidente da Sociedade -de Medicina roga, pois, com insistencia, aos Snrs. expositores, e aos que tomarem parte nas discussões, para que evitem, no possivel, a prolixidade e as repetições.

No caso em apreço, o tempo é precioso, e o, encurtamento das sessões evitará a fadiga e favorecerá o brilho das mesmas.

Permitam-me, agora, mais algumas palavras sobre o caráter de aproximação e amizade que esta reunião vem proporcionar aos oto-rino-laringologistas sul-americanos e, dentre estes, sobretudo aos Brasileiros. As distancias, no Brasil, contam-se por centenas de quilometros, o convivio entre os habitantes dos diferentes Estados, de que se compõe a Nação, deve ser contado como aquele de nações diversas, tal a grandeza territorial destes Estados e os quilometros que os separam. Todo motivo de melhor aconchego entre as populações brasileiras, deve ser incentivado com carinho e, quando as populações mesmas não se possam congregar em cenáculos, como este, que, pelo menos, se aproximem as classes sociais de que se compõe.

A amizade nasce do convivio, do intercambio de ideias, do conhecimento mutuo de pessoas e de cousas. O resentimento, as ideias preconcebidas e os malquereres se abatem quando das explicações francas e amigas e, para que estas sejam amigas, torna-se necessario aprendermos a nos conhecer mutuamente.

No Brasil tudo é grande, e é esta mesma grandeza que dificulta o governo de seu Povo. Quasi sempre nem se conhece o que se passa em nós mesmos. O brasileiro pouco viaja e, com a intensidade de vida que leva, pouco lê; assim sendo, pouco sabe de seus proprios irmãos mais visinhos. Este desconhecimento, ao em vez da emulação e do esforço pela Patria comum, tende para a formação de resentimentos incompreensiveis e, por vezes, de invejas sem razão e que precisam desaparecer para que o Brasil seja o que, de facto, deve ser, no Congresso das Nações civilizadas.

A Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo espera que a "Terceira Semana de Oto-Rino-Laringologia" se realise na capital de um dos Estados do Brasil, que não o nosso, afim de que se continue, desta forma, o intercambio científico e de amizades.

Agradeço em nome da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo, a presença de todas as pessoas que, tão gentilmente, quizeram dar-lhe a honra de aceitar o convite para esta reunião.

Declaro aberta a "Segunda Semana de Oto-RinoLaringologia Brasileira".

ADERENTES A 2.ª SEMANA DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA

ARGENTINA

Buenos Aires:
Belou, Prof. Pedro - Suipacha, 856
Segura, Prof. E. V. - Calle Pellegrini, 1090
Zambrini, Prof. A. R. - Viamonte, 726

URUGUAI

Montevidéo:
Alonso, Prof. Justo M. - Faculdade de Medicina de Montevidéo

BRASIL

Rio de Janeiro:
Amarante. Dr. Rubem -
Benevides, Dr. Walter - Policlínica do Botafogo
Brandão, Prof. Paulo - Quitanda, 5
Costa, Dr. Alvaro -
Guimarães, Cruz -
Hungria, Helio -
Kós, Prof. José - 7 de Setembro. 94 (6.º)
Monteiro, Prof. Aristides - Quitanda, 5
Paulo Filho, Dr. A. -
Ponte, Dr. A. Ision - Prof. Gabizzo, 178
Reis, Dr. W. Muller dos - R. Dr. Moreira Cezar, Niterói
Rezende, Dr. Nilson de - Policlínica do Botafogo
Sanson, Prof. Raul David - S. José, 43 .
Veloso, Prof. A. Leão - Largo da Carioca, 18
Campos:
Barbosa Guerra

ESTADO DA BAIA

S. Salvador:
Lima, Dr. O. Castro - S. Pedro, 50-b2 Morais, Dr. C. Rodrigues de - Chile, 27 Spinola, D. Colombo - Chile, 9

ESTADO DE MINAS GERAIS

Belo Horizonte:
Duarte, Prof. T1cìeu - Stá. OCátar", b$¢ Cragas, Dr. C. Pinheiro -
Lima Neto - Landons, Dr. Olavo -
Poços de Caldas: Amarante Sobrinho M. Vargas de Sousa
Juiz de Fóra:
Alves, Dr. Odilon

ESTADO DO PARANA'

Curitiba:
Ferreira, Dr. Celso - R. 1.° de Março

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Santa Maria:
Leite, Dr. A. Olivé

ESTADO DE PERNAMBUCO

Simões, Dr. João
Caldas, Dr. Silvio - R. da Imperatriz, 21$ (1.°) Sá, Prof. Artur de - João Pessõa, 310

ESTADO DOPARA'

Belem:
Sodré Filho, D. Lauro

ESTADO DE S. PAULO

Santos:
Falcão, Teofilo - Bartoloìneu Gusmão, 79
Falcão, E. de Cerqueira - Géneial Camara, 27

Campinas:
Albernaz, P. Mangabeira - Andrade Neves, 277
Guedes de Melo Filho - Instituto Penido Burnier
Porto, Gabriel - Instituto Penado Burnier
Ferreira, Afonso - Instituto Penado Burnier

Ribeirão Preto:
Bacelar, Arnaldo - General Osorio, 91-A

S. Carlos:
Oliveira, Luiz V. de - S. Carlos, 297

Rio Preto:
Selmann Nszareth

Araraquara:

Toledo, Rui de - Padre D'u'arte, 38 Brandão Pilho, Luís - S. Bento, 88

Limeira:
Mercadante Ernani

Jaú:
Barros, Antenor Toledo - Marechal Bitencourt, 12

Catanduva:
Lopes, Otacilio - C. P. 252

Lins:
Lopes, Helio Lemos

S, Paulo:
Bovero, Prof. Afonso - Faculdade de Medicina de S. Paulo
Favero, Prof. Flaminio - Faculdade de Medicina de S. Paulo
Vampré, Prof. Enjolras - Alameda Campinas, 19
Barros, Prof. R. de - Cardoso de Almeida, 29
Vasconcelos, Prof. E. - Faculdade de Medicina de S. Paulo
Santos, Prof A. de Paula - Itararé, 26
Pemba, Prof. S. B. - Faculdade de Medicina de S. Paulo
Lindenberg, Prof. A. - Parã 12
Locchi, Prof. Renato - Minas Gerais, 7b
Sousa, Prof. O. Machado de - Faculdade de Medicina de S. Paulo
Erart, Prof. Mas Barros - Faculdade de Medicina de S. Paulo
Sarmento, A. Schmidt - Av. Angelica, 102
Oliva, Roberto - Rafael de Barros. 86
Sães, Paulo - Marquez de Paranaguá, 1
Passy, Silvestre - Panamá, 3
Ognibene, Silvio - Monte Alegre, 83 Paula, Assis, J. E. - Av. Brasil, 1971 Nova, Rafael da - Paraíso, 29
Matos Barreto, J. - Av. Higienopolis, 29 Campos, Jaime de - Vergueiro, 185 Paula Santos, H. - Gabriel dos Santos, 17 Moreira, Ernesto - Atlantica, 65
Rebelo Neto, J. - Abílio Soares, 60. Hartung, Francisco - Rafael de Barros, 87 Rezende, M. Ottoni de - Av. Brasil, 1860 Azevedo, A. Vicente de - Atibala, 54 Cordeiro, Homero - S. Carlos do Pinhal, 30 Cansanção. J. J. - Praça Ramos de Azevedo, 18 Cotrim, Eduardo - Candido Espinheira, 351 Lange, Oswaldo - Senador Feijó, 1
Tolosa, Aderbal - Artur Azevedo, 496 Sampaio, J. A. Mesquita - Al. Franca. 46 Mindlin, Henrique - Augusta, 233
Longo, Paulino - Av. Brigadeiro Luis Antonio, 167 Gama, Carlos - 7 de Abril, 53
Mazza, Angelo - Al. Barão de Rio Branco, 57 Penteado, A. Camargo - Barão de Itapetininga, 120 Brito, Rubens - Marquez de Paranaguá, 16 Perelia, Antonio - Conde de S. Joaquim, 6
Ribeiro dos Santos, J. - Domingos de Morais, 228-B Coury, Lauro - Al. Barão de Limeira, 292
Faria, Jovino de
Cabral, A. Soares - Augusta, 974 Fernandes Juníor, D. P.
Capua, Mario de
Rezende Barbosa, J. E. - Av. Brasil, 1860
Belfort de Matos, Fabio - Praça Riamos de Azevedo, 16 Bussaca, A. - Av. Brigadeiro Luis Antonio,
Calasans, O. Marcondes - Faculdade de Medicina de S. Paulo Muller, Friedrich - D. Hipolita, 119
Prudente, Antonio - Conselheiro Neblas, 89
Sawaia, Paulo - Faculdade de Medicina de S. Paulo Alvim, James Ferraz - Sta. Madalena, 240
Ferreira, Cincinato - Maranhão, 18 Granja, Nestor - Bartolomeu Faria, 60 Gravina, Biaggio - Praça da Republica, 15 Silva, Ciro A. - Barão de Itapetininga, 10 Faria, Paulo de - R. D. José de Barros, 168 Brasil Medico (pelo Dr. Mangabeira Albernaz) Ars Medica (pelo Dr. Biaggio Gravina)

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