Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 155 a 160

 

ALGUNS RESULTADOS PARCIAIS DE EXAMES OTORINO-LARINGOLOGICOS FEITOS EM ESCOLARES DE SÃO PAULO

Autor(es): DR. J. E. DE PAULA ASSIS

Para a elaboração do presente trabalho, que visa fins estatisticos, examinamos 681 escolares, entre 7 e 14 anos de idade, que frequentavam as aulas do "Grupo Escolar S. Vicente de Paulo", desta Capital, de acôrdo com a ficha anexa.

Entre os 681 examinados, todos em plena atividade escolar, encontramos apenas 212 creanças absolutamente normais, sob o ponto de vista oto-rino-laryngologico, o que representa uma percentagem de 31,1 %.

As restantes, subindo a 68,8%, apresentavam afecções diversas, distribuidas do seguinte modo:

184 - apresentavam afecções para o lado do aparelho auditivo;
210 - eram portadores de hipertrofia das amigdalas palatinas e de vegetações adenoides;
23 - tinham desvio do septo nasal;
4 - rinite hipertrofica;
24 - eczema do introito nasal;
7 - rinites atroficas fetidas;
14 - atrofias nasais;
1 - sinusite maxillar;
1 - polipos nasais;
1 - paralisía do véo do paladar, post angina.

FICHA OTO-RIMO-LARINGOLOGICA (Modelo)

Nome: Filomena L. dos Santos Idade: 7 anos

Côr: branca

EXAME FUNCIONAL



EXAME OBJETIVO

Ouvidos: normais

Nariz: {Rinoscopia anterior - normal

{Rinoscopia posterior - vegetações adenoides

Garganta: hipertorfia das amigdalas palatinas. Consideramos hipoacusicos os que ouviam, a menos de 5 metros, a voz murmurada. Interessante, é notar de passagem, a tendencia da creança em repetir as palavras no mesmo tom que foram proferidas; assim como a associação de idéas - que faz com que, geralmente, depois de ouvir uma determinada palavra, repita o aluno, na seguinte, outra que lhe assemelha, por exemplo, sapato - chinelo.

Deve-se levar em conta a natural distração da idade (media: 8-½ anos) dos nossos examinados.

Vê-se portanto que, além dos 31,1% de normais,

27% eram sofredores do ouvido;
30% portadores de vegetações adenoides e hipertrofia das amigdalas palatinas;
3,30% de desvios do septo nasal;
1,02% de rinites atroficas fétidas, e
2,05% de atrofias - nasais simples.

Dos 184 que traziam afecções auditivas, os casos se dividem da seguinte maneira:

114 - opacidades da membrana timpanica;
16 - de cerumen;
20- de otites medidas sêcas perfuradas;
15 - de catarros tubo-timpanicos;
8- de calcificações parciais do timpano;
2 - de surdez sem causa apreciavel ;
22 - hipoacusicos bilaterais, e
35 - hipoacusicos monoticos.

Fazendo-se a comparação entre os examinados e os portadores de afecção do ouvido, estabelecemos a seguinte estatistica:

Opacidade da membrana timpanica

61,9% sôbre as afecções do ouvido
16,7% sôbre os examinados

Cerumen

8,6% sôbre as afecções do ouvido
2,3% sôbre os examinados

Otites medias sêcas perfuradas

10,8% sôbre as afecções do ouvido
2,9% sôbre os examinados.

Catarros tubarios

8,1 % sôbre as afecções do ouvido
2,2% sôbre os examinados.

Otites medias cronicas supuradas

4,8% sôbre as afecções do ouvido
1,3% sôbre os examinados.

Calcificações parciais do timpano

4,3% sôbre as afecções do ouvido
1,1 % sôbre os examinados.

Surdez sem causa apreciavel

1 % sôbre as afecções do ouvido
0,29% sôbre os examinados.

HIPOACUSICOS

8% (global) sôbre os examinados.

Hipoacusicos - (11,9 % sôbre as afecções do ouvido
Hipoacusicos - (3,2% sôbre os examinados.
bi-laterais - (19% sôbre as afecções do ouvido
monoticos - (5,1 % sôbre os examinados.

Sôbre estes 184 casos de afecções auditivas, 69 apresentavam concomitantemente hipertrofias das amigdalas palatinas e vegetações adenoides, o que nos leva a um resultado percentual de 37,5% sobre a incidencia das duas afecções.

Pelo que ficou dito, verificamos em nossos exames, em relação á rinite atrofica fétida, uma percentagem pequena, é verdade (1,02%). Sabendo-se, entretanto, que esta molestia é rara na infancia, tendo sua eclosão de prefencia na época da puberdade, é facil imaginar-se, que esta percentagem aumentará com a idade. De facto, quasi diariamente perambulam pelos nossos consultorios, doentes desta terrivel afecção, sem que possamos de um modo seguro, oferecer-lhes uma promessa de cura ou de melhoria. Si a cura é dificil, procuremos evitar a molestia. Para esse desideratum devemos concluir pela solução da profilaxia. E nesta se colherá reais proveitos apenas na primeira infancia, na idade pré-escolar, visto que na escolar, infelizmente, encontramos casos bem adiantados. Combatendo as rinites, cuja cronicidade degenera a mucósa nasal; tonificando os organismos infantís - enriquecendo-os de vitaminas D e outras - poderemos, pela transformação benefica dos tecidos em formação, evitar o surto de molestia tão deprimente.

As mesmas considerações nos vêm á mente, verificando o numero enorme de creanças portadoras de vegetações adenoides e hipertrofias das amigdalas palatinas.

210 sôbre 681 (30% ou sejam 1| 3 dos examinados) revelavam esta afecção. Não representará ela um estado de deficiencia organica, que poderia ser removido tambem pela higiene e pela profilaxía?

O nosso escolar, em media, é de complexão franzina. E' possivel que seja isto o resultado de alimentação deficiente, pois os nossos Grupos Escolares são geralmente frequentados por creanças oriundas de classes inferiores, que lutam com serias dificuldades financeiras.

Como vimos atraz, 37,5% dos afectados do ouvido, são portadores de amigdalites cronicas hipertroficas e vegetações adenoides. Esta circunstancia nos mostra com clareza, a marcada influencia que elas exercem na eclosão das molestias auditivas, produzindo, não raras vezes, a surdez irremediavel. E os auristas, como dizia Lermoyez, não curam a surdez, do mesmo modo que os bombeiros não extinguem os incendios vinte anos antes. Esta frase do grande mestre francês, deixa bem clara a idéa da profilaxia, como unico tratamento racional e inteligente. O aparecimento, por exemplo, de 20 otites medias sêcas e 15 catarros tubarios nos meus 681 observados - meninos escolares em frequencia regular e em bôas condições de vida - fala bem alto da necessidade de medidas energicas por parte das autoridades sanitarias, no ponto de vista higienico e profilatico. Si agirmos de um modo precoce, não estamos desarmados inteiramente na luta contra a surdez.

E tem ela de ser começada cedo, em idades muito anteriores á escolar, pois que, nestas, as lesões, quando não definitivas, são de dificil remoção, acarretando ás vezes hipoacusias de grão acentuado, sem probabilidades de melhoría, pelos tratamentos conhecidos. Na nossa pequena estatistica, achamos uma percentagem global de 8 % sôbre os hipoacusicos mono e bilaterais. Em comparação com as estatisticas européas, a nossa é muito mais animadora. Sinão, vejamos.

No 3.° Congresso de Higiene Escolar, reunido em Paris, em 1910, Gellé e Hennebert apresentaram estatisticas de diferentes paizes, das quais citamos os seguintes dados: - Weill, de Stuttgard, examinou 5,905 creanças entre as quais 30% eram hipoacusicas. Moure, de Bordéos, achou 17% sôbre 3.588 alunos. Bezold, de Munich, examinou 1.918, encontrando 20,759c com dureza auditiva. Laubi achou 10,8%; Sexton, 13%; E. Gellé e Von Reichert, um e outro, 22 °/c ; Ostmann, 36%,; Nager 40,3% ; Ropke, de Solingen, anuncia 23,6%, sôbre 224 exames; Cronenberg, 44,1 % sôbre 236 escolares; Hausberg, de Dortmund, 50% sôbre 654; Eugenio Felix, 31 % sôbre 1.038 exames; Malherbe e Stackler indicam 36%, e, enfim, Courtade, em Paris, acha 37,5%.

A nossa estatistica de 8%, pois, sôbre 681 escolares, a-pesar-de bem longe das citadas, poderá ainda ser diminuida, no dia em que se fizer a profilaxia meticulósa do naso-faringe na idade pré-escolar.

A profilaxía da surdez - o maior escopo que visamos - deve vir de longe, como já disse, antes mesmo do nascimento. Ha muita surdez congenita, que, segundo St. Hilaire, pode se traduzir numa só palavra - degenerescencia. A herança não sendo sinão a "memoria da especie", pode ser eliminada, fazendo-se desaparecer os casamentos consanguineos - causa primordial da degenerescencia da próle.

E assim deverá a profilaxía continuar a sua influencia benefica da primeira infancia até a idade escolar - idade essa, em que as creanças não deveriam mais apresentar factores capazes de lhes provocar afecções auditivas. A operação sistematica das vegetações e amigdalas deveria ser grandemente facilitada e a sua propaganda largamente feita pelo serviço de Higiene Escolar. Para isso, necessario se tornaria o aumento deste departamento oficial, pois, apesar da inegavel bôa vontade e da indiscutivel competencia dos seus laringologistas, pouco tem ele conseguido em beneficio dos nossos escolares.

E' bastante considerar na estatistica que oferecemos, que 210 sôbre 681 escolares, de um só Grupo da Capital, são portadores de vegetações adenoides e amigdalas hipertrofiadas, o que significa a consideravel cifra de 30 % de alunos necessitando de intervenção cirurgica. Avalie-se agóra a população escolar inteira da Caiptal que é, aproximadamente, de 150.000 creanças!

Si aqui, entretanto, ha pouco; no Interior do Estado, com uma frequencia infantil de muitos milhares de alunos, não ha nadal

As molestias do ouvido, apresentando a frequencia de 27% na idade escolar, poderiam diminuir sensivelmente, si se cuidasse seriamente do problema da profilaxia. O aparecimento, no entanto, de 23 desvios do septo nasal dos nossos examinados, vêm demonstrar que não só a obstrução naso-faringeana é responsavel pelas perturbações decorrentes da respiração bucal, sendo tambem o nariz em 3,30% dos casos, responsavel por ela.

Do pequeno trabalho que apresentamos, resulta que, o nosso maior cuidado deve repousar, incontestavelmente, na profilaxia pré-escolar - unica maneira racional de evitar-se a consequencia logica das afecções auditivas: - a surdez.

O numero consideravel de hipoacusicos, apesar de, como provamos, ser aqui de percentagem muito inferior a da Europa, nos deve levar, contudo, a uma luta séria para garantir a integridade da audição, que é o sentido intelectual por excelencia. A sua perda priva da possibilidade de ganhar a vida, e impede muitas vezes o cumprimento dos deveres profissionais. A creança hipoacusica tem idéas confusas, pois as sensações recebidas por seu cerebro, são mediocres e inexatas, resultando que seu modo de pensar é falho e o seu caráter tibio.

As consequencias desastrosas da surdez, que põem os seus infelizes portadores inteiramente á margem da Sociedade, faz dela, mais do que uma calamidade, uma verdadeira molestia social.

O ouvido é a porta aberta que nos comunica com o mundo exterior e, segundo a expressão de Haug, nos dá acésso a uma das esféras mais elevadas do ideal, - a musica - que possue o poder de comover o coração do homem, até os seus mais intimos refolhos, recreando-o e alegrando-o.

Saibamos, pois, conservar tão preciosa dádiva do Creador.

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