Ano: 1936 Vol. 4 Ed. 3 - Maio - Junho - (3º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 150 a 154
SÔBRE DOIS CASOS DE EMPIEMA AGUDO DO SEIO MAXILAR, DE ORIGEM DENTARIA
Autor(es): DR. HOMERO CORDEIRO (1)
Os empiemas agudos do seio maxilar causados por periostite alveolo-dentaria, têm geralmente uma evolução benigna. Com o escoamento do pus fetido pela fossa nasal correspondente e posterior tratamento ou extração do dente culpado, o processo inflamatorio agudo regride rapidamente, sobrevindo a cura de modo espontaneo.
Entretanto dois casos ocorridos em nossa clinica particular, tiveram um decurso diferente do habitual: o caráter excessivamente aguda da infecção, produzindo sintomas alarmantes, sobretudo termicos e dolorosos, obrigou-nos á pratica imediata da punção e lavagem do seio, com o fim de aliviar, de pronto,-os sofrimentos atrozes dos nossos pacientes.
Highmore, em época já remota, foi o primeiro que chamou a atenção sôbre a estreita vizinhança dos alveolos dentarios com o soalho do seio maxilar. Lermoyez, em relatorio apresentado ao 1.° Congresso Internacional de Laringología de Viena, em 1906, afirma ter sido Ziem, rinologista de Dantzig, quem primeiro identificou o empiema do maxilar de origem dentaria, pois sofrendo ele ha seis anos de uma secreção fetida em uma das narinas, que julgava ser "ozena unilateral", resolveu certo dia, em 1883, mandar extrair o segundo pré-molar superior careado e, aproveitando da oportunidade, pediu ao seu dentista para perfurar o alveolo e vêr se conseguia chegar até o antro maxilar. Rompido o soalho do seio, houve saída abundante de pus fetido pelo alveolo, e, alguns dias depois, dava-se a cura completa da tal ozena!
Apesar dessa descoberta de Ziem, somente muitos anos depois é que se difundiu entre os rinologistas, a origem dentaria de determinadas sinusites maxilares, e durante muito tempo, o seu tratamento pela via trans-alveolar foi considerado como o ideal, tratamento esse que é até hoje usado por muitos cirurgiõe-dentistas.
Em 1906, Mabu publicou excelente trabalho, que se tornou classico, sôbre a patologia do empiema do maxilar, e por meio de planchas esquematicas, mostrou como se formavam os empiemas agudos e cronicos de origem dentaria. São geralmente os dentes vizinhos ao antro (o segundo pre-molar e os dois primeiros molares superiores) os causadores do empiema. Suas raizes são ás vezes separadas do seio apenas por delgada camada ossea; outras vezes, atingem quasi o nivel do soalho; e, em alguns casos, penetram dentro da cavidade antral. Infeccionando-se uma dessas raizes, forma-se acima dela um granuloma septico ou abcesso apical, e a coleção purulenta, por osteite de vizinhança, caminha ou para o lado externo ou interno, formando os abcessos gengival ou palatino, ou para cima, até atingir a mucosa de revestimento do soalho do seio maxilar, que é primeiramente descolada e depois ulcerada e rompida, estabelecendo-se então o empierna da cavidade antral.
Esse processo tem geralmente uma sintomatologia aguda, caracterisada por dôres na região do dente infectado, com irradiação para a face e cabeça desse mesmo lado, elevação moderada da temperatura, toxemía, etc., fenomenos esses que desaparecem rapidamente, uma vez rompido o abcesso dentro do seio maxilar, com escoamento do pus fétido pela fossa nasal correspondente. Mas muitas vezes sua evolução é lenta e sem sintomatologia aguda, e o doente só se apercebe do mal, quando inesperadamente, após um esforço fisico, como ao assoar o nariz ou ao espirrar, sente a fetidez nasal.
Essa é a doutrina classica, aceita pela maioria dos autores. Entretanto nestes ultimos tempos, estão em fóco as sinusites maxilares de origem dentaria, sem lesões das raizes ou dos alveolos, e, consequentemente, sem objetivação radiologica. A infecção é portanto puramente intra-dentaria, e póde permanecer por muito tempo adstrita á polpa, que sofreu previamente uma degeneração por processos varios, como tratamentos odontologicos imperfeitos, doenças infecciosas agudas, vicios de articulação, traumatismos etc.. Desse fóco latente, os germens se propagam á distancia e podem atingir o seio maxilar através as seguintes vias: 1) via linfatica isto é, por intermedio dos linfaticos da polpa dentaria (Settel) ; 2) via sangninea, pela anastomóse da arteria alveolar, ramos dentarios anteriores, naso-maxila-res, pterigoidéas etc. (Bleicher) ; 3) via nervosa, através os linfaticos peri-fasciculares, como admitem muitos autores.
Entre nós, Silvio Caldas (1), focalisando recentemente a questão da patogenía das sinusites maxilares de origem dentaria, apresenta quatro observações, onde os fócos de infecção eram unicamente intra-dentarios.
Passemos agora á descrição resumida das nossas duas observações, para no final fazermos os nossos comentarios:
1.ª Observação: J. da C. C., com 30 anos, brasileiro, casado. Procurou-nos em 18. 1. 35 e contou-nos que ha 4 dias, ao mastigar, sentia dôres no primeiro molar superior esquerdo, dente esse varias vezes obturado. Dois dias depois, como se exarcerbassem as dôres, mandou extrair o dente, que apresentava uma das raizes infeccionadas. Não houve saída de pus pelo alveolo. Mas as dôres, desse dia em diante, foram aumentando progressivamente, com irradiação para a face e cabeça desse mesmo lado. A' noite, a temperatura elevou-se a 40°, 9, mas, no dia seguinte, caiu para 39°,4. Está desesperado com as dôres, pois não tem um momento de socego. Sente-se muito fraco e veio carregado ao consultorio. Exame feito em 18. 1. 35: Fossa canina esquerda levemente edemaciada extremamente sensivel á pressão diigtal. No alveolo do dente extraído, não ha vestigio de pus. Pela rinoscopía anterior, nota-se hiperemía da mucosa dos cornetos da fossa nasal esquerda. Ausencia de secreção purulenta no meato medio esquerdo, mesmo após o toque com solução de adrenalina-neotutocaina. Diagnostico: Periostite alveolo-dentaria, com provavel formação de empiema agudo do seio maxilar esquerdo. A' tarde desse mesmo dia, removemos o paciente para o Sanatorio de Sta. Catarina, onde foi feita uma radiografia, que confirmou o nosso diagnostico. Praticamos em seguida a punção e lavagem do seio maxilar dando-se a saída de grande quantidade de pus amarelo-esverdeado, extremamente fétido. O doente sentiu-se logo bastante aliviado. Vacina anti-piogenica polivalente. Dia 20: 3.ª punção, saindo pela lavagem quantidade muito menor de pus. O doente está apiretico e sente-se quasi que bom. Dia 23: 3.ª punção: a agua saíu quasi limpa. O paciente sente-se curado. Dia 24: Pela ri- noscopia, ausencia de pus no meato medio; a mucosa dos cornetos voltam ao normal. Alta. Dia 25. 2. 1935: O doente nos procura para mostrar uma radiografia tirada, e pela mesma podemos verificar estar o seio maxilar esquerdo completamente são.
II.ª Observação: A. G. N., brasileira, casada, com 36 anos. Em 9. 2. 1935 fomos chamados á sua residencia e contou-nos que ha cinco dias mandou extraír o segundo pre-molar superior direito, porque o mesmo estava muito escuro, com obturação muito antiga e que, de vez em
(I) - SILVIO CALDAS - Novo conceito patogenico da sinusite maxilar de origem dentaria. Arquivos de Cir. e Ortop. (Recife) - T. II, fasc. I - pag. 67-76. 1934.
quando, ficava abalado e dolorido. A extração foi demorada, durando cêrca de uma hora, havendo nas raizes granulomas apicais. Não houve saída de pús pelo alveolo. Nesse dia e no seguinte, sentiu muitas dores locais, mas julgou-as provenientes do traumatismo da avulsão. Mas do terceiro dia em deante, as dôres foram se exacerbando progressivamente, com irradiação para o lado direito da cabeça e nuca. A temperatura elevou-se a 39°,4. Sente-se desde hontem, muito mal: não consegue conciliar o sono, porque as dôres são lancinantes. De nada valem os analgesicos e sedativos. Exame feito em 9. 2. 1935: Fáce direita levemente edemaciada. A região da fossa canina dierita muito sensível á pressão digital. Alveolo dentario ainda bastante traumatisado, mas com ausencia de secreção purulenta. Pela rinoscopía anterior notamos forte congestão da mucosa dos cornetos da fossa nasal direita. Ausencia de pus no meato medio direito, mesmo após o toque com a solução de adrenalina-percaina. Diagnostico: periostite alveolo-dentaria, com formação de empiema agudo no seio maxilar direito. Como achamos máu o estado geral da doente, removemo-la em seguida para o Sanatorio de Sta. Catarina. A radiografia feita no hospital mostrou grande opacidade do seio maxilar direito. 1ª punção: pela lavagem, saída de grande quantidade de pus esverdeado muito fétido. Só três horas depois é que a paciente começou a sentir-se aliviada. Temperatura em declínio. Vacina anti-piogenica polivalente, tonico cardíaco. Dia 10: Diatermia (ondas curtas); á tarde, 2ª punção: pus abundante, mas menos que na anterior. A paciente sente-se bem melhor. Temperatura, 37°,4, pulso 96. Dia 11: Diatermia (ondas curtas). Temperatura e pulso normais. A doente está muito melhor e só sente dôr, quando aperta a fossa canina direita. Dia 13: 3ª punção: pequena quantidade de pus. Estado geral ótimo. A tarde, diatermia (ondas curtas). Dia 14: continua a passar bem. Dia 15: alta. Um mês mais tarde, examinamos de novo a doente, apresentandose completamente curada.
Comentarios: Nos dois casos apresentados, o que primeiramente chama a atenção, é o facto de ter sido a extração dentaria o ponto de partida de toda a sintomatologia alarmante verificada. Geralmente a avulsão do dente infectado concorre para a cura do processo inflamatorio, devido a drenagem do abcesso apical pelo alveolo. Provavelmente nos nossos casos, a coleção purulenta já estava proxima do soalho do seio maxilar, e pelo traumatismo da extração, não conseguindo seu escoamento pelo alveolo dentario, propagou-se para cima e descolando a mucosa do seio, colectou-se entre esta e o osso do soalho; ou então, devido a invasão do antro por uma onda de pus hiper-virulenta, houve uma reação inflamatoria violenta da mucosa antral, com obliteração completa do osteo maxilar. Tanto numa como noutra hipotese, o que ficou perfeitamente evidenciado, foi a retenção da coleção purulenta dentro do seio que, não encontrando saída pelo orificio natural, foi distendendo a cavidade antral, provocando as dôres atrozes acusadas pelos pacientes.
A temperatura exageradamente elevada, (que não é comum nos casos de empiema de origem dentaria), á primeira vista, deu-nos a impressão de complicação mais séria. Mas com as primeiras lavagens, ela entrou imediatamente em declinio, chegando logo á normal.
Outro ponto que merece ser observado, é o da cura rapida dos nossos pacientes, que viram desaparecer de um dia para outro, os sofrimentos horriveis da vespera.
Todos esses factos vêm comprovar o efeito benefico das punções e lavagens do seio nesse tipo de empiemas, que apesar do seu caráter agudo, não contra-indica essa pratica, pois é a unica que dá alivio imediato.
(1) 1º. Assistente da Clinica O. R. L. do Hospital Humberto 1.° (S. Paulo).