Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 145 a 149

 

DIRECTRIZES PARA A EDUCAÇÃO DOS SURDOS E SURDOS-MUDOS

Autor(es): DR. SILVESTRE PASSY

Dois metodos dominam hoje o campo da educação de surdos: o da reeducadõo auditiva, precedida do possivel tratamento causal e o da leitura labial.

Um sentido normal pôde apurar-se por uma educação apropriada exercicio continuo, como se dá com a vista nos marinheiros, o paladar nos degustadores, o olfáto nos perfumistas, o ouvido nos musicos, o tacto nos mercadores de panos etc. Semelhante, um sentido diminuido por uma lesão patologica e por desuso, é passivel de melhora pelo exercicio bem dirigido. Dá-se isso com as diversas funcções - respiratoria, articulações, musculos, marcha, vontade, memoria, palavra, etc. Assim tambem como um ouvido normal pôde apurar-se pelo exercicio regulado, um ouvido diminuido por molestia, tal seja ela, pôde ser melhorado por um trabalho reeducador bem dirigido.

Mas no caso de perda total de um sentido ou funcção, só temos recurso para os meios de suprimento.

A reeducação acustica visa a melhoria da audição pelos meios seguintes:

l.° - excitação do aparelho auditivo por seu estimulante especifico - o son -, de acôrdo com o principio da excitabilidade sensorial;

2.° - aperfeiçoamento pelo exercicio das funcções auditivas, mentais, articulares e musculares, de acôrdo com o principio de aperfeiçoamento das funções, pelo trabalho e exercicio sistematico (exercicios de audição bruta e diferenciada, audição psicica de orientação e de acomodação auditivas etc.) ;

3.° - dosagem metodica da excitação sensorial quanto a qualidade, duração, repetição, intensidade da excitação, conforme as leis fisiologicas estabelecem relações entre sensação e excitação;

4.° - a intensificação da irrigação sanguinea e o despertar do reflexo vascular, sob influencia de excitações metodicas, sonóras ou mecanicas, conforme a lei dos reflexos vasculares, em nutrição dos tecidos dos orgãos da consequencia: melhoria da audição e sua regeneração;

5.° - a massagem e a lações da caixa do timpano mentos dos musculos da face mobilização dos musculos e articulações da trompa, por meio de movimento dos músculos da face e do epicrâneo (massagem externa ou ginastica auricular) de acôrdo com o principio das sinergias funcionais.

A leitura sobre os labios tem por sua vez o deficit auditivo pela vista e pela mente, conforme o principio fundamental do suprimento funcional, e permite manter ou facilitar as comunicações entre o surdo e outras pessoas.

Ha duas especies de reeducação para o ouvido.

1.° - a reeducação ativa, na qual o surdo toma parte, exercitando-se em ouvir, localizar e interpretar os sons da voz núa ou ampliada por tubo acustico ou aparelho microfonico;

2.° - a reeducação passiva, que não exige nenhum esforço do paciente, ao qual cabe apenas ouvir os sons produzidos por instrumentos apropriados. Trata-se de excitação sensorial e de massagem do aparelho auditivo pela onda sonora, estimulante especifico do orgão de percepção e agente mecanico de mobilização dos orgãos de condução e acomodação.

Esses dois processos não se excluem, mas completam-se.

A anacusia activa ensina o surdo a ouvir e a localizar os sons, a aplicar o ouvido, a prestar atenção; é a reeducação no sentido exáto da palvra e nenhum esforço nesse sentido é perdido, si o ouvido não está completamente annulado por lesões anatomicas.

A anacusia passiva obriga o surdo a ouvir, dando aos sons que ela oferece ao ouvido a intensidade, duração e altura que melhor lhe convenham, além da massagem auditivo.

Esses processos são mais frequentemente eficazes de causa rino-tubaria.

De modo que os processos de anacusia acima por quatro formas diferentes: ação sensorial, mecanica, toria e psicica.

A reeducação auditiva, dizem os proprios seus maiores preconizadores, não faz milagres, não cura ninguem, mas melhora muitos surdos. Ela desenvolve restos de audição e, no minimo, permite a utilização integral desses restos, exercitando-os a diferenciar e a localizar os sons. Mesmo nos surdos-mudos deve ser tentada com paciencia e tenacidade, porque ela pôde proporcionar-lhes uma palavra mais bem timbrada, de intonação mais justa, de inflexões mais suaves, uma palavra mais viva.

Meios de suprimento - A leitura labial é a arte de compreender a palavra falada pelos movimentos dos orgãos fonadores externos e da face. A labiologia é um metodo físico-pedagogico, que tem por fim ensinar o surdo a traduzir mentalmente os movimentos visiveis dos orgãos fonadores e o jogo de fisionomia de um interlocutor, do qual pode assim apreender o pensamento sem o recurso da audição. A leitura labial é, pois, um processo visual de suprimento, é uma substituição de sentidos como a que faz o cego substituindo a visão por um exercício especial do tacto e um apuro de ouvido. Em ambos os casos, esta substituição dos sentidos deve ser completada por uma intensificação da atenção psico sensorial e o emprego das faculdades de interpretação e do suprimento mental.

E' um trabalho que exige mestres abnegados, profundos conhecedores da materia e da psicologia do surdo, educação especial, metodo, paciencia, pertinacia, e cujos resultados são absolutamente compensadores para o paciente e para a sociedade.

O ideal no ensino da leitura labial, é o ensino individual, tendo em vista as difirenças de idade, gráu de audição, de inteligencia, de atenção visual e auditiva, aptidão e receptividade da creança surda, o que indica dosagem de intensidade vocal, distancia do aluno etc., o que é difícil no ensino colectivo. Com tudo, em escolas menores deve ser possivel seleccionar varios alunos mais ou menos em identicas condições, aos quais possa ser administrado o ensino em grupos sempre pequenos.

O ensino será tanto mais facil quanto mais precoce e menos acentuada a surdez; assim, a creança surda deve ser exercitada desde os primeiros anos da vida e mantida em sua convivencia natural para maior exercício do seu ouvido.

Todo esse ensino deve ser feito sob as vistas de medico especialisado no assunto. E' indispensavel tambem que a familia auxilie o mestre, orientada por este.

A educação do surdo-mudo, por meio do metodo oral tem por fim ensinar a creança a emitir sons articulados, a falar, a lêr a palavra falada pelo movimento dos labios, a lêr e a escrever. O instinto de imitação é a base sôbre a qual assenta todo este metodo de ensino. O surdo-mudo procura reproduzir os movimentos que percebeu de seu professor com o auxilio da vista e do tacto: - enquanto, normalmente, a palavra é percebida ao chegar ao ouvido, o surdo apreende-a ao sair da boca.

Os primeiros rudimentos relativos á emissão de sons articulados são assim ensinados: - a principio o professor abre simplesmente a boca, movimento que o aluno imita. Depois o mestre emitindo a voz afona, o aluno sente por sua mão colocada deante da boca daquele a saída do ar expirado; então ele se exercita em reproduzir essa corrente de ar diversamente interrompida. Enfim o mestre emite a voz sonora: o aluno aprecia as vibrações que se produzem, aplicando a mão sobre a garganta ou o peito do mestre, enquanto a outra mão posta sôbre a sua garganta, verifica si as mesmas vibrações aí se produzem enquanto ele procura imitar o professor.

Conseguida do surdo-mudo a emissão de alguns sons fundamentais, será exercitado em articular vogais e consoantes; o ensino de cada silaba articulada, é acompanhado de demonstrações tendentes a facilitar a tarefa do professor. Os exercícios colectivos podem ser facilitados deante de um grande espelho. Ao mesmo tempo que o aluno aprende a falar, aprende a lêr e a escrever cada silaba e palavra; são aquisições simultaneas.

Um aluno de mediana inteligencia, após três anos de ensino pôde lêr nos labios um ditado facil, escrevê-lo correctamente e repetíl-lo em voz alta.

As outras materias do ensino são especialmente lições de cousas.

O ensino manual ocupa grande logar na educação do surdomudo. Muitas artes, ofícios e profissões estão ao alcance do surdo-mudo, dando eles frequentemente habeis desenhistas, pintores, gravadores, escultores etc.

A educação moral, a disciplina do surdo-mudo, é parte muito importante na sua educação, dado certo espirito de rebeldia que não raro se esboça nesses infelizes e a tendencia a dar expansão aos seus máus instintos.

Estas linhas gerais, que não são minhas, mas reproduzem ensinamentos de Parrel, Génevrier, Descomps etc., trago-as para aqui apenas para justificar o que segue.

S. Paulo ainda não possúe nenhum estabelecimento oficial para educação de surdos-mudos; Arnaldo Baoellar verificou, entretanto, a existencia de apreciavel numero deles no Estado. Sendo certo que o surdo educado e instruido pode bastar-se a si mesmo e até ser util á sociedade, em vez de constituir para ela um onus e, muitas vezes uma ameaça, não mais se pôde compreender a falta de um estabelecimento para aquele fim num Estado adeantado como S. Paulo.

Esse, a meu vêr, deverá ser um instituto central, na Capital, onde se estude o surdo-mudo e os problemas de sua educação de todo ponto de vista, com carinho semelhante ao dos que fazem ciencia experimental; instituto onde se formem gerações sucessivas de professores especializadas, onde o surdo-mudo tenha vasto e fecundo campo para revelar e exercitar suas aptidões.

Deverá ser internato para os menores do interior do Estado e semi-internato para os da Capital.

De inicio, a grande dificuldade seria obter pessoal docente habilitado e pratico para começar o ensino. Mas, em S. Paulo existem dois pequenos estabelecimentos particulares, modestos nucleos de professores especialistas, em atividade, que apresentam excelentes resultados do seu inteligente, abnegado e proveitoso esforço, os quis, entretanto, vem arrastando uma vida de dificuldades, sem o menor amparo oficial, a ponto de, numa situação como a atual, nem mesmo a sempre generosa bolsa da sociedade paulista podendo acudi-los, estarem ameaçando fechar suas portas aos poucos infelizes que acolhem.

Refiro-me ao "Instituto de Santa Terezinha" para Meninas Surdo-mudas, dirigido com grande proficiencia e entusiasmo pelas Religiosas de Nossa Senhora do Calvario, e ao "Instituto Paulista de Surdos-Mudos", dirigido pela Professora Normalista, Da. Thereza Furia.

Do Instituto Santa Terezinha, que além da educação completa das alunas, fôrma tambem professoras especializadas para a nobre missão daquela casa de verdadeira caridade, tive oportunidade de verificar, em algumas de suas internadas, excelentes resultados colhidos em tempo relativamente curto. Sou portador de convite aos colegas para uma visita ao estabelecimento, que estou certo despertará muito interesse pelo mesmo.

Do "Instituto Paulista de Surdos-Mudos", tenho noticia por bem feita reportagem recentemente publicada pelo jornal do Estado.

Estes dois pequenos nucleos que, repito, vem se mantendo com grandes dificuldades, deveriam ser fortemente amparados pelos poderes publicos, para que pudessem progredir e acolher muito maior numero de alunos, ou, preferivel, deveriam ser encampados pelo Estado, para, tendo-os por ponto de partida, aproveitar, seleccionando o seu pessoal docente, para crear o Instituto de Surdos de S. Paulo.

Nesse sentido penso dever propôr um apelo ao Governo do Estado.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial