Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Várias

Páginas: 123 a 134

 

Entrevista com o Dr. Francisco Hartung

Autor(es): -

Acaba de regressar da sua longa e proveitosa excursão á Europa e aos Estados Unidos, o nosso presado colaborador e amigo, Dr. Francisco Hartung, um dos luminares da oto-rino-laringología paulista, e que, com David Sanson, fez parte da delegação brasileira ao Congresso da "Societas Oto-rhino-laryngologica Latina", recentemente reunido em Bruxelas.

Com o fim de transmitir as suas impressões aos seus leitores, ,a "Revista Oto-Laringologica de S. Paulo", por intermedio de um dos seus redatores, procurou o dr. Hartung, que lhe concedeu
gentilmente a interessante entrevista que abaixo transcrevemos:

- Foi bem sucedido o Congresso da "Societas Oto-rhino-laryngologica Latina?

Não podia ser melhor. A organisação, o preparo e facilidade das vias de comunicação na Europa fizeram com que redundasse o congresso em um certamen memoravel, conseguindo reunir em Bruxelas as notabilidades do mundo especialisado no lado latino. Fiquei lá conhecendo pessoalmente Lemaitre, Buys, Breyre, Tapia, Citelli, Hautant, Le Mée, Canuyt, Ferreri, Halphen, Calamida, Labourré, Quix, enfim todos esses nomes que encontramos a cada passo na literatura contemporanea. Foi pena que Segura não tenha comparecido como prometera, na representação da Argentina. Nós tivemos em David Sanson um ótimo delegado. O Congresso compoz-se de comunicados, conferencias e sessões cirurgicas, de modo a ter um aspecto extremamente interessante. E dificil destacar o que houve de melhor; embora o têma geral da reunião ficasse obrigatoriamente ligado aos "abcessos encefalicos de origem ótica", houve muito trabalho alheio a este motivo e muito interessante; tal foi, por exemplo, uma conferencia de Hautant sôbre os abcessos profundos do pescoço, que causou impressão. A semiologia dos abcessos encefalicos foi focalisada sob todas as perspectivas possiveis, dando mesmo a idéa de se ter exgotado o assunto, para os conhecimentos dos dias do hoje. E de notar que o Congresso foi latino só pela qualidade da sua representação; em espirito foi, um certamen geral, porque era notoria a fusão da cultura latina com as idéas austro-alemãs. E de justiça tambem não esquecer a feição social do acontecimento, por quanto a Sociedade Belga de Oto-rino-laringologia se esmerou em oferecer fidalgo acolhimento ás representações estrangeiras.

- O que mais lhe impressionou na sua viagem no tocanto á especialidade?

Ha dois modos de responder a esta pergunta. Sob um aspecto geral, o que mais me empolgou foi o modo pelo qual é encarada a especialidade nos Estados Unidos. Entendamo-nos: não que o americano apresente uma orientação completamente particular em patologia ou terapeutica da especialidade, mas porque a America, com a organisação e os recursos de toda ordem de que dispõe, nos dá a sensação que não haverá recanto da especialidade que escape, com o tempo ás suas investigações. Aliás isto nada mais é de que o resultado do ritmo acelerado que se nota nos Estados Unidos, em todos os ramos de atividade humana e que fatalmente teria de influir na medicina, em qualquer dos seus departamentos.

Agora, si formos para detalhes, a sensação é outra. Assim, si quizer saber em rigôr qual foi a diferença mais forte que notei em qualquer sector da especialidade, comparando o que vi na Europa em 1924 e agora, direi que foi a grande melhoria no prognostico da "meningite otogenica". Basta dizer que o proprio Rutin nos disse em curso, que si não quizermos aceitar 50% de curas, teremos de concordar com 30%. Lembrando-se da época em que lá estivemos a primeira vez, quando o mesmo Rutin afirmava em seu pessimismo que, quando o doente de meningite sarava, em geral, o diagnostico estava errado, poderá julgar qual é a sua diferença de opinião. Ele não faz muita questão de tipo operatorio, desde que a trepanação seja a mais ampla possível. Considera gravissimo erro rasgar a meninge; vinguem mais faz isto em Viena. Ele manda trepanar largamente e depois injectar "Solganal", pela via cefalo-raquidiana. Não cheguei a perceber bem si na Alemanha o entusiasmo é tão grande, mas não duvido que tambem lá ha optimismo. Assisti Vogel operar um doente, no qual fez uma dilatada trepanação, inclusive o labirinto; acabada a operação, fez uma verdadeira lavagem do espaço cefalo-raquidiano com uma solução de Prontosil. Sabe muito bem como este entusiasmos são ás vezes passageiros; mas não ha duvida que a sensação de desafogo é geral a respeito das meningites, pelo menos na hora que passa, e que é grande a tendencia para alargar as trepanações de acôrdo com a tecnica de Neumann.

- Ainda é Viena d centro que mais interessa o medico para a especialidade?

Não ha a menor duvida. . E' bem verdade que a morte de Alexander deixou uma lacuna imensa; tambem a idade tem prejudicado a produção de Hajek e Neumann, mas os seus assistentes e sucessores continuam a produzir, e muito. Rutin, talvez saiba, esteve larga temporada em Constantinopla, mas agora já voltou para Viena; está envelhecido, mas ainda continua nos seus cursos a aconselhar com o seu imenso prestigio e experiencia. Dirige atualmente o serviço da especialidade no Rudolf Hospital. Da antiga turma de assistentes, ainda se vêm Bruner, que está fadado a ser um segundo Alexander, Hasslinger com a sua velha paixão pela endoscopia, Fremmel que você me recomendou ha dez anos, sempre com os seus cursos clinicos e em cadaver, assim como Schlander e Waldapfel. Este ultimo disse em curso uma coisa curiosa: que em Viena ninguem mais opera fibroma do naso-faringe, em sua totalidade, antes dos 25 anos, porque muitas vezes estes tumores involuem expontaneamente, quando o paciente chega a essa idade. A American Medical Association não tem mais o antigo movimento que conhecemos em 24, por causa da crise mundial, mas ainda presta ótimos serviços para os associados na organisação dos cursos. De todos os novos, parece que Bruner é o que mais se distingue, e a quem estará confiada a defeza das tradições de Viena; são notaveis os seus conhecimentos de neuro-otologia, e ele prosegue com grande entusiasmo em seus estudos.

- Qual a maior conquista de terapeutica nestes ultimos anos?

Como se sabe, o facto mais retumbante em materia de terapeutica nos dias de hoje, é o resultado surpreendente do "Prontosil" nas estreptococías. Parece que o entusiasmo é geral. Eu nada tenho de céptico em medicina, e creio mesmo que quem o é, deve ser discreto no seu pessimismo, porque do contrario é prejudicial ao meio em que vive em logar de lhe ser util, resultado que se choca com a finalidade da nossa profissão. Entretanto penso que com o "Prontosil", está acontecendo o mesmo que se dá com tudo o medicamento bom que aparece no mercado farmaceutico; está-se abusando dele e daqui a pouco vem a reação contraria, caíndo em desmoralisação, e um pouco mais vem cepticismo até em casos onde a sua ação benefica é inconteste. Na Alemanha está sendo usado larga manu. Já vi aplicar o Prontosil até contra tuberculose. De qualquer modo ainda não percebi nada de desapontamentos nem em Berlim, nem em parte alguma; o entusiasmo é muito grande e oxalá que assim continue. Nas nossas septicemias de fundo sinusal, penso que teremos um ótimo elemento de combate, para completar a trepanação. Ainda agora o "Therapeutische Berichte", de Abril traz três ou quatro relatos sobre este medicamento com palavras as mais elogiosas.

- Ainda é a mesma a orientação sobre o câncer do laringe?

Tive uma impressão nitida do aspecto deste problema, porque troquei impressões na Alemanha, Austria, Fiança e Estados Unidos. Parece que a tendencia é para se fazer muito menos laringectomia. Entendamo-nos. Não estou contestando que se faça e com bons resultados, mas não ha duvida que a orientação atual é muito mais conservadora do que pouco tempo atraz, ainda ha dois anos o nosso amigo Cetrá me disse em Buenos Aires, que só ele tinha extirpado perto de 200 laringes; penso que ele mesmo terá de recuar na atualidade com as suas indicações. Rutin, como você sabe, o seu forte não é laringe, mas vive em um dos maiores centros cientificos do mundo. Recordo-me que, jantando comigo no Restaurant Schoener. (não sei si você si lembra, na Siebenstern Strasse), afirmou-me que os austriacos estão muito satisfeitos com a tecnica de Coutard, e que assim diminuiram bastante a indicação para a laringectomie. Na Alemanha, tanto Halle como Doederlein disseram-me mais ou metros a mesma cousa; em França e na América do Norte tambem vi que esta idéa é mais ou acenos vencedora, pelo menos na expressão de Lemaitre e Chevalier Jackson. Volto a insistir que não estou afirmando estar condenada a laringectomia; mesmo em França, Canuyt, Hautant e Portmann protestariam contra tal veleidade; o que digo é que o afamado cancerologista francês tem sido muito bem recebido com a sua orientação radioterapica, e que, por isto a tendencia moderna é para se operar menos e se aplicar mais radium.

- Ha alguma causa de melhor sôbre ozena e otoesclerose?

Isto você percebe muito bem pela literatura; é bom não esmiuçar muito esta pergunta, afim de não ficarmos tristes. Haverá uma ou outra conquista de ordem histopatologica, mas sob o ponto de vista pratico, terapeutico, as mesmas desilusões que já vêm de traz. Na ozena, a solução cirurgica que tanto nos andou seduzindo de una doze anos para cá, parece que atualmente só interessa pela curiosidade historica; as vacinas também já estão por completo desmoralisadas. No dizer de Waldapfel, para a ozena a melhor solução ainda são as lavagens higienicas, irritação por meio de corpos estranhos e psicoterapia. Na otoesclerose, só o diagnostico talvez seja elemento certo; digo, talvez, porque Rutin afirma haver muito diagnostico de otoesclerose incapaz de resistir a um controle histopatologico. Assisti á uma aula sobre o assunto de interesse puramente cientifico; nulo como resultado terapeutico-pratico.

- Halle continua com as suas antigas idéas a respeito de sinusites?

Com a mesma intransigencia; chegou a me afirmar que jamais opera sinusite por fora; não sei bem como atúa quando se vê frente á uma fistula frontal, mas facto é que me disse tal coisa. Mesmo nas fôrmas maxilares, só opera pela via endonasal. Está bastante velho, mas ainda continua em pasmosa atividade. Como você sabe, a posição dos judéos no regime de Hitler não é das mais seguras, de modo que aumentaram singularmente as indicações para a plastica nasal; ha muito terreno cirurgião para a estetica do nariz, tanto entre os semitas como entre os arianos, cujo perfil não seja dos mais classicos. Reparte a sua operosidade entre as sinusites e as correcções da face. O que caracterisa o velho mestre, que tanto tem elevado a especialidade na Alemanha, é a sua prodigiosa rapidez; no septo, quando se pensa que está procurando o plano de clivagem, ele já separou a mucosa até o vomer. Grande cirurgião!

- Vamos agora para as amigdalas; qual o metodo de operação mais em voga?

Está aí uma pergunta dificil de responder. Em toda a parte, vê-se quem opera com o amigdalotomo, tipo Sluder, assim como se encontra quem disséque. Tudo depende da amigdala e de factores pessoais por parte do cirurgião. Creio que neste ponto nada temos de aprender no estrangeiro; estamos muito bem com a nossa orientação, usando ora o Sluder, ora dissecação de acôrdo com o estado da amigdala e da indicação operatoria. Curioso vi na Alemanha: um privatdozent, bem conhecido lá, Doederlein, disseca um pouco amigdala e depois usa para terminar o amigdalotomo antigo de Mathieu; faz isto sob anestesia geral e está muito satisfeito com o seu resultado. Tambem na America a tendencia é para a anestesia geral em todos os casos; aliás o Professor João Marinho havia notado isso ha anos. Parece que os americanos gostam da anestesia profunda e daí a frequencia de complicações pulmonares que registram as estatisticas americanas. Em toda a parte muita reserva em retirar as amigdalas do tuberculoso. Si, na creança, encontra você gente que até recomenda a amigdalectomia em tais casos e mesmo a extirpação dos gânglios cervicais, por outro lado Portmann e muitos especialistas americanos não operam sem primeiro lançar mão de Mantoux e Pirquet. No adulto, naturalmente ninguem se lembra de cutireação; si ha quem opere, rodeado de muita garantia, outros preferem de todo não operar.

- E na França, que viu, de interessante?

Você sabe muito bem. Quem está acostumado com a orientação austro-alemã, não se conforma muito com a especialidade em Pariz, a começar pelos especulos nasais, que parecem pouco praticos. Eu porém, sempre fui muito eclético; a-pesar-de reconhecer certas desvantagens no campo puramente especializado em relação aos franceses, dou desconto em muita cousa que depende unicamente de habito, e aprecio tanto as clinicas alemãs como as francesas. Sobretudo em materia de endocrâneo e cirurgia do pescoço, não percebo onde se possa critica-los. Assisti muitas vezes operar Lemaitre, Hautant e Portmann e não sei qual dos três devamos mais elogiar. Portmann, você sabe, um homem impressionante; meio latino, meio saxão, alía o brilho e a intuição rapida do primeiro ao espirito de disciplina e tenacidade do segundo. Mantem uma clinica especialisada em Paris, com tal organização e conforto moderno, que melhor não vi em parte alguma. A-pesar-de ter o tempo todo tomado, ainda continua a dirigir a sua catedra em Bordeaux e a manter um. magnifico curso de aperfeiçoamento para franceses e estrangeiros no Hopital de La Glacière. A minha temporada em Paris foi bastante longa, tendo estado lá um pouco mais de dois meses. Agora cimentei melhor certas convicções que tinha da minha primeira viagem. Ninguem póde ter grandes pretensões na especialidade, sem conhecer alemão, pelo menos para lêr medicina; mas daí para desprezar por completo a colaboração francesa, como pretende muita, gente, vae grande diferença. O interessante é que na Europa nada se nota neste particular; o intercambio e a irradiação cientifica franco-alemã é completa e mutua; na America Latina é que aparecem estes apaixonados intransigentes para um ou outro lado. Ainda agora, Von Eicken, nome cuja projeção internacional todos conhecem, organisando-as diversas sessões do Congresso Medico que se vae realizar em Berlim, por ocasião das Olimpiadas, já designou varios nomes de especialistas franceses para presidi-las, e Le Mée, Lemaitre e Bourgeois já devem estar de malas prontas.

- Que diz da especialidade nos Estados Unidos?

Já falei alguma cousa no começo. Si você considerar isoladamente cada um dos nossos capitulos, semiologia, terapeutica, orientação cirurgica não encontrará grande diferença em relação aos centros europeus. Entretanto, em conjunto, conhecendo os recursos ilimitados de que dispõe o medico americano, aliados á sua imensa capacidade de organização, fica-se entusiasmado em imaginar o que a America promete para o futuro, alias não é só em medicina, mas em qualquer ramo de atividade humana. Na realidade, aquele povo foi de uma, felicidade sem precedentes na historia; ficou com a região mais rica do planeta e amalgamou etnicamente todas as bôas qualidades do inglês, alemão e francês, além do enxerto do temperamento holandês e italiano. O resultado catamos assistindo: com os seus milhões, conseguiram uma civilização adiantadissima e um conforto de vida desconhecido nas outras partes do mundo. Si não fosse o interesse historico e espiritual da Europa, não compreenderia como seria possivel ao americano suportar os hoteis e hospitais do Velho Mundo. Como você sabe, os Estados Unidos são o paiz da alergia e da infecção focal. Si é verdade que a infecção focal teve o seu berço na Clinica dos Irmãos Mayo, em Rochester, outro tanto não se pôde dizer da alergía, porque nem Richet nem Von Pirquet são americanos. O problema do "Hay-fever" era antigamente uma verdadeira calamidade nacional e isto explica a fascinação que as questões anafilaticas exercem sobre o espirito do americano. Por isso, póde-se dizer que todas as clinicas modernas da America, possuem um serviço de alergia perfeitamente autonomo. Isto interessa muito a nós especialistas; si praticamente não existe febre do feno entre nós, em compensação passam pelos nossos consultorios todos os dias doentes para os quais é claro o fundo anafilatico. Em Nova York, como em Filadelfia, como tive ocasião de vêr, todo o doente portador de febre do feno, rinite vasomotora, eczemas, pruridos e cefaléas de causa obscura, têm obrigatoriamente de passar pelo departamento de alergía. E' bem verdade que os resultados praticos de grande vulto se limitam até agora aos casos de febre do feno, bastando dizer que em cada dez doentes desta classe, cinco são hoje curados profilatica ou terapeuticamente. E' completo o serviço de testa e de dessensibilisação. Quem conhece assim os resultados do hay-fever, os recursos e a organização das clinicas americanas, e sabe da capacidade de trabalho do seu pessoal, não póde deixar de se contaminar com o otimismo que, reina na America, quanto ao futuro terapeutico desta ordem de entidades nosologicas. A infecção focal possue tambem uma feição especial na America do Norte, e para nós, o interesse é particular por causa das amigdalas, sinusites, dentes etc. Toda a vez que o caso comporta estes focos citados, são articulados sistematicamente com vesicula biliar, apendice e prostata.

O que mais impressiona nos Estados Unidos, é a organisação geral dos hospitais. Não são somente a largueza e o conforto que levam á admiração, mas tambem a sua orientação. O americano tem por principio, poupar ao medico qualquer esforço que não seja aplicado em sua finalidade unicamente cientifica, e para tanto é empregado um verdadeiro batalhão de enfermeiras ou secretarias. O doente só comparece á presença do medico, com a sua anamnése perfeitamente registrada por pessôa competente, anamnése esta que obedece a um criterio estandard e uniforme; naturalmente que de acôrdo com a natureza do caso, esta anamnése será dilatada, no sentido que o medico achar interessante, mas ele já recebe o paciente com uma idéa, uma certa orientação de modo a poupar tempo e esforço. Foi isto o que eu vi nos grandes hospitais modernos de Nova York que visitei, como o Mahattan; Mount Sinai, Roosevelt, Rockfeller, Policlinic, Post-Graduate e outros, e em Filadelfia, Temple University, Jefferson e outros cujos nomes não me ocorrem de momento. A famosa clinica de Chevalier-Jackson é instalada nesta ultima cidade. O grande endoscopista das vias aereas e do esofago dá a impressão de que chegou ao maximo de rendimento possivel. Graças á sua incomparavel organisação, parece que não se póde pretender maior produtividade. Ele tem a noção nitida de que seja uma especialidade dentro de outra, e na opinião do celebrado endoscopista, quem quizer imita-lo na sua tecnica, tem de abdicar qualquer outro departamento da especialidade, porque com rapidez se perde a habilidade manual adquirida. Como se sabe, o seu renome hoje é mundial. Tanto ele como o seu filho são de extrema afabilidade para com os visitantes. Imagine que em uma das sessões que assisti, Chevalier Jackson Filho realisou 34 bronco-esofagoscopias. Interessante que em nenhuma delas se tratava de corpo estranho; tinham todas por finalidade, remoção de fragmentos para biopsia, terapeutica de asma, etc. Mas é preciso parar por aqui. Quem visita a America do Norte deixa-se levar por tal entusiasmo, que sem o perceber vae se alongando demais. Mas uma idéa final não quero deixar de externar. Ha quem rios incrimine de macaquear o que se vá no estrangeiro; pois macaqueemos o americano em tudo o que fôr possivel dentro das nossas possibilidades. Si podemos alcança-lo, não sei; basta que sigamos a sua direção.

A "Revista Oto-Laringologica de S. Paulo", com os votos de bôas vindas, felicita o Dr. Francisco Hartung. pela sua brilhante atuação no estrangeiro, como representante da oto-rino-laringologia brasileira, e agradece a gentileza da sua entrevista, na qual deu mais uma vez prova do seu espirito arguto e observador.

PREMIO HENRIQUE LINDENBERG

Na sessão de posse da Mesa deste ano da Secção de Oto-Rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina, o Prof. Paula Santos, seu Presidente atual, comunicou á casa a sua resolução de instituir um premio a ser distribuido anualmente ao melhor trabalho apresentado sabre oto-rino-laringologia.

O premio a ser denominado "Henrique Lindenberg" consistirá em uma medalha de ouro, tendo o ofertante mandado cunhar cinco exemplares, para serem distribuidos em anos sucessivos.
Nomeou em seguida uma missão de tres membros, composta dos Drs. Marco Ottoni de Rezende, Paulo Sáes e Raphael da Nova, para estudar a regulamentação daquele premio.

Na sessão de Abril p. p. essa comissão apresentou á apreciação daquele gremio os itens seguintes, que foram em seguida aprovados:

Artigo I - Fica instituido um premio ao melhor trabalho original apresentado á sessão de oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina, que vérse sobre assunto daquela especialidade.

Artigo II - Esse premio será denominado "Henrique Lindenberg", em honra ao I.° Professor dessa disciplina na Faculdade de Medicina de S. Paulo e constará de uma medalha de ouro.

Artigo III - Só poderão concorrer a este premio os medicos formados pela Faculdade de Medicina de S. Paulo, ou os atuais alunos desta.

Artigo IV - O concurso ao premio será aberto a 1.° e encerrar-se-á a 20 de Janeiro de cada ano. Os trabalhos apresentados serão julgados por uma comissão de três membros, nomeados pelo Presidente desta Secção.

Artigo V - O premio será conferido na sessão do mês de Março.

Artigo VI - O laudo da comissão julgadora será lido em sessão e constará da ata que se lavrar.

Artigo VII - Poderão concorrer ao premio as teses de doutoramento já julgadas pela Faculdade de Medicina de S. Paulo, e que tenham sido escritas em data posterior á da instituição do premio. Os outros trabalhos serão dactilografados e levarão a assinatura do candidato.

SEGUNDA SEMANA PAULISTA DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA

Sob os auspicies da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo, realizar-se-á entre 6 e 11 de julho proximo, a Segunda Semana Paulista de Oto-rino-laringologia.

Justamente no decimo aniversario da Primeira Semana, a Sociedade de Medicina terá o maximo prazer em reunir na sua séde o maior numero possivel de especialistas brasileiros e sul-americanos que quizerem honra-la com a sua presença.

As adesões recebidas até a presente data pela Secretaria da Sociedade auguram uma esplendida reunião cientifica e social.

As inscrições e a relação dos trabalhos com os respectivos titulo deverão ser mandados até 15 de junho proximo, a rua do Carmo, 16, S. Paulo.

A contribuição será de 20$000 por aderente:

As sessões da Semana obedecerão ao seguinte Regulamento:

1º) As sessões da "Semana" terão lugar na séde da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo, instituidora do certamen, conforme a distribuição, dia e hora, previamente mencionados.

2.°) Haverá, no inicio de cada sessão, e quando houver material, uma conferencia sobre um assunto de atualidade. Estas conferencias terão a duração maxima de 30 minutos e poderão, a juizo da mesa, ser discutidas.

3.°) A leitura, de cada tése, não deverá exceder de 20 minutos, bem como, cada membro, que a quizer discutir, disporá de 5 minutos.

4.°) São vedados os apartes, de qualquer especie, especialmente se não versarem sobres, materia em discussão.

5.°) Os que já se houverem manifestada sobre determinado assunto, em debate, não poderão obter nova permissão para falar sobre o mesmo, salvo caro excecional. Só o relatar terá o direito de replicar depois que todos tenham falado a respeito de seu trabalho.

6.°) De cada um dos trabalhos, deverão ser apresentados, á mesa, além do original, mais tres cópias de seus resumos.

7.°) O Presidente da sessão de abertura será o da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo que, que ao finaliza-la indicará seu substituto para a segunda e este para a terceira, e assim por diante. A sessão de encerramento será, de novo, presidida pelo Presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo.

8) Os secretarios das mesas serão escolhidos pelo presidente, excéto os das sessões de abertura e encerramento, que serão os da Sociedade de Medicina o Cirurgia de S. Paulo.

9.°) Haverá um stenografo que tomará os debates de cada sessão e deles fornecerá, no mesmo dia da, sessão, um exemplar á Secretaria da Sociedade.

10.°) Na sessão de encerramento haverá apresentação de moções, indicações etc. que após aprovação, terão os seus tramites normais, por intermedio da Secretaria da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo.

11.º) Os trabalhos da "Semana Oto-Rino-Laringologica", serão publicados em um numero especial do Boletim dá Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo ou em uma revista da especialidade, a juizo da Directoria da Sociedade, e de acôrdo com as bases aceitas por esta.

Atendendo ao apelo da Sociedade organisadora, já responderam aderindo as seguintes pessôas:

Da Universidade de Buenos-Aires: Prof. Pedro Belou;, da Universidade de Montevidéo: Prof. Justo M. Alonso; da Universidade do Rio de Janeiro: Profs. R. David de Sanson; José Kós, A. Leão Velloso, Aristides Monteiro; da Universidade de S. Paulo: Profs. A. de Paula Santos, Enjolrai Vampré, Flaminio Favero, Raphael de Barros, Alfonso Bovero, Edmundo Vasconcel1os, Samuel B. Pessôa, Adolpho Lindenberg, Renato Lochi, Barros Erhart e O. Machado de Souza.

Figuram ainda na lista os seguintes Drs.: A. Schmidt Sarmento, Roberto Oliva, Paulo Sáes, Sylvestre Passy, Sylvio Ognibene, J. E. de Paula Assis; Raphael da Nova, J. Mattos Barretto, Jayme de Campos, H. de Paula Santos, Paulo de Faria, Ernesto Moreira, Rebelo Neto, Francisco Hartung, Mario Ottoni de Rezende, Antonio C. Vicente de Azevedo, Homero Cordeiro, J. J. Cansanção, A. Mazza, A. Camargo Penteado, Rubens Brito, A. Perella, J. Ribeiro dos Santos, Lauro Coury, E. Cotrim, Oswaldo Lange, A. Tolosa, J. A. Mesquita Sampaio, H. Mindlin, Paulino Longo, Carlos Gama, Jovino de Faria, Alfredo Soares Cabral, David Pól Fernandes Jr., Mario de Capua, Hugo Ribeiro de Almeida, Prof. A. Bussaca, Edmundo de Carvalho, Cincinato L. Ferreira, Biaggio Gravina, J. E. de Rezende Barbosa, Sociedade de Medicina legal e Criminalogia, Cyro A. Silva (Cirurgião dentista), todos de S. Paulo; Paulo Brandão, do Rio de Janeiro; Theophilo Falcão, Edgard Falcão, de Santos; Ernani Mercadanti de Limeira; Octacilio Lopes, de Catanduva; Instituto Amarante Sobrinho, de Poços de Caldas; Orlando de Castro Lima, da Baía; Brasil Medico.

PROF. DR. ROBERT BARANY

(+ em Upsala a 7 de Abril de 1936).

Robert Barany iria completar' a 21 de Abril proximo passado, seu sexagessimo aniversario, quando a morte veio tirá-lo dentre os vivos a 7 deste mesmo mês. Esta data não pode deixar de ser recordada por nós, todos otologistas, que sobejamente, sabemos do valôr de sua personalidade destacada, nos campos de nossos conhecimentos.

Nada melhor para comemorarmos o seu infausto passamento, e pelo que tem de menos agora a otorinolaringologia mundial, que o relato de seus melhores feitos.

Sr. Presidente: Para a comemoração desta triste data, todos os seus admiradores, de todo o mundo, devem, cada grupo de per si e em cada paiz, recordar os melhores feitos do grande otologista. E', pois, com o coração que obedeço ás ordena do Snr. Presidente para dizer á Casa o que Ela está inteirada de saber o que foi Robert Barany, como especialista e Professor: "Formado ao lado de Cyon, Flourens, Mach, Breuer, Crumm

Brown, Bartels e Ewald-Barany, completando os estudos de Breuer sôbre a excitação termica, dos canais semi-circulares, demonstrou que, no homem, uma simples injeção, de agua fria ou quente, no conduto auditivo externo, póde produzir um nistagmo ocular e, ainda mais, que a agua de temperatura inferior a do corpo ocasiona um nistagmo para o lado oposto ao injectado. Isto que aí ficou dito parece um nada, mas todos nós sabemos que, sem a descoberta deste simples facto, não possuiríamos, ainda, o metodo de exame do aparelho vestibular, que nos permite pesquizar sua excitabilidade, sem uma intervenção cirurgica e, o que é mais, pesquizar cada aparelho vestibular por sua vez. Explicando o nistagmo calorico, Barany instituiu, em todos os detalhes, sua memoravel teoría, das correntes endolinfaticas, que rim resistido, galhardamente, até hoje, ás batalhas as mais arduas, procurando destruí-la.

Como contribuição á Fisiologia e Patologia dos aparelhos dos canais semi-circulares publicou, em 1906, quando assistente de Politzer, "Untersuchungen ueber den vom Vestibular-Apparat des Obres reflektorisch aufgelosten rythmischen. Nystagmus und seine Begleiterscheinungen". (Exames sôbre o nistagmo reflexo produzido pelo aparelho vestibular do ouvido e os sintomas que o acompanham).

Nesta monografia exgotou o assunto com rara proficiencia e o que escreveu é, ainda agora, com modificações minusculas, o que se conhece sôbre a Fisiologia do aparelho vestibular.

Barany continuou a dedicar-se, com vontade, á melhor solução e aplicação dos conhecimentos que vinha de adquirir pela experimentação minuciosa e cuidadosa e, assim, procurou ajustá-la ás pesquizas junto aos leitos dos doentes, tendo conseguido, pela perspicacia de seu espirito alerta, demonstrar as enormes ligações que tinha, o descoberto, com as lesões situadas para lá do labirinto do ouvido. Foi deste modo que diagnosticou, com maior facilidade, as lesões assentadas no tronco do nervo acustico, no bulbo e, ainda mais alto, os nistagmos de irritação de origem supra-nuclear e mesmo, e com minucias, os produzidos pelo lobo frontal.

Logo após a grande guerra foi, pelo seu alto saber e grande dedicação á ciencia, convidado pelo Governo da Suecia, a reger a cadeira da Oto-rino-laringologia, da Universidade de Upsala. E o que foi sua passagem por esta Universidade, dizem, bem claramente, o numero enorme dos magníficos trabalhos publicados pelos seus novos e esplendidos discípulos.

Entre eles: Gosta Dohlmann - 1) "Exames experimentais sôbre as reações vestibulares galvânicas" e 2) "Estudos finitos e fisiologicos sôbre a teoria do nistagmo calorico".

John Karlefors: "Espaços meningeanos do cerebelo, as ligações do 4.° ventrículo com os espaços sub-aracnoideos e com o aqueduto da cóclea, no homem", e outros.

Não descurou Barany a parte clinica, que não podia escapar a seu cerebro arguto: A Radical conservadora da Mastoide, de sua autoria, é uma das melhores tecnicas da especialidade. Outros e inumeros têmas detiveram sua atenção e a grandeza de sua contribuição cientifica, conta por milhares de trabalhos, que seria fastidioso enumerar, em cada qual mostrando sua enorme erudição. Barany não desmentiu, nem um momento, a grande Escola donde proveiu. Discipulo de Politzer, honrou o grande mestre, seguindo-lhe ás pegadas immortais.

Foi detentor do "Premio Nobel" de 1915, do Premio "Politzer" de Boston, e do "Premio Guyot", da Universidade de Gronigen.

Perde, com Barany, a otorinolaringologia mundial uma se suas colunas mestras.

M. O. R.

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