Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 83 a 86

 

ATRESIA COMPLETA DO CONDUTO AUDITIVO EXTERNO POR TRAUMATISMO. OPERAÇÃO PLASTICA

Autor(es): DR. PAULO SAES (1)

O caso presente, embora não constitua nenhuma raridade, não é dos que surgem á nossa lida diaria e tem como interesse realçar em como são rebeldes ao tratamento, exigindo para a sua cura operações largas e ainda após estas, uma vigia atenta por prolongado tempo.

As atresias adquiridas do conduto auditivo externo podem ser devidas á queimaduras, á otite externa difusa, ao eczema do conduto, á corpos estranhos, ás ulcerações por produtos quimicos ou ação termica e mesmo ás intervenções cirurgicas sobre o ouvido, como na trepanação mastoidiana e operação radical indevidamente cuidadas em sua fase post-operatoria.

Os traumatismos tambem nos fornecem um grande contingente de atresias, notadamente os tiros na região auricular. A guerra européa deu origem a numerosos ferimentos do ouvido externo, em seguida aos quais a atresia do conduto auditivo tornou-se uma sequela importante, tenaz e frequente.

O nosso caso se refere a um ex-combatente da guerra européa.

Domingos, C. - 34 anos, italiano, casado, motorista, residente a rua Carneiro Leão.

Antecedentes hereditarios e pessoais - sem importancia para o caso.

Durante a guerra, teve um traumatismo na região auricular direita, além de outros pelo corpo. Após longo tratamento hospitalar, resultou um estreitamento acentuado do conduto -auditivo externo, deixando apenas um ligeiro pertuito. Refere o doente não haver, nessa ocasião supuração alguma do ouvido e estar a sua audição regularmente diminuida. Na Italia foi feita uma primeira intervenção, sendo pelo conduto retirado largamente o tecido cicatricial. A-pesar-de todos os cuidados post-operatorios, formou-se uma atresia completa após três meses.

Em janeiro 1929, apresentou-se-nos o doente queixando-se de uma grande diminuição da audição no O. D. Sendo motorista, desejava verificar a possibilidade de restabelece-la ao normal. Não apresentava lesão alguma no 0. E.

No O. D. havia uma atresia total, completa, por tecido cicatricial fibroso, duro, indicando ser uma camada espessa ou mesmo um tubo fibroso e não apenas um diafragma cicatricial. Como a anamnese indicasse não ter havido lesão alguma no ouvido medio e ouvido interno (ausencia de supuração, audição bôa logo após o traumatismo, antes da atresia) e um minucioso exame funcional revelasse apenas uma perturbação de transmissão do som no lado lesado, resolvemos satisfazer os desejos do paciente, dando-lhe grandes esperanças de restabelecer a sua audição normal.

Operação - 22 de Janeiro 1929 - na Beneficiencia Portuguêsa, Auxiliado pelo Dr. Sylvio Ognibene.

Anestesia - Cloroformio, por ser o paciente muito timido e recusar-se á anestesia local, que seria a indicada para o caso.

Tecnica - Resolvemos fazer uma larga resecçao por via retro-auricular, a unica que se prestava para todas as eventualidades, podendo-se retirar todo o tecido fibroso ou osseo que estreitasse o conduto. Primeiramente, como na trepanação mastoidiana, incisão retro-auricular, ruginação do periosteo e descolamento do conduto membranoso. Observada a natureza da atresia, vimos que ela era formada por uma camada bem espessa de tecido fibroso, constituido como um tubo no conduto, que se achava tambem estreitado em sua parte ossea. Resecção de todo o tecido fibroso do conduto cartilaginoso até bem rente da concha. O descolamento do conduto foi feito com toda prudencia, afim de não lesar a membrana timpanica. Foi procediada, em seguida, a trepanação classica com goiva e martelo, não se chegando, no entanto, a penetrar no estico. Ressecada, depois, a parede posterior do conduto osseo, até uns 4 mills. da inserção do tímpano, de modo a que este não fosse lesado, verificamos nesta ocasião que este apresentava aspecto normal. Feita esta ressecção, ficou assim um novo conduto auditivo osseo direito, consideravelmente alargado, mais ou menos horizontal. Foi praticada em seguida a plastica do conduto como na operação radical: o processo que escolhemos consistiu em dividir o resto da parede posterior do conduto membranoso e a concha do pavilhão por uma incisão em T deitado, formando-se assim dois retalhos, o superior e o inferior, que foram reclinados um para cima e outro para baixo, fixados e suturados com cat-gue nessa posição. Daí resultou um canal cuja entrada e cujo diâmetro interno seriam quasi três vezes maior que um conduto normal. Chamamos muito a atenção para o tamanho da entrada do conduto assim muitissimo mais amplo que o normal, devido aos retalhos obtidos á custa da concha do pavilhão.

Agua oxigenada e sôro na cavidade e depois aplicação de mecha iodoformada. Em seguida, fechamento completo e total da incisão retro-auricular, com agrafes. Curativo externo comum.

Período post-operatorio - O doente passou completamente apiretico nos dias que se seguiram. No 6.° dia, retirada dos agrafes, com cicatrisação por primeira intenção, troca de gaze iodoformada. Curativos seguintes de três em três dias, regularmente; cauterisando com nitrato de prata e acido cromico as granulações existentes.

Depois de um mês já se observava um conduto regularmente epidermisado, no fundo do qual estava a membrana timpanica perfeitamente normal.

Apesar, porem, dos nossos cuidados, deixando escandalosamente ampla a entrada do conduto que tomava quasi toda a concha, nós viamos dia a dia o canal se estreitar, a ponto de ter sido necessária, por algum tempo, a permanencia de tubos de borracha para impedir o seu completo fechamento. A custa de muita persistencia e cauterisações químicas, após três meses demos alta ao doente, com um conduto de calibre normal, portanto três vezes mais reduzido no que deixámos no ato cirurgico.

Seis meses, um ano e ano e meio após examinamos o doente, que conservava o seu conduto e a sua audição absolutamente normais.

Alguns comentarias apenas referentes ao caso.

A operação praticada é o que constitue o esvasiamento petromastoidiano parcial, que não se aplica senão a um numero restrito de casos. Ela compreende os tempos da intervenção radical, exceto os ultimos, isto é, respeita o ouvido medio e o seu contendo, tímpano e ossiculos, com o fim de poupar ou mesmo melhorar a audição. E' o que se denomina uma radical conservadora. Outras tecnicas mais conservadoras têm sido usadas em casos de atresia ou estenose do conduto. Quando existe um pequeno orifício a dilatação póde ser tentada, com auxilio de mechas de gaze esterilizada ou com hastes de laminaria. As excisões do tecido cicatricial, seguidas, de cauterisações tem sido já empregadas. Todas essas tentativas são, em gerai, infrutíferas dando um resultado pouco durável e não põem ao abrigo da recidiva.

Uma questão de grande importancia nos casos de estenose ou atresia do conduto auditivo é a da indicação operatoria. Nem todos os casos de estenose devem ser operados. Assim estão as estenoses acompanhadas de uma bôa audição e não dando saída á corrimento algum. Ha indicação cirurgica, quando a audição é má ou si existe uma supuração concomitante. Neste ultimo caso, a indicação é mesmo foral afim de evitar complicações mastoidianas ou crâneanas. Uma atresia ou estenose acompanhada de surdez é razão para intervir mas, como já frisamos, preciso que o ouvido medio e o ouvido interno tenham uma funcção fisiologica normal, o que é indicado pelas provas acusticas. Tudo o que temos dito acima se refere ás estenoses ou atresia adquiridas.

Nas estenoses congenitas, quando ha simplesmente uma obliteração parcial por tecido membranoso, fibroso ou osseo, com audição bôa, a cirurgia nada deve fazer. Quando, congenitamente, ha uma imperfuração verdadeira, completa, com ausencia de conduto auditivo, timpano, caixa, ossiculos, - todo esse aparelho transmissor não existindo - a intervenção cirurgica é inutil, pois essas partes foram substituidas por um bloco fibroso e osseo e toda melhora de audição é impossivel.

De todo o exposto podemos concluir o seguinte:

Para agir eficazmente contra uma atresia ou estenose que tem sempre tendencia a reproduzir-se, a-pesar da grande excisão de tecidos, é preciso aumentar largamente o conduto auditivo externo a custa de sua parte posterior, até proximo á inserção do timpano, ressecando perto da concha o conduto cartilaginoso atresiado e por uma plastica obter um conduto membranoso e um meato os mais amplos possiveis, os quais devem ser atentamente vigiados por cuidados post-operatorios durante meses.

Quanto ao prognostico, podemos dizer que as atresias ou estenoses fibrosas, localizadas em um ponto limitado do conduto devem ser operadas, porque devem curar, ao passo que as estenoses tubulares extensas são, em geral, graves, o conduto auditivo externo ficando cheio por tecido fibroso e osseo de nova formação. O prognostico destas é dos mais reservados pois são muito sujeitas á recidiva, mesmo após uma intervenção completa e ampla.

RÉSUMÉ

DR. PAULO SAES - Atrésie totale du conduit auditif externe par traumatisme. Opération plastique.

L'A. présente un malade (blessé de guerre) operé d'atrésie totale du conduit auditif externe droit.

Opération: anesthésie génerale au chloroforme. Incision retro-auriculaire; décollement du conduit membraneux jusqu'à la proximité du tympan; rugination de la face antéro-externe de la mastoide. Résection des elements fibreux qui obturaient le conduit. Bréche en gouttière creusée aux dépena de la paroi postérieure du conduit osseux et de la face antérieure de la mastoide, en respectant la membrane tympanique, qui est normale. Plastique du conduit (incision en T en revers), par deux lambeaux, un supérieur et autre inférieur, fixés et suturés, au cat-gut, contre la surface de la gouttière osseuse que l'on vient de créer. Suture de la plaie retro-auriculaire. Pansements ulterieurs, à la gaze iodoformée, par le conduit. Guérison par épidermisation trois mois après l'intervention. Audition normale. '

L'A. rappele que la résection pratiquée aux dépena de la portion postérieure du conduit et de la parte antérieure de la mastoide qui lui est attenant, de manière à créer une large gouttière augmentant le diamétre du conduit, constitue le temps capital de 1'intervention. La reséction seule des parties molles, fibreuses, sana élargir le conduit osseux, est vouée à un échec.




(1) Adjunto da Sta. Casa - O. R. L. da Beneficiencia Portuguesa e Assist. Escolar).

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