Ano: 1936 Vol. 4 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (5º)
Seção: Progressos da O. R. L.
Páginas: 23 a 30
Supuração do rochedo.
Autor(es): -
Em magnifico "Simposium" perante a American Otological Society, reunida em Toronto, em 28 de Maio de 1935, os Drs. Samuel Kopetzky (Nova York), Stacy R. Guild (Baltimore), Marvin F. Jones (New York City, J. Gordon Wilson (Chicago), Edmund Prince Fowler (New York City), Emest Seydell (Wichita), Curtis C. Evers (Filadelfia), C. Stewart Nash (Rochester), John R. Page (New York City , William V. Mullin (Cleveland), Isidore Friesner e J. D. Druss (New York City), Ralph Almour (New York City), Wells P. Eagleton (Newark) e H. J. Lillie (Rochester), formaram o soberbo conjunto, destacado para relatar as diferentes secções de que se compunha a materia em fóco: anatomia normal e patologia da piramide petrea, aspecto clinico e diagnostico dos varios tipos de infecção, fundamentos de terapeutica e, finalmente, relatada por H,. J. Lillie a sumula dos relatorios e suas conclusões.
Não sendo possivel resumir cada um dos trabalhos apresentados sobre o assunto, pois que já constituem o minimo que cada um pode apresentar, nos limitaremos a transcrever a sumula deles feita por Lillie.
Considerações anatomicas e histológicas
Guild apresentou um trabalho bem claro sobre a anatomia histologica e relações cirurgicas do rochedo. Deixou evidente que o termo - apice petroso - é usado, por diferentes autores, para designar regiões diversas do rochedo: a superficie da extremidade menor, a porção anteromedial á capsula coclear e a porção anteromedial ao canal semi-circular superior. Chama, tambem, atenção sobre o fato da grande variabilidade que apresenta a piramide petrea, em tamanho, fôrma e conformação, de modo a se poder, dificilmente, descrever uma piramide normal. Entretanto, nela existem certos relevos e acidentes mais ou menos tipicos. Segundo Guild, o rochedo pôde consistir de osso esponjoso, com espaços inteiramente ocupados com medula ossea hematopoiética, de medula ossea puramente gordurosa ou de uma mistura destes dois tipos.
Pôde, tambem, ser formada de tecido osseo denso e solido com pequena quantidade de medula. Frequentemente a piramide é composta de espaços pneumaticos, tecido osseo denso e tecido osseo esponjoso com medula ossea hematopoietica ou gordurosa; não existe regularidade alguma na disposição destes tecidos, relativamente um ao outro. Por ser a capsula labirintica a porção a menos variavel do rochedo, a nomenclatura das celulas pneumaticas da piramide, será mais precisa, se feita de ocôrdo com suas posições relativamente a esta capsula. Por exemplo, as celulas colocadas abaixo da parte posterior do labirinto, devem ser denominadas de sub-labirínticas, as que se situam atraz deste orgão, post-labirinticas, as distribuidas em volta dele, peri-labirinticas, as que aparecem na superficie adeante da capsula labirintica ante-labirintica. Estas ultimas incluem as celulas que envolvem o canal carotidiano, a trompa de Eustaquio e as proximas ao vertice da piramide. E sabido que a pneumatisação se desenvolve de três pontos principais de origem: da trompa de Eustaquio, do ouvido médio e da região do antro timpanico.
O rochedo está em relação com estruturas anatomicas, de grande importancia.
Acima e atraz, com o seio petreo superior; em baixo e adeante, com a arteria carotida, o bulbo da jugular e seio petreo inferior. Os pequenos vasos sanguineos que se originam no rochedo, esvasiam-se nestes varios canais. Nada, ainda, se conhece sobre os linfaticos desta região. A ponta da piramide articulase com o corpo do occipital e com o angulo posterior da grande asa do esfenoide. Ocasionalmente se observa notavel pneumatisação destas regiões.
A superficie superior do rochedo é coberta pela dura mater da fossa média. A superficie posterior é coberta com a dura mater da fossa posterior. A dura nestas regiões é primitivamente aderente e mais fina que usualmente, o que dificulta, sobremodo, seu destaque do osso, especialmente quando de inflamações.
Inferiormente o rochedo está muito proximo da parede lateral e da abobada do naso-faringe. Este fato é de importancia porque, clinicamente, têm sido observados casos em que o processo supurativo se localisa na fôrma de um abcesso do nasofaringe.
Sete nervos crâneanos, por seus troncos ou raizes, do V.° ao XI.° inclusive, estão em intimas relações com alguma parte do rochedo. Por esta razão, deve-se ter em conta a possível cooparticipação de qualquer destes nervos. O sindrome do foramen jugular tem sido descrito em conexão com as lesões supuradas do osso temporal. A inervação sensitiva da piramide petrosa é complexa, porém a dôr descrita como tipica das inflamações desta região, diz-se ligada ao nervo grande petreo superficial. O ramo timpanico do glosso-faringeo, que, ás vezes, é chamado nervo de Jacobson, recebe um ramo comunicante do nervo facial, proximo ao gânglio geniculado; além deste ponto, ele é conhecido como pequeno petreo superficial e passa através da parte supero-lateral do peri-labirinto e pela parte externa do rochedo, ao longo da superficie anti-labirintica, onde ele ocupa uma depressão unida ao grande petreo superficial. Por meio destas ligações com o gânglio otico, ele supre a glandula parotida de fibras secretorias. As perturbações de secreção desta glandula pôde coadjuvar na localisação de uma infecção da piramide petrea. O plexo simpatico da carotida interna, que passa através da parte ante-labirintica do rochedo, no canal carotideano, representa uma continuação para cima do tronco do simpatico cervical. Todos estes nervos entram em relações com os ramos que são distribuidos pelo gânglio esfenopalatino. Guild sugestiona que até a inervação, do musculo dilatador da pupila, provem de fibras nervosas que percorrem o plexo simpatico carotideano; diferenças em tamanho, das pupilas podem ser causadas por uma infecção proxima do canal carotideano. A dura mater que cobre o rochedo, é suprida de fibras sensitivas pelo ramo meningêo proveniente do trigemeo pelo seu ramo oftalmico. As relações anatomicas da piramide petrea, com sua vizinhança, são muito intricadas.
Correlações entre os achados roentgenologicos e patológicos
O complexo e as variedades anatomicas do rochedo tornam dificil a tecnica da exposição de suas importantes estruturas anatomicas pelos raios X, e dificultam, ainda, a interpretação de qualquer modificação em relação com um processo patologico nele existente. A experiencia clinica demonstra a necessidade e a utilidade de se comparar o rochedo doente com o são. Estudos praticados em inumeros rochedos demonstraram que eles são, frequentemente, pneumatisados, muito embora a mastoide possa ser diploetica no mesmo paciente e vice-versa. O saber-se se o processo patologico do rochedo, é uma osteite ou osteornielite, não é facil, pois que as modificações osseas, demonstradas pelo roentgenograma, podem ser tardias e, assim, sem valor diagnostico. Nos rochedos pneumaticos, o auxilio da radiografia é muito maior. No estado atual de nossos conhecimentos, para a interpretação das modificações apresentadas pelo rochedo, diz Taylor que "toda modificação na aparencia roentnografica do apice petroso não quer dizer lesão supurativa deste". Law disse que não é possivel fazer um diagnostico de supuração do rochedo, pelas informações obtidas sómente por uma radiografia. Freqüentemente se aconselha mandar fazer sempre uma radiografia do rochedo quando se pedir uma da mastoide, pois que o conhecimento do estado do rochedo, nesta época, poderá ser de grande valor, quando mais tarde, nele sobrevier uma complicação e, ainda, poderá servir para melhorar os conhecimentos do clinico, quanto á significação de futuras radiografias de outros pacientes.
Quadros clinieos tendo que vêr com a diferenciação dos tipos
Eagleton classificou os processos infecciosos do rochedo do seguinte modo:
1 - Osteite reativa e reparativas.
2 - Lesões congestivas não supuradas cujos sintomas dependem da estase venosa.
3 - Sepsis cronica ossea (sem pús microscopicamente).
4 - Abcessos do apice:
a) sem fistula
b) com fistula.
5 - Septicemía agúda associada a culturas sanguineas positivas e meningites.
De acôrdo com a descrição anatomica, podem existir 3 tipos diferentes de estruturas, ou uma combinação de todos eles; assim o paciente em que a medula ossea estiver comprometida, deverá ter uma osteomielite e o que tiver as celulas pneumaticas doentes, deverá ter um epiema encapsulado. Mais tarde, se poderá formar um abcesso ou a infecção poderá ser de tal natureza que, não seja limitada pela supuração e invada a cavidade crâneana. Isto poderá acontecer a despeito de qualquer intervenção cirurgica que tenha podido ser praticada. Quando se disse que as estruturas podiam ser variaveis, estava prevista a possivel combinação de um abcesso das áreas pneumatisadas e de uma osteomielite. As vias de infecção que se extendem ao interior do rochedo, e produzem sintomas, são as celulas que se originam em volta do antro timpanico, do espaço epitimpanico, as celulas peritubarias e as do canal carotideano. Deste modo poderá existir um processo supurativo intenso do grupo de celulas sub-labirinticas, sem nenhum dos sintomas atribuidos a supuração do rochedo. Não é pouco comum o encontrar-se tal comprometimento, quando da exenteração cuidadosa da mastoide pelo metodo de Küster. Os sintomas de supuração do rochedo são: a) dôrno ou em volta e atraz do globo ocular homolateral; b) - corrimento continuo do ouvido durante o periodo de dôr; c) - ligeira sepsis. Adicionalmente poderá ocorrer uma paralisia do nervo abducens. Estes sintomas podem diminuir em intensidade, e mesmo tornarem-setorpidos, de modo a se ter a esperança de uma proxima cura do paciente, até que sobrevenha uma recaída. No estadio terminal da molestia, haverá invasão do endo-crâneo. Não menos frequente é a ausencia de um ou outro sintoma, fato que dificultará o diagnostico. Este complexo sintomatico de uma supuração do rochedo poderá aparecer no periodo de coalescencia de uma mastoidite ou durante o periodo de convalescença, que se seguir a uma operação sobre a mastoide. Na maioria dos casos relatados na literatura, apareceram após a operação da mastoide.
Parece que os casos em que se desenvolvem abcessos, seriam os unicos em que a intervenção cirurgica ofereceria maiores probabilidades de obter o dominio da molestia. Se a operação fôr praticada, muito cêdo, no curso da osteomielite, antes que a supuração se tenha processado e que um abcesso se tenha formado, grande obstaculo se levantará para a obtenção de um sucesso. No tratamento da osteomielite, em qualquer parte do corpo, a cirurgia nunca estará indicada antes do aparecimento da supuração. Nos casos examinados por Seydell, 60% apresentavam sintomas quasi típicos, sendo que, na maioria, apareceram durante a convalescença operatoria da mastoidite.
Nestes casos a paralisia do abducens não tinha lugar definitivo no quadro clinico. Dos 112 casos revistos por Eves, 71 curaram-se e 29 faleceram devido a complicações. Este autor adicionou quatro casos proprios.
Caráter da dor
A dôr é um fato, não pôde haver engano, se o paciente a está sentindo ou não. E' localisada no, atraz e em volta do globulo ocular. Começa, geralmente, á noite e pôde apresentar um periodo de alivio quando das horas de marcha. Pôde aparecer a qualquer tempo, mas usualmente mais tarde no decurso da convalescença da operação sobre a mastoide. No entanto, é preciso ter em mente que poderá aparecer antes que a intervenção, sobre a mastoide, tenha tido lugar. Quando isto acontecer, serve para prevenir ao cirurgião, da necessidade de procurar a existencia de uma supuração no rochedo. A dôr é aliviada quando da rutura, expontanea, do processo supurativo da piramide petrea, ou quando de sua evacuação cirurgica.
Corrimento do ouvido
Após a intervenção na mastoide, espera-se, comumente, que o ouvido séque dentro de 4 ou 5 dias, especialmente, se fôr completamente exenterada. Se o corrimento continuar, o cirurgião suspeitará de que qualquer cousa foi deixada sem fazer. Se, num determinado caso, o ouvido secar e o paciente continuar a ter dôres atraz e em volta do globo ocular e, de repente, o ouvido recomeçar a correr, será indice certo de que uma supuração existente, no interior do rochedo, evacuou-se expontaneamente, sobretudo se as dôres, que o doente sentia, desaparecerem com o inicio do escoamento pelo ouvido. Se estas persistirem, quer dizer que a drenagem é insuficiente. Se o corrimento do ouvido não cessar, com a operação da mastoide, e continuar profuso em quantidade, ou não puder ser explicado pelas lesões supurativas do proprio cavum timpânico, ou pela trompa de Eustáquio, sendo acompanhado com os sintomas dolorosos, caracteristicos, acima descritos, é preciso suspeitar-se de uma supuração da piramide petrosa. Si, porém, existirem os outros sintomas de supuração intra-petrosa, não existir corrimento, pelo ouvido, ou pela ferida operatoria, será necessario intervir, com urgência, sobre o rochedo.
Periodo de pequeno grau de sepsis
Em seguida á operação na mastoide ou durante o curso da otite média supurada é mastoidite de tipo coalescente, ao lado de um corrimento continuo pelo ouvido, acompanhado de dôr,
o paciente pôde manifestar um ligeiro grau de sepsis. A suspeita da cooparticipação da piramide, no processo supurativo aumenta. Os recursos de laboratorio podem não auxiliar. O aspecto geral é o de um paciente que apresenta um decurso ano. malo da otite média supurada e mastoidite e, que se deve fazer qualquer cousa para elucida-lo. A doença não é tão grave, quanto a que se costuma observar em uma infecção da corrente circulatoria e não existem sinais ou sintomas de meningite, além da dôr de cabeça e febre. O exame físico geral não revela evidencia de molestia em qualquer outra parte do corpo, e a observação levará a dedução de que os sintomas existentes, correm por conta da molestia do osso temporal. Melhore, o paciente, gradualmente, ou desapareça rapidamente, o sindrome, uma esperança falsa de cura completa pôde ser a causa do cirurgião não pensar na existencia de um periodo de latencia. Se o complexo sintomatico recediva, certamente deve-se fazer qualquer cousa para o paciente. Se a complicação endocrâneana sobrevem, então será muito tarde. Outros sinais de importancia podem fornecer os exames do liquor e dos fundos oculares. O exame radiografico é, extremamente, importante.
Em conexão será necessário ter em vista a possibilidade da coexistência de uma supuração do seio esfenoidal e das celulas etmoidais posteriores. Lillie relembra dois casos fatais, que não eram associados com o sindrome da supuração do rochedo. Ambos morreram de meningite e a autopsia revelou que a causa da meningite fôra a propagação de uma infecção das celulas etmoidais posteriores e do seio esfenoidal. Quando se pensa que pôde existir ampla pneumatisação do rochedo e do seio esfenoidal, e que a infecção pôde alastrar-se, de qualquer destes fócos, compreender-se-á, rapidamente, com que facilidade as meningeas poderão ser invadidas por ele.
Fundamentos terapêuticos
Pode-se dizer, simplesmente, que o metodo racional de tratamento de uma molestia, tão grave como a supuração da piramide petrosa, é o cirurgico. A cura expontanea que, ás vezes, se pôde processar, não fala contra este modo de vêr. Parece racional acreditar-se que quando o diagnostico ficar bem estabelecido, de acôrdo com os quadros clinicos descritos, a prorogação da intervenção só será nociva ao paciente. Para se alcançar uma lesão supurada do rochedo, quando bem diagnosticada sua situação, pode-se atuar, diretamente, sobre ela.
Com o fim de localisar-se o sitio da lesão, deve-se ter em conta certos aspectos; assim o arranjo celular ou a significação de certos sinais referentes a certos nervos crâneanos que devem ser interpretados corretamente.
Pode-se voltar ao dogmatismo de Küster que recomenda estar-se preparado a abrir o osso, largamente, de fôrma a poder, rapidamente, ser inspeccionado, a afastar todos os fócos doentes
e expôr, tão completamente, o fóco de supuração, que o pús não possa, de nenhuma fôrma, encontrar impecilio á sua saída
O ideal será permanecer-se dentro da capsula da piramide quando possivel. Em geral, pôde ser dito que se deve olhar o problema cirurgico preparado para o ataque á piramide, de maneira ordenada e sem os preconceitos e idéas preconcebidas.
Não se deve falar de cirurgia conservadora ou radical, mas de intervenção cirurgica adequada e racional. A supuração do rochedo é uma molestia grave e medidas heroicas serão necessarias. Se o sindrome, de supuração petrosa, estiver presente anteriormente á uma intervenção cirurgica sobre o osso temporal, deve-se proceder de proposito estabelecido, de maneira metodica, para expor e explorar as regiões em que a molestia possa estar presente. Do mesmo modo, se o sindrome aparecer no curso da convalescença de uma intervenção anterior na mastoide, o cirurgião deve alcançar a lesão pela mesma fôrma metodica. 0 que Liilie considera maneira metodica é a exploração em turnos das celulas colocadas atraz do labirinto, acima do labirinto e as que provêm do zigoma. Se a exploração e exenteração, dessas celulas, não revelem o fóco de supuração, ou se aí não existirem fistulas a serem ampliadas, então será facil extender-se a operação, por intermedio da operação radical da mastoide, a região da trompa de Eustaquio e do canal carotideano a procura do fóco causador dos disturbios. Nesta ultima região pode-se usar a tecnica de Almoar ou Ramadier.. Cada individuo deverá constituir um problema a parte.
Dizem que quando se puder conservar, dentro da capsula da piramide petrosa, será de muita vantagem devido a se evitar as estruturas intra-crâneanas. Entretanto, cada um de nós tem encontrado casos de supuração do rochedo associados a abcessos epidurais com a exposição destas mesmas estruturas. Acrescentese a necessidade da aproximação do angulo interno do rochedo e a da elevação da dura para melhor exposição do processo patologico e para a punção ventricular, afim de que o cerebro possa ser facilmente manejavel. Se a lesão do rochedo fôr uma osteomielite, será dificil dizer, como deverá ser resolvido o problema no ponto de vista cirurgico. No tratamento da osteomielite em qualquer outro lugar do corpo, o cirurgião não se aproxima da lesão, sem que esteja certo de que a supuração exista. Esperar pela supuração, poderá resultar no aparecimento do estadio terminal de invasão intracrâneana. Pôde, no entanto, ser isto evitado? A natureza da infecção, em si, torna pouco provavel que a complicação fatal possa ser evitada. Em geral, é evidente que não existe nenhum metodo cirurgico que seja adequado a todos os casos.
M. O: R.