Versão Inglês

Ano:  1936  Vol. 4   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 16 a 21

 

SOBRE A QUESTÃO DO ADENOIDISMO

Autor(es): DR. HOMERO CORDEIRO (1)

A questão do adenoidismo continua na ordem do dia. E um capitulo tão importante da patología infantil, que sua ampla divulgação torna-se sempre oportuna, principalmente agora que, reunidos em Congresso, iremos discutir as varias téses relacionadas com o têma oficial: "Valor da oto-rino-laringología na Higiena Escolar", para no final tirarmos as nossas conclusões e sugerirmos, aos poderes competentes, as ideias e medidas por nós julgadas mais acertadas.

A mucosa normal da parede posterior da faringe nasal das creanças, apresenta na sua parte alta, um tecido móle, de aspecto esponjoso, de superficie irregular: é a amigdala faringéa ou de Luschka.

Macroscopicamente, nota-se em sua superficie, uma serie de pregas, 5 ou 6, de direção sagital e separadas entre si por sulcos, sendo o mediano mais profundo e formando ás vezes um fundo de saco, conhecido pelo nome de "bolsa faringéa de Tornwaldt".

Histologicamente, a sua estrutura é semelhante a dos gânglios: um reticulo de finas fibrilas, contendo nas suas malhas numerosas celulas linfaticos (linfocitos e leucocitos). Encontram-se tambem foliculos analogos aos da substancia cortical dos gânglios ou das placas de Peyer do intestino delgado. O epitelio da superficie das pregas é do tipo malpingeano; nas anfractuosidades, é do tipo cilindrico ciliado. Nos sulcos, desembocam as glandulas muciparas.

A hiperplasia do tecido linfoide normal da faringe nasal, ou por outra, o aumento de volume da amigdala faringéa de Luschka, é o que chamamos vulgarmente de vegetações adenoides.

0 tecido linfoide epifaringeana existe normalmente nos recem-nascidos. E uma barreira de defeza contra todos os ataques infecciosos endógenos ou exógenos, que, quando repetidos periodicamente, provocam a hiperplasía desse tecido.

As vegetações adenoides manifestam-se geralmente dos 2 aos 4 anos, mas podem tambem aparecer antes desse período. Nota-se sua maior frequencia nos climas humidos, com variações bruscas de temperatura. Haja vista o que acontece aqui em S. Paulo, onde a porcentagem de adenoideanos é muito maior do que no interior do Estado. O terreno constitucional, bem como as condições de higiene, desempenham tambem um papel importante na patogenía do adenoidismo.

E' uma afecção da primeira infancia que determina um complexo morbido de sintomatologia multipla e variada.

Sem entrarmos em divagações demasiadamente conhecidas dos distintos colegas, passemos em rapida revista as principais formas de perturbações ocasionadas, não só pela simples hipertrofia, como tambem pela infecção da amígdala faringéa, tanto locais como gerais, cujo conjunto constitue o adenoidismo ou síndrome adenoideano.

Primeiramente destacamos as perturbações de origem mecanica, isto é, obstruções mecanicas provocadas pela presença das massas adenoidenas enchendo o cavum, com suas repercussões respiratorias, auditivas e fonatorias.

Nas respiratorias mencionamos a atitude de boca semi-aberta, devido á insuficiencia da respiração nasal, atitude essa mais pronunciada no sono, com respiração ruidosa causada pelas vibrações do véo do paladar, que perde a sua tonicidade. Como consequencia dessa obstrução patologica, citaremos: 1) deformações faciais: caracterisadas pela atrofia do maciço osseo da face, retração do labio superior e quéda do inferior, de modo que a boca fica entreaberta, mostrando deformação ogival; dentes superiores acavalados, os inferiores fazendo saliencia para a frente. Esse conjunto é conhecido pelo nome de "faties adenoideaná. 2 ) anomalias dentarias: dentes em serra, hipoplasía do esmalte, ataxia dentaria devido atrofia da arcada e ausencia dos espaços reservados aos dentes. 3) deformações toraxicas: torax estreito com achatamento lateral, com projeção do esterno para deante (pectus carinatum), deformações estas devidas á ventilação pulmonar insuficiente.





Das repercussões auditivas, destaca-se a diminuição da acuidade auditiva, que vae desde o seu abaixamento apenas perceptível até á surdez bastante pronunciada, devido á obstrução das trompas de Eustaquio pelas vegetações, acarretando disturbios tubo-timpanicos, o que dá ao adenoideano uma fisionomia demasiada atenta, um faties atoleimado. Essa obstrução periodica ou permanente, com surdez concomitante, causam serio prejuizo ás creanças, pois a percepção deficiente das impressões tonais das palavras e consequente dificuldade de sua compreensão, retardam o desenvolvimento da linguagem articulada e da atividade cerebral, em geral.

Das repercussões fonatorias destacaremos a vóz sem timbre, da, e as disartrías, por ausencia de resonancia das ondas sonoras no cavum e fossas nasais, conjunto de fenomenos que Gutzmann denominou de "rinolalía clausa posterior".

No segundo grupo de perturbações, vêm as de origem nervosa ou reflexa, caracterisadas por cefaleias, inaptidão para o trabalho intelectual (aprosexía de Guye) e físico, palidez, falta de apetite e toda a serie de acidentes noturnos, como sono entrecortado, ranger de dentes, transpiração, leves dispnéas, pesadelos e terrores noturnos, acessos de asma, tósse quintósa, pruridos nasais, incontinencia de urina etc.

Ao terceiro grupo compreendem as perturbações de origem infecciosa, dentre todas as de maior importancia na patogenía das vegetações adenoides. Pelo aumento de virulencia da flóra microbiana, que pulula em suas criptas, sofrem as vegetações um processo inflamatorio que pode ir desde simples inflamação até á supuração: assim se instala a adenoidite aguda simples ou supurada. Desse fóco inicial, pelas suas relações de proximidade ou contiguidade, pode ela afectar os orgãos visinhos ou mesmos distantes. Assim: 1) para o 1ado dos ouvidos: inflamação e obstrução tubaria, otalgía, otite media aguda, otorréa recidivaste ou cronica, podendo ir até á mastoidite; 2) para o lado das fossas nasais: coriza agudo recidivaste ou purulento cronico, dacriocistite, eczema do introito nasal etc; 3) para o lado da faringe: amigdalites agudas de repetição ou cronica hipertrofica, faringite granulosa; 4) para o lado dos gânglios do pescoço: adenopatla aguda ou cronica; 5) para o lado das vias respiratorias: laringite aguda, estridulosa, bronquite aguda ou cronica, asma, etc.; 6) para o lado dos aparelhos digestivo e renal: enterite septica, muco-membranosa, apendicite e, ás vezes, até nefrite.

Deante desse quadro nosologico que acabamos de expôr, cremos que não será necessaria maior soma de argumentos para convencer os interessados na saúde das creanças, principalmente nas de idade pre-escolar ou escolar, dos enormes prejuizos ocasionados pelas vegetações adenoides, nesse precioso período da vida, e da utilidade da remoção, tão simples e inofensiva, do que tanto mal lhes causa ou poderá lhes causar.

De todas essas perturbações citadas, as que maiores transtôrnos trazem nas idades pre-escolar e escolar, são as auditivas.

Ora, uma creança que não ouve bem e que é incapaz de concentrar a atenção, estará em condições de inferioridade perante as suas companheiras.

Para evitar esses males, nunca será de mais insistirmos na necessidade do exame sistematico das creanças, sob o ponto de vista oto-nino-laringologico, quer apresentem ou não o "habitus adenoidêo", pois as estatisticas feitas nesse sentido (haja vista as apresentadas pelos Drs. Paulo Sáes, Silvestre Passy e Paula Assis), demonstram, e em porcentagem elevada, a presença de vegetações adenoides, sem que nelas se observem muitas vezes os sintomas classicos que caracterisam sua presença.

Uma vez diagnosticadas pelo tóque digital, devemos indicar sem relutância a sua ablação, pois é uma intervenção não só curativa, como profilatica. E curativa, porque retirada a causa, cessam os efeitos: a respiração se estabelece e com ela melhor oxigenação do sangue, o apetite volta, o estado geral melhora, o crescimento recupera o tempo perdido e em pouco tempo a creança se transforma completamente. E profilatica, porque praticada oportunamente, evitaremos essas inumeras complicações acima citadas, muitas delas irreparaveis, pois sabemos todos que em medicina é preferivel prevenir que curar.

A verdadeira campanha profilatica, para ser realmente eficaz, deve ser encetada de preferencia nas creanças de 2-3 anos até antes da 2.a dentição, isto é, na idade chamada pre-escolar ou de Jardim de Infância, idade essa em que começam a manifestar-se os primeiros sintomas de perturbações locais e gerais oriundos da obstrucção ou infecção do naso-faringe.

Aos clinicos ou pediatras cabe um papel importante nessa campanha, porque, sendo os primeiros a serem chamados para tratar essas creanças, compéte-lhes orientar a familia nesse sentido, convencendo-a, de um modo positivo, da necessidade da creança ser examinada por um oto-rino-laringologista, e da provavel indicação, por parte deste, da raspagem do naso-faringe, com o fim de salvaguardá-la de males futuros e muitas vezes definitivos. Protelar tais afecções com tratamentos paliativos ou esperar que desapareçam com o tempo, será grave erro.

Outro factor importante da campanha, é a educação sanitária, isto é, difundir em nossa população, os ensinamentos úteis para a boa compreensão de tão importante capitulo da Higiene, que é a profilaxia infantil. Para tal, uma propaganda bem orientada, quer por meio das estações de radio, pelos jornais, como tambem por meio de conferencias publicas com projecções sugestivas, bem como larga distribuição domiciliar de folhetos adequados, escritos em linguagem acessível. Desta forma, em tempo não remoto, o terreno estaria preparado e então, seria possivel a instituição da ficha sanitaria obrigatoria a todas as creanças candidatas á matricula nos estabelecimentos escolares, quér oficiais, quér particulares.

Mas, para conseguirmos a perfeição, urge que os poderes competentes tratem, quanto antes, da creação do "Departamento Autonomo de Higiene Escolar", completamente aparelhado para cuidar convenientemente das nossas creanças, dando á S. Paulo e ao Brasil, mais esse exemplo de alta compreensão dos interesses publicos.

RESUME

DR. HOMERO CORDEIRO - L´aquestion de Padenoidisme.

En présentant une contribution au 2.e Congrès Paulista de Medicine (5. Paulo-Brèsil, Nov. 1933), l'A. rapelle l'attention des praticiens non especialisés et des pediatres, au sujet du rôle préponderant joué par le "syndrome adenoidien" darás Ia pathologie infantile.

Leurs manifestations pathologiques doivent être bien connues, car fadenoidisme est une affection sérieuse, qui laisse après elle dez traces ineffaçables, si la cure radicale n'intervient pas à temps, sous forme d'une curettage du cavum.




(1) Assistente da Clinica O. R. L. do Hospital Humberto i.(S. Paulo).

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