Versão Inglês

Ano:  1939  Vol. 7   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: Várias

Páginas: 551 a 651

 

Homenagens prestadas à sua memoria pelas Sociedades Medicas de S. Paulo e Rio de Janeiro

Autor(es): DR. ADOLPHO SCHMIDT SARMENTO

A Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo e a Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina, em sessão conjunta realisada em 1 de dezembro de 1939, na séde da primeira daquelas Sociedades, renderam homenagem à memoria do antigo Presidente das mesmas - Dr. Adolpho Schmidt Sarmento, recentemente falecido.

Ao ato, que se revestiu de grande solenidade, compareceram, alem dos membros da familia Schmidt Sarmento, muitos socios titulares, medicos e amigos do ilustre extinto, dr. Synesio Rangel Pestana, Diretor Clinico dos Hospitais da Irmandade da Sta. Casa de Misericordia de S. Paulo; dr. Ernesto Moreira, Presidente da Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina; Prof. Adherbal Tolosa, pela Associação Medica do Instituto Penido Burnier, de Campinas; Prof. A. Bernardes de Oliveira, pela Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas; e o corpo clinico da Sta. Casa de Santos.

Ao abrir os trabalhos, o Presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo, Prof. Jairo Ramos, em breves palavras expõe o motivo da reunião, que é render justa homenagem ao saudoso Dr. Schmidt Sarmento, ex-presidente da Sociedade e ornamento da classe medica brasileira.

Convidou, após, a tomarem assento à mesa os drs. Ernesto Moreira, como Presidente da Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina e Synesio Rangel Pestana, representante da Irmandade da Santa Casa de Misericordia de S. Paulo, a quem passa a direcção dos trabalhos.

Em seguida, o Dr. Francisco Hartung, em nome da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo, pronunciou o seguinte discurso

"Sr. presidente. Minhas senhoras. Meus senhores. Meus amigos e colegas.

E' de luto e tristeza a sessão desta noite na Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Desapareceu do seio dos vivos, para nosso pesar e desconsolo, Adolpho Schmidt Sarmento, um dos seus antigos e prestigiados presidentes.

Na realidade, a noticia dolorosa de sua morte de longo tempo já vinha sendo temida: todos nós conheciamos quão precariaa eram as suas condições de saude. Os seus amigos, porém, e eram tantos, jamais aceitaram o inexoravel do prognostico; viviam sempre na esperança de um imprevisto, apegados a esse imponderavel que existe acima das contingencias humanas. Mas, em um domingo de tristeza...

Levado da fatal necessidade

O destino lh'o deu a quem lh'o tinha

Dado...

Desapareceu então Schmidt Sarmento, deixando em prantos a familia extremecida, em magua os seus amigos, em tristeza os seus colegas, e privando o meio clinico de São Paulo de um dos especialistas que mais prestigio e reputação conseguiram.

Conheci Sarmento em 1916, uma época já envolta na bruma, quasi perdida na evocação acre e doce da saudade, e quando eu tinha logar na bancada buliçosa e sonhadora do terceiro ano da Faculdade.

Fora Sarmento selecionado por Arnaldo Vieira de Carvalho, esse nome imperecivel a quem São Paulo tanto ficou a dever pelo prestigio dos seus filhos no panorama medico do Brasil, afim de cooperar com Henrique Lindenberg, um outro vulto cuja memoria provoca emoção, desperta reconhecimento e infunde respeito, na Catedra de Oto-rino-laringologia da Faculdade, que vinha de ser organizada.

Lindenberg, apenas empossado, incontinente, começou a trabalhar. Logo às primeiras aulas, foram repassadas a fundo a anatomia e fisiologia do ouvido, afim de que os seus alunos base solida tivessem para os capitules futuros de patologia e de clinica.

Patentearam-se logo então o acerto e a visão de escolha do fundador da Faculdade, porque, se o saudoso professor se integrava de corpo e alma ao compromisso assumido, hipotecando à Catedra todo o seu preparo, cultura e tirocinio clinico, tinha ele certeza de que o seu dignissimo assistente correspondia com entusiasmo aos seus esforços, pelo seu interesse, estudo e dedicação ao ensino.

Enquanto Lindenberg, em prelecções memoraveis, expunha com grande lucidez a gravidade da patologia do orgão da audição, Sarmento, em demonstrações praticas inesqueciveis, ensinava como, e quando, puncionar um seio maxilar comprometido. Se o professor abordava o rochedo, para indicar um caminho seguro no interior do labirinto normal ou patologico, o seu assistente, por seu lado, atendia a outros estudantes, para um abcesso amigdaliano diagnosticar e incisar.

Tal era o ambiente da Clinica de Ouvidos, Nariz e Garganta, por volta de 1916, no Serviço Lindenberg, da Santa Casa de S. Paulo, e que tanta recordação deixou para as turmas de estudantes que por ali tiveram a felicidade de passar. As salas eram pequenas e acanhadas, às vezes em uma atmosfera quasi irrespiravel. Isso não impedia, entretanto, que fosse um ponto de encontro obrigatorio para os moços que nas clinicas se iniciavam, porque, se faltava conforto, muito desprendimento havia; porque, se o ar era contaminado, respirava-se um bafejo de amor à medicina; porque, se o trabalho era arduo ou os casos dificeis, ó ambiente transbordava de boa vontade e simpatia.

Como por encanto, às vezes, a clinica se esvasiava; desapareceram os moços, que bateram em revoada. Qual o motivo? Greve? Não, não medraria. Apenas atraídos foram para um outra centro de estudo e de trabalho: o amfiteatro de anatomia da Faculdade, onde Sarmento disputava a Lindenberg o prazer de ensinar a cirurgia no cadaver. Enquanto um respeitava a integridade do facial o outro se punha em defesa pela fossa media do craneo. Assim se aprendia cirurgia e o postulado do "primo non nocere".

Eis, pois, senhores, como vim a conhecer, no passado, o amigo que, agora, a morte nos roubou. Assisti-o cooperar e coadjuvar na obra meritoria de Lindenberg, ambos empenhados no esforço de transmitir aos moços de S. Paulo os conhecimentos, bebidos, em comum, na cristalinidade das fontes universitarias de Viena.

UMA CARREIRA VERTIGINOSA

Sarmento foi um lutador. Um episodio da sua vida diz bem da sua tempera. Apenas chegado a esta Capital, terminado o seu curso no Rio de Janeiro, Emilio Ribas, então director do Serviço Sanitario, convida-o e insiste para que aceite um cargo em sua repartição. Sarmento tinha, porém, outro programa em vista. Mas, ainda titubeante, sem conhecer bem em que direção daria os primeiras passos na vida prática, acaba por ceder à argumentação de Emilio Ribas, muito embora lhe repugnasse aceitar uma posição que nunca aspirara. Poucas horas, todavia, durou este desfalecimento. Passou uma noite de insonia, e apenas amanheceu, correu à casa do amigo, para desobrigar-se do compromisso da veapera. Estava resolvido de vez, a tentar a vida no interior.

Aí, não tardou o jovem medico a ser bem sucedido. O seu espirito combativo, a sua animação, o seu trato lhano e cavalheiresco rapidamente proporcionaram-lhe trabalho e prestigio. E assim, em pouco tempo, conseguiu os meios de que necessitava para transformar em realidade um sonho que tivera: seguir em viagem de estudos pelo Velho Mundo e localizar as suas atividades cientificas em um setor da medicina, para o qual, tinha maior predileção.

Seguiu então para a Europa. Na velha e feia Krankenhause, da Alsertrasse, de Viena, estudou, trabalhou e especializou-se. Depois, Berlim, na Charité, e a volta afinal a S. Paulo, para aqui se fixar em definitivo.

Não tardaram as primeiras victorias para o novo oto-rino-laringologista. E, João Marinho quem conta, no seu espirito brilhante e investigador. No inquerito prosseguido pelo notavel professor do Rio de Janeiro em 1927, sobre as operações das amigdalas em nosso meio, aponta Sarmento como primeiro a proceder no Brasil a extirpação total do orgão. Marinho conclue que a guilhotina de Sluder, hoje tão vulgar, tambem foi Sarmento o primeiro a usa-la em 1912.

Sarmento foi colega, no seu verdadeiro sentido, e digo-o em conhecimento de causa. Tendo sido eu assistente particular do prof. Lindenberg, durante longo tempo, e presenciado o apogeu do seu prestigio e renome, ocasiões inumeras assisti em que à correção e ao rigor intransigivel do prof., correspondia Sarmento com um respeito absoluto à etica profissional, todas as vezes que a clinica oportunidades oferecia.

Dotado, pois, de tais predicados pessoais, Sarmento tinha todas as garantias para o seu sucesso, e o crescendo na profissão teria de refletir-se na sociedade. Daí a estima, a consideração e o prestigio que desfrutava.

Na Faculdade de Medicina, no seu cargo de assistente e livre docente que tanto honrou, correspondeu plenamente à confiança que inspirara a Arnaldo Vieira de Carvalho e à colaboração que Lindenberg desejara.

Por duas vezes assumiu a direção da Cadeira. A primeira em 1923, quando o Catedratico seguiu em viagem para a Europa. A segunda, em 1926, no longo, periodo que precedeu a morte de Lindenberg. Em ambas as oportunidades, ficaram patenteados a sua capacidade, dedicação e amor ao magisterio.

Em 1929, as suas qualidades elevaram,se ao posto maximo da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo. Todos nós nos lembramos, de quão fecunda foi a sua presidencia, culminando as suas iniciativas, na Semana de Conferencias, que reuniu colegas de todos os rincões da nossa Patria. Elevou assim, o nome da Sociedade, prestigiou S. Paulo e serviu o Brasil.

Em 1932, organizam-se as diversas Secções de uma nova corporação medica: a Associação Paulista de Medicina. O nome de Sarmento impõe-se a todos para uma das primeiras presidencias e a sua operosidade e interesse cientifico contribuem logo para impulsionar o departamento que lhe fora confiado.

EXEMPLO DE NOBREZA E DESPRENDIMENTO

Sarmento foi um bom. Um episodio a mais se me impõe relatar. Sendo esta a melhor oportunidade para a divulgação do fato, irá junto a mais justa, merecida e comovedora homenagem ao colega que se foi, porque, a sua atitude, como veremos, enobrece o patrimonio moral da profissão.

Havia ele me pedido, ha una 20 dias, que operasse uma sua clientesinha sem recursos. Tivera a ilusão de ser ele proprio o operador, quando se agravaram os seus padecimentos. Manifestei-lhe então o grande prazer que nisso tinha, como uma oportunidade que era de lhe ser agradavel.

Dias depois, a operação foi por mim marcada. Sarmento ignorava o fato, e, pelo telefone, manda relembrar-me os compromissos.

Talvez uma semana antes da -sua morte, volto à sua casa, a visita-lo. O edema é o mesmo, e a dispnéia atróz, mas Sarmento não se queixa, e, se a palavra me dirige, será para indagar, se já cumpri o prometido!

Que quadro de nobresa e de desprendimento! Não foi comovedor, por se tornar sublime!

Que Aplica eloquente ao autor da "Cidadela"!

Foi em um domingo de chuva e de melancolia, um domingo de tristeza e de saudade, que acompanhamos Sarmento ao Campo Santo, afim de lhe dizer o nosso adeus!

Os marmores, a chuva, as lapides, o ambiente, tudo emfim convidava à meditação e ao recolhimento espiritual. São destes instantes, em que esquecendo Voltaire, compreendemos Pascal, sobre a realidade do nosso destino!

Tais cenas, insensivelmente, conduzem-nos às evocações do passado. Foi então que, ao meu intimo, ocorreu um outro domingo, não menos lugubre e chuvoso, alguns anos faz, longe da Patria e dos amigos, em uma visita que fiz a um outro Campo Santo o Pere Lachaise, em Paris.

Aqui Chopin, o talento, a celebridade, as flores gotejando, um preludio, talvez! Um pouco além, Sarah Bernard, a fama, a ribalta, o fastigio, a gloria. Depois, algumas quadras mais, Victor Hugo, o genio, o romantismo, a imortalidade, zombando da materia e da pedra funerarial

A. uma emoção, segue-se logo outra, que embarga o viandante. Mal consegue ele prosseguir, peregrinando estas vielas tortuosas, onde o genio cede lugar à gloria. Consegue, a custo, novos passos, até que, emfim, frente a um outro marmore, para, em extase, perplexo, porque nele está gravada a voz do coração.

A campa não interessa porque o epitafio é tudo: "Ne cherchez pas parmi les morta celui qui est vivant!"

DISCURSO PROFERIDO PELO DR. MARIO OTTONI DE REZENDE

"Sr. presidente - Minhas senhoras. Meus senhores.

Depois de prolongado calvario por varios anos de insidiosa molestia, vem de entregar a alma a Deus, Schmidt Sarmento, aquele a quem nos acostumaramos ver, diariamente, e ha muito tempo, ao nosso lado.

E' em nome de seus amigos e companheiros do Ambulatorio de OtoRino-Laringologia da Santa Caga e da secção de Oto-Rino-Laringologia da Associação Paulista de Medicina, que vou recordar a sua memoria.

Chefe exemplar e, acima disto, bom amigo, soube,Schmidt Sarmento fazer e conservar amizades sinceras e amigos leais. Sua bondade infinita fazia-o querido dos seus companheiros de trabalho, nos quais sempre reconheceu e discerniu as capacidades de cada um, enaltecendo-os nos esforços que faziam no prisma de suas predileções na especialidade. E não fôra ele um chefe inteligente e arguto.

Conheci-o, ainda na Escola de Medicina do Rio de Janeiro, desde o inicio arduo de sua carreira de estudante de curso superior. Tive ciencia da luta insana que teve, afim de se poder manter, durante os longos 6 anos do curso medico.

Soube de como trabalhava, às vezes noite a fio, afim de não perder o contato de seus companheiros de turma. Trabalhava e estudava, trabalhava para estudar. Depois de peripecias sem conta, Schmidt Sarmento formou-se em Medicina, em fina de 1906.

Com a formatura, tão duramente alcançada, não pôde repousar ainda: a vida precisava, tambem, ser ganha, e ele enfrentou esta nova luta, com as armas que houvera sabido, tão honrosamente, conquistar na Escola de Medicina.

Partiu para o sertão de São Paulo, o que era naquele tempo Santa Cruz do Rio Pardo: aí teve o seu primeiro contato com as dificuldades, para os que começam a clinicar e, sobretudo, para os que têm de fazer, sem apoio de especie alguma, e em meio agreste ao medico e onde o curandeirismo boçal campeava infrene.

Sarmento, espirito impar e cerebro repleto de conhecimentos biologicos fortes, mais uma vez, pondo à prova sua grande tenacidade e força de vontade, venceu essa campanha, como já havia vencido a primeira.

Do que pôde amealhar nessa segunda etapa de sua vida honrada e trabalhosa, tirou uma parte, afim de ir, na Europa, junto aos grandes mestres de Viena, aprimorar o que já conhecia da medicina e adquirir novos conhecimentos, que permitissem, a este cerebro de escól, enfrentar a terceira luta, que pensava realisar na vida e cujos planos já houvera traçado quando de sua partida para o estrangeiro.

Essa campanha seria a mais dificil das que já houvera pelejado, pois deveria realisar-se na propria capital de São Paulo, onde naquele tempo, como ainda no dia de hoje, só às encerebrações de escól era permitido vencê-la, sobretudo quando tudo lhes era adverso.

Sarmento escolhera, em Viena a Oto-rino-laringologia, parte ainda novel da medicina e que era entusiasticamente ensinada na época, pelos seus grandes pioneiros: Politzer, Urbantschitach, Chiari, Gruber, Juraez, Schrotter e outros luminares da medicina vienense.
Em Viena encontrou Henrique Lindenberg, de quem se fez amigo e com pequena diferença de meses, ambos vieram fixar residencia em São Paulo.

O que a simpatia de um não conquistou, a bondade do outro atraiu para si e, assim, os dois pioneiros da cirurgia oto-rino-laringologica, em São Paulo, quasi que dividiram entre si os clientes, ainda não muito numerosos, sofredores dos ouvidos, do nariz e da garganta.
Esta divisão continuou, ainda, quando da fundação, por Arnaldo Vieira de Carvalho, da Faculdade de Medicina de São Paulo.

Arnaldo, que tão bem conhecia seus pares e que soube escolher, com mão de mestre, dentre eles, os que deviam auxilia-lo nos trabalhos da nova Escola, que acabava de fundar, destacou, justamente, os dois Tecem-chegados de Viena, Henrique Lindenberg e Schmidt Sarmento, para regerem a cadeira de Oto-rino-laringologia.

Este completou aquele e o substituiu no interregno durante a doença, por coincidencia a mesma, que a ambos vitimou, no exercício de ministrar, aos alunos, os conhecimentos essenciais da especialidade.

O brilho que Lindenberg imprimiu ao ensino de oto-rino-laringologia foi largamente seguido pelo seu assistente, em exercício de professor, e os alunos não se aperceberam da substituição.

Pela primeira vez, e de modo pleno, a sorte sorriu a Sarmento e, deste sorriso, para quem já tanto sofrera, ele soube aproveitar-se, consolidando-se, aos poucos, na vida que pôde fazer amena para os caros entes que seu co. ração bondoso acarinhava.

Sarmento foi presidente desta casa onde, entre outras realisações, executou a "Semana de Conferencias Medicas", que trouxe brilho invulgar à sua presidencia.

Foi, tambem, um dos bons presidentes da secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina.

Além destes postos ocupou o de chefe da Clinica de Oto-rino-laringologia do Hospital Central da Santa Casa de Misericordia, onde seus sabios e prudentes conselhos não foram menores que a bondade e carinho com que orientou seus amigos e subordinados.

Ainda moço, aos 54 anos, o mesmo destino que o acariciara, tão fartamente, tirou-lhe a saude, e, aos poucos, sofridamente, veiu a matar o que foi na terra um lutador e um bravo".
A seguir, o dr. Synesio Rangel Pestana proferiu as seguintes palavras:

DISCURSO DO DR. SYNESIO RANGEL PESTANA

"Sr. presidente. Srs. consocios. Depois de ouvir, profundamente emocionado, as magnificas orações ha pouco proferidas sobre o nosso inditoso consocio dr. Adolpho Schmidt Sarmento, nas quais os ilustres oradores estudaram a figura simpatica do saudoso cientista que a morte implacavel nos roubou, em todos os aspectos de sua fecunda existencia, eu quero testemunhar publicamente a admiração da Irmandade da Santa Casa de Misericordia de São Paulo pelo seu carissimo irmão protector e o reconhecimento do director clinico dos seus hospitais pelos valiosos e inolvidaveis serviços prestados por aquele dedicado companheiro em 27 longos anos de proficuo labor.

Medico adjunto dos serviços de Oto-rino-laringologia do Hospital Central desde 1912, foi promovido a chefe de Clinica para substituir o saudoso prof. Henrique Lindenberg em 1928, tendo servido interinamente nesse cargo desde 1923. Nesse honroso posto, em que o encontrou a morte no dia 26 de Novembro, ele atendeu à pobreza de São Paulo com a maior competencia, dedicação e assiduidade, dentro da mais perfeita etica profissional. Graças aos seus esforços, o ambulatorio de Oto-rino-laringologia do Hospital Central da Santa Casa de São Paulo, manteve bem alto o prestigio e a reputação da especialidade em nosso meio, até chegar à instalação perfeita que hoje ostenta no moderno serviço do Ambulatorio "Conde de Lara", onde os seus discipulos fieis que são os medicos adjuntos daquela secção, constituem uma notavel escola oro-rino-laringologica.

Talvez me falte imparcialidade para julga-lo, pela intima amizade que me ligava ao saudoso morto, que me foi amigo sincero, leal e devotado e ao qual me confesso devedor por serviços prestados com tal liberalidade e dedicação que para salda-los, não conheço moeda bastante valiosa.

Só a gratidão imorredoura aqui publicamente declarada e a homenagem reverente à sua memoria benemerita, podem dar palida idéia do muito que lhe queria e do muito que lhe devia.
Em nome da Irmandade da Santa Casa de Misericordia de São Paulo, curvo-me respeitoso e agradecido ante a memoria do seu dedicado servidor".

Antes de encerrar a sessão os presentes conservaram-se em silencio durante alguns segundos.

DISCURSO DO PROF. JOÃO MARINHO NA SOCIEDADE DE MEDICINA E CIRURGIA DO RIO DE JANEIRO

Na Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, na sessão de 5 de Dezembro o Prof. J. Marinho proferiu as seguintes palavras de referência ao saudoso extinto:

SR. PRESIDENTE - O nosso Brasil é imenso e redobra a sua imensidade na indiferença interestadual dos brasileiros entre si. A instantaneidade dos meios de comunicação atual logo nos reflete os menores rumores do que se passa nos quadrantes do horizonte estrangeiro. Pica alguma naja o pé descalço de algum indú, ou filho exilado de rei deposto divorcia-se de algum amor passageiro ou, hemofílico, acodem-no com trivial transfusão de sangue, logo o rádiograma poucas horas depois se imprime no jornal da mesma tarde ao pasto fácil da curiosidade leviana, vã, sem grão residual de cultura ao nosso sentimento, à nossa inteligência, à prática de nossa atividade.

Leva a morte em Estado ao pé do Rio, e que Estado e que vizinho e é S. Paulo, figura saliente da classe médica, mais de oito dias decorridos ninguém aqui sabe nada do sucedido.

Se eu não fora, pelo coração, muito mais paulista que fluminense, se correspondência contínua não me ligasse bem mais à classe médica paulista que a daquí, seria o único a faltar à unanimidade ignorante do passamento da marcante personalidade médica paulista, a do Dr. Adolfo Schmidt Sarmento, levado a enterrar em triste domingo chuvoso, faz já dez dias.

Desapareceu ainda relativamente moço por imperativo de sua constituição de pícnico. Grosso de corpo, ratacado, meão de altura, ésses florescem sádios para logo declinarem vítimas tardio-renais do seu feitio constitucional. Faz anos jazia entre os desvelos da família e os cuidados desesperançados de seus médicos assistentes a lhe juntarem aos paliativos da farmácia a euforia de assistência amiga ininterrupta.

Em casos clínicos como o do saudoso extinto não há remédio que se iguale ao da Morte. Mereceu-o Schmidt Sarmento. Com não ser a ninguêm dado refugir ao seu tempo, a preconceitos do nosso coração atual repugna assinar a receita do pronto alívio. Nenhum ainda hesitaria em não fazê-lo. Nenhum juiz deixaria de mandar para a cadeia o precursor de progresso ainda no futuro.

"Acompanhei diariamente sua longa e dolorosa doença e no domingo à tarde levamo-lo ao cemitério. Esclerose tardio-renal com desfalecimento final cardíaco fê-lo sofrer bastante", escreve-me o eminente Diretor da Santa Casa de S. Paulo, Dr. Sinésio Rangel Pestana, testemunha 27 anos da atividade profissional de Sarmento no Serviço de Oto-rino-laringologia da benemérita Instituição, a princípio como assistente de outro pícnico cêdo extinto, o saudoso fundador da Catedra da Especialidade em S. Paulo, Professor Henrique Lindenberg, depois, seu sucessor na chefia do Serviço da Santa Casa.

". . . Volto a sua casa - rena-me outra carta do amigo e colega paulista, o ilustre Dr. Francisco Hartung - o edema é o mesmo, a dispnéia atroz, mas Sarmento não se queixa. Só me dirige a palavra entrecortada para indagar se eu, em substituição pedida por êle, já lhe havia operado um cliente sem recursos".

Schmidt Sarmento, Mário Ottoni de Rezende, Francisco Hartung, companheiros e mais tarde assistentes de Lindenberg, fundaram juntos a Clínica Otorrinolaringológica da Santa Casa paulista. Como Cláudio Bernard em rés-do-solo, cinde o primitivo laboratório de seu mestre Magendie, ou Oswaldo Cruz a fazer soros em antiga cozinha adaptada da fazenda de Manguinhos, assim os quatro otorrilaringologintas paulistas, em porão da Santa Casa de S. Paulo, montaram-lhe o Serviço da Especialidade. Daí vieram as premissas da cirurgia sistematizada da Rino-laringologia que só foi possivel de 1905 para cá, depois de Killian. Ainda em pontos muito simples da Especialidade, podemos fazer idéia da nossa ignorância até há pouco a gaze respeito com divulgar episódio de eloquência manifesta e de tôda a veracidade. Um grande vulto, um dos maiores vultos de nossa medicina, porventura o maior vulto da medicina paulista, perguntou, pouco mais fará que quarenta anos, ao preclaro J. J. da Nova, o desbravador do Sertão Otorrinolaringológico paulista, "o que vinha, afinal, a ser essas Vegetações Adenóides de que êle, Nova, tanto lhe falava e andava a operar nos doentes que lhe recomendava".

Do porão glorioso da Santa Casa, muito meu conhecido com seu corredor-sala de espera em penumbra de sub-solo e suas duas saletas, pouco mais iluminadas por meias janelas abertas, junto ao teto, para o páteo - elaborou-se em gestação sem pressa, mas sem vagar, a especialidade de extensos recursos cirúrgicos em S. Paulo.

Em casos clínicos como o do saudoso extinto não há remédio que se iguale ao da Morte. Mereceu-o Schmidt Sarmento. Com não ser a ninguêm dado refugir ao seu tempo, a preconceitos do nosso coração atual repugna assinar a receita do pronto alívio. Nenhum ainda hesitaria em não fazê-lo. Nenhum juiz deixaria de mandar para a cadeia o precursor de progresso ainda no futuro.

"Acompanhei diariamente sua longa e dolorosa doença e no domingo à tarde levamo-lo ao cemitério. Esclerose tardio-renal com desfalecimento final cardíaco fê-lo sofrer bastante", escreve-me o eminente Diretor da Santa Casa de S. Paulo, Dr. Sinésio Rangel Pestana, testemunha 27 anos da atividade profissional de Sarmento no Serviço de Oto-rino-laringologia da benemérita Instituição, a princípio como assistente de outro pícnico cêdo extinto, o saudoso fundador da Catedra da Especialidade em S. Paulo, Professor Henrique Lindenberg, depois, seu sucessor na chefia do Serviço da Santa Casa.

". . . Volto a sua casa - rena-me outra carta do amigo e colega paulista, o ilustre Dr. Francisco Hartung - o edema é o mesmo, a dispnéia atroz, mas Sarmento não se queixa. Só me dirige a palavra entrecortada para indagar se eu, em substituição pedida por êle, já lhe havia operado um cliente sem recursos".

Schmidt Sarmento, Mário Ottoni de Rezende, Francisco Hartung, companheiros e mais tarde assistentes de Lindenberg, fundaram juntos a Clínica Otorrinolaringológica da Santa Casa paulista. Como Cláudio Bernard em rés-do-solo, cinde o primitivo laboratório de seu mestre Magendie, ou Oswaldo Cruz a fazer soros em antiga cozinha adaptada da fazenda de Manguinhos, assim os quatro otorrilaringologintas paulistas, em porão da Santa Casa de S. Paulo, montaram-lhe o Serviço da Especialidade. Daí vieram as premissas da cirurgia sistematizada da Rino-laringologia que só foi possivel de 1905 para cá, depois de Killian. Ainda em pontos muito simples da Especialidade, podemos fazer idéia da nossa ignorância até há pouco a gaze respeito com divulgar episódio de eloquência manifesta e de tôda a veracidade. Um grande vulto, um dos maiores vultos de nossa medicina, porventura o maior vulto da medicina paulista, perguntou, pouco mais fará que quarenta anos, ao preclaro J. J. da Nova, o desbravador do Sertão Otorrinolaringológico paulista, "o que vinha, afinal, a ser essas Vegetações Adenóides de que êle, Nova, tanto lhe falava e andava a operar nos doentes que lhe recomendava".

Do porão glorioso da Santa Casa, muito meu conhecido com seu corredor-sala de espera em penumbra de sub-solo e suas duas saletas, pouco mais iluminadas por meias janelas abertas, junto ao teto, para o páteo - elaborou-se em gestação sem pressa, mas sem vagar, a especialidade de extensos recursos cirúrgicos em S. Paulo.

Hoje, mudou-se para instalações exemplares ainda às mais bem organisadas no estrangeiro. Presidiu-lhes o arranjo Schmidt Sarmento com a eficiência só compatível quando o poder espiritual, ou o que aconselha, encontra-se a rigor separado do temporal ou o que executa. Sarmento, inda que edemaciado e dispnéico, velava, sugeria, Mario Ottoni, Hartung, Roberto Oliva, Ernesto Moreira, Paulo Sáes, da velha guarda, assistida por juventude representada promissoriamente por êsse futuroso Rezende Barbosa, punham pedra sôbre pedra e mil aparelhamentos ao novo pavilhão, um dos primores grandiosos que a magnífica eficiência do atual Diretor da Santa Casa superintende.

Viveu Schmidt Sarmento bastante para assistir-lhe a inauguração. Não chegou a poder utilizá-la. Há nas possibilidades de todo verdadeiro precursor a postura bíblica de Moísés a contemplar sem mais poder alcançar a Terra da Promissão.

Não permite a natureza deste improviso, nem o adiantado da hora em que falo, já quasi no dia seguinte ao da sessão de hoje, alongar-me o quanto desejaria; e poderia, pois conheci o meu saudoso colega e amigo desde os bancos acadêmicos. Interno, no Rio, da Casa de Saúde Cata-Preta, Marinho e Werneck, foram cartas minhas escritas da Alemanha e Austria ao médico interno do Estabelecimento Mestre discreto da geração de seu tempo, Dr. Antonio Cândido de Oliveira Viana, que moveram Schmidt Sarmento a preferir a Otorrinolaringologia no exercício de sua vida profissional. Mas onde iria parar, se retomo o fio desde êsse começo, tão do agrado do querido morto repetir. Neste momento pretendi apenas cumprir elementar dever de solidariedade cívica, assinalando em nossa Sociedade essa efeméride de tristeza, de saudade, sobretudo significativa à continuiade histórica da medicina nacional.

PRIMEIRO CONGRESSO SUL-AMERICANO DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA

Buenos-Aires - 21 a 25 de Abril de 1940

Enviou-nos, o Dr. Armando Pinto Fernandes, D.D. Presidente efetivo da SOCIEDADE DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA DO RIO DE JANEIRO, a circular que passamos a publicar na integra:

O Dr. Eduardo Casteran, Secretário Geral da Comissão Executiva, escreve ao Presidente da Sociedade de Otorinolaringologia do Rio de Janeiro com o pedido de divulgar por intermédio de Revistas Médicas, Sociedades Científicas, etc., as notícias seguintes: "O Comité Executivo fixou definitivamente os dias 21 a 25 de Abril de 1940 para as sessões do Congresso;

Como complemento do tema V, o Comité Executivo resolveu que o tema IV será relatado pelo Professor Alfredo Alcaino; Lembra-se aos relatores oficiais dos temas já distribuidos deverem fazer chegar à Secretaria do Congresso - Santa Fé, 1171 Buenos Aires, antes do dia 15 de Janeiro de 1940, um exemplar de sua tése a publicar no Boletim o qual se distribuirá a todos os Congressistas;

Os colegas que desejem fazer comunicações sobre os temas oficiais devem anunciar o título de suas comunicações antes do dia 15 de Março de 1940".

Toda a correspondência deve ser enviada para - Dr. Eduardo Casteran, Secretário Geral do Congresso, Santa Fé 1171 Buenos Aires, República Argentina, ou para o Professor J. Marinho, rua dos Voluntários da Pátria, 423, Rio de Janeiro, ou para o Dr. Armando Pinto Fernandes, rua Visconde de CaravelIas 11, Rio de Janeiro, respectivamente Presidente honorário e Presidente efetivo da Soc. de O.R.L. do Rio de Janeiro.

De acôrdo com o regulamento do Congresso, só se admitem comunicações livres sôbre os temas oficiais, em número de oito.

DAS INFECÇõES DOS SEIOS PARANASAIS E SEU TRATAMENTO

Tema I. - As infecções do seio maxilar e seu tratamento (Relator: Prof. JUVENAL DENEGRI, do Perú).

II. - As infecções do seio frontal e etmóide e seu tratamento (Relator: Prof. JOÃO MARINHO, do Brasil).

III. - As infecções do seio esfenoidal e seu tratamento (Relator: Prof. ELISEU V. SEGURA, da Argentina).

A CIRURGIA CONSERVADORA DO OUVIDO MÊDIO

Tema IV - Indicações à cirurgia conservadora, etc. (Relator: Prof. JUSTO ALONSO, do Urugai).

V. - As técnicas operatórias e seus resultados (Relator: ALFREDO ALCAINO, do Chile).

VI. - Os resultados imediatos e tardios (Relator ainda não designado).

OUTROS TEMAS

Tema VII. - Das localizações otorinolaringológicas das blastomicoses (Relator: Prof. RAFAEL DA NOVA, do Brasil).

Tema VIII. - Fisiopatologia do Labirinto posterior (Relator: Prof. PEDRO ERRECART, da Argentina).

O Congresso tem a alta proteção moral e material do Governo Argentino, conforme decreto do Presidente da Nação Argentina, n.° 35074 de 15 de Julho de 1939.

A Revista Brasileira de Oto-rino-laringologia em seu número de Setembro-Outubro de 1939, traz a seguinte nota a respeito do Primeiro Congresso da Especialidade a realizar-se em Buenos Aires e que, com a devida venia, transcrevemos. "O Dr. REZENDE BARBOSA, que há dias esteve em contato direto com a Secretaria do Comité Executivo em Buenos Aires, trouxe a impressão do êxito certo do futuro Congresso, pois os nossos colegas argentinos encontram-se trabalhando desde já e com vontade. De outro lado verificou que os mesmos contam, e disso estão seguros, com a colaboração cerrada de todos especialistas brasileiros, quer em número de participantes, quer em material científico. Como deixou claro o prof. Segura, durante o último Congresso Brasileiro reunido no Rio de Janeiro, os especialistas brasileiros arcam, no momento, com um compromisso de honra para com o êxito do futuro Congresso Sul-americano de Oto-rino-laringologia, pois dos mesmos partiu a idéia de sua realização".

Do primoroso discurso a que se refere o Dr. Rezende Barbosa extraímos o seguinte trecho:

"Antes porém de terminar, pediria aos meus distintos colegas que me fizessem uma promessa. Desejo mesmo que a assumam desde logo, com toda a convicção.

A êles, que fizeram este Congresso, a êles peço a promessa de sua colaboração no 1.° Congresso Sul-Americano de Oto-RinoLaringologia. Se m'a empenham, formalmente, se me permitem exigí-la, então, com essa promessa, aceitarei o encargo gostosamente e poderei, desde já, augurar o maior êxito ao 1.° Congresso Sul-Americano da nossa especialidade".

As adesões serão encaminhadas para os endereços acima declarados. Não se refere o Comité Executivo de Buenos Aires em quóta de contribuição em dinheiro. Na contínua correspondência trocada com a Sociedade de Oto-rino-laringologia do Rio de janeiro apenas insistem com generosidade na presença e contribuição científica dos especialistas brasileiros.

O REGULAMENTO DOS CONGRESSOS SUL-AMERICANOS DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA encontra-se publicado, na integra, na Revista Brasileira de O.R.L., vol VII, n.° 4, Julho-Agosto de 1939, pag. 367.

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