Versão Inglês

Ano:  1939  Vol. 7   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 516 a 540

 

AS VIAS VESTIBULARES NAS LESOES BULBARES - parte 2

Autor(es): J. E. DE REZENDE BARBOSA

Na esclerose em placas observa-se: "1) que a convergencia não ocasiona o desaparecimento do nistagmo; 2) que existe um nistagmo que se póde denominar nistagmo de convergencia, com caracteres um pouco especiais e 3) que o proprio sentido desse nistagmo pôde estabelecer, melhor que o nistagmo de lateralidade, o lado da lesão labirintica unica ou dominante".

Ao lado do nistagmo expontaneo caracteristico, da esclerose em placas, é comum observar certas perturbações nos movimentos associados dos globos oculares, acarretando uma diplopia perturbadora. Não se trata no caso de paralisias oculo-motoras, mas sim de alterações nesses movimentos de associação e que estão dependentes do estado das vias vestibulo-oculo-motoras. Tratar-se-ão, esses casos, de simples reflexos devido ás alterações das vias vestibulares centrais e repercutindo sobre o aparelho motor ocular?

Quanto ao valor das provas vestibulares instrumentais, na esclerose em placas, o principal dentre todos reside na sua utilisação no diagnostico diferencial, principalmente com os tumores do angulo-ponto ou na meningo-lues radicular com predileção sobre o VIII.° par.

Nessas afecções as provas instrumentais apresentam, quasi sempre, sintomas de deficit.

Na esclerose em placas, ao contrario, obtemos, pelos diferentes tests instrumentais, desde a hiperirritabilidade, a hipoexcitabilidade até a inexcitabilidade, isto tudo, é claro, de acordo com a séde, qualidade e intensidade da lesão ocasionada pelas placas de esclerose no trajéto das vias vestibulares centrais. No entanto, a hiperirritabilidade, associada aos fenomenos reacionais para o lado excitado e aos sintomas subjetivos mais intensos, é a regra.

Barré chamou a atenção para a necessidade, nesses pacientes, de se praticar as tres provas classicas instrumentais (calorica, rotatoria e galvanica), pois dessa maneira descobrir-se-á, muitas vezes, que as lesões são mixtas, ou melhor, que as placas de esclerose não destruiram por completo as vias vestibulares, como o fazia prever o resultado da prova calorica em separado e demonstrando uma inexcitabilidade central.

Nesses casos, de lesões ditas "mixtas", irritativas e deficitarias, compreende-se como a prova eletrica poderá demonstrar como as vias vestibulares ainda sofrem o influxo nervoso, enquanto pela prova calorica demonstra-se a sua deficiencia: a corrente eletrica excita, indiferentemente, as fibras nervosas colocadas acima e abaixo da lesão, produzindo então os fenomenos reacionais e subjetivos caracteristicos, enquanto que a condução do estimulo, originado nos canais semi-circulares pela corrente de agua fria, é barrado ao nivel da lesão destrutiva da fibra vestibular e teremos como resposta á essa prova instrumental somente o silencio absoluto.

Finalizando, podemos afirmar da importancia dos sintomas vestibulares dentro do quadro morbido da esclerose em placas. Parece justo, mesmo, que se deva dar, ao sindrome vestibular, entre os sintomas dessa doença, o seu lugar na primeira fila.

A falta de equilibrio, condicionando aquele ligeiro deficit da força voluntaria, que exteriotipa a esclerose em placas, não passa do resultado da associação, predominantemente, das perturbações piramidais e vestibulares. Casos existem, tipicos de esclerose em placas, em que no interrogatorio das funções cerebelares, constatamos a negatividade das provas da serie de Babinski e a ausencia dos fenomenos de passividade da serie de André-Thomas. Esses casos devem ser rotulados, como quer Barré, de piramidolabirinticos.

As perturbações vestibulares, na esclerose em placas, associadas, na grande maioria dos casos, á alterações piramidais, cerebelares e oculares, coexistindo em outros casos isoladamente com os fenomenos piramidais, podem, em alguns pacientes constituir, por si só, nos prodromos da molestia, o sintoma predominante, justificando, nesses casos, o rotulo de esclerose em placas de forma labirintica.

C A S U I S T I C A

Apresentaremos, a seguir, uma pequena serie de casos clinicos, por nós examinados na Clinica de Oto-rino-laringologia da Sta. Casa de Misericordia de S. Paulo, casos esses exteriorizando uma sintomatologia bulbar e enviados, todos eles, pela Clinica Neurologica da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo. (Serviço do Prof. Tolosa).

Não querendo fugir do limites desse relatorio, consideraremos, somente, dentro do exame oto-rino-laringologico, o estado do aparelho vestibular. Procuraremos explicar o mecanismo dos sintomas vestibulares, expontaneos e provocados, bem como de seu valor clinico dentro do quadro morbido. Não consideraremos as alterações motoras ou sensitivas que porventura acometam outros territorios da oto-rino-laringologia.

Quanto ao exame clinico-neurologico desses pacientes, daremos somente um resumo dos mesmos, bem como o seu diagnostico provavel, pois, aos que se interessarem pela historia dos doentes,

em detalhe, poderão encontrai-a em um dos relatorios apresentados a esta mesma Semana. (Prof. Tolosa).

l.ª) Observação: siringomiélobulbia.

A. de C. - ficha 846, 53 anos, branca, brasileira, viuva, Campo Grande. Examinada em 26-10-1939.

Esta paciente vem sendo controlada na Clinica Neurologica da Faculdade de Medicina desde Dezembro de 1935. Quanto ao exame oto-neurologico, entretanto, e que foi executado por diversas vezes, relataremos, sómente, o ultimo, por nós praticado, ha poucos dias.

H. P. M. A. - historia clinica um tanto complicada. Ha cerca de 20 anos começou a sentir uma sensação exquisita na região renal esquerda, como que de constricção. Nessa ocasião, fazendo uso de sinapismo nada sentia de doloroso na região. Por essa epoca já sentia cefaléas frontais que perduraram por 5 ou 6 anos. Na vigencia desta sobreveiu grande fraqueza das pernas e pés que dobravam ao andar, sem contudo haver dôr. Executou tratamento especifico contra a sifilis e fez uso de injecções de Striquinina. Com isso surgiram intensos formigamentos nos membros inferiores os quais depois melhoraram. Ha cerca de 5 ou 6 anos começou a sentir dormencia na metade direita do craneo a qual depois se foi extendendo para o hombro e todo o membro superior. Tres anos depois isso passou para o braço oposto. Durante todos estes ultimos anos suas mãos têm-se atrofiado. Ao lavar as mãos não distingue o quente do frio e frequentemente queima-se sem perceber.

Resumo do exame neurologico: Equilibrio normal; marcha ligeiramente espastica, braços quasi que imoveis. Motricidade voluntaria prejudicada no membro superior direito devido ás lesões; dedos em garra; no membro superior esquerdo alguns movimentos são possiveis. Força muscular prejudicada nos membros superiores. Ataxia nitida do membro superior esquerdo e nos inferiores, sendo sua pesquiza prejudicada no membro superior direito. Reflexos: cutaneos-abdominais abolidos. Babinski franco e leque á direita com mais Schaefer, Oppenheim e Gordon; á esquerda com menos nitidez na manobra classica e nitido Schaeffer e Oppenheim. Reflexos abo. lidos nos membros superiores sem distinção de lado. Exame eletrico: reacção de degeneração grave em vias de progressão no territorio do mediano e do radial direitos. No lado esquerdo inicio de R. D. nos musculos da cintura escapulas. Sensibilidade: dissociação siringomielica da sensibilidade na hemiface e craneo á direita; membros superiores e torax acrescido, ainda, de anestesia ao tacto nas mãos.

Exame oto-rino-laringo-neurologico.

Marcha com desvio para a esquerda.

Hipoestesia da herniface direita, inclusive da mucosa nasal direita.

Ausencia de perturbação motora da lingua, não apresentando desvio de sua ponta. Exame do gosto normal.

Paresia do palato móle á direita.

Paresia do hemi-faringe direito, com esboço do sinal de cortina. Paralisia do hemi-laringe direito com a corda vocal direita em posição paramediana.

8.° par craneano.

Audição no limiar da normalidade em ambos os lados.

Nistagmo expontaneo, giratorio, anti-horario, presente ao olhar diréto, ao olhar lateralisado á esquerda e aumentando ao olhar lateralisado á direita.

Pesquiza instrumental:

Prova calorica: 10 cc. de água fria e lentamente.

O.E.: cabeça 60° atraz: após 9" de latencia, nistagmo horizontal puro para o lado oposto, de abalos curtos, fortissimo, batendo durante 2'. Fenomenos reacionais intensos, inclinação do corpo
e cabeça para o lado esquerdo. Fenomenos subjetivos desproporcionados, de pouca intensidade.

O.D.: cabeça 60° atraz: após 6" de latencia, nistagmo horizontal, fortíssimo, para o lado oposto, de curtos abalos, batendo durante 2'17". Fenomenos reacionais tipicos para o lado excitado. Fenomenos subjetivos ligeiros.

Comentarios.

Trata-se, evidentemente, de um caso de siringobulbia.

A sintomatologia expontanea e provocada que a paciente apresenta é rica em seu cortejo vestibular.

As alterações patologicas que as fendas siringobulbicas produzem são, não resta duvida, bilaterais.

Pela sintomatologia expontanea e provocada do aparelho vestibular podemos afirmar que o hemibulbo direito é o que mais sofre. O nistagmo expontaneo, que a paciente apresenta, batendo em ambas direcções, com predominancia á direita, revestindo o tipo anti-horario, diz de um sofrimento das vias vestibulares em seu pólo inferior, em ambos os lados, predominando, entretanto, á direita. Aqui, o esquema de André-Thomas foi confirmado: nistagmo anti-horario diz de lesão á direita, pois, no caso, apesar de bater em ambas direcções, predomina no olhar lateralisado á direita, lado este onde outros sintomas nucleo-radiculares e cordonais são mais evidentes.

A pesquiza instrumental demonstrou uma hiperirritabilidade labirintica bilateral, com ligeira predominancia á direita, apresentando no entanto alguns fatos que merecem consideração:

a) a intensidade dos fenomenos reacionais motores para o lado esquerdo;

b) a desproporção entre os sintomas provocados e os fenomenos subjetivos e

c) a maliabilidade instrumental do nistagmo expontaneo.

A intensidade com que se produziram as reacções motoras para o lado da cabeça, tronco e membros, quando da excitação dó labirinto esquerdo, associada ao desvio expontaneo da marcha para a esquerda, tudo isso nos diz de um desiquilibrio do tonus muscular de causa vestibular e correndo por conta, parece-nos, pelo acometimento da via deitero-espinal, pelo processo siringobulbico, á esquerda.

Os fenomenos subjetivos (tonturas, suores frios, mal-estar) de fraca intensidade, apresentados ao interrogatorio instrumental, encontram-se em franca desproporção com a intensidade dos fenomenos reacionais motores. A razão desse fáto, parece-nos, reside em uma dupla causa: primeiro, esses sintomas são mais evidentes e mais intensos em lesões acima da tenda do cerebelo; segundo, como quer Jones, as fibras que conduzem a sensação vertiginosa, correndo em separado daquelas que produzem as reacções motoras, transitam via cerebelo, orgão esse que foge ao acometimento das fendas gliomatosas siringomiélobulbicas.

Finalmente, é interessante notar que, com quantidade minima de excitante, 10 cc., conseguiu-se modificar o nistagmo expontaneo, forçando o mesmo a apresentar as caracteristicas instrumentais normais. Esse abaixamento do limiar de excitabilidade, e a extrema maliabilidade instrumental do nistagmo expontaneo, constitue mesmo, nos siringobulbicos, uma das caracteristicas do processo.

2.ª) Observação: siringobulbia.

R. M. - ficha 2631, 24 anos, branco, brasileiro, solteiro, jardineiro, Avenida Paulista, 923.

Examinado em 10-7-1939.

Este paciente, na data de nosso exame, fôra examinado na Clinica Neurologica da Faculdade de Medicina, entretanto, não voltando mais a essa mesma Clinica, deixou incompleto o seu exame neurologico. Poucos dias antes de terminarmos essas linhas foi o seu exame neurologico completado e confirmada a suposição anterior de uma siringobulbia. E' essa a razão de não apresentarmos, aqui, uma sumula de seu exame neurologico, restringindo-nos, sómente, á observação da Clinica de O.R.L. da Sta. Casa de Misericordia de S. Paulo.

H. P. M. A. - ha um ano, mais ou menos, iniciaram os seus males. Ao acordar não podia engulir, rouco e hemi-corpo esquerdo esquecido. Refluxos dos liquidos pelo nariz. Movimentos dos membros inferiores e superiores esquerdos prejudicados. Concomitantemente visão perturbada á esquerda com diplopia. Permaneceu em sua propria casa em tratamento com vitaminas (sic), pelo espaço de mez e meio, internando-se então na 3a. M. H. desta Sta. Casa. Nessa enfermaria executaram-lhe os seguintes exames: urina, escarro, sangue, liquor: negativos. Tratamento por injecções e radioterapia profunda (2 series) no vertice craneano e nuca, terminando ha cerca de 90 dias. Vem obtendo melhoras cada vez mais acentuadas: anda bem, entretanto ainda com o membro inferior esquerdo um pouco fraco (sic).

Audição bôa desde o inicio de sua doença. Tonturas somente quando lateralisa o olhar. Jamais vomitou. Ultimamente, com a melhora da rouquidão, apareceram soluços, principalmente á noite.

Exame oto-ripo-laringo-neurologico.

Marcha: tanto de olhos abertos ou cerrados sem desvio, entretanto um pouco hesitante devido ás perturbações no membro inferior.

Romberg: negativo. Não desvia o index, aponta bem, não tem dismetria.

Face: ausencia de perturbação motora ou sensitiva. O paciente apresenta o globo ocular esquerdo ligeiramente estrabico em convergencia, dando impressão de paresia do motor-ocular-externo, entretanto, afirma o mesmo, que tal fáto é de nascimento (sic).

Lingua: sensibilidade e sensorio normais. Desvio ligeiro da ponta para a direita. Hemi-lingua esquerda mais estreita, mais baixa, entretanto a movimentação lingual processa-se, normalmente, em todas direcções.

Pálato: paralisia do véo mole á esquerda.

Faringe: quando do reflexo provocado, a parede posterior do faringe movimenta-se, totalmente, para a esquerda (sinal de cortina).

Laringe: paralisia do hemi_laringe esquerdo. Sensibilidade laringéa conservada.

8.° par craneano.

Audição no limiar da normalidade em ambos os lados.

Ausencia de nistagmo expontaneo ao olhar diréto e convergente, entretanto, ao olhar lateralisado á esquerda ou ao olhar para baixo, nistagmo expontaneo rotatorio típico para a esquerda, de bôa intensidade. Ao olhar lateralisado para a direita ou ao olhar para cima desaparece o nistagmo expontaneo.

Pesquiza instrumental.

Prova calorica: 10 cc. de água fria e lentamente.

O.D.: cabeça 30° a frente: após 15" de latencia, nistagmo para o lado oposto, horizonto-rotatorio, forte, batendo 1'50". Sensação de queda, desvio dos braços estendidos para o lado excitado, sintomas subjetivos presentes e intensos.

cabeça 60° atraz: praticamente sem latencia, nistagmo horizontal para o lado oposto, fortíssimo, de abalos espaçados, batendo 1'56". Tendencia a queda e desvio do braço direito para o lado excitado. Fenomenos subjetivos intensos.

O.E.: cabeça 30° á frente: após 20" de latencia, nistagmo horizonto-rotatorio para o lado oposto, fraco, batendo 1'35". Esse nistagmo paralisa o expontaneo rotatorio. Desvio dos braços e sensação de queda para o lado excitado.

cabeça 60° atraz: após 12" de latencia, nistagmo horizontal puro para o lado oposto, forte, de abalos rapidos, batendo 1'57". Tendencia á queda e desvio dos braços para o lado excitado . Fenomenos subjetivos presentes.

Prova rotatoria: 10 voltas em 20".

Da E. D. post-nistagmo E. de abalos largos durante 45".

Da D. E. post-nistagmo D. de abalos curtos e rapidos durante 42".

Ambas as provas acompanhadas de fenomenos reacionais e subjetivos.

Conclusões.

O caso é algo interessante e raro.

Ao hemisindrome sensitivo esquerdo associou-se uma paralisia combinada dos ultimos pares craneanos.

O que encerra de interessante a observação é a diversidade de lado no sofrimento dos ultimos pares craneanos: enquanto a lingua, palato móle e laringe sofrem perturbações motoras, de origem central indiscutivelmente, á esquerda, a musculatura da parede posterior do faringe e as proprias vias vestibulares centrais denotam alterações á direita.

Os nucleos vestibulares sofrem tanto de um lado quanto de outro, entretanto, o nistagmo rotatorio expontaneo tipico para a esquerda, acrescido da hiperexecitabilidade maior do labirinto direito, nos conduzem a supôr a predominancia da lesão á direita.

A forma do nistagmo expontaneo, a rotatoria, nos leva a concluir, baseados em achados por outros, experimentais e clinicos, de que a zona caudal do nucleo de Deiters é a que mais sofre.

Resumindo:

Lado direito: hiperexcitabilidade maior instrumental do vestibulo direito e nistagmo expontaneo, rotatorio, para a esquerda; paralisia do glosso-faringeo; ligeiro desvio da ponta da lingua.

Lado esquerdo: hemisindromo sensitivo (?); hiperexcitabilidade instrumental do vestibulo; hemilingua mais estreita e mais baixa; paralisia do véo móle; paralisia do hemi-laringe.

Tratar-se-á; o caso, de uma lesão bulbar paramediana atingindo, á direita, a formação reticulada branca do bulbo, parte caudal do nucleo de Deiters e nucleo glosso-faringeo, e, á esquerda, nucleo vago-espinal e nucleo e vias do hipoglosso, lesão essa em plena involução?
Comentarios.

As vias vestibulares centrais encontram-se irritadas, não resta duvida, em ambos os lados, com predominancia, entretanto, do lado direito.

O nistagmo expontaneo, horario, para a esquerda, contrariando a regra de André-Thomas, deve indicar um comprometimento das vias vestibulares á direita, pois a hiperexcitabilidade instrumental é acentuada desse lado.

As lesões patologicas bulhares, que devem ser bilaterais e asimetricas, atingem as vias vestibulares centrais provavelmente na região dorso-lateral do bulbo, no limite inferior das mesmas, de um modo eletivo sobre o neuronio vestibulo-oculo-motor.

A via-deitero-espinal não se encontra comprometida de um modo evidente.

A-pesar-de, instrumentalmente, os labirintos se comportarem com as caracteristicas normais, deve-se assinalar o abaixamento do limiar de excitabilidade dos mesmos e a facilidade com que se inhibe e modifica o nistagmo expontaneo.

3.ª) Observação: sindrome bulbar vascular.

S. G. - ficha 2713, 72 anos, branco, italiano, casado, Rua Capitão Rabelo, 12.

Examinado em 28-6-1939.

H. P. M. A. - ha mez e meio, mais ou menos, pela manhã, começou a sofrer de dôres intensas no hemicraneo e face, á direita, atingindo as regiões da nuca e cervical desse lado. Tonturas e ameaça de desmaio. Acudido, notaram os parentes que a boca estava repuxada para a esquerda. Concomitantemente notou que os membros superior e inferior, á esquerda, encontravam-se esquecidos (sic). Impossibilidade de deglutir mesmo os liquidos. Perturbação acentuada da palavra. Audição normal.

Resumo do exame neurologico: Motricidade voluntaria bôa; não ha incoordenação nos movimentos dos membros nem adiadococinesia. Reflexos patelares e aquilianos mais vivos á esquerda bem como o dos membros superiores. Manobras deficitarias com resultados nitidos. Tonus conservado. Não ha perturbação dos esfincteres. Sensibilidade profunda consciente integra em todas suas formas. Na parte superior da metade direita da face ha hipoestesia acentuada para o calôr, dôr e tacto. Na metade restante do corpo, á esquerda, anestesia ao calôr e á dôr com conservação ao tacto.

Exame oto-rino-laringo-neurologico.

Na posição erecta desvio do corpo para a direita.

Marcha incerta com tendencia á queda para a direita, sem desvio entretanto.

Ausencia de desvio do index. Aponta bem.

Sindrome de Claude-Bernard-Horner á direita.

Lingua: ausencia de desvio da ponta. Hemi-lingua direita, em posição de repouso, ligeiramente hipotonica e trais estreita em seu 1/3 posterior. Ausencia de atrofia. Movimentação normal. Sensibilidade e sensorio normais.

Palato mole:. paresia do hemi-palato direito.

Faringe: sensibilidade faringéa conservada. Quanto á motricidade do faringe não existe um sinal de cortina tipico, entretanto, observa-se uma predominancia de repuxamento da massa muscular para a esquerda.

Laringe: paresia tipica do hemi-laringe direito, com a corda direita imobilisada em posição mediana. Com o esforço da fonação, em vicariancia, a corda vocal esquerda apresenta uma superfície ulcerada á altura de sua apofise vocal.

8.° par craneano,

Audição normal em ambos os lados.

Ausencia de nistagmo expontaneo ao olhar direto e convergente, entretanto ao olhar lateralisado á esquerda percebe-se ligeiros abalos nistagmiformes.

Pesquiza instrumental.

Prova calorica: 10 cc. de água fria e lentamente.

O.D.: cabeça 30° a frente: após 25" de latencia, nistagmo horizonto-rotatorio para o lado oposto, de intensidade média, durante 2'30". Tonturas e desvio acentuado do corpo para o lado excitado.

cabeça 60° atraz: após 15" de latencia, nistagmo horizontal para o lado oposto, de intensidade média, batendo 2'20". Tendencia á queda e desvio do braço direito para o lado excitado. Fenomenos subjetivos presentes.

O.E.: cabeça 30° á frente: após 45" de latencia, nistagmo horizonto-rotatorio para o lado oposto, batendo 2'. Ausencia de desvio do corpo típico para a esquerda e fracas tonturas.

cabeça 60° atraz: após 15" de latencia, nistagmo horizontal para o lado oposto durante 2'20". Desvio dos braços estendidos e tendencia á queda para o lado excitado em menor gráu que á direita.

Prova rotatoria: 10 voltas em 20".

Da E. D. post-nistagmo E. durante '43".

Da D. E. post-nistagmo D. durante 36".

Ambas as provas acompanhadas de fenomenos reacionais e subjetivos.

Conclusões.

O paciente apresenta, indiscutivelmente, um sindrome bulbar.

A hemianestesia alterna esquerda associada ás perturbações motoras dos ultimos pares craneanos, á direita, é tipica.

A herniparesia direita vélo-laringéa encontra-se patente.

Quanto á paresia dos constritores do faringe, não podemos afirmar, categoricamente, si o constritor superior (nervo glosso-faripgeo) toma parte no quadro, pois o sinal de cortina não é evidente, entretanto, a disfagia absoluta (para liquidos e solidos) nos prodromos da molestia nos conduz a acreditar no sofrimento do glosso-faringeo.

A hipotonia e estreitamento da hemi-lingua direita, sem observarmos a sua atrofia ou encarquilhamento, só são observados nas lesões do neuronio central.

A hiperexcitabilidade instrumental do labirinto direito, associada aos ligeiros abalos nistagmiformes expontaneos, para a esquerda, dizem do sofrimento dos nucleos e vias vestibulares á direita, possivelvente em seu feixe deitero-espinal, pois existe ligeiro desvio do corpo á direita e marcha incerta com tendencia á queda para a direita.

Concomitantemente existem perturbações simpaticas oculo-pupilares evidentes.

caso trata-se, provavelmente, de um sindrorne bulbar retro-olivar e encontra-se em regressão.

Comentados.

O caso é muito esquematico.

As alterações nucleo-radiculares, á direita, se associaram as alterações cordonais sensitivas do lado esquerdo do corpo.

O ramo vestibular não foge ao cortejo sintomatico: abalos nistagmiformes ao olhar lateralisado á esquerda, denotando um comprometimento das vias vestibulares centrais, e em plena involução, e a hipotonia da musculatura do corpo á direita que, imputada como devida quasi que somente ao acometimento das vias cerebelares, correm por conta, tambem, da irritação da via deitero-espinal.

O sindrome vestibular apresenta-se harmonioso; quer expontaneamente quer ás provas instrumentais: reacções motoras e fase lenta do nistagmo se processando do mesmo lado, enquanto o componente rapido do nistagmo bate do lado oposto.

4.ª) Observação: sindrome bulbar (neoplasia?)

J. G. N. - ficha 3476, 43 anos, branco, hespanhol, lavrador, casado, São João da Bôa Vista. - Examinado em 29-5-1939.

H. P. M. A. - seus males iniciaram-se ha 3 anos, com perturbação da deglutição. Como se sentisse com saude, não ligou á essas perturbações e continuou a trabalhar. Entretanto ha 8 mezes que se encontra sem poder trabalhar devido ao aparecimento, em sua perna esquerda, de uma ulceração (Ulcera de Baurú - sic). Ha 27 dias, mais ou menos, que se encontra doente. Falta de forças nas pernas, no braço esquerdo, cefaléas occipitoparietais á esquerda. Marcha perturbada pela falta de forças, encontrando-se imobilizado numa cadeira de rodas. Formigamento na ponta dos dedos. Ha 20 dias, mais ou menos, instalou-se ligeira disfonia e perturbação acentuada da deglutição, sendo que esta ultima cedeu ha 8 dias mais ou menos. Notou o paciente, tambem, que ha 20 dias, o globo ocular esquerdo diminuia em tamanho e como que afundava na orbita, sem perda ou diminuição da visão. O paciente afirma ser portador de ótimo olfato, gosto e sentir certa queda da audição á direita.

Resumo do exame neurologico: Motricidade: hipotonia dos musculos dos membros principalmente á esquerda; força muscular diminuida principalmente á esquerda; astasia, abasia, retro-pulsao. Coordenação: ataxia dos membros á esquerda; dismetria e adiadococinesia á esquerda. Reflexos: patelares vivos mas igualmente dos dois lados; Babinski não ha, bem como clonus e automatismo. Sensibilidade: 1) subjetiva: dôres na hemiface direita e nuca; 2) objetiva: não refere perturbações do táto; hemianestesia alterna termo-dolorosa (á direita) ; sensibilidade profunda dolorosa (muscular) muito diminuida na musculatura do lado direito.

Exame oto-rino-laringo-neurologico.

Exame da marcha impossibilitado.

Na posição assentada o paciente inclina-se ligeiramente para a esquerda.

Cabeça ligeiramente inclinada para a esquerda. Aponta ligeiramente errado com o braço esquerdo.

Face: sensibilidade diminuida na hemiface esquerda, inclusive na mucosa da fossa nasal esquerda. Sindrome de Claude-Bernard-Horner á esquerda.

Boca: diminuição ligeira da sensibilidade á esquerda.

Lingua: sem desvio de sua ponta ou perturbação motora acentuada, entretanto a hemilingua direita é ligeiramente mais baixa que a esquerda.

Palato móle: paresia do palato móle á esquerda.

Faringe: esboço do sinal de cortina para a direita denotando paresia do constritor superior á esquerda. Sensibilidade conservada.

Laringe: hemi-laringe esquerdo parético. Sensibilidade conservada.

8.° par craneano.

Audição no limiar da normalidade á esquerda. Surdez de condução á direita.

Nistagmo expontaneo, rotatorio, para a direita, presente ao olhar diréto e aumentando ao olhar lateralisado.

Ausencia de nistagmo de posição.

Pesquisa instrumental.

Prova calorica: 10 cc. de água fria e lentamente.

O.E.: cabeça 60° atraz: praticamente sem latencia, nistagmo horizontal, fortíssimo, de curtos abalos, para o lado oposto e batendo 3'. Fenomenos subjetivos e reacionais presentes e normais.

O.D.: cabeça 60° atras: após 12" de latencia, nistagmo horizontal de grandes abalos, para o lado oposto, batendo 1'45". Ausencia de fenomenos subjetivos e reacionais para o lado excitado.

Conclusões.

Trata-se, o caso, provavelmente, de um bulbar.

A sintomatologia expontanea que o paciente apresenta predomina fran, camente á esquerda, senão vejamos:

l.°) perturbação da sensibilidade facial e da mucosa naso-bucal á esquerda;

2.º) síndrome de Claude-Bernard-Horner á esquerda;

3.°) hipotonia da hemi-língua esquerda;

4.°) paresia do hemi-palato esquerdo;

5.°) paresia do constritor superior do faringe á esquerda;

6.°) paresia do hemi-laringe _esquerdo e

7.°) nistagmo expontaneo rotatorio para a direita (anti-borario).

A pesquiza instrumental dos ramos,vestibulares. do 8.° par demonstrou uma hiperexcitabilidade das vias vestibulares centrais á esquerda que, associada ao nistagmo expontaneo rotatorio para a direita, diz do sofrimento dos nucleos vestibulares em sua zona caudal, provavelmente.

Comentarios.

O caso é rico em sua sintomatologia vestibular, expontanea ou provocada.

O desequilibrio de ambos aparelhos, vestibulares é evidente, demonstrando que, á esquerda, o mesmo sofre um processo de irritação na zona mais caudal dos nucleos e vias vestibulares, acometendo não somente as fibras arciformes vestibulo-ocuao-motoras, que do nucleo descendente recurvam-se para a linha mediana e ascendem, após cruzarem a linha mediana, na zona interna da faixa longitudinal posterior até os nucleos ocuao-motores, como, tambem, a via vestibulo-espinal ou deitero-espinal que, dirétamente, desce para os cornos anteriores da medula.

O sindrome vestibular, no caso, é harmonioso: inclinação do corpo, cabeça, apontar ligeiramente errado, componente lento do nistagmo, todos esses fenomenos se processando do mesmo lado, enquanto se afirma que o nistagmo expontaneo bate para o lado oposto aos outros sintomas, pois o mesmo é determinado pela direcção de seu componente rapido, de pesquiza mais facil.

Os nucleos e vias vestibulares sofrem, indiscutivelmente, á esquerda, pois alem do sindromo deitero-espinal que o paciente apresenta (inclinação da cabeça, corpo e apontar ligeiramente errado á esquerda), o nistagmo expontaneo, giratorio, para a direita (anti-horario) demonstra o sofrimento do lado esquerdo.

A regra de André-Thomas, no caso presente, falhou. Toda sintomatologia fala por lesão bulbar á esquerda, inclusive o interrogatorio do labirinto esquerdo que demonstrou uma hiperirritabilidade dos nucleos e vias centrais do sistema vestibular á esquerda.

5.ª) Observação: esclerose em placas.

J. V. R. - ficha 3069, 20 anos, branco, brasileiro, operario, solteiro, Rio Preto. - Examinado em 10-8-1939.

H. P. M. A. - ha oito anos que iniciaram os seus males, com falta de forças nas pernas, dificuldade ao andar. Sem recursos para tratamento, seus males agravaram-se aos poucos, aumentando sua dificuldade ao andar e tremores nas mãos. Esses tremores nos braços e pernas, e que surgiram ha tres anos, aumentam quando da execução de qualquer movimento. De um ano para cá é portador de um estrabismo convergente em consequencia ao desvio do globo ocular direito para a face nasal da orbita. Jamais sofreu de surdez ou rouquidão. Engole e mastiga bem, possuindo, tambem, bom olfato e gosto. Ha um ano, mais ou menos, por engano, esteve internado no Hospital do Juquery, onde lhe administraram injecções de 914, obtendo com esse tratamento ótimo resultado, pois proporcionou certa melhora nos tremores.

Resumo do exame neurologico: Tonus: hipotonia. Movimentos voluntarios: aparentemente, são executados normalmente. Manobras deficitarias: Raimiste negativa; Barré positiva de ambos os lados. Coordenação dos movimentos: ataxia, tipo cerebelar, nitida, em todos os membros. Diametria, adiadococinesia. Reflexos: de modo geral exaltados. Babinski á direita; leque á esquerda. Clonus da rotula e pés. Sensibilidades: conservadas.

O.D.: dedos a um metro.

Visão:

O.E.: 2/3.

Exame oto-ripo-laringo-neurologico.

Marcha ataxica. Em posição erecta alargamento da base de sustentação. Instabilidade na posição erecta com olhos abertos.

Dismetria do membro superior. Certa incerteza ao apontar com os dois braços. Ligeiro desvio do index dos dois lados.

Paralisia do motor-ocular-externo direito, advindo daí um estrabismo convergente.

Ausencia de perturbação motora e sensitiva da face.

Lingua sem atrofia, sem desvio, sem empastamento e de movimentação normal, entretanto, apresenta, na posição de repouso, aumentando aos movimentos voluntarios, tremores fibrilares por todo o orgão principalmente em seus bordos e ponta.

Motricidade e sensibilidade do palato móle e faringe normais.

Laringe com sensibilidade e motricidade normais. O paciente apresenta um falar monotono, arrastado.

8.° par craneano.

Audição no limiar da normalidade em ambos os lados.

Ausencia de nistagmo expontaneo ao olhar diréto, convergente ou lateralizado.
Pesquiza instrumental:

Prova calorica: 10 cc. de água fria e lentamente.

O.D.: cabeça 30° a frente: após 10" de latencia, nistagmo horizonto-rotatorio para o lado oposto, de bôa intensidade, batendo 1'30". Desvio dos braços estendidos para o lado excitado e tendencia a queda para esse lado.

cabeça 60° atraz: após 10" de latencia, nistagmo para o lado oposto, horizontal puro, de bôa intensidade, batendo 2'. Fenomenos subjetivos e reacionais presentes e normais.

O.E.: cabeça 30° a frente: ausencia de nistagmo e de fenomenos reacionais e subjetivos.

cabeça 60° atraz. após 17" de latencia, nistagmo para o lado oposto, horizontal, de regular intensidade, durando 1' 37". Fenomenos subjetivos quasi que ausentes.

Prova rotatoria: 10 voltas em 20 ".

Da E. D. post-nistagmo E. durante 31".
Da D. E. post-nistagmo D. durante 40".
Sintomas subjetivos e reacionais fracos.

Comentarios.

Ressaltam dessa observação as perturbações do equilibrio, com alteração das reacções locomotoras associada á fenomenos de incoordenação, sem o paciente apresentar, contudo, uma sintomatologia vestibular expontanea evidente.

A marcha ataxica, a instabilidade na posição erecta, obrigando o individuo alargar sua base de sustentação, não possuem caracteres vestibulares, pertencendo mais á esfera de influencia cerebelar associada a uma incoordenação motora. Não existe uma latero-pulsão típica, nem o Romberg apresenta as características labirínticas. Os sintomas cerebelares se acentuam com a dismetria. A incerteza ao apontar associada ao ligeiro desvio do index, bilateral, têm o seu grande fator num provavel deficit piramidal associado, talvez, á uma irritação das vias deitero-espinais. O caso no entanto não é típico.

As manifestações oculares da molestia são patentes. As perturbações da motricidade ocular, evidenciada por paresia do 6.° par á direita, constituirão o resultado de lesão do nucleo óculo-motor pela placa de esclerose ou correrão por conta de um simples asincronismo dos globos oculares devido á irritação da via vestíbulo-oculo-motora?

No caso deve-se meditar. Expontaneamente o paciente não apresenta sintoma vestibular que afirme da irritação do neuronio vestíbulo-ocular. A pesquiza instrumental demonstrou-se, entretanto, uma leve hiperirritabilidade do vestíbulo direito. No entanto, pensamos, as vias vestibulares sofrem, ligeiramente, a irritação do processo, mas de uma intensidade tal que não produz uma asinergia ou asincronismo dos globos oculares.

Entre ambos aparelhos, vestibular e cerebelar, no caso presente, o cerebelar, parece-nos, é o que mais sofre.

6.ª) Observação: sindrome bulbar vascular.

E. R. M. A. - 55 anos, branco, brasileiro, casado, advogado, Rua Turiassú, 85. - Examinado em 11-7-1939.

H. P. M. A. - seus males iniciaram em Abril, dia 18, desse ano, com dóres de cabeça pelo hemicraneo direito na região occipital e nuca. No dia 28 do mesmo mez, pela madrugada, foi acomtido de uma depressão geral (sic), sensação de frio, suores, ansiedade, mal estar geral. Já na vespera havia deitado com dóres de cabeça violentas. Ao sentar-se na cama notou que todo o corpo se inclinava para a direita. Braço direito descontrolado. Notou, tambem, que o hemi-corpo esquerdo, iniciando pela face lateral do pescoço, apresentava insensibilidade á dôr e calor. Concomitantemente disfagia absoluta, não conseguindo engulir, uma gota d'água durante quatro dias consecutivos. Pronuncia das palavras dificultada. Assim permaneceu durante 15 dias, após o que iniciaram suas melhoras, conseguindo engulir melhor e, proporcionalmente, melhoras para o lado da vóz. Guardou o leito sómente 20 dias. Quando começou a andar sentia certa frequeza nas pernas, sendo interessante que em maior gráu no membro inferior direito que, segundo o paciente, é o lado mais descontrolado.

Resumo do exame neurologico: reflexos tendinosos presentes e mais ou menos iguais; não ha Babinski; cutaneos abdominais e cremastericos presentes e normais. Ataxia cerebelar no braço direito. Força muscular bôa. Marcha incoordenada. Sensibilidade: hipoestesia termica, tactil e dolorosa em toda a metade esquerda do corpo e metade direita da face, especialmente a parte superior.

Exame oto-ripo-laringo-neurologico.

Na posição erecta ausencia de desvio do corpo.

Marcha ligeiramente ataxica, sem desvio entretanto, com olhos abertos
ou cerrados.

Não apresenta desvio do index, Aponta ligeiramente errado a direita.

Face: sensibilidade perturbada á direita. Ausencia de perturbação motora.

No territorio das raizes cervicais superiores á esquerda nota-se nítida perturbação da sensibilidade em seus limites com o trigemeo.

Sensibilidade e sensorio da mucosa nasal normais.

Sensibilidade e sensorio da mucosa bucal e faringéa normais.

Lingua: ausencia de desvio da ponta. Movimentação normal em todas direcções, entretanto, a hemilingua direita encontra-se um pouco mais deprimida que a esquerda, bem como mais estreita. No entanto não é empastada nem atrófica.

Palato: paresia do palato móle á direita.

Faringe: paresia do constritor superior do faringe á direita, apresentando um sinal de cortina típico. Paresia dos constritores médio e inferior.

Laringe: paresia do hemilaringe direito, com epiglote pendente para a direita. Sensibilidade laringéa conservada.

8:° par craneano.

Audição no limiar da normalidade em ambos os lados.

Ausencia de nistagmo expontaneo ao olhar diréto, convergente ou lateralisado.

Pesquiza instrumental:

Prova calorica: 10 cc. de água fria e lentamente.

O.E.: cabeça 30° á frente: após 25" de latencia, nistagmo horizonto-rotatorio para o lado oposto, fraco, batendo 1' 38". Desvio do braço esquerdo para a esquerda.

cabeça 60° atraz: após 26" de latencia, nistagmo horizontal, fraco, para o lado oposto, batendo 1'37". Desvio do braço esquerdo á esquerda e sensação de queda para a esquerda.

O.D.: cabeça 30° á frente: repetiu-se em condições identicas á pesquiza do lado oposto e com ligeira sensação de tonturas. cabeça 60° atraz: após 20" de latencia, nistagmo horizontal, forte, para o lado oposto, batendo 2'45". Desvio do braço direito para a direita, sensação de queda á direita e sintomas subjetivos intensos.

Prova rotatoria: 10 voltas em 20".

Da E. D. post-nistagmo E. durante 35".

Da D. E. post-nistagmo D. durante 30".

Ambas as provas acompanhadas de fenomenos reacionais e subjetivos.

Conclusões.

Trata-se, evidentemente, de um sindrome bulbar.

A hemianestesia alterna esquerda com perturbações do trigemeo direito, associada com perturbações motoras para o lado dos ultimos pares craneanos, á direita, é clara.

As perturbações da motricidade lingual que o paciente apresenta (hemilingua direita mas baixa e mais estreita, sem atrofia) só se observam nas lesões do neuronio central.

Paresia evidente velo-laringéa á direita.

Os constritores faringéos sofrem todos, á direita, inclusive o superior (nervo glosso-faringeo) pois o sinal de cortina demonstra-se em toda sua plenitude.

vestibular direito sofre, tambem, pois sua excitabilidade instrumental encontra-se alem dos limites normais.

Trata-se, o caso, de uma lesão bulbar retro-olivar?

Comentarios.

Antes de mais nada é preciso notar, nesse caso, que o exame neurologico, por nós resumido, foi executado dois mezes antes de nosso exame.

Fazemos essa consideração em vista do paciente não apresentar uma sintomatologia vestibular expontanea tipica (ausencia de nistagmo), provavelmente existente logo após o ictus, evoluindo com a doença até deixar, após 2 mezes de tratamento, somente um reliqua demonstravel pela hiperexcitabilidade do labirinto direito, lado esse onde são patentes outros sintomas nucleo-radiculares dirétos associados á perturbações da sensibilidade cruzadas.

Nos prodromos da mólestia, um dos sintomas que dominaram o quadro foi um deficit do tonus muscular á direita (o paciente notava, ao sentar-se na cama, que todo o corpo se inclinava para a direita) concomitante á perturbações da sensibilidade contro-laterais. Estabeleceu-se, não resta duvida, inicialmente, um sindrome deitero-espinal direito. O nistagmo expontaneo, e rotatorio, para a esquerda, deveria existir, forçosamente, pois as vias vestibulares centrais sofriam-em sua zona inferior.

Na ocasião de nosso exame topamos somente com uma hiperexcitabilidade do vestibulo direito, reliqua portanto de uma lesão inicial mais intensa e em plena involução.

7.°) Observação: sindrome bulbar vascular (?). Esclerose em placas (?).

L. M. - 37 anos, branco, italiano, operario, Rua dos Campineiros, 771. Examinado em 28-7-1939.

H. P. M. A. - desde 1934 sente cefaléa frontal, sem predileção por certas horas do dia. Ha 32 mezes, quando trabalhava, começou a sentir uma especie de embriaguez. Cefaléas por todo o craneo. Rouquidão repentina. Oito dias após começou a ficar com a perna direita sem comando (sic), braço direito com perturbações da sensibilidade (aneis de anestesia á altura do punho e formigamento na ponta dos dedos). Na face, á direita, tambem sentiu perturbações da sensibilidade (calor, etc.). Ao olhar lateralisado á esquerda observava dois objétos. Deglutição e audição normais. Internou-se no Hospital Humberto I, onde fez tratamento anti-luético. Com este,tratamento melhorou da diplopia e da perna direita que se tornou mais sob o controle da vontade. A cefaléa frontal desapareceu completamente. Ha 5 mezes esteve internado no Hospital S. Paulo onde executou um tratamento anti-infeccioso (vacin-neurin, salicilato de sodio, etc), com que obteve certas melhoras e, onde, devido á uma amigdalite cronica, executaram-lhe uma amigdalectomia. Alta do Hospital, não continuando o tratamento; Ha 20 dias, entretanto, resurgiram todos os sintomas anteriores, estado de embriaguez, pronuncia das palavras perturbada. Internou-se na 1ª. M. H.

Resumo do exame neurologico: marcha cerebelo-espastica; Romberg sensibilisado presente. Fala escandida e disfonica. Ha ligeira hipertonia. Motricidade voluntaria activa integra. Reflexos: patelares vivos e pendulares; os demais profundos , e osteo-periosteos vivos; Babinski, Gordon,, etc., ausentes. Coordenação: na prova do dedo, ao nariz ha decomposição e hipermetria para o membro superior direito; discreta para o homologo esquerdo. Sensibilidade superficial: hipotesia tactil, termica e dolorosa na metade direita do corpo e face.

Exame oto-rino-laringo-neurologico.

Marcha ataxica, com aumento da base de sustentação.

Romberg presente quando sensibilidado.

Aponta mais ou menos errado com o braço direito.

Desvia o index direito, expontaneamente, para a esquerda.

Manobra dos braços estendidos normal.

Face: sensibilidade facial alterada á direita inclusive a sensibilidade da mucosa nasal á direita,

Boca: sensibilidade da mucosa bucal conservada.

Lingua: sem desvio, sem atrofia. Sensibilidade e sensorio normais.

Faringe: ausencia de perturbação motora do palato móle e parede posterior do faringe. Sensibilidade faringéa conservada.

Laringe: sensibilidade e motricidade normais.

N.B.: o paciente apresenta, expontaneamente, movimentos mioclonicos do palato móle á esquerda, parede posterior do faringe, mais acentuados á esquerda, e, mais tipicos ainda, da corda vocal esquerda, que, na posição de respiração (abducção total), martela rapida e repetidamente a corda vocal direita.

8.° par craneano.

Audição no limiar da normalidade em ambos os lados.

Nistagmo expontaneo, rotatorio, para a esquerda, ao olhar diréto, aumentando ao olhar convergente e presente ao olhar lateralisado.

Pesquiza instrumental.

Prova calorica: 10 cc. de água fria e lentamente.

O.D.: cabeça 30° a frente: aumenta o nistagmo expontaneo, rotatorio, para a esquerda, entretanto não se póde determinar os tempos de latencia e batimento do nistagmo provocado. Desvio do braço direito para a direita. Ausencia de sintomas subjetivos.

cabeça 60° atraz: após curta latencia, nistagmo para o lado oposto, horizontal puro, batendo durante 2'28". Desvio típico dos braços estendidos para o lado excitado. Sinto. mas subjetivos ligeiros.

O.E.: cabeça 30° á frente: após curta latencia, nistagmo horizonto-rotatorio para a direita, batendo 2'20" e inhibindo o nistagmo expontaneo para o lado esquerdo. Desvio do braço esquerdo para a esquerda. Sintomas subjetivos ausentes.

cabeça 60° atraz: após 15" de latencia, nistagmo para o lado oposto, horizontal puro, batendo 2'25". Fenomenos reacionais típicos para o lado excitado.

Prova rotatoria: 10 voltas em 20 ".

Da E. D. post-nistagmo E. com duração de 55'.

Da D. E. post-nistagmo D. com duranção de 40".

Ambas as provas foram acompanhadas de sintomas subjetivos.

Conclusões:

Trata-se, indiscutivelmente, de um caso raro.

Ao hemi-sindrome sensitivo direito associaram-se perturbações na esfera do 8.° par, á esquerda, que, alem da existencia de um nistagmo expontaneo, rotatorio, as provas instrumentais demonstraram uma hiperexcitabilidade de suas via a centrais.

O nistagmo expontaneo, nesse caso, associado á hiperexcitabilidade instrumental, e de tipo rotatorio, fala por lesão que irrita a zona caudal do nucleo de Deiters á esquerda.

O que de mais interessante encerra o caso, são os movimentos mioclonicos nos territorios do 9.°, 10.° e 11.º pares craneanos, á esquerda, verdadeiro nistagmo muscular vélo-faringo-laringeo.
Essa mioclonia velo-faringo-laringéa seria patognomonica de lesão da oliva bulbar?

Comentarios.

O caso sob o ponto de vista do sindrome vestibular, é complexo.

Às nossas conclusões imediatas, formuladas logo após o exame do paciente, quando talvez ficamos siderados pelos outros sintomas neurologicos coexistentes afóra os sintomas vestibulares, devemos acrescentar algumas considerações produto de um raciocinio mais demorado e coerente.

O nistagmo expontaneo, rotatorio, para a esquerda, conservando a sua direcção mesmo ao olhar convergente, está como que indicando o lado onde as vias vestibulares mais sofrem, isto é, o oposto á sua direcção, o direito.

As provas instrumentais ambos os labirintos são hiperexcitaveis, mas o batimento do nistagmo expontaneo rotatorio para a esquerda ao olhar convergente, indica o lado predominante.
Deve-se assinalar esse fáto, do valor semiologico da predominancia unilateral de um nistagmo expontaneo ao olhar convergente, como que indicando, nas lesões unilaterais, o lado lesado, ou, nas lesões bilaterais, o predominante. O nistagmo bate sempre do lado oposto á lesão.
Em sua sintomatologia vestibular expontanea, deve-se assinalar o sintoma vertigem que, nos prodromos da doença, foi um dos sintomas anunciadores do mal. O paciente sofria de uma verdadeira embriaguez, uma sensação vertiginosa sem definição.

Os nucleos e vias vestibulares devem sofrer em sua zona inferior, pois a forma rotatoria do nistagmo só é demonstravel nas lesões baixas.

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