Versão Inglês

Ano:  1939  Vol. 7   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 447 a 452

 

MASTOIDITE NA INFANCIA

Autor(es): DR. PAULO SAES *

S. Paulo, Dezembro de 1939.

Ao estudarmos a mastoidite na infancia, faremos apenas resaltar aqueles pontos mais importantes em que a afecção se diferencia da edade adulta.

Essa diferenciação se nota até cerca de 7 anos, mesmo aos 10 anos e até ainda aos 15 anos, mas ela é tanto maior quanto menos edade tem a creança, tendo caracteres muito particulares abaixo de um ano.

Focalisaremos o nosso estudo sobre quatro pontos de vista:

1) Considerações anatomicas e topograficas;
2) Ligeiras considerações clinicas;
3) Reparos de natureza tecnica e
4) Sobre complicações post-operatorias.

1) CONSIDERAÇÕES ANATOMICAS E TOPOGRAFICAS

No lactente, isto é, em creança até cerca de um ano, vemos que:

1) O angulo postero superior do conduto auditivo externo osseo, representado neste momento pelo osso tympanal, não corresponde ainda ao terço superior da inserção do pavilhão e sim abaixo, à metade inferior,

Recebido pela Redação em 26-7-1939.

2) O antro, situado para cima e para traz do angulo citado e não diretamente em cima, como se descreveu muitas vezes, tem um tamanho aproximado do dos grandes antros do adulto.

Ele é sempre uma grande celula e praticamente a unira celula mastoidiana, pois as outras celular osseas não existem ou seriam poucas e rudimentares.

Assim a creança de mezes não tem mastoidite, por não existir neste tempo a apofise mastoide, mas sim antrite.

3) A profundidade na qual o antro se acha situado é muito pequena nesta edade; cerca de 2 mills., coberto pois por uma fina camada ossea, muitas vezes friavel, mas raramente perfurada pelo puz.

Com o crescimento, a profundidade do antro vae aumentando pouco a pouco para atingir 12 a 15 mils. na edade de 15 anos, sendo que no adulto ocila entre 15 a 18 mils.

4) A fissura petro-escamosa em parte permanece aberta e em comunicação com o antro, donde poder a supuração de uma otite media, da caixa e antro manifestar-se exteriormente debaixo do periosteo e pele, sem que exista propriamente destruição ossea.

Assim, a intervenção nessa edade reduz-se a incisão da pele, afastamento dos bordos e curetagem do orificio escamo-antral da fissura petro-escamosa, aumentando o seu tamanho com pequena cureta cortante.

O abcesso periostal assim formado pode por vezes mostrar cura expontanea, por voltar o puz para o antro atravez a fissura petro-escamosa ainda aberta.

Aos dez mezes, adiante do orificio, começa a surgir uma espinha ossea, que vindo a crescer, será na ossificação completa, a espinha de Henle. Si a fissura petro-escamosa se fechou completamente e a mastoide já se pneumatisou, a mastoidite aguda da creança evolue como a do adulto e oferece clinicamente os mesmos fenomenos locaes, com a diferença que o puz atravessa o osso tanto mais rapidamente quanto mais jovem é o individuo.

Nas creanas maiores e nos adultos pode haver tambem cicatrização de uma fistula mastoidéa, mas em geral a supuração persiste no ouvido medio e a molestia surge depois de transcorridos alguns anos.

5) A espinha supra meaturn ou espinha de Henle não existe ainda no lactente começando a despontar depois dos 10 mezes.

6) Um reparo externo na parede é a mancha ou zona vascular, esponjosa, a cortical é aí crivada de orificios, porosa, que corresponde diretamente ao antro e que fica atraz da espinha de Henle. Essa zona será no adulto o ponto de eleição da trepanação e é aí que se fistulisa a mastoidite.

7) O nervo facial, em seu trajéto osseo, está fóra de alcance, situado abaixo do antro ficando porem superficial passado o bordo livre do temporal.

8) Fóra do alcance da cureta fica tambem o seio lateral, mesmo em caso de procidencia.

9) LIGEIRAS CONSIDERAÇÕES CLINICAS

O prof. J. MARINHO, em seus Exerptos de Oto-rino-laringologia á Clinica Pediatrica, mostra tão claramente a evolução clinica da mastoidite, que não resistimos a vontade de resumil-a aqui.

A mucosa normal que reveste a caixa se extende em continuidade anatomica ao antro e celulas mastoidéas, explicando o fato de se encontrar puz na mastoide em casos de otite purulenta sem sinal de inflamação da apofise.

Este fato por si só não indica intervenção. Para a mastoidite cirurgica ha necessidade de que o esqueleto esteja com osteite. Adoecido o esqueleto, surge então a dor, a principio provocada e depois expontanea. Dois são os pontos dolorosos; um, atraz do conduto,. corresponde ao antro e outro na ponta da apofise.

O prof. MARINHO assinala como sinal mais precoce de mastoidite o desaparecimento da rugosidade sobre a face externa da mastoide. Para isso verificar, o medico fica atraz do paciente e apalpa-lhe com ambas as mãos as duas apofises ao mesmo tempo, comprimindo a pele sobre o osso. Faz deslisar repetidamente debaixo para cima e de cima para baixo, sentindo assim a falta da aspereza do lado doente: é que o periosteo inflamado nivelou os acidentes osseos. Este sinal tem valor por sua constancia e significação.

A osteite progride, as trabeculas reabsorvem-se e enchem-se de puz, atingindo depois a cortical e o periosteo, aumentando mais a dor. Surge a tumefação atraz da orelha, a osteite progride, perfura a cortical. O puz atravez da fistula, levanta o periosteo, com grande aumento da dor. Rompe-se o puz para o tecido celular sub-cutaneo, aumentando muito o tumor retro-auricular, o exterior, possibilitando um processo de cura expontaneo e raro. Muito mais facil será a penetração para o endocraneo. Quais são as indicações operatorias?

São: otite media aguda com antrite, em que entre sinaes geraes temos: Febre, anorexia, sinaes meningeos e entre os sinaes locaes: mastoidite exteriorisada, paralisia facial ou supuração auricular aguda rebelde ao tratamento medico, alem de um mez.

Deve-se fazer diagnostico diferencial entre coleção purulenta superficial de mastoidite e flutuação de adenite.

3) REPAROS DE NATUREZA TÉCNICA

ANESTESIA - O prof. Marinho preconiza a regional, desde 1915, em tese de concurso á Faculdade de Medicina, muito antes de ser usada em França, Inglaterra e Estados Unidos.

Pela nossa parte, temos usado anestesia geral pelo cloroforeconomicamente, em gotas.

Conforme as circunstancias, pode a operação ser praticada mesmo sem anestesia. Acerca do acidente post-operatorio, caraterizado por hipertermia e terminando por morte, de que falaremos, não pode ser incriminada a anestesia, pois MOREAU, cita 3 casos de morte, em doentes seus operados sem anestesia alguma.

CANUYT - acha a anestesia geral prejudicial e usa cloreto de etila na pele da região mastoidiana da creança, reduzindo o ato operatorio ao minimo.

TÉCNICA DE PANNETON - Panneton apresenta uma técnica para trepanação na l.ª infancia, com as seguintes vantagens:

a) Anestesia local com 1 cc. ou 1,5 cc. de novocaina-adrenalina.

b) Incisão de apenas 1 centimetro.

c) Tempo operatorio reduzido entre 40 segundos e 2 minutos.

d) Assim, ha completa ausencia de choque operatorio.

De uma maneira geral, podemos dizer que o traumatismo deve ser reduzido ao minimo, evitando-se tanto quanto possivel o uso da goiva e do martelo. A operação deve ser terminada rapidamente, usando-se para trepanação apenas a cureta.

INCISÃO. - Usa-se a incisão de Wilde, que deve ser um tanto alta, pois no lactente o antro tem uma situação elevada em relação ao conduto. A respeito da incisão de Wilde na creança devemos um comentario. Devido a inumeras circunstancias que frequentemente ocorrem nos ambulatorios e consultorios, não se pode praticar como se deseja, a antrotomia na ocasião oportuna e para dar drenagem á grande quantidade de puz em uma mastoidite exteriorisada pratica-se apenas uma incisão de Wilde, para posteriormente ser feita a trepanação da mastoide em boas condições. Em inumeros casos, porem, essa simples incisão cura o doente dentro de poucos dias, perfeitamente cicatrizada a incisão, sem deixar fistula mastoidiana.

A explicação está no fato anatomico da abertura da fissura petro-escamosa, por onde se fez a drenagem da caixa e do antro. Apezar de frequente este fato, longe de nós a idéa de que a incisão de Wilde possa a vir substituir a trepanação, que deve ser sempre praticada, quando com indicação.

A ruginação e a exploração da superficie da trepanação faz-se como no adulto.

Trepanação - A trepanação no lactente é facil, não se devendo usar senão a cureta de 3 mils., manobrada como "fraise", perpendicularmente ao osso, e que entra facilmente no antro.

As paredes do antro são curetadas até aparecer a resistencia do osso são. Pequeno dreno no antro, sutura cutanea e curativo como no adulto.

Á medida que a creança avança em edade a trepanação cada vez mais se aproxima da do adulto. Entretanto, deve-se empregar goivas de tamanho reduzido e o poço mastoidiano será sempre mais acima do conduto osseo que no adulto.

A mastoidite operada, na creança, tem em geral um prognostico benigno. Feita a intervenção com oportunidade, todos operados sobrevivem, apesar da grande espera que resulta quasi sempre da exitação em resolver a operação.

4) SOBRE COMPLICAÇÕES POST-OPERATORIAS

Referiremos uma, muito interessante a estudar, no lactente: é o sindromo do palor-hipertermia.

Desde o Congresso Francez de 1924, numerosos autores vêm apresentando successivos casos de lactentes atingidos de mastoidite, nos quaes algumas horas após a intervenção surge um sindromo caracterisado por hipertermia, chegando rapidamente a 40° e mesmo 410, dispnéa progressiva, palor da face, torpor, pulso rapido e fraco, algumas convulsões, sobrevindo afinal a morte por sincope.

Essa evolução tem sido quasi sempre mortal, a sua duração ocilando entre 4 e 24 horas. O anestesico não pode ser dado como causador, pois taes fatos já têm surgido em creanças que não sofreram nenhuma anestesia.

Por esse motivo, inumeros cirurgiões dão um carater de gravidade á trepanação no lactente, pois nenhuma teoria fornece uma explicação satisfatoria para taes casos, atribuindo alguns ao choque toxico de Delbet e Pierre Duval.

Pessoalmente, não tivemos nunca a oportunidade de constatar taes casos. Em um caso em que se iniciava uma hipertermia inquietadora, entramos com uma terapeutica adequada.

O que pode ser usado em taes doentes é o seguinte: resfriar os doentes em envoltorios frios, bolsa de gelo, banhos frios. Garantir o coração com tonicos cardiacos: esparteina, solu-canfora. Revulsão toracica com sinapismos. Pela boca, V gotas de adrenalina ao milesimo e V de digitalina.

Como complicação post-operatoria tardia devemos não esquecer, na creança, a fistula mastoidiana. Si após curativos cuidadosamente feitos localmente na ferida operatoria, persistir uma fistula até alem de 4 semanas, deve-se pesquizar uma causa geral (heredo-lues, tuberculose) ou mesmo vegetações adenoides. Temos usado nestes casos raios ultra-violetas localmente e nos casos rebeldes mudança de clima, com otimos resultados, mesmo com quasi abstenção dos curativos da ferida operatoria. São estes os pontos que julgamos indispensaveis referir sobre a mastoidite na infancia.




* Adjunto da Sta. Casa - Chefe da especialidade na Beneficencia Portugueza - Oto-rino-laringologista da Assistencia Escolar.

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