Versão Inglês

Ano:  1939  Vol. 7   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Associações Científicas

Páginas: 289 a 294

 

ASSOCIAÇÕES CIENTIFICAS

Autor(es): -

ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA
SECÇÃO DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA
Reunião de 17 de janeiro de 1939

Presidida, inicialmente, pelo dr. Mangabeira Albernaz, secretariada pelos drs. Camargo Penteado e Angelo Mazza, realizou-se, no dia 1 7 de janeiro de 1939, uma reunião da Secção de Otorino-laringologia da Associação Paulista de Medicina, na qual foi empossada a mesa eleita para 1939, assim constituida: dr. Ernesto Moreira (presidente), dr. J. E. Rezende Barbosa (l.º secretario) e dr. Gentil Miranda (2.º secretario).

Expediente: - O dr. Mangabeira Albernaz passa a presidencia ao presidente, pronunciando o seguinte discurso:

"Meus senhores: - Termina hoje o mandato que me houvestes confiado, e, como de praxe, venho fazer um apanhado do que se passou na presidencia que hoje entrego ao meu sucessor.

O ano de 1938 foi para nós particularmente cruel. Em Março, perdíamos um grande amigo, e o Brasil uma de suas figuras mais insignes: o prof. Vampré. Foi numa de nossas sessões que ele tomou, pela ultima vez, a palavra numa reunião científica.

No meio do ano, novo golpe: desta vez era Jayme de Campos, assistente da Faculdade, chefe durante anos da clinica oto-rino-laringologica do Instituto Penido Burnier, em Campinas, que caía na arena, vitimado por mal insidoso.

Meses depois, em Outubro, rouba-nos a fatalidade mais um colega e amigo, cuja alegria contagiante, cujo espirito, nos encantava: Paulo de Faria. Quanto à atividade científica, 1938 foi, quanto às sessões, lastimavel. Por motivo mesmo dos falecimentos acima referidos, deixaram de se realizar duas sessões: a de 17 de Março e a de 17 de Abril. Por falta de material, não houve a sessão de 17 de Setembro e, por causa do Congresso, a de 17 de Outubro. Houve no ano 7 sessões ordinarias e uma em conjunto com a Secção de Neuro-psiquiatria, ao todo 8, quando normalmente devíamos ter 11 (férias em Junho).

Foram apresentados 19 trabalhos em ordem do dia, dos quais 5 fazem parte do symposium sobre mastoidites, realizado na sessão de 17 de Dezembro. Além desses, houve um trabalho apresentado no expediente.

Dos trabalhos do ano, salientarei o do Dr. Gabriel Porto, sobre corpos estranhos das vias aéreas; o do dr. Mario Ottoni, acerca da oto-rino-laringologia e a clinica geral; o do dr. F. Hartung, a respeito do enfisema na amigdalectomia; o do prof. Vasconcelos, atinente aos diverticulos do esofago; o dos drs. Carlos Gama e Paulo de Toledo, relativo ao estudo dos tumores da região craneo-faringea; o do dr. R. Oliva, referente a pontos controvertidos da paralisia do recurrente; o dos drs. Angelo Mazza e Rezende Barbosa, sobre o sindrome de Ramsay-Hunt; e, por fim, o symposium sobre mastoidites, em que cada um espendeu sua opinião particular sobre o assunto, o que constituiu um trabalho do maior interesse.

Os fatos culminantes da especialidade em 1938 foram, em primeiro lugar, o Congresso da especialidade, realizado no Rio; depois, a sessão conjunta das Secções de Oto-rino-laringologia e de Neuro-psiquiatria.

O Congresso Brasileiro, transformado em Congresso Sul Americano, foi um êxito completo, total, absoluto. Mais de 100 especialistas, do Pará ao Rio Grande do Sul, e além disso as figuras de Segura, Alonso e Tato, aí se achavam. Perto de 130 comunicações foram apresentadas.

O elemento nosso lá esteve em elevado numero. A Secção de Otorino-laringologia não se fez, entretanto representar oficialmente, porque, não tendo havido sessão no dia 17 de Setembro, o presidente não tinha autorização da Casa para tal fazer. Em todo caso, como havia necessidade de ser escolhido um representante para falar na sessão inaugural em nome de S. Paulo tomei a liberdade de delegar poderes para tal ao prof. A. Paula Santos, que desempenhou com galhardia a representação.

O tema principal coube a S. Paulo, e foi confiado com toda justiça ao dr. Mario Ottoni. Seu trabalho, notavel sob qualquer aspecto, causou ótima impressão, o que ainda mais veio corroborar o assérto da escolha.

A sessão conjunta das Secções de Oto-rino-laringologia e de Neuropsiquiatria foi de tal interesse, que, veio demonstrar a necessidade de fazerem-se sessões conjuntas em maior numero. Foi para nós um grande prazer, e não menor honra, receber a visita de Vampré, Pacheco Silva, Carlos Gama e outros distintos neurologistas.

Outro marco na vida oto-rino-laringologica de S. Paulo foi a inauguração da clinica de especialidade na Escola Paulista de Medicina.

Como se vê, o ano que findou foi muito importante na vida oto-rinolaringologia nacional e na de S. Paulo. Todavia, não quero deixar de assinalar que, no nosso ambiente, a frequencia ás sessões foi muito baixa, o numero de comunicações medíocre, o interesse pela especialidade não muito edificante. Faço, por isso, um apelo fervoroso aos meus colegas para que apoiem mais as atividades científicas desta Secção. E' um dever, não só científico, como cívico. Trabalhar pelo progresso da sua especialidade é mais do que tudo, servir á Patria.

E entrego a direcção dos serviços ao presidente eleito a 17 de Dezembro. Recebi a presidencia das mãos de Francisco Hartung, meu amigo dileto, um dos discípulos mais eminentes de Henrique Lindenberg e entrego-a hoje a Ernesto Moreira, ramo do mesmo tronco abençoado. O timoneiro é digno de toda confiança. Trabalhador, honesto, experimentado, dando a seus trabalhos cunho rigorosamente científico, apresenta Ernesto Moreira fé de oficio das mais distintas. Que ele, como representante de uma escola que sempre tem dignificado, continuando a rota de Mario Ottoni, de Schmidt Sarmento, de Homero Cordeiro, de Paula Santos, de Hartung, de Oliva, eleve cada vez mais a significação, a eficiência, o valor científico da nossa Secção.

Ao tomar posse do cargo de presidente da Secção para 1939, o dr. Ernesto Moreira disse o seguinte:

"Meus colegas: - Sou presidente da Secção de Oto-rino da Associação Paulista de Medicina. Assim quiz a vontade de meus consocios. Estou na obrigação de corresponder a essa generosidade, trabalhando para conserval-a na posição que até hoje se tem mantido. Portanto, perante meus companheiros e amigos, assumo esse compromisso, "si a tanto me ajudar engenho e arte". Estou certo que conduzirei a bom termo a nau, que possivelmente singrará em oceano tranquilo. A rota da vida, meus amigos, está riscada, na folha do destino. A satisfação que invade neste momento o meu "eu", é bem aquela que todos nós sentimos ao realizar um desejo na vida. No dizer de Thomaz Buckle, as acções dos homens resultam de uma colisão entre duas series de fenomenos. uns que se passam com ele, são os fenomenos internos, e outros que se passam ao redor dele, os fenomenos externos. O sentimentalismo, é uma qualidade inata ao homem. Todos nós temos os nossos momentos de exteriorização afetiva. Por mais que nos perscrutemos, por mais que nos analisemos, o homem é, e será sempre aquele acervo de defeitos e qualidades. Ora, são estas que predominam, ora aqueles que o subjugam. Deste rolar inconstante brota, como que de um vulcão em atividade, as lavas da bondade, ou o acritonante borbulhar das massas incandescentes, a destruir o que de bom a natureza nos deu. "O homem nasce bom e a sociedade o perverte", é frase filosofica. O sacerdocio de nossa profissão, estou certo e não me iludo de o dizer, todos nós o temos exercido. As manhãs passadas no convívio constante do hospital, ao lado daquela turba-multa sofredora, sempre solícitos, calados uns, palradores e barulhentos outros, mas sempre conscios de seus deveres, com o mesmo timbre de boa vontade, naquela intimidade tão nossa, trar-nos-á para o futuro a dôce recordação dos dias que jamais volverão. Aqui nos reuniremos para ativar nossas idéas dos frutos sazonados de nossos esforços. Os sacrifícios destas noitadas estarão na razão diréta dos benefícios que possam advir. Que sejam estas reuniões a continuação de nossa camaradagem de 20 anos. Si o presente se nos afigura pleno de satisfação, não deveremos entanto olvidar o passado. Esta pleiade de especialistas que tão dignamente morejam desassombradamente no campo da medicina especialisada, tem uma divida de gratidão a pagar, recordando constantemente o nome de Lindenberg, o nosso inesquecível amigo e mestre. Fôra ele nosso consocio, e, estou certo que sua satisfação seria absoluta. Ao tomar posse da presidencia dessa sociedade, não poderei deixar ao olvido, o nome respeitavel por todos os titulos, do nosso saudoso professor. De sinceros agradecimentos sejam as minhas derradeiras palavras aos bondosos colegas e preito de justa homenagem a aquele a quem muito devemos. Se aqui estou como representante do passado, tenho a imensa satisfação de ter a meu lado as energias vivas do presente: Rezende Barbosa, representação magna da geração odierna, colega digno de nossa sincera consideração, companheiro incansavel de nossas labutas quotidianas. Gentil Miranda secundará, naturalmente o nosso distinto companheiro de trabalhos, para o desempenho de nossa tarefa. Dizer algo sobre os dignos colegas que me precederam na direção desta Associação, seria bater numa tecla bem conhecida de nós todos. Desnecessario relembrar a atuação do professor Mangabeira Albernaz, na presidencia e seus esforçados companheiros. A lição inaugural na Escola Paulista de Medicina, é bem uma excursão absolutamente perfeita sobre a ciencia medica, tendo como guia o abalizado especialista. Seu esforço no campo da especialidade, quer sob o ponto de vista pratico, quer cientifico, é sobejamente de nós conhecido. Que minha tarefa seja a sequencia dos que me antecederam, e estarei quite com a minha consciencia".

Em seguida passou-se á ordem do dia, da qual constaram os seguintes trabalhos:

DUAS CRANEOTOMIAS. ANGIOENDOTELIOMA DO TEMPORAL E HEMATOMA TRAUMATICO EXTRA-DURAL - Dr. J. Soares Hungria.

O dr. Soares Hungria levou ao plenario dois casos raros, com apresentação dos doentes, completamente curados. São duas craneotomias de causas diversas: a primeira se refere a um doente portador de um tumor pulsatil localizado na região do processo mastoideo esquerdo. Varios medicos concordaram no diagnostico de aneurisma da arteria auricular posterior, mas a ligadura da carotida externa não produziu nenhum resultado clinico; o doente continuou a apresentar o tumor pulsatil que provocava dores cada vez mais agudas. Diante disto o dr. Hungria resolveu intervir novamente, desta vez diretamente sobre o tumor. Foi com surpreza que o cirurgião encontrou os ossos parietal e temporal parcialmente destruidos pelo tumor; a região foi amplamente desbastada, drenada e, com o auxilio da radioterapia profunda, o doente se encontra atualmente em boas condições físicas. O exame Nisto-patologico revelou tratar-se de um angioendotelioma sarcomatoso.

O 2.° caso é o de um paciente que, tendo uma desinteligencia com outro individuo, recebeu deste uma garrafada no craneo. Apresentou-se á policia onde se submeteu a exame medico-legal que deu em resultado considerado o seu ferimento como leve. Diante disso dirigiu-se para sua casa, tendo feito parte do percurso á pé e o resto de omnibus. Lá chegando constatou, ao se lavar, que havia pedaços- de vidro em sua cabeça. Ao se abaixar para apanhar um objéto, sentiu tonturas e desfalecimento; foi acudido pela esposa que atribuindo o fáto a indigestão, não lhe deu maior importancia. Entretanto o seu estado peiorou e o medico chamado resolveu removel-o para o Hospital Municipal, onde, depois de feitos os exames necessarios, chegou-se ao diagnostico de hematoma extra-dural. O dr. Hungria realizou a craneotomia com pleno sucesso, o que pode ser constatado pela apresentação do doente.

Comentarios:

Dr. Rezende Barbosa: Cumprimentou o A. por trazer dois casos verdadeiramente raros e interessantes. Sendo o angioma primitivo do temporal uma afecção muito rara, mais raro ainda será o angio-endotelioma primitivo em degeneração sarcomatosa. Digna de menção foi a conduta do A., que, ao lado da terapeutica audaciosa, a cirurgica, associou, no post-operatorio, a radioterapia profunda, meio esse onde parece residir o futuro terapeutico dessas afecções extremamente hemorragiparas. O 2.° caso do A., interessante e raro, apresenta dois pontos que nos pareceram mais importantes: l.°) o do rompimento dos vasos extra-dura-merianos, ocasionando o hematoma extra-dural, sem fratura dos ossos craneanos, demonstravel radiologicamente, e 2.°) o lapso de tempo que decorreu entre o acidente e o aparecimento dos fenomenos motores e sensitivos para o lado dos membros.

MASTOIDITE NA INFANCIA - Dr. Paulo Sáes.

Em continuação ao symposium sobre mastoidites, falou sobre a mastoidite na infancia, fazendo resaltar os pontos em que esta afecção se diferencia da edade adulta. Fez considerações anatomicas e topograficas no lactante; mostrando a situação do angulo-postero-superior do conducto auditivo externo osseo e do antro que é sempre uma grande celula e praticamente unica. Muito superficial na infancia, aos poucos se aprofunda. A fissura petro-escamosa permanece aberta, donde a supuração do antro e caixa poder manifestar-se exteriormente sem destruição ossea. A espinha de Henle não existe no lactente, começando a surgir aos 10 meses. Em ligeiras considerações clinicas resumiu paginas do prof. João Marinho, assinalando como sinal precoce de mastoidite, o desaparecimento da rugosidade sobre a face externa da mastoide, porque o periosteo inflamado nivela os acidentes osseos. Mostrou quais as indicações operatorias na infancia, passando depois aos reparos de natureza técnica. Sobre anestesia, citou a preferencia do prof. João Marinho pela regional, empregando mais a geral pelo cloroformio em gotas. Citou a técnica de Panneton para trepanação na 1.ª infancia: anestesia local de novocaina, incisão de 1 cm. e tempo operatorio reduzido entre 40 segundos e 2 mi-, nutos. Falou sobre a incisão de Wilde, dando a explicação porque muitas vezes apenas esta cura a mastoidite. Mostrou que a trepanação é facil, devendo-se usar apenas a cureta. A mastoidite operada, na criança, tem um prognostico benigno. Nas complicações post-operatorias, referiu o sindrome palor-hipertermia, muito estudado pelos francezes. E o caso de lactentes que operados de mastoidite apresentam algumas horas após a intervenção hipertermia elevada, até 410 dispnéa, palidez da face, torpor, pulso rapido e fraco, convulsões e afinal morte. O anestesico não pode ser dado como causador. Mostrou o que é possivel usar em tais casos como terapeutica. Falou ainda da fistula mastoidiana que tem muitas vezes na criança uma causa geral e que a mudança de clima age favoravelmente.

Comentarios:

Dr. Oswaldo Lange: Julgando-se estranho á Secção, dirigiu palavras amaveis ao A., acrescentando que o palor-hipertermia se verifica tambem em outras operações, como apendicite, etc. Disse que o prof Alajouanime, quando em S. Paulo, referiu ter encontrado sempre nas autopsias das crianças, assim falecidas, um edema acentuado do encefalo que poderia ser assim a causa do sindrome ou um sintoma correlato. Referiu ainda ter esse professor usado nesses casos sôro glicosado hipertonico, com algum resultado.

Dr. Moreira: Disse que seria interessante se o dr. Sáes tivesse encaminhado o estudo para o lado das radiografias da mastoide das crianças, onde talvez pudesse tirar dandos interessantes.

Dr. Paulo Sáez: Agradeceu ao dr. Lange as palavras amaveis a seu respeito e disse que a visita de membros de outras Secções será sempre agradavel, como hoje a presença do dr. Lange, que, como neurologista ilustre pôde trazer a explicação interessante do prof. Alajouanime sobre o sindrome palor-hipertermia, lembrando ainda mais uma providencia terapeutica para tais casos, o que muito agradeceu. Ao dr. Moreira respondeu que de fáto, lendo um trabalho sobre radiografia de mastoide publicado nos Annales de Oto-laryngologie - Julho 1938 - trabalho de Baldenweck e Jean Leroux-Robert, procurou ver o que havia sobre as mesmas na infancia, verificando que nas crianças de tenra idade muito poucas e confusas indicações podem dar as radiografias da mastoide em virtude mesmo da constituição anatomica nessa idade.

Nada mais havendo a tratar, foi encerrada a reunião.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial