Versão Inglês

Ano:  1939  Vol. 7   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 241 a 446

 

ECZEMA DO OUVIDO (*)

Autor(es): DR. MARIO OTTONI DE REZENDE

S. PAULO

Bem compreendo, meus caros Colegas, a temeridade de vos propôr um tema, de tão insignificantes proporções, a ser discorrido perante especialistas já afeitos aos finos segredos da otologia. Tenho certeza que já fui desculpado, pois minha intenção não foi a de ensinar, mas sim a de recordar comvosco um assunto sobre o qual não se perde tempo com a leitura.

O eczema do ouvido na maioria dos casos não traz preocupação alguma ao especialista, mas, em muitos deles, porem, a rebeldia da cura é de tal pertinacia, que exgota a paciencia de qualquer um de vós e, ainda mais, a do proprio doente.

Existem algumas regras diagnósticas e sobretudo, de tratamento, cujas directivas devem, sempre, estar presentes ao tratar-se de um paciente com tal afecção. Recordal-as, fixando-as em nosso subconsciente, é o trabalho a que me vou dedicar, por alguns minutos e, desde já peço desculpas pelo que de massante possa, o assunto, conter.

E' o eczema uma das molestias mais frequentes do ouvido, muito embora, sua sintomatologia discreta evite sua observação mais frequente e, com ela, seu tratamento precoce.

Ele pôde existir, de principio, só no ouvido ou, como mais comum, em combinação com eczema em outras partes do corpo. Pôde isolar-se num conduto auditivo externo ou pavilhão, assim como poderá afectar ambos ouvidos.

Sua forma pôde ser aguda ou cronica.

O eczema agudo é semelhante a muitas formas de dermatites, impossibilitando um diagnostico diferencial. Os sintomas que o caracterisam são os mesmos que os das outras partes do organismo: sensação de calor, urencia e coceira acompanhada ou não de pequena dôr; vermelhidão e ligeiro edema da pele; aparecimento de bolhas que se rompem, rapidamente, e, ás vezes, após curta exsudação secam, ou formam grandes superficies humidas, revestidas de crostas amareladas.

No conduto auditivo externo, raramente se tem ocasião de observar estes diferentes estadios, pois que as bolhas desaparecem rapidamente. Aqui se nota ligeira infiltração da pele, que diminue um pouco o lume do conduto, acompanhada de uma secreção, quasi sempre fétida, amarelada e cheia de epitelio descamado, recobrindo a pele do conduto e o timpano. Afastada esta camada de epitelio descamado, a pele aparecerá, especialmente ao nivel da parte ossea do conduto, com zonas humidas apresentando falta de epitelio de revestimento. Em periodo mais avançado, estas zonas, e, em alguns casos, grande parte do conduto auditivo externo, assim como, mesmo, a membrana timpanica, recobrem-se de crostas amareladas.

Harald Meller descreve diversas formas de eczemas do conduto auditivo externo, entre elas:

l.°) Eczema descamativo primario, caracterisado pela grande descamação da pele do conduto e podendo invadir, tambem, o pavilhão;

2.°) Eczema provocado pelos processos purulentos do ouvido médio e por ele mantido;

3.°) Eczema ocasionado pela insistencia do paciente, em proceder a limpeza do seu conduto auditivo, eczema de origem mecanica ou quimica. Neste numero estão os eczemas dos telefonistas (pavilhão), dos radiotelegrafistas, os causados pelas loções, pelos travesseiros, pelos medicamentos, etc. ;

4.°) Eczema retro-pavilhão observado nas senhoras que usam penteados que o recobrem, por completo, mantendo a humidade causada pela deficiencia de evaporação da perspiração cutanea e produzindo maceração e eczema. O tratamento essencial, desta forma de eczema, consiste na mudança do penteado de modo a favorecer a ventilação da parte afetada;

5.°) Eczema dos velhos, trofoneurotico e, as mais das vezes, ligado á uma afecção do ouvido interno;

6.°) Eczema do ouvido ligado á tendencia do organismo à produção de eczema seborréico, cujo tratamento deve ser feito em conjunto com outros eczemas existentes em outras regiões do corpo, trata-se, geralmente, de um eczema cronico;

7.°) Eczema do ouvido nas molestias alergicas;

8.°) Eczema em consequencia de otite externa".

Não é preciso dizer que, aqui, devem ser considerados os eczemas de origem interna: diabetes sobretudo, nefrites, molestias sanguineas, perturbações do sistema nervoso, prisão de ventre, eczemas originados por infecções microbianas, em especial os causados por estreptocócos (eczema seco esfoliativo do conduto, com tendencia à formação de ragádas), eczemas produzidos pelo calôr, banhos de sól, pomadas e oleos rançozos, suores, uso de agua oxigenada frequente, etc.

Especial cuidado carecem os eczemas das creanças em que sua forma vesiculosa e, ainda mais, crostosa, representando, por vezes, um prolongamento de um eczema crostoso da cabeça ou da face. Estes eczemas quando não tratados, convenientemente, cronificam-se e, podem, pela infecção, ocasionar dermatites febrís e, não raro, erisipela e mesmo tomarem caracter impetiginoso.

Não raro é acompanhado de infartamento dos ganglios retro-auriculares e cervicais, que podem chegar á supuração. Se uma terapeutica energica não intervir, pode durar mezes e anos, particularmente nas crianças doentias e desnutridas, em forma de eczema intertriginoso humido, com ragadas, que recidiva muito embora tratamento energico.

O timpano, quasi sempre doente quando das formas agudas de eczema do conduto auditivo externo, raramente se apresenta lesado nas formas cronicas. Pôde, entretanto, qualquer das formas descritas, afeta-lo, ocasionando descamação, vermelhidão, perdas de substancia com produção de humidade, crostas, granulações, espessamento do tecido conjuntivo e suas consequencias, definitivas, sobre o aparelho auditivo.

A coceira, a quéda de escamas do ouvido, a secreção fétida, a dôr, a surdez, os ruidos do ouvido, etc., são as causas que conduzem o paciente ao medico.

O coçar e as escamas falam, sempre, pelo eczema. Se o exame do conduto foi normal, pode-se pensar em causa nervosa. O coçar produz irritação traumatica que peiora o eczema produzindo maior coceira e, assim por deante.


A secreção poderá ser abundante, sobretudo quando o eczema tiver origem em uma otite media cronica e, quando, nesta secreção se desenvolvem bacterias putridas, ela se tornará, extraordinariamente, fétida encomodando não só o paciente como as pessôas que o cercam.

A dôr exprime, geralmente, a cooparticipação de uma otite externa secundaria.

A surdez poderá ser causada: a) pelo estreitamento do conduto causado pela infiltração e edema nas formas agudas, ou pela hipertrofia do tecido conjuntivo nas formas cronicas; b) pelo acumulo de escamas e secreção purulenta no conduto; c) pelo espessamento da membrana timpanica quando afetada; d) pela produção de liquido no ouvido médio; e) pela concomitancia, não rara, de um catarro da trompa de Eustachio.
O tratamento do eczema do ouvido não é tarefa facil, tanto quanto o do que se asseste em qualquer parte do corpo, ele põe em cheque a inteligencia do medico e a paciencia do doente. Complica-o, ainda mais, as más condições anatomicas do ouvido, o estreitamento e grande sensibilidade do conduto auditivo externo, os nichos e a riqueza de angulos do relevo do pavilhão da orelha, assim como na situação, previlegiadamente, exposta na cabeça.

O sucesso terapeutico está sujeito não menos aos conhecimentos pessoais e ao saber dermatologico do medico que trata, mas sobretudo ás condições individuais de cada caso, necessitando a mudança constante dos meios empregados na cura.

De principio, tambem, o eczema do ouvido, sobretudo quando ele não é senão parte de uma afecção geral, exige atenção, do otologo, no sentido de influenciar a disposição do paciente, para uma molestia geral. Assim a anemia e clorose devem ser tratadas pelo ferro e arsenico; outras molestias como o diabetes, o artritismo, terão seu tratamento indicado. Em muitos casos a mudança de moradia (casa humida), ou de alimentação (vegetais) deve ser tentada. E' de vêr que a limpeza meticulosa da zona doente, o afastamento de todo e qualquer irritante (brincos, bonés de lã ou feltro e finalmente interdicção da lavagem do ouvido com agua), são fatos a serem cuidados.

Na terapeutica local deverá ser observada a lei maxima que requer, em primeiro lugar, o emprego de meios curativos brandos, antes que se conheça a sensibilidade da pele do paciente.

Nos casos de forte reacção inflamatoria da pele, no periodo agudo, especialmente contra a dôr, é necessario aplicar-se compressas frias de solução de Bürow à 1 / 10 ou agua boricada à 2% sobre a zona doente e no conduto auditivo externo. Este tratamento deverá ser curto, afim de que seja evitada a maceração da pele e poderá ser empregado, tambem, por meio de pastas de algodão, nos eczemas humidos e só sobre as superficies humidas, sendo o resto da pele protegida por uma pasta ou pomada. Quando se processar, deste modo, a desinfiltração da pele, e nos casos de periodo vesiculoso agudo com forte exsudação, emprega-se um pó secativo e, mais tarde, ao desaparecer a humidade, a pasta de Lassar.

O emprego da pasta será evitado no conduto, usando-se lavagens com agua boricada a 2 %, uma ou varias vezes ao dia, seguida de secagem e emprego de pó em camada fina. Só quando no periodo de escamas se utilisará da pasta (Cehasol e oxido de zinco 10 % ou pasta de Lassar) em pouca quantidade e retirada diariamente, ou cada dois dias, com alcool. Deve-se evitar o emprego de gaze no conduto, quando do eczema humido, por atuar ela como corpo extranho irritante. Na forma vesiculosa o emprego do alcool salicilico e boricado a 2% e estará indicado, seguindo-se, ao seu uso, um pó.

Quando da formação de crostas, especialmente no eczema das creanças, estas deverão ser retiradas com o oleo de olivas ou oleo de parafina. Se a pele estiver muito inflamada, se usará compressas de agua boricada. Retiradas as crostas aplicar nitrato de prata a 2% nas zonas vermelhas, e, em seguida, pomada boricada nos casos agudos, e unguento de Diachylão Hebra nos cronicos.

A limpeza do conduto deverá ser feita, preferencialmente, com agua morna, seringa Alexander, afim de se evitar as escoriações que possam produzir o tratamento a seco. Após a lavagem secar com algodão hidroflio e aplicar acido borico pulverisado. Esse tratamento será continuado até que o conduto fique completamente seco. Seco o conduto, pode-se empregar, logo, o tratamento pelas pincelagens semanais, ou bi-semanais, de Cehasol puro. Este medicamento deve ser evitado no timpano pois que este o absorve mal. O Cehasol nunca deverá ser usado, enquanto o eczema estiver humido, devido a formação de crostas, a dôr e a peiora da doença.

Quando não suportado o Cehasol será substituido pela pomada boricada.

Nos eczemas cronicos eritemato-escamosos, o pavilhão e o conduto serão limpos das crostas, o conduto por meio de alcool resorcinado a 5%, e o pavilhão pelo sabão mole e pelo espirito saponaceo.

As partes fortemente irritadas serão cauterisadas com sol. de nitrato de prata a 5 %, no conduto, por meio de um pedaço de gaze, nela embebido, e deixada in loco 5 a 10 minutos. Retirada a gaze emprega-se uma pomada de nitrato de prata e balsamo do Perú (nitrato de prata 0,30, balsamo do Perú 1,0, unguento simples 30,0). Após dois dias o nitrato de prata poderá ser repetido. O emprego do Cehasol, tem, tambem, aqui, o seu lugar.

A coceira deverá desaparecer com o tratamento, caso assim não se dê e o sono e trabalho do paciente, forem perturbados, pode-se aconselhar o emprego de Pasta de Lassar e menthol (0,25 à 0,50 /o), ou glicerina carbolica (acido Penico 1,5, glicerina 15,0 e alcool 150,0) em lavagens do ouvido.

Nos eczemas cronicos antigos, com grande espessamento do pavilhão e das paredes do conduto auditivo externo, a terapeutica poderá ser auxiliada pela roentgenterapia. Dose unica de 100 a 200 R, filtro cobre 0,5 e 30 cm. FHO para 170 KV e 3 m A. 8 a 10 dias de intervalo. Numero de irradiações, geralmente, menos de 10, ás vezes uma, raramente 20.

Algumas regras devem ser seguidas pelos doentes afim de que a cura, do eczema, se possa processar: não coçar; evitar o calôr no ouvido; evitar que entre agua no ouvido ou toque o pavilhão. O medico deverá secar os instrumentos antes de usa-los. Incluiremos, aqui, algumas idéias de H. Meller, sobre o emprego de alguns medicamentos, geralmente, muito usados pelos otologistas modernos:

1) Alcool - empregado na forma de alcool salicilico a 2%, no tratamento do eczema humido do ouvido. O alcool é indicado contra a coceira em que atua passageiramente; contra o eczema possue acção sintomatica. Não deve ser empregado em compressas nos eczemas agudos do pavilhão.
2) Nitrato de prata (quasi sempre a 5 % ), nos eczemas humidos e secos. Oertel aconselha-o a 10 até 20 % nos eczemas fortemente escamosos do conduto. O emprego do nitrato de prata nos eczemas humidos impede a disseminação do processo, mas não produz a sua cura. Os casos de eczemas humidos mais dificeis de tratar são, justamente, aqueles já tratados pelo Este sal não tem, tambem, seco. Deverá, no tratamento com nitrato de prata. acção alguma sobre o eczema pois, ser evitado, seu emprego dos eczemas do ouvido.

3) Oleo mentolado - é um medicamento empregado nos eczemas que coçam muito; atua passageiramente e acalma pouco. Aumenta as escamas. Não tem acção curativa.

4) Parafina - empregada nos eczemas com escamas como fim de retira-las. Irrita a pele eczematosa, podendo produzir, quando não seja pura, surto de eczema.

5) - Epicarina alcoolica - antiséptico, diminue a coceira, não tem acção curativa.

Todos esses medicamentos devem ser evitados na terapeutica do eczema do ouvido".

No eczema tem sido empregada a proteinoterapia, em qualquer de suas formas, as injecções de vacinas anti-estafilocócica (6 à 10), os raios ultra-violetas, o metodo acido-alcalose de Malecki (sem resultado), etc.

Nos eczemas de origem estreptocócica, a sulfanilamida, estará, de sobejo, indicada.

Aqui estão, meus caros colegas, o que pude, per summa capta, dizer-lhes sobre os eczemas do ouvido. Não disse tudo mas procurei focalisar o sabido afim de avivar, em vossos espiritos já
bastante conhecido sobre a materia.




(*) Trabalho apresentado á Secção de O. R. L- da Associação Paulista de Medicina em 17-2-1939.

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