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Ano:  1939  Vol. 7   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 317 a 324

 

ALGUNS COMENTÁRIOS SÔBRE CIRÚRGIA E ANESTESIA DAS AMIGDALAS PALATINAS

Autor(es): DR. A. CAIADO DE CASTRO (1)

Assunto grandemente debatido e ventilado, não venho aqui repisar técnicas operatórias de amigdalectomias. Todos nós possuimos experiência nessa questão e todos reconhecemos a excelência do processo cirúrgico disseminado no Brasil, pelo Professor Marinho, desde 1912.

Não é meu intuito tratar do papel fisiológico das amígdalas palatinas, nem abordar sua exérese parcial, porquanto êsse assunto já se acha de tal forma esclarecido, que causa pasmo ser ainda discutido por certos apologistas dos métodos conservadores, os quais, via de regra, parece não haverem acompanhado de perto as discussões e os resultados definitivos a que, nesse particular, já chegaram os oto-rino-laringologistas. Aqueles eu aconselharia leitura cuidadosa de "A QUESTÃO DAS AMIGDALAS NA IMPRENSA E NA ACADEMIA" e de "UMA QUESTÃO DE CIRÚRGIA ESPECIALIZADA", trabalhos em que o Prof. João Marinho, Guedes de Melo e Renato Machado esgotam a matéria.

Não irei tomar, também, o vosso precioso tempo, falando-vos do histórico, desde Aulus Cornelius Celsus, que descolava e extraía as amígdalas palatinas com os dedos, nem continuar, em ordem, por: Etius, Paulo de Egina, Albucasis, etc. ; chegando a Caqué, em 1757, Lawrence, em 1861 e Ruault, em 1893; notando que antes, em 1827, porém, o Dr. Physick, de Philadélphia, já havia apresentado um aparelho semelhante ao de Sluder.

Cinco anos mais tarde Fahnestock apresentou o "Sector tonsillorum", que ainda hoje se usa na França e Alemanha, para crianças, e, em 1880, já Mackensie havia modificado o cabo do aparelho de Physick. Terminariamos afinal em Sluder, que transformou o cabo do amígdaléctomo de Physick. Tudo isso sem comentar o aparelho de Laforce, que não teve grande aceitação em nosso meio. Seria injustiça, nesse caso, calarmos o nome do grande mestre nacional, João Marinho, o verdadeiro introdutor, entre nós, do processo de Sluder, em 1912.

Acontece, porém, que não me têm passado desapercebidos certos ensaios, que procuram colocar em plano secundário o "Sluder", chegando mesmo alguns a afirmar ser a amígdalectomia por êsse processo uma operação incompleta em adultos e de execução impossível em determinados tipos de amígdalas.

Presados colegas; isto é tão chocante, que a Sociedade de Oto-rino-laringologia do Rio de Janeiro não pode permitir tal conceito em pleno século XX. Pelo fato de um indivíduo não saber manejar o amígdaléctomo de Sluder, nada o autoriza a dizer que o processo não serve. Melhor seria ficar em silêncio e procurar aprender. Mas não é isso que, em geral, estamos fartos de observar. Mal adquire alguma prática, já o notamos em publicações paupérrimas de observações e procurando falar como se estivesse aureolado por longo, cuidadoso e conciente tirocínio.

Êste não é o meu caso, como pretendo mostrar, através de estatísticas, aos meus prezados colegas da Sociedade de Oto-rinolaringologia do Rio de Janeiro.

Venho expôr um ponto de vista que me parece certo; trago uma bagagem regular de observações e - para dar maior evidência aos fatos - junto à minha, a estatística do meu bom amigo Dr. Gastão Guimarães, com quem trabalhei cêrca de quatro anos, de 1927 a 1931. Depois dêsse tempo emancipei-me, mas ainda tenho por êle a mesma admiração e dele faço o mesmo conceito que fazia o Prof. Marinho, quando, em 1926, na "A QUESTÃO DAS AMIGDALAS", dizia ser o Dr. Gastão Guimarães um angue vivo de operador e possuir raras qualidades de presteza, etc. Naquela época a estatística do Dr. Gastão Guimarães era de 5.000 doentes operados das amígdalas palatinas, ou sejam 10.000 amígdalectomias.

De 1926 a 1939 a estatística do Dr. Gastão é de 12.000 doentes operados, que perfazem o total de 34.000 amígdalectomias - sem anestesia.

Minha estatística de 1928 até a presente data é de 5.138 casos, ou sejam 10.176 amígdalectomias, incluidas neste número as operações feitas na Policlínica de Engenho de Dentro, Sociedade Hospitalar de Assistência aos Empregados Municipais, Assistência Medico Cirúrgica dos Empregados Municipais e Assistência Municipal, e excluídos os doentes operados em minha clínica particular, aqui no Rio e durante cerca de um ano que cliniquei na cidade de Jahú, no Estado de São Paulo.

São, portanto, 44.2 76 amígdalectomias, sendo cerca de 40.000 sem anestesia.

Ao falar sôbre anestesia, tenho a declarar que a geral, para amigdalectomia, não tem a minha simpatia; darei as razões:

1.°) Processo perigoso como sóe ser toda anestesia geral. Além disso, ninguem opéra, por tal motivo, os doentes em narcose profunda, e todos sabem por que...

2.°) Processo de Ivan Syk, usado também em muitas clínicas do Brasil. Consiste em tontear a
criança ou melhor, anestesiá-la e esperar depois que ela acorde; porque ninguem vai operar uma criança em narcose profunda, o que seria um crasso erro, e como é sabido, poderia acarretar tanto a asfixia imediata como pneumonia, mais ou menos próxima ou remota ou mesmo abcesso pulmonar.

Essa anestesia, que nada mais é que uma satisfação dada às mamãs nervosas, tem muitos partidários... Dizem que a criança, ficando mais ou menos tonta, não se lembra do ocorrido ... porém, se esquecem do risco a que a mesma fica sujeita. De vez em quando têm-se noticia de algum susto e, às vezes, coisa mais séria tem acontecido ...

Ivan Syk evita operar com anestesia profunda. Espera sempre um minuto, após o período de excitação. Ao serem anestesiadas as crianças de 2 a 3 anos choram e gritam, lógo que cessem de chorar podem ser operadas. A criança despertará logo que se inicie a operação."

Temos visto e feito anestesia de toda e qualquer maneira, desde a pincelagem com cocaína, neotutocaína; infiltração apenas das amígdalas palatinas, infiltração apenas do glosso-faringeu, à altura do terço inferior com o medio das amígdalas palatinas, infiltração apenas à altura dos buracos palatinos posteriores - e tudo tem dado certo - os pacientes, tanto adultos como crianças, suportam bem a operação com essas anestesias que podemos chamar de simplificadas, o mesmo acontecendo quando os operamos com anestesia lóco-regional, ou sem anestesia.

Por que?

A resposta é muito simples e de fácil observação diária:

A amigdalectomia de ambos os lados, feita rapidamente e com técnica no adulto e na criança, pelo "Sluder-Ballenger", gasta um tempo tão pequeno (de 3 a 10 segundos) que se torna praticamente indolor. Chamo a atenção dos meus colegas para o tempo da amigdalectomia - 3 a 10 segundos, para ambos os lados e pergunto: QUE DÔR SERÁ INSUPORTÁVEL NESTE TEMPO?

Dizem que certas crianças se apavoram quando são operadas das amígdalas palatinas sem anestesia. E' uma lenda que precisa acabar. Frequentemente temos encontrado crianças de 7 a 8 anos, que não choram durante a operação de amígdalas, sem anestesia. Uma por mil pôde realmente ficar apavorada, pois ha crianças nervosas, porém não é menos verdade que isto não acontece com a grande maioria; além do mais, com as anestesias lóco-regional e geral, mais de uma por mil, às vezes, assusta o operador... com lipotímias, sincopes, asfixias, pneumônias, abcessos pulmonares, etc., e isto também deve pesar na balança - e não tem desarvorado os operadores - porque a percentagem é relativamente pequena...

A crítica que diz ficarem as crianças apavoradas com a operação de 3 a 10 segundos, não merece fé e torna-se pueril.

A amigdalectomia sem anestesia, tanto no adulto como em criança, é operação ainda combatida, porque aqui, no Brasil, infelizmente combate-se uma idéia ou um fato sem ter dele muitas vezes a necessaria experiência, e sim por espírito de mera contradição.

E' preciso também esclarecer que o momento ainda não comporta adotar-se sistematicamente a operação das amígdalas palatinas sem anestesia, porque há doentes que sugestionados pelo falso valor da ANESTESIA SIMPLIFICADA, fazem questão de operar as suas amígdalas com essa anestesia, e ... não custa satisfazê-los.

Tenho operado em minha clínica particular muitos doentes com anestesia simplificada, porém isto não impéde que continue a pensar ser esta anestesia imprestavel e ineficiente. . . Em geral acompanha-se a móda a-pesar-de suas extravagâncias.

A anestesia 1óco-regional é perfeita sob determinado ponto de vista. É, de fato, a mais técnica e totalmente indolor, porém o paciente recebe, além da pincelagem de cocaína ou neotutocaína, injeções de 20 cc. de solução de novocaína, espera cerca de 10 minutos, para finalmente ser operado pela Sluder em 3 ou 10 segundos, ficando posteriormente com uma sensação desagradabilissima durante longo tempo.

Os 20 cc. são assim distribuidos:

5 cc. à altura do buraco palatino posterior;

5 cc. fóra do pilar anterior, entre o terço inferior e o médio das amígdalas.

Essas duas injeções dão uma anestesia verdadeira, entretanto em certos casos o doente ainda apresenta reflexos desagradaveis quando se lhes toca na base da língua e parede posterior da faringe, porém essa sensibilidade desaparece com pincelagem de neotutocaína ou cocaína. Como a operação é dos dois lados teremos que introduzir 20 cc. de anestésico na garganta do indivíduo. . .

A região amigdaliana (amígdalas, pálato mole, pilares e parte da parede lateral da faringe) é inervada pelo glosso-faringeu e nervos palatinos, anterior, médio e posterior. O glosso faringeu como sabemos, um pouco acima da base da língua dá os ramos amigdalianos, muito numerosos; esses ramos formam o plexo amigdaliano. Dêsse plexo partem filetes muito delicados que se distribuem pela mucosa que recobre as amígdalas, pilar, anterior e o véu do paladar, alguns desses filetes terminam na propria amigdala-palatina.

Os nervos palatinos destacam-se do gânglio palatino e descem verticalmente para a abóbada palatina; o nervo palatino anterior, ao chegar à parte posterior e externa da abóbada palatina divide-se em dois grupos de filetes terminais: anteriores e posteriores. Os filetes anteriores, longos e volumosos dividem-se em ramusculos à altura das gingivas e abóbada palatina; êsses ultimos anastomosam-se com os filetes terminais do esfeno-palatino interno. Os filetes posteriores distribuem-se à mucosa do véu do paladar e à camada glandulosa sub-jacente.

O nervo palatino médio termina à altura da mucósa do véu do paladar e na camada glandulosa subjacente.

O nervo palatino posterior divide-se à altura da abóbada palatina em dois grupos de ramos terminais: ramos sensitivos para a mucosa e as duas faces do véu do paladar; ramos motores para os musculos periestafilino interno e pálato estafilino. Nota-se ainda que o nervo naso palatino, ramo interno do esfeno palatino atravessa o conduto anterior, chega à mucosa palatina e perde-se na mucosa da região retro alveolar.

Peço desculpas aos prezados colegas, por trazer um pouco de anatomia nervosa da região amigdaliana, porém isto se torna necessario para evidenciar a pouca eficiencia das anestesias simplificadas.

A amigdalectomia sem anestesia, em mãos de especialistas habeis como todos o sois, é ótima prática; além disto acarreta .magnífica sequencia operatória.

A amigdalectomia no adulto, pelo "Sluder" e sem anestesia não é coisa nova na Europa, basta citar o fato de Seiffert há 5 anos passados haver operado em sua clínica durante um curso de especialização o nosso brilhante colega Dr. Flávio de Rezende Rubim.

Durante o Congresso Brasileiro de Oto-Rino-Laringologia, tive ocasião de operar pelo "Sluder" varios adultos, sem anestesia; as operações foram rápidas e todos os presentes tiveram ocasião de verificar como os doentes se portaram, dando a impressão, até, de estarem bem anestesiados.

Em nossa estatística as suturas de pilares são excepcionais e, se na Assistencia temos feito muitas delas, têm sido em doentes que nos procuram após amigdalectomias praticadas em outros serviços.

As amigdalectomias pelo "Sluder" são rápidas e praticamente indolores, tão indolores como as feitas sob anestesia simplificada, às vezes até menos, dependendo tudo da rapidez e técnica do operador, e a sequencia operatória é ótima.

Que o profissional goste de operar seus casos por dissecção, está muito certo. E' um processo bonito e cirurgico. E' uma questão de gôsto, em vez de gastar 3 a 10 segundos, levar 10 minutos ou muito mais, para a mesma finalidade. Vir porém dizer, atualmente, que há certos tipos de amígdalas palatinas impossíveis de se tirar pelo processo de Sluder, - isto, senhores, é irrisorio!

Eu me comprometo com esta Sociedade e estou a sua disposição para extraír qualquer típo de amígdala palatina pelo "Sluder-Ballenger ' tendo a certeza de que a meu lado formarão todos os que estejam realmente familiarizados com esse aparelho.

A "modificação brasileira", que eu chamo "do amigdalectomo amolado", é elegante, e torna a operação muito rápida, porém para tirar as amígdalas palatinas com o amigdalectomo bem afiado é necessario que o especialista esteja atento, do contrário a operação pode tornar-se demorada.

Se a luxação não fôr bem executada a amígdala sairá pela metade, e isto fará crescer o tempo operatório e com êle a dôr. Nesse caso, tratando-se de criança, ela poderá ficar assustada.

Em vez de 3 a 10 segundos teremos que aumentá-lo muito mais, o que será desagradável, tanto para o operador como para o doente. Além disso a amigdalectomia com o amigdalectomo afiado, faz, muitas vezes com que o paciente engula a amígdala; e outras, ela pôde caír no chão, o que enfeia o ato operatório.

Interessante é que, com a faca do amigdalectomo bem amolada, nem é preciso fazer manobras, porque, quando a amígdala está luxada e se fecha o aparelho, sente-se um ruído característico, como um aviso, indicando que a amigdalectomia já está feita. Uma pequena torção para a direita ou esquerda serve para causar maior beleza ao ato operatório. Afastados os inconvenientes acima apontados, a "modificação brasileira" é interessante e deve ser recomendada.

O processo do amigdalectomo cégo é também um processo bonito, as amígdalas não cáem no chão, ficam seguras no aparelho, pódem ser colocadas na cuba e a operação torna-se muito rápida e técnica, 3 a 10 segundos.

A amigdalectomia pelo "Sluder" feita rápidamente, tanto em adultos como em crianças e sem anestesia a mim me parece lógica e racional. Gostaria que os prezados colegas a experimentassem em vários casos, pois estou certo que, tal fazendo, ficarão, como eu, partidários do processo.





(1) Chefe do Serviço Oto-rino-laringologico da Assistencia Publica do Distrito Federal.

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