Versão Inglês

Ano:  1939  Vol. 7   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 301 a 310

 

TUMÔRES DA FARINGE, DA LINGUA E DA GENGIVA

Autor(es): A. OLIVÉ LEITE

Sta. Maria - R. G. do Sul.

FIBRO-CONDRÔMA CONGENITO, PEDICULADO, DO PILAR ANTERIOR

Os tumôres da faringe bucal, sem serem excessivamente raros, são, entretanto, pouco encontradiços na clinica quotidiana, pois que os da faringe nasal ou epifaringe, são mais comuns, e têm prendido mais a atenção dos observadores, pelos fenômenos graves e alarmantes que produzem, bem como, pelas dificuldades operatórias que apresentam, na maior parte dos casos. São bem conhecidos os tumôres fibromatosos da faringe nasal, os linfosarcômas, os sarcômas e epiteliômas das amigdalas e de suas visinhanças, etc..

A sua localisação na faringe bucal, é infinitamente mais rara, e as descrições nos tratados, não são encontradas, senão de passagem ou em citações, sem que sôbre eles dêm uma precisa descrição.

Os tumôres benignos da faringe bucal, pódem-se localisar, quer na sua face mucosa, quer encapsulados entre os tecidos do véo, realisando desse modo, a variedade intravelica dos tumôres,

e que se podem dividir nas seguintes variedades, mais estudadas e descritas:

a) Lipômas, b) Fibrolipômas, c) Fibrômas, d) Polipos, e) Miômas, f) Condrômas, g) Mixômas, Papilômas, etc..

O caso que ora descrevemos, e que nos foi dado observar em uma creança de 4 mêses, é da variedade de libro-condrôma, e estava situado na faringe bucal, na região dos pilares.

Observação.

I. H., de Ijui, linha 5, de 4 mêses de idade, branca, brasileira, filha de J. H. Ficha n.° 23.612.

E' trazida à consulta por seus pais, que relatam o seguinte: desde que nasceu, notaram que tinha uma segunda lingua, (sic) a qual era engulida com os alimentos, nas primeiras deglutições, obstando a que a criança mamasse mais, e, o pouco que havia sugado, refluia pelo nariz e pela bôca, com os vômitos que a outra língua provocava na enferminha.

Disséram mais, que nunca a criança se pôde alimentar bem, e por isso se encontrava no estado em que vimos, pela primeira vez; que tinha constantes críses de sufôcação, que só passavam, quando a menina vomitava, e, a língua suplementar se vinha colocar sôbre a outra; que, por diversas vêzes, tentaram arrancar com os dedos, o que nunca haviam conseguido, e por isso a trouxeram à consulta.

Ao exame, se apresenta uma criança completamente desnutrida, com a péle sôbre os ossos, olhos encôvados e semi-cerrados, chorando constantemente. Ao abrir a bôca, notamos sôbre a língua, um tumôr achatado, com a configuração exata da língua natural, porém menor, e que pela constante superposição sôbre a mesma, adquiríra a configuração lingual, pois tomára, na parte superior ou dôrsal do tumôr, a fôrma do paladar duro, e a inferior, a do dôrso da língua, simulando uma outra língua menor, de acôrdo com a observação dos pais; tomando o tumôr com uma pinça, lateralisando-o um pouco, via-se estar ligado, por um longo pedículo, ao pilar anterior do lado esquerdo, partindo a inserção logo abaixo do arco da dóbra triangular, e terminando a um e meio centímetro para baixo. O pedículo, era achatado e mais fino na parte mediana, e tinha uma côr esbranquiçada, sendo cortado por alguns vasos venosos grossos, continuando-se daí com o tumôr.

Este tinha a fôrma oblônga, com cerca de 3 centímetros de comprimento e 2 de largura, e ao palpar dava a sensação de dureza e renitencia; era de côr um pouco mais clara do que a mucosa bucal, e era sulcado de vasos bastante calibrosos.

De imediato, sem diferírmos uma só hora, convidamos aos distintos colegas Drs. Amadeu Weimann e Osorio Trindade, para vêr o curioso caso, bem como para me ajudar a fazer a operação, que reputava de urgencia, para salvar a vida da criança, em franca inanição.

A operação foi simples e rapida. Consistiu na preensão do pedículo, o mais perto possível do pilar, entre duas pinças longas de pressão, ligadura do pedículo com catgut forte, e secção entre as pinças. Toque da superficie cruentada com tintura de iodo.

Vinte minutos depois, fizemos a criança mamar, o que fez com avidez, por 3 minutos. Findos estes, a criança se aquietou, e, então, ordenamos que se lhe désse o peito de 2 em 2 horas, em mamadelas de 3 a 4 minutos, contados a relogio.

Vinte e quatro horas depois, o estado da menina era outro, e no fim de 15 dias, quando a revimos, não parecia a inanida de dias antes. A sequencia operatoria correu sem incidentes.

A peça operatoria examinada, demonstrou ser um fibrocondroma. Lamento não poder-vos apresentar a fotografia da criança com o tumôr na bôca e a da peça operatoria, depois de retirada, por se terem velado as chapas, porém vos apresento um desenho perfeitamente aproximado, da posição que ocupava na bôca da pequena, com as dimensões um pouco aumentadas.





Sendo uma curiosidade clinica, por sua raridade, não quiz perder a oportunidade de traze-la à esta assembléia. Tratando-se de um tumor benigno, é possível que se não reproduza. Na literatura compulsada, sómente encontramos semelhante ao nosso caso, um apresentado por Mordret, de Mans, na sessão de 18 de Maio de 1931, da Sociedade de Laringologia dos Hospitais de Paris, porém, diferindo do nosso, porque o enfêrmo o suportou até aos 28 anos de idade, não sem apresentar fenômenos de asfixia aos movimentos bruscos, corridas, esforços violentos, etc., e nos ultimos tempos, um sindrômo esofagiano.

Os fibrômas da lingua são muito menos frequentes, do que as outras variedades de tumôres benignos da lingua, sendo os mais raros os lipômas. "Os fibrômas da lingua, declara Kraussnitz, são excessivamente raros, e não ha mais raros do que eles, senão os lipomas". Na literatura compulsada, encontramos muito poucos casos, e alguns em méras citações, como os casos de Richard, Notta, Warehouse, Pooly, Fith, Fayet de Latour, etc., sendo que a associação com outras variedades, são mais encontradiços, tais como fibrômixômas (Bertein et Colignon), fibrolipômas, (Worms, Jacod); fibrocôndromas, etc.

Castera até 1914 não encontrou senão 24 casos, e ultimamente dois casos de Auvray.

E' uma afecção mais frequente no homem do que na mulher, e quasi sempre, se encontra na idade adulta, porém, ha alguns casos descritos em creanças, e cuja etiologia é de origem congenita, segundo a maioria dos autores.

A sua séde habitual é a face dorsal da lingua, encontrando-se, às vezes, na base e nas faces laterais. E' um tumôr duro, circunscrito, encapsulado, e encravado no corpo muscular da lingua, porém de facil enucleação. Algumas vezes, pode crescer e formar um pediculo, caracterisando assim um fibrôma pediculado. Em outros casos, o tumor está solida e largamente incerido, formando aderencias com o tecido ambiente, o que dificulta sobremodo a sua extirpação, principalmente, quando formado em associação com outros tecidos. ( Gordurôso, cartilaginôso e ósseo). A sua extração, nesses casos, é muito mais dificil do que quando, constituido de tecido fibroso puro.

A sintomatologia determinada por esses tumores, não tem nada de caracteristica, pois que se baseia em fenômenos funcionais, determinados pelo aumento da lingua: perturbação da palavra, da deglutição, salivação um pouco mais exagerada, e, quando muito grandes, perturbações dispnéicas, principalmente quando o tumôr é pediculado e incerido na base da lingua, o qual retrovertendo-se, sobre a parte posterior da faringe, pode obstruir a laringe, e provocar crises de sufocação.

Não apresenta fenômenos dolorosos, a não ser nos casos em que, por qualquer circunstancia, se ulcére, dando nesse caso, também, lugar a pequenas hemorragias.

O exame direto, tem um maior interesse, e à palpação, constata-se no meio ou em uma das metades da lingua, um tumôr duro, arredondado, ovalado ou hemisférico, às vezes dividido por sulcos em 2 ou 3 lóbos. A sua consistencia é dura e renitente, quando o tumôr é puramente fibrôso, com limites perfeitamente definidos e faceis de delimitar no ato operatorio; é completamente indolôr à pressão fórte, e a mucosa que o recobre é uniformemente lisa e intata.
Quando os tumôres são superficiais ou pediculados, o diagnostico é completamente seguro e facil, não acontecendo o mesmo, quando são muito profundos ou aderidos, si bem que a sua côr e consistencia, à primeira vista, os podem distinguir dos lipômas, que são, mais claros e menos duros.

A confusão se pode também dar com os quistos, de qualquer natureza, com os tumores gomosos, com algumas fôrmas de glossites nodulosas, etc.

O tratamento é iminentemente cirúrgico e de facil execução técnica, quando superficiais e dorsais anteriores ou pediculados, porém nos casos de localisação posterior, torna-se muito mais dificil a sua extirpação.

Observação.

M, J. S., com 13 anos de idade, brasileiro, branco. Ficha n.º 19.375. Conta o pai, que desde muito tempo o filho apresentava esse pequeno tumôr na língua, e como pouco molestava, não havia ainda procurado consultar.

O pequeno nunca se queixou de dôr ou outro fenômeno, sómente, às vezes, dizia, custava dobrar a língua em certos movimentos de mastigação, porém que não lhe doía.

Ao exame, como vides na fotografia junto, depara-se com um pequeno tumôr arredondado, um pouco para o lado esquerdo do rafe mediano, perfeitamente sessil, duro, saliente, indolôr e de côr um pouco mais vermelha do que a côr habitual da mucosa lingual.
Por todos esses dados, fizemos o diagnostico de FIBRÔMA, diagnostico esse confirmado pelo exame anatomo-patologico feito no Laboratorio Pasteur, de Pelotas, em cujo protocolo foi exarado o diagnostico de "FIBRÔMA DA LINGUA".

Não havia ganglios. A terapeutica se limitou à sua extirpação, sob anestesia local, com sutura da incisão. Foi enucleado facilmente, não havendo hemorragia apreciavel.

Sequencias operatórias normais.

O enfermo foi revisado ha pouco tempo, e nada apresenta de anormal.

BIBLIOGRAFIA

BERTEIN ET COLIGNON - Fibrôme de la langue. Ann. Mal. de 1'oreille, etc, p. 1032 - 1937.
HAYASCHI. T. - Un fibrôme de la langue. Otologia, 1929. Analise. Zentralblatt. f. hals etc. Vol. XIV. p. 611. - 1929.
Le ROIS DE BARRES - Un cas de fibrôme de la langue. Soc. Chir. Paris. 1929.
BOURGEOIS - Stude des tumêurs rares de la langue. Tumêurs fibreuses. These de Paris. 1927.
EPULIDA FIBROMATOSA


As epulidas, do latim épulis (Caldas Aulete) (1) são tumôres do maxilar, que nascem nos bórdos alveôlares e gengivas, e essa denominação foi dada, por longos anos, à todos os tumôres que tinham origem nessas regiões.

Mais tarde, com os progressos da anatômia patológica, foram considerados como tumôres conjuntivos dos rebordos alveolares, (o tumôr a miéloplacios provindo da medula óssea, os fibrômatosos do ligamento alveôlo-dentário) e ultimamente, foram considerados por Delater e Bercher, como tendo a mesma origem dos granulômas peri-apicáis, por uma solicitação epitelial, devida à uma infecção crônica atenuada.

As epulidas são relativamente raras e pouco frequentes nos consultorios oto-rino-laringológicos, dado que as infecções gengivais, tendem mais a provocar uma hiperplasia, do que à formação de abcessos.

As epúlidas, podem ter origem, quer do epitélio do rebordo gengival, contra o dente, epitélio fragil e mal defendido, quer dos restos paradentários superiores e medios, que não tiveram na evolução do dente, senão um papel passivo, ficando, nesse caso. a proliferação epitelial muito pobre, por oposição ao tecido conjuntivo joven, que proliféra e cresce intensamente.

A idade mais propícia para a eclosão das epúlidas é a compreendida entre os 18 e os 35 anos, sendo as mesmas excepcionais após os 40 anos, apresentando-se, mais comumente, no sexo feminino do que no masculino.

A natureza histológica das epúlidas, antigamente, era dividida em: epúlidas fibrômatosas e epúlidas sarcômatosas, ou tumôres a miéloplacios. Porém, os novos estudos, tendem a não adotar integralmente as concepções classicas; considerou-se durante muito tempo, que se tratava de sarcômas, mas na realidade, uma grande parte dos tumôres à miéloplacios, não são sarcômas, mas inflamações do tipo tumoral, desenvolvidos nas visinhanças dos ossos. A essas conclusões chegam a maior parte dos histologistas, e si, às vezes, se diz sarcômas, se o deve fazer sob grandes reservas, porque eles não são, de nenhum modo, comparaveis aos sarcômas que vemos ordinariamente, pois que uma simples inflamação de visinhança, é a causa desses pseudo sarcômas.



Fibroma da lingua



Epulida fibromatosa



Epulida fibromatosa



Epulida fibromatosa. Tamanho natural



As gengivites de qualquer natureza, são quasi sempre a causa dessas produções, e não basta na sua terapêutica, sómente retirar a massa tumôral, mas também, e sobretudo, tratar a inflamação causal, quando ainda existente.

A sua evolução é a de um neoplasma benigno: indolencia, lentidão de evolução, ausencia de invasão ganglionar, si bem que recidivem com frequencia, porém esta é puramente local e de facil extirpação.

Na anatomo-patologia das epúlidas, foram descritos diferentes tipos: epitélio-granulôma, fibro-blastôma, angiôma, sarcôma, condrôma, osteôma, fibrôma, papilôma, e suas fôrmas mixtas, de aspectos muito variaveis.

Ultimamente, Cabrini, na Rev. Odontológica, de Buenos Aires, Junho-Julho de 1931, fez um estudo, aprofundado da questão das epúlidas, e chegou à conclusão de que: "a epúlida gigânto-celular é uma néofôrmação ligada à destruição do osso alveôlar; o tecido da epúlida não sendo senão um tecido de reabsorção, especifico e destruidor do osso. A-pesar-de considera-la como sendo uma neófôrmação benigna, conserva o nome de sarcôma de celulas-gigantes. Nos seus estudos histológicos, encontrou sempre celulas gigantes como caracteristicas do tumôr, não havendo encontrado nunca nenhuma monstruosidade celular, nem nenhum característico de malignidade, chegando na sua ultima conclusão a declarar que as epúlidas, sobretudo, as de celulas gigantes, são néoplasias benignas, por seus caracteres clínicos e histológicos.

A essas mesmas conclusões chegaram Arguta, Crocquefer, Sabrazés, Landais, Dechaume, etc.

A terapêutica é iminentemente cirurgica, si bem que se tenha preconisado a curieterapia. (Capizzano, de Buenos Aires). Em geral, são tumôres sesseis, havendo porém, casos pediculados, podendo os mesmos atingir grandes dimensões, como o nosso caso, a ponto de impedir a mastigação normal.

Observação.

M. J. P., com 58 anos de idade, residente em Cachoeira (Sul) branca, casada. Ficha n.º 21.417.

Conta que ha uns 17 anos, começou a lhe sair na gengiva do lado esquerdo, um pequeno tumôr arredondado e indolôr; consultou com um dentista, que lhe aconselhou a extirpação dos tôcos dos dentes que ainda possuia, bem como a cauterisação do tumôrsinho.

Aceito o alvitre, lhe fôram extraídos os dentes, e cauterisado o tumôr. Passados uns 2 anos, notou que no mesmo lugar, estava crecendo outro tumôr igual ao anterior, com o mesmo aspecto e com os mesmos característicos, sem dôres ou outros fenômenos que a encomodassem e como assim se dava, mesmo com o crescimento exagerado do tumôr, não se inquietou, e foi deixando se desenvolver sem cuidados.

A medida que se avolumava, ela ia se adatando a comer com o mesmo colocado sob a bochecha esquerda, para o que luxava a massa tumôral com a língua, no comêço com algum esfôrço, e dôr, e depois facilmente, o mesmo adquiriu um pedículo, que o deixava mover para todos os lados, dentro da bôca.

Agora, como o mesmo já a impossibilitava de comer com facilidade, veiu à consulta.. Queixa-se, além disso, de falta de visão do mesmo lado, havendo notado isso ha uns 2 anos, sem dôres ou outras perturbações.

Ao exame ocular, notámos um estrabismo externo muito acentuado, fundus com lesão central antiga, de corio-retinite específica e atrofia do nervo optico.

As fotografias junto, ilustram melhor o caso do que qualquer descrição, e como vêdes, o tumôr na I.a foto, está luxado e sob a bochecha; na 2.a, está seguro pelos dêdos da enfêrma e luxado para fóra; na 3.a, podeis apreciar o seu tamanho natural, de quasi 6 centímetros de comprimento, por quasi 4 de largura, e no ponto em que está o fio, se vã o ponto de sua incersão gengival.

Estava preso à gengiva no lugar ocupado antes pelos primeiros molares. A terapêutica foi cirurgica, com cauterisação ignea ao galvano-cauterio do seu ponto de incersão.

Enviada a péça ao laboratório, este nos enviou o resultado do exâme, com o diagnostico histopatologico de tumôr giganto-celular, do tipo da epúlida fibrômatosa.

Como vêdes, o nosso caso é de uma epúlida gigante, que recidivou após a primeira extirpação, e que, depois evoluiu durante uns quinze anos, para chegar ao estado de grandeza, em que foi extirpado.

Por ser o único caso que encontramos em nossa clinica, de quasi 26 anos de pratica, e em, um fichario de mais de 28.000 enfermos, julgamos deve-lo trazer à esta assembléia.

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