Ano: 1939 Vol. 7 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (2º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 383 a 388
CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO EPULIS FIBROSO CONGENITO
Autor(es): ARISTIDES MONTEIRO (1)
DA CLINICA OTO-RINO-LARINGOLOGICA DA UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO
CATEDRATICO: PROF. JOÃO MARINHO
Os epulis constituem tumores benignos que são frequentes no dominio das regiões da nossa especialidade. Os congenitos fogem porem a essa asserção, pois contam-se ao todo 18 até agora descritos.
Procurou o serviço especialisado do Dr. Paulo Brandão, no Hospital S. Francisco de Assis, uma doente, S. A., de trinta anos de idade, casada, branca, brasileira que se queixava dum tumor "muito grande", dificultando a mastigação, que a impedia ha longos anos de se alimentar convenientemente. A doente veio acompanhada de sua mãe, que refere desde pequena ter ela esse tumor, menor bem se vê, impossibilitando, ás vezes, a mamada. Procurou aflita, por essa época, o Hospital José Carlos Rodrigues onde a acalmaram, dizendo-lhe que isso ou passaria com a idade ou mais tarde teria de se operar. Refere a mãe da doente, que ela foi extraida a forceps, dai sua suposição de ter sido aquele instrumento causa eficiente para origem do tumor. Si como ela conta, somente aos dois meses de idade, mais ou menos, - em vista da creança ter dificuldade de amamentação, - foi que se verificou a presença do pequeno tumor, que segundo seus informes era do tamanho dum nikel de cem réis, quer-nos parecer que o traumatismo alegado não procede, porque ela refere tambem que a creança não ficou machucada, tendo sido uma extração rapida. Inquerimos neste ponto com insistencia, por pensarmos que, dentro do possivel, pode a causa traumatica ser favoravel á genese dessas formações tumoraes (caso de Catterina) ; maximé no inicio da vida, onde os elementos tecidulares de formação ainda inicial, poderiam ser ainda mais influenciados pelo trauma. Pela anamnese, parece-nos que se trata de preferencia dum epulis congenito, que propriamente dum traumatico; porque não se compreende traumatismo que desenvolva mais tarde (dois mezes) em epulide, sem deixar sinal algum exterior. Seria muito dificil que tal ocorresse. E' mais logico deante dos fatos assim expostos, pensar mais na natureza congenita do tumor que na traumatica.
Examinando-se a doente (fig. 1), vê-se um grande tumor duro ao toque, não ulcerado, da mesma coloração das gengivas, inserido no maxilar superior esquerdo, do tamanho duma laranja pera, tendo implantado no seu estroma tres dentes, os dois pequenos molares e o primeiro grosso molar. Fechando a boca, o volume fazia a bochecha acompanhar-lhe o contorno (fig. 2) podendo-se por ele avaliar bem o seu tamanho. O peso foi de 340 grs. após a extração, medindo 8,6 x 6,5.
A operação foi uma simples exerese, sob anestesia local, sem complicação nenhuma, procurando-se tanto quanto possivel combinar a remoção integral da massa tumoral com a plastica do maxilar superior, de maneira a não deixarmos grande cavidade de implantação. Tudo foi conseguido dentro do possivel e em dez dias a doente teve alta curada. Seis mezes depois voltava ela á clinica satisfeita, livre daquele impedimento de tantos anos, com o maxilar superior integro. Vimo-la 4 anos depois com perfeita saude, do tumor nem sinal.
Fig. 1
Fig. 2
Fig. 3 - A figura mostra o tecido da neoplastia, e aspéto fibroso, cujas fibras se encontram reunidas intimamente em feixes endulados, de grossura variada e entrecusados em varios sentidos.
Exame histologico - Do tumor foram retirados tres blocos em regiões diferentes e as preparações tratadas pela dupla coloração (hematoxilinaeosina) e pelo método de Van Gieson.
O epitelio chato estratificado que reveste um dos lados do corte apresenta-se, em parte tão comprimido que não é possivel o reconhecimento de suas celular.
Um pouco mais além, esse revestimento vai se alargando até a outra extremidade onde todas as camadas podem ser bem examinadas, inclusive a formação de keratina, pouco pronunciada.
As papilas dermicas, só são evidenciadas na região em que o epitelio se apresenta normal.
O derma, muito espessado, é constituido por feixes de fibras anastomosadas, coradas em roseo vivo nas preparações tratadas pela dupla-coloração (H. e E.) e dotado de vascularisação abundante.
Essas duas ordens de tecido constituem a capsula da formação tumoral que vem a seguir, a qual se diferencia pela sua coloração uniforme em roseo palido.
No seu conjunto a massa do tumor apresenta o aspeto de um tecido em alguns pontos muito dissociado, existindo zonas de maior condensação onde a secção alcançou o tecido tanto longitudinal como transversalmente como é comum se observar nos córtex dos fibromas.
A neoplasia é formada á custa desse tecido de aspeto fibroso, cujas fibras se encontram reunidas intimamente em feixes ondulados, de grossura variada e entrecrusados em varios sentidos. (Fig. 3).
Incluidas na trama fibrosa encontram-se algumas traves osseas sem alteração de importancia.
A coloração pela técnica de Van Gieson esclarece perfeitamente a natureza conjuntiva do tumor, que, pela sua localisação, pode ser classificado como um Epulis fibroso.
Rio - 30-6-1934.
Epulis é a designação que se dá hoje, exclusivamente aos tumores fibrosos que se inserem nas cristas alveolares ou nos espaços alveo-dentarios. No ponto de vista anatomo-patologico, não ha confusão possivel, salvo na designação, por isso que, compreendo duas grandes classes - epulis fibrosos e sarcomatosos - a designação de epulis dada por Wirchow traz certa confusão a esse respeito, por isso que abrange todos os tumores clinicamente benignos do maxilar superior. Parece-nos que a denominação de epulis deva se limitar tão sómente ao tipo fibroso, quanto ao outro, se designe de sarcoma de celulas gigantes. Um e outro com caracteristicas bem distintas e mais ainda o sarcomatoso com outras tantas diversas do grupo sarcoma maligno.
São tumores benignos, de evolução lenta, mais frequentes no sexo feminino e de patogenia obscura. Originam-se de preferencia do periosteo alvéolar, são sesseis ou pediculados. Os fibrosos são de consistencia dura, de coloração igual ao rebordo gengival, sem vasos, não sangram. Os sarcomatosos são moles, sangram facilmente, de coloração azul escuro (Mittermayer) com crescimento mais rapido; não teem carater destruidor, ainda que sua estrutura microscopica corresponda a dos sarcomas de celulas gigantes (Aschoff) ; este autor acha que se deveria chama-los não de sarcomas, porem de granulomas de celulas gigantes, em virtude de alguns autores pensarem que as suas celulas gigantes possam vir dos endotelios vasculares do tecido de granulação.
São tumores que não dão metastases, apesar do caso excepcional de Weichert, de metastase no craneo.
Como tratamento são indicados o cirurgico, os raios X, e o radium, por se mostrarem radiumsensiveis. Segundo Kümer e Wolf a exerese deve ser completa pois a recidiva reside em restos tumorais que ficaram na implantação do mesmo, facilitando mais tarde novas formações.
Soiland aplicou o radium em quinze doentes sendo sete recidivantes de operação; destes, dois estão ainda em tratamento, outros tantos melhores; nove curaram-se entre dois e sete anos. Durante este lapso de tempo, não houve recidiva. Eles fazem a extirpação e depois aplicam o radium.
Os epulis congenitos são raros, segundo Kuhne até 1934, tinham sido descritos somente quinze casos, encontramos não mencionados o de Middleton e Harvey, Cardia e o de Das. Histologicamente eles têm uma disposição peculiar, com elementos periteliomatosos, segundo Aschoff. No caso de Kühne, "a massa principal do tumor era representada uniformemente por celulas tumorais caracteristicas dispostas em camadas, em feixes de celulas fusiformes alongadas. Não se notaram inclusões epiteliais". O autor citado dá uma extensa descrição de seu material.
Todos os epulis congenitos tem seu desenvolvimento inicial responsavel nos incisivos; o nosso parece que foge a esta regra, por isso que se desenvolveu á custa dos pequenos e grossos molares, dentes implantados na massa tumoral; assim como apresenta uma caracteristica diferente de todos os outros até então observados (salvo o caso de Das) por pertencer ao grupo epúlide fibroso.
Szabo, citado por Kühne, baseado em copioso material operatorio, acha que o epulis sarcomatoso ou o giganto-celular, são semelhantes e se originam de uma osteite fibrosa. Acentua que é raro, mas ás vezes ocorre, se ter verificado epulis giganto-celular em maxilar livre, de dentes. E' interessante esta observação do autor hungaro.
Malassez julga que os epulis se originam dos residuos epiteliais paradentarios e são por conseguinte verdadeiros epiteliomas. Não temos duvida alguma que o nosso caso teve origem tecidular embrionaria, que mais tarde se individualisou em fibroma; como explicar aos dois meses de idade a formação tumoral notada pela mãe da criança no maxilar superior? Formação essa que foi crescendo com a criança, tornada moça e mulher, sempre acompanhada do seu tumor?
Cardia viu numa creança de nove dias, um tumor do tamanho duma noz, impedindo o áto da mamada, extirpado, o exame histologico deu um epulis de procedencia tecidular epitelial.
Das, comunica um caso de uma creança de quatro dias de idade, com tumor do tamanho dum feijão, no maxilar inferior, na região do incisivo esquerdo, retirado por embaraço á alimentação; o exame histopatologico, mostrou ser um fibroma composto de tecido conjuntivo embrionario. Semelhante a este caso é o nosso, tambem fibroma, com o fato interessante da doente ter suportado desde os dois mêses, idade que foi verificado, até os trinta anos, quando a operamos. Kühne termina o seu excelente artigo, dizendo que a natureza histologica do tumor epulide ainda está para decidir a que grupo de formação tumoral deva pertencer e em vista de se ter encontrado celulas semelhantes ás que se vêem nos mioblastomioma, que Klinge evidenciou na pele e lingua dos adultos, ele pensa que se deva designar até segunda ordem os epulis congenitos, de mioblastomioma de Ceelens.
RESUMO
O A. descreve um caso de epulis fibroso congenito, diagnosticado aos dois mêses de idade, mas só operado mais tarde aos trinta anos. O tumor apresentava-se com a implantação de tres molares; foi crescendo aos poucos, desenvolvendo-se proporcionalmente com a doente a ponto de pesar 340 grs. no áto operatório, impossibilitando-a de se alimentar melhor. O exame histopatologico revelou uma formação tipica de epulis fibroso. Foi feita operação radical; sem recidiva ao ser examinada quatro anos depois. O A. passa em revista os raros casos de epulis congenito descritos e encontrou somente o caso de Das semelhante ao seu, no que se refere á natureza histologica do tumor.
CONTRIBUTION TO THE STUDY OF THE CONGENITAL FIBROUS EPULIS
SUMMARY
The A. describes a case of congenital fibrous epulis in a female patient two months old, but operated not before the age of thirty years. Te growth presented the implantation of three molar teeth, growing by little and little, developing proportionally with the patient ao far as to weigh 340 gra. at the operative act, rendering difficult food ingestion. The histopathological examination revealed a typical formation of fibrous epulis. The operation performed was radical. The patient observed 4 years afterwards presented no alteration. The A. makes a review of lhe rare cases of congenital epulis described and finds that, with regard to the hiatological nature of the growth, only the case of Das is similar to his own.
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(1) Docente da Universidade e Assistente na Clinica.