Versão Inglês

Ano:  1939  Vol. 7   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 81 a 84

 

SOBRE UM CASO DE PARALISIA RECURRENCIAL COMPLETA DIREITA PRODUZIDA POR HEMATOMA CERVICAL, APOS FERIMENTO PROFUNDO DO PESCOÇO CAUSADO POR PROJÉCTIL DE ARMA DE FOGO. CURA

Autor(es): DR. HOMERO CORDEIRO

Nos ferimentos profundos da região cervical, são muito raros os casos de paralisías recorrenciais oriundos exclusivamente do traumatismo isolado de um dos nervos recorrentes.

Si levarmos em conta o trajéto desses nervos na região cervical, bem como as suas intimas relações com o feixe vasculonervoso do pescoço, com o esofago e com a traquéia, compreenderemos que sómente em eventualidades excepcionais eles podederão ser lesados, semi o comprometimento simultaneo dos orgãos vizinhos.

Percorrendo a literatura, verificamos que os casos publicados são em pequeno numero, mesmo nos causados por ferimentos de guerra, são diminutas as observações relatadas de paralisía recorrencial isolada, em relação ao numero consideravel de hemiplegías laringéas associadas.

Collet constatou apenas um caso em 25; Lannois, Sargon, Angles d'Auriac e Ramonet encontraram sómente. 10 casos tipicos em 76 de lesões traumatisas de guerra, da região laringéa e juxta laringéa.

A paralisía recorrencial isolada poderá processar-se por dois modos: ou o agente vulnerante atinge dirétamente o nervo, seccionando-o, e neste caso a afonia é imediata e a paralisia definitiva; ou então, poderá traumatisar algum vaso sanguineo da região, com formação de hematoma cervical que, comprimindo o nervo, acarretará "disfonía tardia, isto é, um ou mais dias após o acidente. Neste caso a paralisia, na maioria das vezes, será transitoria e, via de regra, a sua cura se fará 2 a 3 meses depois, se ao desaparecer a ação compressôra, pela reabsorção progressiva do hematoma, não tenha havido ainda processo degnerativo do nervo.

Ha pouco tempo tivemos aos nossos cuidados, um paciente portadôr de uma paralisia recurrencial isolada, cuja etiologia e evolução estavam perfeitamente enquadradas nessa ultima modalidade - que acabamos de descrever, conforme veremos na suaobservação: -

A. A., branco, brasileiro, com 32 anos de idade, casado, advogado, residente na capital de S. Paulo.

No dia 2 de Julho de 1937. foi vitima de uma agressão a bengala e a tiros de revolver, sendo atingido por uma das balas, -na face direita, que penetrou em ponto situado a três centímetros adeante do angulo do maxilar inferior e um' pouco acima do ramo horizontal do mesmo osso, e foi se alojar profundamente no pescoço. Acometido de forte hemorragia, foi imediatamente transportado para um hospital, onde recebeu os primeiros curativos. Logo após o acidente, formou-se um grande hematoma que abrangia toda a parede lateral direita do pescoço, e que, pela sua compressão provocava certa dificuldade na respiração e na deglutição. A sua voz permaneceu normal até o oitavo dia, quando então começou a ficar aos poucos rouco e depois afonico.

Segundo o exame pericial feito por colégas especialisados, 26 dias -após a agressão, o doente apresentava: a) hematoma apreciavel na região' lateral direita do pescoço, á altura do angulo do maxilar inferior; b) fratura parcial, com perda de substancia, neste mesmo angulo inasilir, com poeira e fragmentos métalicos, bem como numerosos esquírolas osseas, desordenadamente dispostas na região (radiografias); c) corpo estranho (bala de revolver) bi-partido, profundamente situado na região cervical, e alojado junto ao processo espinhoso da segunda vertebra cervical; d) trismus ainda acentuado, com consequentes perturbações, da masticação; e) voz bi-tonal oriunda da paralisia da corria vocal direita, por lesão do nervo recurrente do mesmo lado, causada seja por compressão do hematoma cervical, seja diretamente pela bala; f) sindrome de hemiplegia incompleta esquerda, com perturbações sensitivas de . origem cortical ou _sub-cortical, consequente á lesão hemorragica do hemisfério direito, por traumatismo de chóque através da articulação temporo-maxilar, choque este causado 'pela bala.

Procurou-nos em 7 de Outubro de 1937 para exame" do laringe- e saber qual a nossa opinião -sobre a sua paralisia recurrencial, pois, já ao, haviam decorridos três meses após o acidente e a sua voz nada melhoraria continuando bi-tonal. Quanto ao prognostico, havia discordancia de opinião entre alguns colégas especialistas que o haviam examinado, sendo que a maioria deles pensava em lesão definitiva consequente á secção do nervo pelo projetil.

Exame do doente: - Pela inspecção do pescoço, notamos que do hamatoma primitivo, havia apenas um empastamento da região cervical direita, situado logo abaixo do angulo do maxilar inferior, compreendendo uma área de trio centímetros quadrados e dolorido a palpação Exame da faringe: motilidade normal do palato móle e uvula; não havia alteração da sensibilidade das mucosas. Pela laringoscopia indiréta: corda vocal direita completamente paralisada, em posição cadaverica; corda vocal esquërda normal. A' Fonação, a corda vocal e aritnoide direitas permaneciam imóveis, ao passo que a corda esquerda ultrapassava, em adução, a linha mediana. A vóz era bi-tonal e o doente fatigava-se logo; quando conversava. A corda paralisada não apresentava sinais de atrofia. A mucosa laringéa tinha o aspéto normal.

Pelos dados da anamnése e do laudo pericial, bem como pela miragem laringoscopica, concluímos tratar-se de um caso de paralisia recurrencial isolada, causada pela compressão da porção terminal do nervo recurrente direito pelo hematoma cervical, e de prognostico favoravel, caso ainda não houvesse processo degenerativo do nervo; causado por essa longa compressão

Como tratamento instituímos aplicações de diatermia (ondas curtas) na-região cervical, excitações galvano-feradicas do nervo e exercícios fonatórios.

No fim do primeiro mes do tratamento, a corda paralisada já mostrava leves movimentos. Daí por deante a motilidade foi se acentuando progressivamente, chegando á normal sómente no fim do terceiro mia, coo" mando-se assim o nosso prognostico.

Comentarios: - Nos casos de paralisia recurrencial isolada, causadas por ferimento profundo da região cervical, a primeira cousa que devêmos indagar, é se essa paralisia ocorreu imediatamente após o acidente ou se teve lugar alguns dias depois, passando gradativamente da leve rouquidão até afonía completa. Se a afonia foi imediata, poderemos deduzir que o nervo sofreu um traumatismo diréto, com provavel secção do seu tronco, e portanto com lesão definitiva. Mas se a afonia apareceu sómente depois de alguns dias, poderemos afirmar que o nervo não foi diretamente lesado, más que a sua disfunção provavelmente córre por conta da compressão por, algum hematoma cervical. Neste caso o prognostico geralmente é favoravel, pois a paralisia é transitoria e desaparecerá com a reabsorção completa do hematoma.

Quanto ao nosso paciente, alguns coligas pensaram na secção do nervo pelo projetil. Mas, quando ele nos informou que ficára completamente afonico sómente dez dias após o acidente, excluímos imediatamente tal hipótese e prometemos probabilidade de cura, se no decorrer do tratamento que iamos iniciar, não fossem constatados sinais de degenerescencia do nervo. Confessamos que durante os primeiros vinte dias de tratamento, tivemos receio dessa possibilidade, pois não viamos melhoras no nosso doente. Mas, ao findar o primeiro mês, o nervo começou a reagir lentamente ás excitações eletricas e, a corda vocal paralisada, foi aos poucos readquirindo a sua motilidade até que, no fim do terceiro mês, a vóz do nosso paciente voltava a ser normal, justamente seis meses após o acidente.

Estamos certos que o bom exito do nosso caso, devemos ao tratamento instituido. As aplicações de calor (diatermia) favoreceram a rapida reabsorção do hematoma, que descomprimindo o nervo, tornou-o em condições favoraveis para receber as excitações eletricas. Por sua vez, os exercicios fonatorios concorreram para a reeducação da vóz.




(*) Trabalho lido no I.° Congresso Brasileiro de O.R.L. realisado no Rio de Janeiro, de 2 a 9 de Outubro de 1938.

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