Versão Inglês

Ano:  1939  Vol. 7   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 59 a 64

 

CONSIDERAÇÕES CRITICAS EM TORNO DO TRATAMENTO DOS ABCESSOS PERI-AMIGDALIANOS NO AMBULATORIO DE O.R.L. DA SANTA CASA DE S. PAULO (*)

Autor(es): DR. J. E. DE PAULA ASSIS

Procuramos nesta nossa ligeira contribuição, ventilar o debatido problema da cura cirurgica dos abcessos peri-amjgdalianos, questão esta, onde as opiniões se entrechocam num emaranhado terreno de divergencias entre os mais notaveis laringologistas internacionais, creando uma diversidade de técnicas operatorias e nada estabelecendo de positivo.

Deixamos de lado toda e qualquer consideração de caracter anatomico, fisiologico ou anatomo-patologico, assim como os mais variados tratamentos medicos denominados abortivos, quer gerais, quer locais, como as injecções in situ de prata coloidal, tão preconisadas por Bourgeois e Giorgi; as injecções de bacteriofagos aconselhadas por Halphen; os tratamentos de choque, as imunisações especificas, etc., formando um interminavel conjunto de processos terapeuticos, a ponto do vellip Trousseau, com a clarividencia clinica que o imortalisou, dizer que: "L'angine phlegmoneuse fait Ia gloire de toutes les medications, parce quelle guerit delle-même, et leur désespoir parce que Ia medicine ne prévant jamais contre elle, en ce sens que nous sommes impuissants pour en enrayer Ia marche et pour en abreger Ia dure."

Assim, passaremos em revista os processos cirurgicos de tratamento, que, resumindo, repousam sobre dois principios gerais:

1.°) - abertura da coleção purulenta;

2.°) - amigdalectomia.

Nesta l.a parte, as técnicas se multiplicam, sendo a abertur4 do abcesso procedida óra por incisão cirurgica, óra por incisão galvano-caustica, e ainda por instrumentos rombos, que puncionam e dilatam.

Castilho Marcondes, o emerito especialista prematuramente roubado de nosso convivio, idealisou uma pinça original, entre cujos ramos abriga-se uma pequena lamina aguçada, que se retrae á medida que a pinça é aberta, dilatando deste modo largamente o abcesso imediatamente após a sua punção.

Os outros processos de incisão mais usados entre nós, são os de Lemaitre, Chiari, Thompson, Bulatnikow e Menzel, variando cada um deles, apenas, na eleição do sitio apropriado para a exerése, sendo que o de Menzel traz a novidade da adaptação in loco de uma sonda metalica, por onde o pús se escoaria.

Moure usa o galvano cauterio, segundo uma sua técnica especial, divulgada em seu tratado das Molestias da Laringe.

Os metodos por punção ou dilaceração foram ideados por Kilian, Ruault, Lubet Barbon e outros laringologistas, diferenciando-se ainda um dos outros estes processos, tão somente pela escolha do local atingido pelo instrumento, hiato velo palatino, parede anterior do véo, pilar anterior, etc..

Canuyt, que tem sido um grande mestre em quasi todos os departamentos da oto-rino-laringologia, critica todos os processos, considerando-os insuficientes para garantir perfeita drenagem dos abcessos. Oferece-nos um metodo de abertura larga, descrevendo com abundancia de detalhes a técnica empregada, em sua brilhante monografia sobre "Phlegmons de la loge amygdalienne".

Esvasiada a coleção purulenta, por este ou aquele processo, respeitadas sempre as contingencias do momento, cujo criterio é o proprio caso clinico que estabelece, diversos caminhos se nos antolham para a resolução definitiva do problema, que, em ultima analise, é a Tonsilectomia total - unico paradeiro ás infecções amigdalianas.

Entretanto, no estado atual de nossa especialidade, uma pleiade imensa de autores se nos depara, preconisando uns a operação imediata, aconselhando outros a tardia, outros ainda a média; ou para dizer em outras palavras, a intervenção a quente, a frio e a morno.

Passemos os nossos olhos sobre o grande desfile de especialistas em controversia, todos com larga experiencia e tirocinio, todos com grande documentação cientifica, todos imbuidos da mais alta sinceridade, que é a vontade de acertar, esta mesma sinceridade que me trouxe deante de vós, para vos contar simplesmente, sem querer discutir processos, nem impôr opiniões, apenas o que costumamos fazer no serviço de oto-rino-laringologia da Santa Casa de S. Paulo, nos casos que por lá transitaram e que já vão para mais de dois mil.
Estudemos, entretanto, os processos em uso.
Foi Chassaignac que, em 1859, pela primeira vez, em seu "Traité de Ia supuration et du drainage", aconselhou a tonsilectomia á quente no tratamento dos abcessos peri-amigdalianos. "Não hesitamos, dizia ele, nos casos de supuração tonsilar, como ainda nos casos de amigdalites agúdas, retirar a glandula doente com o instrumento de Fahnestock modificado por nós, etc.". Ha 79 anos, portanto, o processo foi lançado, e só vinte anos após, alguns especialistas o repunham em circulação. Ricardo Botey, de Hespanha, em 1900, praticou amigdalectomia parcial, respeitando o pólo inferior, para o tratamento dos abcessos amigdalianos e, depois, em comunicação feita em 1914, Lewinger descrevia processo analogo afim, dizia ele, de evitar complicações hemorragicas e infeciosas. Os americanos ensaiaram com sucesso a amigdalectomia a quente; Barnes em 1915 publica diversos casos, assim como Hollinger (1921) Heller, Hughes e M. Isaac (1922),

Winckler, em 1911, defendia na Europa o seu metodo; e, logo, Canuyt, em França, era o primeiro que esposava o processo da intervenção a quente, (1931) praticando 102 casos. Entretanto, é ele proprio que nos confessa foram estas operações praticadas em caracter puramente experimental, afim de poder localisar a séde exata das supurações dos chamados abcessos peritonsilares, que ele determinou como sendo, sem exceção alguma, na loja amigdaliana, formando coleções extra-capsulares. Baseado nisto, com sua reconhecida autoridade, condena as intervenções a quente, não recomendando o metodo por consideral-o desnecessario, doloroso, perigoso, e frequentemente incompleto.

Idealisa, então, e neste ponto é o grande mestre de Strasburgo original, a amigdalectomia total que ele denomina a morno, isto é, praticada depois da defervescencia febril, quando o doente no 4.° ou 5.° dia, já sem dôres, depois de ter atravessado os tormentosos dias de disfagia intensa e trismus acentuado, recebe a operação em condições mais favoraveis. A sua técnica é descrita detalhadamente em sua já citada monografia.

Em França, ainda, voltando á amigdalectomia á quente, teve ela proselitos em Leroux, Halphen, Le Mée, Grillon e Dalsace. Na Allemanha, depois de Winckler já citado, um grande numero de especialistas defenderam com o mais alto espirito cientifico a tonsilectomia á quente na cura dos abcessos da loja amigdaliana.

Entre todos eles, não podemos deixar de destacar, como talvez o mais entusiasta do processo, A. Link, de Greifswald, que, em alentado e documentado trabalho, onde estuda a questão exaustivamente, (Archiv für ohren - nasen - vol. 131, pag. 310-343), chega a conclusão que a operação a quente é o metodo ideal na cura dos abcessos peri-tonsilares. Não ha, diz ele, punções erradas, que para o doente são uma tortura desnecessaria. Evita recidivas, sendo pois, uma operação profilatica. Só será permitida a punção e incisão nos abcessos formados nas camadas musculares. Nega qualquer perigo e documenta o artigo com duzentas tonsilectomias. Para a boa anestesia emprega um processo especial, injectando o hilo da amigdala pelo lado de fora na região sub-angulo maxilar. Internamente faz 4 a 5 picadas, da uvula até a base da lingua, contornando todo o abcesso.

Igual entusiasmo pelo metodo a quente, encontramos no magistral trabalho de Gustav Hofer e Theodor Motloch (Zeitschrift für Hals, nasen, ohrenheilkund, vol. 35, pag. 390), onde tambem o assunto é debatido e estudado, com minucias, concluindo, baseados em mais de 30 observações, que não só é a tonsilectomia para a cura dos abcessos peri-tonsilares relativamente livre de perigo, como tambem é o processo de escolha.

Na America do Sul, na culta Argentina, o metodo encontra em Zambrini e Podestá fervorosos adeptos.

Em 250 casos praticados, sob anestesia local, todos evoluiram sem complicações serias. Discutem, em brilhante memoria pulAcada na Revista Argentina de Oto-Rhino Laryngologia (Ano I, vol. 10, pag. 755) as razões que os levaram a praticar e adotar a amigdalectomia a quente, que consideram sem inconveniente.

Tambem J. M. Tato, notavel laringologista platino, colecionou uma centena de casos, todos destituidos de acidentes dignos de nota.

Entre nós, tambem, que conheçamos, releva notar o nome de Andrade Mediei, de Pernambuco, que, nos Archivos do Hospital do Centenario, conclue, em documentado artigo, (Março de 1933) que "até hoje não tivemos nenhum incidente ou acidente, nem mesmo uma maior perda de sangue, durante a operação". E' francamente favoravel ao processo à quente.

Em S. Paulo, Fabio Belfort, estudioso laringologista da Liga Paulista contra a Tuberculose, apresentou-nos, ainda ha pouco, (1937) em interessante artigo na magnifica Revista Oto-Laringologica de S. Paulo (vol. V, n. 6) seis casos operados a quente, de evolução bôa, concluindo o autor que "a amigdalectomia total nos flegmões peri-amigdalianos passará, em breve, ao ról das banalidades, em cirurgia da especialidade".

F. Hartung, de S. Paulo, tambem praticou acidentalmente a amigdalectomia á quente, em um caso de abcesso lateral do pescoço, apresentado em sessão da A. P. de Medicina, em 1 7 de Novembro do ano transacto, com desfecho favoravel.

Tendo assim passado em revista um grande numero de apoa quente, continuamos, apesaz a frio, é, ainda, atualmente, o

logistas e praticantes do processo disto, a considerar que o metodo que conta a maioria de partidarios.

Na Allemanha, o Dr. Fritz Zõllner, em excelente contribuição publicada no Zeitschrift für Ohren (vol. 35, pag. 509) apresenta alguns casos mãos, com elevação termica a 400,5 após a tonsilectomia a quente, o que vem colocar em cheque a vida do operado, e outros de infiltração flegmonosa da base da lingua. Compara estes operados com aqueles em que so se praticou a simples abertura do abcesso, nos quais a cura foi rapida e a temperatura caiu imediatamente. Não vê vantagens na operação a quente, a não ser quando, sinais evidentes de septicemia alarmem o quadro clinico. Tondorf, de Dresden, (Zeitschrift für Hals, etc., vol. 36, pag. 316) tambem em elucidativo trabalho, documentado sobejamente com 542 pacientes portadores de abcessos periamigdalianos, preconisa a simples incisão através do pilar anterior, o que, segundo as suas estatisticas, lhe trouxe resultados satisfatorios em 99%, dos casos. Condena a amigdalectomia a quente, por desnecessaria, assim como, segundo vimos, a condenou Canuyt.

No serviço de oto-nino-laringologia da Santa Casa de Misericordia de S. Paulo, de Junho de 1916 até o 1.° semestre do corrente ano, com uma frequencia aproximativa de 60.000 doentes, pudemos verificar, rebuscando os nossos assentamentos, a presença de 2.547 casos de abcessos peri-amigdalianos, dos quais 32 apenas eram bilaterais. A nossa técnica empregada é a simples incisão e dilatação ou punção e dilatação, escolhidas naturalmente conforme a modalidade clinica que se nos apresenta.

Como Zõllner e Tondorf, nunca nos arrependemos da simplicidade com que agimos, e na impressionante cifra de 2.547 doentes que passaram pelo nosso ambulatorio, nem um caso houve siquer de complicações sérias, evoluindo todos eles para a cura com defervescencia imediata.

Em sua grande maioria, o tratamento foi completado pela amigdalectomia total e bilateral a frio, praticada em periodo nunca inferior a um mez, do abcesso primitivo.

A operação a frio traz a incontestavel vantagem de, praticada sob uma rigorosa anestesia, estando o doente em ótima condição de saude, ser uma intervenção absolutamente completa, atingindo destarte o ideal de cura, em que as probabilidades do perigo são minimas, e as fontes de beneficios são maximas.




(*) Trabalho apresentado ao I.o Congresso Brasileiro de O.R.L., realizado no Rio de Janeiro, de 2 - 9 de Outubro de 1938.

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