Versão Inglês

Ano:  1933  Vol. 1   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 381 a 386

 

DOIS CASOS DE AGRANULOCITÓSE (1)

Autor(es): DR. FRANCISCO HARTUNG (2)

E' da mais alta actualidade e interesse. o estudo da correlação que existe entre um certo numero de ulcerações assestando-se na mucosa bucofaringéa, principalmente no anel de Waldeyer, e alterações patologicas de elementos celulares do plasma sanguineo. Tanto o capitulo das anginas mono como agranulociticas, merece muito carinho e criterio por parte dos clinicos e investigadores, por quanto os fátos nos deixam a impressão de ainda fornecer margem a novas e variadas directrizes e interpretações. Para de tanto nos convencermos, basta que nos lembremos de que o proprio Schultz, nestes ultimos anos, resolveu modificar o quadro esquematico que elaborára em 1922, definindo o complexo nosologico que ele mesmo batisára com o nome de agranulocitóse, dele retirando, para alguns casos, o sintoma icterícia, e admitindo pira outros tambem a possibilidade de alterações no quadro das hematias, fáto ultimo que ele, no principio negava. Por este seu gesto, compreende-se quanto amplo é o horizonte que se descortina nesta direção.

A minha comunicação de hoje diz respeito a duas observações de clinica particular; poderia ser ponto de partida para divagações de ordem teorica. Acontece porém, que este capitulo das citadas anginas, ainda recentemente foi focalisado com raro brilho e proficiencia pelo nosso ilustre presidente Dr. Schmidt Sarmento, de modo que qualquer tentativa de incursão em seu terreno se nos afigura deselegante e completamente desaproveitada. Limitar-me-ei pois a simples leitura das observações, para que sejam comentadas, si o merecerem, e a do respectivo relatorio hematologico, contribuindo assim para aumentar o numero de casos conhecidos. Ainda ultimamente, uma estatistica americana que me veiu ter ás mãos, organisada pela Highland Clinic, compreendendo todas as observações desde a primeira de Schultz até a epoca presente, não acusava mais, de que 150 casos de agranulocitóse. Ora, conhecida como é a riqueza de recursos das clinicas da America do Norte, este numero parece positivamente irrisorio, e convida a divulgação de trabalhos semelhantes.

A primeira é uma observação remota, pois que data de 1928; tratava-se de uma mulher, para quem o diagnostico de um clinico era abcesso de garganta. Chegando á presença da doente, verifiquei o engano do coléga, por quanto me impressionou a falta de qualquer trismo, em esboço que fôsse, já que a molestia vinha de varios dias; mas, facto é que eu tembem enveredei por um máu atalho, quando propendi a, interpretar o caso como angina de Vincent ou noma; naquela epoca, eu conhecia agranulocitóse ainda menos que hoje, sem a menor leitura a respeito. Quem elucidou os fátos clinicas, individualisando correctamente a necróse encontrada, foi o Dr. Mario Ottoni, sob cuja comprovada autoridade eu me havia colocado, convidando-o para tambem examinar a paciente em questão.

Passam-se cinco anos: chega a hora da minha reabilitação. De novo entro em cena para vér um caso semelhante. O diagnostico do clinico, desta vez não é abcesso, e sim difteria ou Vincent. Não tornára a encontrar novo doente de agranulocitóse, mas já conhecia a sua literatura. Firmo a minha sombria opinião e o microscopio demonstra que, infelizmente era muito bem orientada.

Observação n.º1 J. VI., 33 anos de idade, branca, italiana, casada; pais vivos e com saude. Em solteira era muito forte. E' casada ha 14 anos; teve 7 filhos, dos quais dois mortos; quasi morreu de hemorragia, quando nasceu um deles. Teve ha. 7 mezes uma infecção sifilitica, que se manifestou com rara violencia em seu periodo secundario: roséolas, placas e periostites em varias partes do esqueleto. Foi convenientemente tratada por um coléga que conseguiu fazer desaparecer todos os sintomas.

Em 16 de setembro da 1928. fui chamado por um coléga para examina-la, pois ele supunha que houvesse um abcesso na garganta. Encontrei a doente profundamente abatida; temperatura de 39º; abre a boca relativamente bem. Queixa-se de violentas dôres na garganta que a impedem por completo de engulir, solido ou liquido. Tem tido calafrios. Pelo exame, verifico que ha pequenos pontos cobertos de sangue, tanto rubro como coagulado, cobrindo varias partes da garganta, lingua e gengivas; cheiro muito fétido. No pilar anterior esquerdo, ha maior quantidade de sangue, que provem da logeta supra amigdaliana correspondente; ambos os pilares estão muito vermelhos, e fato importante, tanto eles como o palato móle, sobretudo neste ultimo, encontram-se placas violaceas. Supondo que se tratava de um caso violento de associação fuso-espirilar, limitei-me a receitar um colutorio com um corante e uma vacina antipiogena. No dia seguinte o quadro apresentava-se com a mesma dramaticidad: pessimo estado geral, dôres intensissimas na garganta, impossibilidade completa de deglutição; apenas a pequena hemorragia citada havia, quasi cessado. No terceiro dia, a doente insistia que as dôres eram muito mais intensas no lado esquerdo, e de fato, o pilar correspondente era muito mais vermelho e edemaciado; apezar de não haver trismo algum, o que no caso afastava a idea de uma coleção qualquer, fiz uma pequena incisão na citada zona; apenas consegui uma certa hemorragia, sem o menor alivio para a paciente. Foi depois disto que me resolvi a submeter o caso á apreciação do Dr. Mario Ottoni, que como já disse atraz, imediatamente relacionou a sintomatologia com perturbações da formula leucocitaria.

Para elucidar este ponto de vista, foi requerido um exame dos globulos sanguineos.



O hemograma de Schilling, organisado pelo Professor Donati, dá margem aos seguintes comentarios. Além da grande leucopenia encontrada, pois que os globulos brancos em geral, passaram de 6 a 8000, cifra normal, para apenas 2400, resalta imediatamente aos olhos, o desaparecimento quasi total dos granulocitos, confirmando o diagnostico preestabelecido. Com efeito, dos eosinofilos e basofilos, não, foi encontrado representante algum; entre os neutrofilos, encontraram-se 1 mielocito, 1 a bastonete, 1 segmentado e finalmente, de classificação distutivel, 3. Comparando estes numeros com aqueles do normal, verifica-se que houve um desaparecimento quasi completo dos neutrofilos em conjunto, ao todo 6 %, ou sejam apenas 140 granulocitos por mm3, em vez de 4 a 5000 por mm3, que é a cifra normal. Como se vê, a agranulocitóse é pronunciadissima. Um outro fato, tambem digno de ser consignado, é que os leucocitos presentes são quasi todos representados pelos linfocitos, os quais, aa custa do desaparecimento das demais especies, apezar de diminuidor em numero por mm3, apresentam-se na proporção de 87 %, em vez de 20 a 25 %, porcentagem normal. E' a linfocitose relativa, assunto sobre o qual o Dr. Marcos Lindenberg, ainda lia. pouco tempo aqui se externou: os linfocitos, embora de porcentagem aumentada, porque desapareceram muitas especies de globulos brancos, em geral, são em verdade em numero muito diminuido por mm3.

Deante desta confirmação hematologica, confirmando o diagnostico de agranulocitose, resolvemos tentar como terapeutica a transfusão; esta foi realisada pelo nosso saudoso coléga o amigo Dr. Floriano Bayma, infelizmente sem resultado algum. A doente veiu a falecer dois dias depois.

A hemocultura tam bem deu resultado positivo, mas não, tenho documento para provar que especie de germen; faço notas isto, porquanto um autor americano, Nathan Hosenthal, de Nova York, é de opinião que o sucesso da terapeutica, transfusão ou irradiação depender, do numero de germens que estejam na corrente circulatoria. Para ele, a leucopenia deve ser interpretada a perturbações funcionais ou hipoplasia do sistema hematopoietico; os sinais de septicemia são sempre manifestações secundarias decorrentes do mecanismo de defesa estar completamente exausto.

Observação n.º 2. L. F., menina de 15 anos, brasileira, adoece em dias do mez passado com fortes dôres de garganta e grande hipertermia, que vai logo para, 40 gráos. Um clinico chamado, retira material da urda angina existente para exame bacteriologico, o qual se revela negativo para Loeffler e positivo para angina da Vincent; receita uma poção salicilada e uma, embrocação de azul de metileno, além de uma vacina polivalente de Bruschettini. Como dois dias depois as condições continuassem as mesmas, péde o clinico que seja chamado um especialista. Encontrei a doente naus condições que se seguem. Aspécto de grande abatimento e intoxicação; temperatura de 39º,8 á noite; grande enfartamento ganglionar cervical, principalmente em seu lado esquerdo, respiração ruidosa, mas sem dispnéa. A doente de vóz muito pastosa, queixa-se de intensissimas dôres na garganta e que a deglutição é de todo impossivel. Ha certa dificuldade em abrir a boca, sem que haja propriamente trismo. O exame da garganta revela: ambas as amigdalas inteiramente recobertas de um exsudato branco, justificando perfeitamente a suspeita de difteria do colega que me precedera, sendo que no lado esquerdo havia uma certa excavação; algumas zonas das bochechas assim como dos labios, principalmente os superiores, tambem cobertas de fibrina, e o palato móle, finalmente chama a atenção pelo fáto de apresente manchas arroxeadas.

A doente assinalára arrepios de frio. Proseguindo no exame, verifiquei que havia outros grupos de linfaticos dolorosos, como por exemplo, os claviculares; baço palpavel e doloroso. Máu cheiro proveniente da boca.

Precedentes em relação a sifilis, negativos; a mãi nega ter tido insucessos.

Impressionado com este quadro de côres tão carregadas, no qual a angina e a necróse se aliavam a fenomenos septicemicos, e profundamente convencido de que não se tratava de uma fusoespiroquetóse vulgar, tambem apelei para o laboratomas com outra finalidade: conhecer as relações intimas entre as percentagens dos leucocitos.

No dia seguinte, o Professor Haberfeld, a cuja competencia esteve entregue a parte bacteriohematologica, continha acusar a negatividade dos bacilos de Loeffler, mesmo em 72 horas de cultura, emquanto que confirma pela contagem microscopica, a suspeita clinica dos disturbios leucocitarios.



O hemograma fornecido pelo citado Professor, faz resaltar os fátos seguintes:

Chama logo a atenção a enorme leucopenia; os leucocitos passaram de 6 a 8000, taxa normal para apenas 2075. Seguindo os diversos tipos de granulocitos em suas respectivas colunas, é alarmante a sua ausencia; apenas, na coluna dos neutrofilos em bastonete, dncontramos dois representantes; todos os outros, basofilos, eosinofilos, neutrofilos mais jovens ou de nucleo segmentado, não tiveram um unico exemplar na objectiva do mcrosicopio; a agranulocitóse está confirmada e é quasi total.

E' de notar que os leucocitos são representados quasi que exclusivamente pelos linfocitos, e cabem aqui as mesmas considerações da primeira observação, no que diz a linfocitose relativa. Tambem os monocitos, como no primeiro exame, apezar de se encontrarem na proporção de 6 %, acham-se muito defalcados em seu numero normal, porquanto 6 % de 2075 dão aproximadamente, 120 monocitos por mm3, e não 360 como é o normal. E' a monocitopenia.

Uma vez confirmado este diagnostico, que trazia em sua realidade um prognostico desesperador, dada a quasi totalidade do processo agranulocitico, ainda em desespero de causa propuz uma ultima terapeutica: A transfusão de sangue, apezar de tambem a hemocultura ter sido positiva em seu resultado para um estreptococos. Foi realisada pelo Dr. Carlos Gama, que começou transfundindo 80 grs. de sangue. Houve uma aparente melhoria das condições gerais, mas na manhã seguinte, o pulso entrou a decair, não comportando novas tentativas. E de fáto, ainda neste mesmo dia, deu-se o exitus.


SUMMARY

DR. FRANCISCO HARTUNG - Two cases of agranulocytic angina.
The present paper contains the description of two cases of agranulocytic angina.
The begining was the same in both cases: terrible pain in the throat, impossible swalling, fetid odor and very high temperature. These symptoms were accompanied by enlargement of cervical and supraclavicular glands, chills and very bad general conditions apparently septicemia.
In the throat and palate we found necrotic ulcerations covered by a layer of fibrine and violei spots; in one of the patients the lips also were ulcerated. Bacleriological examination of smears revealed fusoespirillar association and w,as negative for Loeffler.
The cases were worse) in the subsequent day we asked for, a blood examination; the Schilling's hemmogram:na confirmed the bad prognosis. The first patient had only 6 % of granulocytes, and in the other one tne agranulocytosis was almost complete, only 2 % per mm3. The hemoculture was positive in the first case and negative in the second one.
Local treatment was completely without results; both patients were transfused but died three and four days layer.




(1) Comunicação apresentada á Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina, em 18-9-33.
(2)Oto-rino-laringologista da S. Casa de S. Paulo

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