Ano: 1933 Vol. 1 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (3º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 376 a 380
SOBRE UM CASO DE ABCESSO DO SEPTO NASAL POST-TRAUMATICO COMPLICADO DE MENINGITE (*)
Autor(es):
DRS. HOMERO CORDEIRO
BRAZ CRAVINA
O caso clinico que vamos apresentar merece particular destaque, pelo facto de ser muito raro na nossa observação) diaria.
Trata-se, como veremos, de um abcesso post-traumatico do septo nasal, que, apesar de incisado e convenientemente drenado, não impediu a marcha da infecção para o endocraneo e originando uma meningite pneumocócica fulminante.
OBSERVAÇÃO
M. G. de 22 anos, branca, brasileira, casada, registrada; sob n.º 13.011, no arquivo da Clinica oto-rino-laringologica do Hospital Humberto
1.ºAntecedentes pessoais: Nunca sofreu de molestias graves, gozando sempre ótima saúde. Páis vivos e fortes. Tem uma filha de 2 anos muito robusta.
Histórico: No dia 16 de Junho de 1932, apresentou-se na clinica e relatou-nos que 8 dias antes sofrêra forte traumatismo sobre ó nariz e logo após notou que as duas narinas estavam obliteradas, pois a respiração nasal era quasi impossivel. De hontem para hoje, portanto 6 dias depois do acidente, começou a sentir fortes dôres no nariz, elevando-se a temperatura a 38º,5 Como essas dôres fôssem cada vez mais intensas, irradiando-se para a parte alta da cabeça, seus parentes resolveram trazê-la á clinica, para ser examinada.
Exame da doente: Paciente de forte complexão. Externamente o nariz apresenta-se bastante entumecido, avermelhado e muito dolorido ao léve toque digital. Vóz muito nasalada. Temperatura axilar, 38º,4.
Pela rinoscopia anterior, as mucosas do septo apresentam-se bastante hiperemiadas, e descoladas desde a parte anterior até a média, e para cima até sua parte bem alta, formando duas grandes saliencias, como duas bolsas de cada lado, obstruindo quasi completamente as fossas nasais. Pela manobra bi-digital, percebemos fluctuação liquida no seu conteúdo.
Diagnostico: Abcesso do septo nasal post-traumatico.
Intervenção: Após anestesía prévia com solução de adrenalina-cocaína a 10 %, fizemos uma incisão perpendicular de 1 cent. de extensão na mucósa septal direita, que deu lugar a saída de abundante secreção piohematica muito fétida. Como tivessemos observado que a cartilagem quadrangular estava integra, fizemos outra incisão identica no lado esquerdo, e assim esvasiamos completamente as duas bolsas. Pequeno tóque com sol. de nitrato de prata a 3 % e por fim colocamos através das incisões dois pequenos drenos de gaze iodoformada.
Como a doente estava bastante abatida resolvemos interna-la no hospital, e assim poderíamos melhor observa-Ia. Pelo exame geral que fizemos, nada encontramos que fizésse suspeitar alguma complicação endocraneana secundaria, a não ser a cefaléa, que julgamos reflexa, comum em tais casos.
A tarde desse dia, a doente apresentava-se mais calma, cefaléa menos intensa e a temperatura em declínio.
No dia seguinte cêdo, fomos avisado que a paciente havia passado muito mal a noite, com temperatura alta, 39º,2, com dôres de cabeça intensissimas com irradiação para a nuca, agitação e delirios.
Imediatamente fomos ao hospital e constatamos pelo exame acentuada rigidez da nuca, Kernig esboçado, fotofobía, estrabismo para a esquerda, hiperestesía cutanea, agitação intensa,, temperatura, 39º,6, emfim, toda a sintomatologia classica de comprometimento das meninges.
Em seguida, a nosso pedido, o Dr. Valentim fez a puncção lombar, extraindo 15 cc. de liquido cefalo-raquidiano completamente turvo, que levado ao laboratorio de bacteriologia do hospital e examinado pelo Prof. Donati, revelou o seguinte: Exame de sedimento: globulos de pús, numerosos diplocócos Gram positivo, tipo Fraenkel. Não foi feita a cultura, porque o exame de sedimento era mais que suficiente para esclarecer o nosso caso: meningite basal pneumococica secundaria.
Tratamento: Nesse mesmo dia 17: 20 cc. de sôro antipneumocócico intra-raquidiano e 20 cc. desse mesmo sôro intramuscular; dia 18: 20 cc. de sôro anti-pneumocócico intra-raquidiano e 10 cc. de urotropina endovenoso; dia 19: o mesmo. tratamento anterior; dia 20, idem, idem.
Apesar dessa medicação, o estado da doente piorava dia a dia, vindo falecer nas primeiras horas do dia 21. Não foi possivel conseguirmos autopsia, por oposição da familia.
Comentários: O caso que acabamos de descrever, chama a atenção, não só pelo desfecho que teve, como tambem pela violencia da infecção secundaria.
Na nossa pratica diaria, aparecem com certa frequencia doentes com hematomas post-traumaticos do septo nasal. Mas são casos clinicos que não nos afligem, pois sabemos que um hematoma septal, incisado-e drenado precócemente, regride rapidamente sem perigo algum. A não ser quando os doentes, por negligencia ou ignorancia, nos procuram tardiamente quando o hematoma já se contaminou com germes patógenos através pequenas erosões da mucosa produzidas pelo trauma, e portanto com abcesso septal, caracterisado pela dôr intensa do nariz e cabeça, elevação de temperatura. Em tais casos poderá haver necróse da cartilagem do septo e consecutivamente uma deformação do dorso do nariz.
São estas, as complicações apontadas nos livros clássicos de rinologia, que quasi nada dizem a respeito da propagação da infecção ao endocraneo, apesar de termos consultado extensa literatura sobre o assunto.
Como poderemos explicar a propagação da infecção ás meninges?
Teria o traumatismo produzido, por contra chóque, fractura da lamina crivada do etmoide, de modo que, a secreção septica colectada, descolando a mucosa até a parte alta do septo, tenha contaminado diretamente as meninges através desse ponto fracturado da lamina? Mas nesse caso, deveria haver concomitantemente, após incisão da mucosa septal, perda de liquido cefalo-raquidiano, facto que não constatamos.
Seria uma trombo flebite do seio cavernoso, isto é, teria a infecção chegado ao seio através ás veias etmoidais (anterior e posterior) e oftálmica superior e secundariamente produzido a meningite? Neste caso teriamos tambem outros sinais clinicos, como exoftalmia, diplopía, calefrios, que não foram observados em nossa paciente.
Deixamos para o fim a via que julgamos melhor explicar o nosso caso: a via linfática.
Após injecções praticadas nos espaços sub-aracnoideos do cerebro, varios anatomistas como SCHWALBE (1869), AXEL KEY e RETZIUS (1876) haviam assinalado na pituitária., um sistema de canais linfáticos que se dirigiam para cima, atravessando a lamina crivada e se distribuíam ou á cavidade aracnoidiana ou aos espaços sub-aracnoideos. Esses canais linfaticos acompanham os filetes do nervo olfactivo e se dispoem em torno deles sob a forma de bainhas perineurais. No córion da parte olfactiva da mucosa, formam uma espessa rêde, desembocando na superfície livre da mucósa por melo de canaliculos muito finos.
Segundo as pesquizas de ANDRE' e ZWILLINGER, os linfaticos da "pars olfactiva" seguem a via acima descrita, e os da "pars respiratoria" desaguam em ganalios linfaticos de outros territorios.
Essa destribuição anatomica ja tinha sido observada na pratica, pois KILLIAN, HAJEK, GERBER e outros, mencionaram casos fatais após intervenções na area olfactiva.
Deante do exposto, acreditamos que as meninges da nossa paciente se contaminaram por essa via, pois a coleção piohematica distendia a mucosa septal até a sua parte superior.
No "Monatsschrift für Ohrenheilkunde", fascículo 12, 1932, encontramos um caso de Hofmann, de abcesso do septo não traumatico, complicado de meningite e morte, cuja autopsia confirmou ser a via linfatica a seguida pela infecção que ocasionou a meningite basal.
Para finalisar, poderemos tirar as seguintes conclusões: 1.º) Todo abcesso do septo nasal deve ser incisado e drenado precocemente.
2.º) Os abcessos da parte alta do septo são muito perigosos, pois pôde a infecção acompanhar os linfaticos da "pars olfactoria" e produzir uma meningite basal.
3.º) Pela mesma razão acima, devemos ter o maximo cuidado nas intervenções praticadas nessa zona do septo nasal.
(*) Comunicação apresentada á Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina em 18-9-33.
RESUME'
DRS. HOMERO CORDEIRO et BRAZ GRAVINA - "Sur un cas de méningite pneumococcique consécutive a un abcés post-traumatique de la cloison nasale".
Les AA. présentent un cas de méningite basale pneumococcique consécutive à un abcés post-traumatique de Ia cloison nasalç, chez une femme de 22 ans. Vers le sixiéme jour après le trauma, on observe une élevation de Ia température, de Ia céphalée frontale, des douleurs lancinantes au plus léger contact du noz et une tuméfaction nasale. Rhinoscopie ant.: Sur les deux faces du septum, on aperçoit une saillie rouge et régulière, qui obstrue en partie Ia fosse nasale correspondante. La pression avec le stylet dénote une consistance molle. Diagnostique: abcés chaud du septum. Traitement: Après cocamisation de Ia muquese, incision large de ses parois, qui laissent écouler une collection hématique-purulente três fétide. Méches de gaze iodoformée. Le lendemain, ou aperçoit les prémiers symtômes de complications méningées. Ponction lombaire: liquide trouble. Examen du sédiment: identification du pneumococcus, type Fraenkel. Décès quatre jours plus tard, malgré le traitement classique (des injections intra-rachidiennes et intra-musculaires de sérum anti-pneumoeoccique, de l'urotropine endovéneuse etc.).
Les AA. passent en revue les voies qui pourraient expliquer Ia propagation de l'infection aux méninges: l.º) A travers de Ia lame criblée, fracturée par contre-coup? 2.º) A travers des veines éthmoidales et ophtalmiques supérieures, entrainant une thrombophlébite du sinus caverneux et secondairement de Ia tnéningite? 3.º) A travers les lymphatiques de la pars olfactoria, qui suivent les filets du nerf olfactif, autour desquels ils forment des galnes perineurales et se continuent en haut, à travers les trous de Ia lame criblée, soit avec Ia eavíté arachnoid enne, soit avec les espaces sousarachnoidiens?
Par les travaux anatomiques de Schwalbe, Axel Key, Retzius, Zwillinger et les observations cliniques de Killian, Hajek et Gerber, ont déduit les AA. que 1'infection est arrivée aux méninges par cette dernière voie.
BIBLIOGRAFIA
1-Dr. L. Hofmann - Ein Fall von Nasenscheidewandabszess mit konsecutiver Meningitis u. s. w.s. Montsft. f. Ohrheilk. 66 j. 12 Heft, 1932.
2-Prof. C. E. Benjamin - Osteomyelites der Schädelknochen bei entzundlicher Erkrankung der Nasenscheidewand. Arch. f. Ohrheilk. Bd. 126 1/2 Heft. Juli, 1930.
3 - Trautmann - Erkrankungen der Nasenscheidewand. Arch, f. Lar. u. Rhin. Bd. 23, 1910.
4 - André u. Zwtllinger - Untersuchungen von dem Lymphgefässystem der Nasenscheidewandk. Arch. f. Lar. u. Rhin. Bd. 26, 1912.
5-Testut - Lymphatiques des fosses nasales et pituitairer Anatomie Humaine. 2.º ed. 1911. T. 3. Pg. 427.
(Oto-rino-laringologistas do Hospital Humberto I. S. Paulo)