Versão Inglês

Ano:  1933  Vol. 1   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 345 a 367

 

OS NOVOS ANESTESICOS DE EMBEBIÇÃO EM OTO-RINO-LARINGOLOGIA (1)

Autor(es): DR. PAULO MANGABEIRA ALBERNAZ (2)

INTRODUÇÃO

A anestesia local pode ser realizada por simples aplicação dos solutos de substâncias analgésicas sôbre as superficie dos tecidos, ou por meio de sua inoculação nos tecidos subjacentes. No primeiro caso, temos a anestesia por contacto, anestesia de superficie ou melhor anestesia por embebição; no segundo, a anestesia por infiltração. A primeira só pode ser aplicada ás mucosas, sabido como é que a pele normal não absorve os anestésicos; a segunda tanto pode ser feita sob as mucosas, como sob a pele. Enquanto para a segunda, parece o problema resolvido com o uso universal da novocaina, considerado um anestésico de acção segura, de pequena acção tóxica, e de custo; pouco elevado, representa a primeira um dos problemas mais sérios da cirurgia especializada. O mais usado dos anestésicos por embebição é a cocaina, substância de toxicidade alta, de preço pouco moderado e que, por isso que se presta por sua acção estupefaciente a um vicio das mais funestas consequências, acorre, ta as maiores dificuldades não só ao médico, como aos governos. A vigilância que todas os paizes manteem em torno da venda da cocaina é uma campanha que traz grandes dispêndios aos poderes públicos, não deixando, entretanto, de ser de eficácia muito relativa. Por êsses motivos, nêsses últimos quinze anos tem se trabalhado como nunca se fez para obter um anestésico. capaz de derrubar a cocaina de seu pedestal. Vamos ver, no curso dêsse estudo, a que resultados tem a ciência chegado nesta campanha altruista.


1) PARTE GERAL - CONSIDERAÇÕES ACÉRCA DOS ANESTÉSICOS LOCAIS

Vejamos, antes de mais nada, sem que estado se acha o estudo dos anestésicos, e quais são as características gerais destas substâncias.

Encarados sob o aspecto de sua acção tóxica, os anestésicos locais, segundo o parecer de Eggleston e Hatcher, podem ser cindidos em dois grandes grupos. No primeiro, a dose mínima mortal por via sub-cutânea não vai alêm de 4 vezes a dose mínima mortal por via intra venosa; a destruição de seus componentes pelo organismo é muito lenta, não tendo nela o fígado nenhuma acção; a intoxicação dá-se facilmente por acúmulo; a morte pode verificar-se por nova aplicação do anestésico 24 horas após a primeira; o acréscimo de adrenalina não diminue a toxicidade dos solutos fracos, podendo, porém, exaltar muito a dos concentrados. Dêste grupo fazem parte a cocaina, a psicaina, a holocaina, a diocaina. O segundo grupo tem por característica o seguinte: a dose mortal sub-cutânea, vai além de 5 vezes a dose mortal intra-venosa; o fígado rápida e completamente os destroi; não se acumulam, podendo-se sem receio, após algumas horas de intervalo, administrá-los outra vez; a adrenalina diminue-lhes a acção tóxica. A êste grupo se filiam a novocaina, a estovaina, a tropacocaina, a eucaina B, a alipina, a apotesina, a nirvanina e a mór parte dos anestésicos locais.
Passemos agora em revista os anestésicos locais atualmente em uso, deixando de parte a cocaína, já por demais conhecida.
1) A psicaina (tartrato ácido de pseudo-cocaína dextrógira) é para a cobáia 50 % menos tóxica do que a cocaína. comum; Tem, porém, um poder irritante relativamente elevado, e produz hiperemia dos tecidos após injecção.

2) A alilbenzoileogonina em instilação na córnea produz anestesia desde 0,25 %, o que não se verifica com a cocaína. No título de 5 % oferece uma anestesia da córnea e da conjuntiva (no homem), muito mais prolongada do que a da cocaína, dilatando menos a pupila do que esta. E', porém, mais irritante, o que não impede da vários oculistas preferirem-na a aquela.
3) A holocaina ou fenocaina é tão tóxica quanto a cocaina E' anestésico poderoso. Usa-se em oculística a 1 %;

4) A diocaina é mais eficaz em instilações do que a holocaina, mas infelizmente tão tóxica quanto ela.

5) A tropacocaina é menos tóxica do que a cocaína, e também menos anestésica. Tem, alêm disso, a desvantagem de provocar uma hiperemia que não desaparece com o emprega da adrenalina. Irrita os tecidos, e produz adema. Tem ação anestésica demasiadamente fugaz.

6) A ecgaina é uma variante da cocaína, de acção anestésica igual ao dêste alcalóide, além de mais rápida. Sua acção tóxica é cinco vezes menor do que a da cocaína.

7) A eucaina B tem poder anestesiante 50 % menor do que a cocaína, sendo mais tóxica do que esta, e possuindo uma acção congestiva que não é passivel de correção por meio da adrenalina.

8) A apotesina é fraca como analgésico, e goza de elevado poder tóxico.

9) A butina ou butelina tem poder anestésico superior ao da cocaína, mas é quási tão tóxica quanto esta. E hiperemiante, mas esta acção congestiva pode ser supressa pelo efeito da adrenalina.

10) A tutocaina determina certo grau de hiperemia, tem acção anestésica quási igual á da cocaína, mas de efeito mais lento em manifestar-se. Vários autores afirmam, porém, ser ela 4 vezes mais anestésica do que a cocaína, e quatro vezes menos tóxica.

11) A amilocaina ou estovaina tem ação anestésica 50 a 75 % inferior á da cocaína, sendo menos tóxica na mesma proporção.

12) A alipina ou amidricaina não irrita, não congestiona os tecidos, mas é fracamente analgésica e relativamente muito tóxica.

13) A nirvanina é muito menos anestésica do que a cocaina e muito irritante para os tecidos.

14) A pantesina é 2,5 a 3 vezes menos tóxica do que a cocaína e tem poder anestésico igual ao desta droga, pelo menos sôbre a córnea do coelho.

15) A procaina, alocaina, etocaina, escurocaina, sincaina, conhecida entre nós pelo nome de novoeaina, não é anestésico de embebição, embora grandes autoridades teimem em erronemente assim pensar.

16) A isocaina tem poder anestésico equivalente ao da cocaína, se não maior, sendo muito menos tóxica.

17) A pantocaina não irrita os tecidos, é muito menos tóxica do que a cocaína, tendo poder anestésico equivalente.

18) A larocaina tem poder analgésico duas vezes maior do que o da cocaina, mas seu grau tóxico é apenas levemente inferior ao dêste alcalóide. Não irrita os tecidos, anemiando-os quando sôbre êles aplicada.

19) A acoina é de acção igual e mais prolongada do que a da cocaina. Não tem ação sôbre o diâmetro dos vasos, nem sôbre a acomodação. Irrita, porém, os tecidos.

20) A percaina é dez vezes anais anestésica do que a cocaina, sendo, porém, mais tóxica. E' dotada de acção analgésica muito demorada. Reduz-se facilmente na presença de alcalinos, perdendo por completo a acção analgésica.

Alêm dêsses anestésicos, temos a diocaina (Giba), a dolantina (já retirada do mercado), a adocaina, a borocaina, etc., menos conhecidos.

QUE DEVEMOS EXIGIR DE UM ANESTÉSICO ?

Que condições poderão ser exigidas de um anestésico para que corresponda de-fato a seus fins?

Segundo Fourneau, o anestésico local ideal deve preencher uma série de requisitos em número de dez:

1.º - ser solúvel em água;

2.º - ser passível de esterilização pelo calor quando em soluto aquoso;

3.º - ser quási insípido;

4.º - ser muito pouco tóxico;

5.º - não produzir ardor quando instilado nas conjuntivas ou injectado sob a pele;

6.º - ter acção anestésica simultaneamente profunda e progressiva, não, porém, brutal;

7.º - não alterar permanentemente as fibras nervosas, e eliminar-se sem deixar sinal;

8.º - ser dotado de acção vaso-constrictora, anemiando as regiões com as quais fôr posta em contacto;

9.º - não ser de preço proíbitivo;

10.º - não precipitar os sais de metais pesados.

Já diferem um tanto destas as exigências propostas por Le Mée, e que se referem particularmente á cirurgia oto-rino-laringológica. São as seguintes:

1.ª - ser solúvel nágua e no ,sôro fisiológico;

2.ª - constituir assim solutos facilmente esterilizáveis, não só pela ebulição, como pela autoclavação, conservando-se por muito tempo sem que suas propriedades se alterem ou se modifiquem;

3.ª - associar-se ás preparações juxta-renais sem prejudicar-lhes a acção;

4.ª - não causar com o sangue e os humores do organismo a formação de precipitados;

6.ª - ter reacção neutra, e não produzir dôr, quando em contacto com os tecidos;

7.ª - não prejudicar o processo de cicatrização;

8.ª - mostrar-se eficaz tanto em injecções intersticiais, como em aplicações locais sôbre as mucosas;

9.ª - ter sabor que não seja desagradável;

10.ª - ter acção analgésica rápida e prolongada;

11.ª - ser eficaz em qualquer pessôa;

12.ª - ter influência momentânea sôbre as terminações nervosas; -

13.ª -enfim, e sobretudo, ser desprovido de acção tóxica. São os requisitos do anestésico ideal, ou o eram em 1912. Braun, no entanto, compreendendo de certo a dificuldade, se não impossibilidade, de descobrir-se um anestésico tão perfeito, e dando a entender que nos devemos contentar com; analgésicos que correspondam simplesmente ás necessidades da clínica, resumiu tudo isso em cinco requisitos básicos:,

1.º A substância, sob o ponto de vista analgésico, deve ser menos tóxica do que a cocaina;

2.º - não deve determinar a menor irritação, a menor lesão dos tecidos, devendo ser absorvida, como a cocaina o é, sem deixar reacção no local do emprêgo (dilatação intensa dos vasos, inflamação, infiltração, necrose);

3.º - deve ser solúvel em água, e os solutos estáveis e facilmente esterilizáveis;

4.º - deve poder ser usada associada á adrenalina;

5.º - deve ser capaz de penetrar rapidamente nas mucosas, pois disto depende antes de tudo sua potência anestésica na analgesia por embebição.

Estes requisitos de Braun tornaram-se clássicos, pelo menos na literatura alemã. E' inútil, porêm, dizer o quanto êles são incompletos. E a prova disso, é que quási todos os novos anestésicos preenchem mais ou menos estas exigências, sem que, pelo menos no que diz respeito a alguns dêles, haja conveniência em usá-los correntemente na clínica.

Se a cocaina preenche até certo ponto as necessidades da prática, devem-se tomar suas qualidades por padrão, e procurar obter anestésicos que as possuam, sem ter seus defeitos. Sob o ponto de vista meramente farmacológico, a cocaina só tem um defeito: é tóxica em demasia. Os fenômenos de intoxicação que ela determina são de observação frequente, e raro é o especialista que não passou suas aperturas por causa desse efeito do analgésico. Acresce ainda que a acção tóxica da cocaina é extremamente variável de um animal a outro, o que não permite prever-se até que ponto o organismo humano a tolera. Por essa toxicidade incerta é que a cocaína precisa de ser substituida, se a encararas sob a face meramente farmacológica.

Mas, o especialista temi de encarar, na questão dos anestésicos, e sobretudo na cocaína, dois fatores outros, um de ordem econômica, e outro de ordem social. Sob o ponto de vista econômico, a cocaína é u!ma substância de custo elevado. Se é verdade que hoje o seu preço é de 8$000 o grama, sabemos que não faz muito custava ainda mais caro.

Mas, o motivo capital que faz mover todos os químicos do mundo em procura de substitutos da cocaína é o seu efeito estupefaciente, aproveitado pelo homem para um vício das mais funestas consequências. Este motivo social, se não moral, justifica, mais do que a sua acção tóxica, a campanha tremenda que se faz no mundo inteiro pala limitação do uso da cocaína.

Por conseguinte, o que devemos exigir dos sucedâneos da cocaína, não são os requisitos de um anestésico ideal, nem os de Braun. Basta-nos uma cocaína que, mesmo quando seja tóxica, tanto ou quási com a cocaína atual, tenha essa toxicidade pouco variável, portanto menos passível de causar surprezas; que não seja de custo elevada; e que não seja estupefaciente. 0 que está, portanto, a clínica a exigir dos substitutos da cocaína é, em última análise, o seguinte:

1.º que tenha acção tóxica igual ou inferior á da cocaína, mas não variável.

2.º que possuam acção anestésica mais ou menos identica á da cocaína, isto é, rápida, segura, constante, algo prolongada;

3.º que não sejam de preço elevado;

4.º que não se prestem a vícios.

Vários outros requisitos não se fazem necessários repetir, porque quási todos os anestésicos os possuem: a solubilidade em água; a possibilidade de serem esterilizados por ebulição; de poderem ser usados associados á adrenalina; de não irritarem os tecidos com os quais sejam postos em contacto; etc., etc.

2) PARTE ESPECIAL - OS NOVOS ANALGÉSICOS

Uma vez estabelecidas as bases do que a clínica tem necessidade de exigir de ou analgésico, vejamos com mais vagar quais os resultados que alguns dêles nos teem fornecido. Reter-me-hei somente naqueles de que possuo experiência própria, procurando resumir os estudos mais importantes sôbre êles realizados. Isto quer dizer que os anestésicos não estudados não sejam bons, mas apenas que não quero, tratando dêles, limitar-me a referir somente a experiência alheia.

a) Butelina

A butelina ou butina é o p-amino-benzoil-dibutil-amino-propanol, e foi introduzida na terapêutica em 1920 por Kamm. E' um derivado da série da novocaina.

O sal empregado na prática é o sulfato. Só a êste sal é, pois, que me refiro, quando emprego nêste estudo a palavra butelina.

Caracteres gerais - Cristais brancos, muito solúveis em água, de sorte que podem ser feitos solutos até de mais de 50 %; solúveis ainda em alcool, acetona, clorofórmio. Os solutos aquosos podem ser levados á ebuilição em vasofechado; mesmo a 140º nao perdem suas propriedades. Nota importante: não é possível fazerem-se solutos em sôro fisiológico, porque se forma o cloridrato de butelina, quási insolúvel. Desejando-se recorrer ao uso de soluto isotónicos, deve-se empregar o sulfato de sódio ou o de potássio. Para um soluto a 2% (o mais usado) são necessários 9 grs., 70 de sulfato por litro (Duhart).

Estudo experimental

a) Acção analgésica. Régnier propoz para o estudo da analgesia por embebição uma técnica hoje generalizada e de grande valor: a do fio de crina. Num olho normal as pálpebras se fecham ao primeiro toque da córnea com uma crina fina. Num olho anestesiado, o fenomeno só se verifica após vários toques. O numero déstes toques serve para medir o grau de analgesia e admite-se convencionalmente que a anestesia completa, é aquela em que o olho tocado resistiu a 100 excitações, sem que as palpebras se movessem. Régnier verificou por êste método que a butelina a Ogr., 20% exige 56 excitações, a cocaina a Ogr., 50%, 60 excitações, a novocaina a 10%, 60 excitações, sendo, portanto equivalentes nestes titulos. Se dermos á cocaina o valor de 100, a novocaina terá o valor de 20 e a butelina o de 250.

b) Acção tóxica - Este estudo foi feito por vários autores. Quem o fez com mais amplitude foi Sarvonat. De suas experiências, chega-se á conclusão de que a butelina é muito pouco menos tóxica do que a cocaína. No camondongo e na cobáia (via sub-cutânea) e no coelho (via intro-venosa) a toxicidade é inferior á da cocaina. Convém notar que estes estudos teem valor relativo, porque foram feitos em animais, e o homem poderá oferecer reacções inteiramente diferentes. A butelina apresenta, entretanto, uma caracteristica de maior significação: a dose tóxica é quási idêntica em todos os animais de laboratório, ao passo que a da cocaina oscila extraordinariamente afim do paciente não sentir a picada da agulha no momento, da infiltração.

O soluto a 2 %, foi usado para anestesia dos pilares nas amigdalectomias em crianças.

A mistura de Bonain com butelina faz-se como a original. Reduz-se a pó o mentol, mistura-se bem á butelina, em seguida junta-se o ácido fênico cristalizado sêco. Pelo contacto forma-se um líquido xaroposo, amarelado, completamente transparente. Esta mistura foi empregada na anestesia dos pilares para a amigdalectomia total em adultos, afim de não ser sentida a penetração da agulha no ato de ser feita a anestesia por infiltração. Usei-a ainda nas paracenteses do tímpano.

Sem querer entrar em minúcias, que êste trabalho não comporta, tenho a declarar que minha experiência com a butelina é plenamente satisfatória. Estou firmemente convencido de que ela, sob o ponto de vista analgésico, substitue completamente a cocaina. Não tenho experiência a respeito ida anestesia do laringe. Não fiz anestesias do esôfago e da faringe inferior, porque a esofagoscopia não requer absolutamente anestésicos. Lembro, porém, que a pedra de toque de um anestésico local é a membrana do tímpano inflamada. Se os pacientes, no ato da paracentese, não acusaram a menor dor, quando anestesiados com a mistura de Bonain com butelina, sou forçado a concluir que qualquer área da oto-rino-laringologia poderá ser tão bem anestesiada quanto pela cocaina, usando-se butelina.

Vantagens e desvantagens - A grande e única desvantagem da butelina é ser quási tão tóxica quanto a cocaina, e disto se tem feito um cavalo de batalha, para limitar-se o seu emprêgo. Admitindo-se que, de fato, sua acção tóxica seja equivalente á da cocaina, temos ainda como vantagens: 1.a) não ser a butelina estupefaciente, vantagem tão grande que, mesmo quando ela fosse algo mais tóxica do que a cocaina, era o bastante para dever ser esta desprezada; 2.a) ter poder analgésico igual, se não maior do que a cocaina; 3.a) ser muito mais barata, pois, ao que informa a Companhia Ródia Brasileira, deverá custar no Brasil menos de 3$000 o grama, enquanto a cocaina custa 8$000.

b) Percaina

A percaina ou nupercaina, como é conhecida nos Estados Unidos, é o cloridrato de dietil-etil-amina do ácido alfa butiloxicincônico. 0 primeiro trabalho relativo a esta substância foi publicado por S. Rosenstein em 1929.

Caracteres gerais - Cristais incolores, inodoros, insípidos, facilmente solúveis em água e álcool. Precipita-se o sal nos solutos alcalinos, de sorte que é indispensável prepara-los em sôro fisiológico, obtido com clorêto de sódio quimicamente puro.

Os frascos em que se conservam os solutos devem ser de vidro neutro. Se o soluto apresentar precipitados, junte-se-lhe pequena quantidade de ácido clorídrico.

Os solutos suportam fervura prolongada, mas não são de duração muito prolongada, de modo que devem ser preparados a miudo e não ser filtrados repetidamente.

Estudo experimental - 1) Acção analgésica - A percaina é a droga de poder analgésico mais intenso que a química logrou até hoje descobrir. Nos estudos experimentais que, para êsse fim, realizou, verificou César Hirsch que a percaina diminue a manifestação dos reflexos em soluto a 1/125.000, enquanto a cocaina só o faz a 1/10.000, a tutocaina a 1/3.000, a novocaina a 1/2.500. A abolição total dos reflexos é determinada pela percaina a 1/75.000, enquanto a cocaina só o faz a 1/5.000, a tutocaina a 1/1.500, a novocaina a 1/1.000.

Em estudos de comparação feitos em sua pessoa e na de seu colega Hendriock, Wiedhopf verificou que, enquanto a percaina a 1 por mil determinava uma anestesia de 39 minutos de duração, a pantocaina no mesmo título produzia uma de 28, a tutocaina a 1%, uma de 25, a novocaina a 1 %, uma de 23 a 25.

Okazaki teve oportunidade de observar que a percaina se mostrou cem vezes mais enérgica do que a cocaina, em estudos experimentais na córnea de coelhos.

Por meio ainda de estudos experimentais e clínicos, chegou Zeidler á conclusão de que o soluto a 1,5 % de percaina pode substituir por completo o de cocaina. a 2 % nas anestesias por embebição. Albesheim já admite que o soluto a 2 % corresponde ao de 10 a 15 % de cocaina.

O poder anestésico da percaina mostra-se muito enérgico nas experiências de Kunc sôbre a membrana do tímpano. Em 50 casos de paracentese, a simples instilação de solutos de percaina, sem acréscimo de substâncias ceratolíticas, determinou anestesia completa da membrana, concluindo êste autor por declarar que a percaina atravessa melhor as camadas superficiais do tímpano, do que todos os outros anestésicos conhecidos.

Freystadtl, de suas pesquizas, infere que com a percaina a 0,5-1 % obtem-se uma analgesia por embebição tão profunda quanto a fornecida pela cocaina, (5 a 20 %), sendo a percaina comparável em seu efeito a um soluto de cocaina 8 vezes mais concentrado. A analgesia dura 2 a 4 vezes mais do que a produzida pela cocaina.

2) Acção tóxica - A percaina é muito tóxica, segundo :a opinião da maioria dos que a estudam. Mas esta acção tóxica é relativamente menor do que a da cocaina, por isso que praticamente só em casos excepcionais se utilizam solutos de mais de 2 %.

Zeidler preconiza, entre as vantagens da percaina, sua completa inocuidade. Em contraposição, Martins não a acha tão inocente, declarando que a sua toxicidade não a distingue, praticamente da cocaina.

Okazaki, nos seus estudos de laboratório já mencionados, verificou que a dose letal para a rã é de 0,5 miligr. por 10 grs., sendo, portanto, 6 a 10 vezes mais tóxica do que a cocaina.

Dos estudos de conjunto de César Hirsch, resulta ser a percaina o mais tóxico dos novos anestésicos. Enquanto a dose tóxica por quilo, pela via sub-cutânea, é de 450 miligrs. para a novocaina, de 75 miligrs. para a cocaina, de 20 a 30 miligrs. para a pantocaina, é apenas de 5 a 10 para a percaina. Nas experiências de Widenhorn, a percaina revelou ser, na cavidade pleural, 16 a 26 vezes, e no peritóneo 21 vezes mais tóxica do que a novocaina.

Na prática, entretanto, isto não se tem verificado. Grabner usa em odontologia uma pasta em que a percaina entra na dose de 4 %, e em certos casos utilizou mesmo a droga pura, em pó. Não registrou, no entanto, fenómenos tóxicos, apesar de ter recorrido a doses que não haviam até então sido usadas. 3.º - Acção sôbre o organismo - Por elevadas que tenham sido as doses empregadas, um fáto é patente: a percaina não é entorpecente.

E' vaso-dilatora intensa. Por isso, acha Martins, com evidente preconceito, que ela não pode substituir a cocaina, declarando que ela tem a grande desvantagem de irritar os tecidos. E, como prova desta irritabilidade, apresenta esta vasodilatação, apanágio aliás de todos os anestésicos conhecidos, menos a cocaina. Está hiperemia é, porém, corrigida pelo acréscimo da adrenalina.

Os estudos mais completos a respeito da acção da percaina sôbre o organismo em geral talvez sejam os de Okazaki. Trata-se de experiências feitas em animais de laboratório. A percaina atúa sôbre os centros respiratórios paralizando-os, e faz cair a pressão arterial após vagotonia bi-lateral. Sua acção, que, sôbre os vasos dos membros inferiores no coelho, é constritora, mostra-se, pelo contrário, dilatadora sôbre os do ouvido e dos rins. No intestino isolado as pequenas doses excitam o peristaltismo, as grandes paralizam-no. Já sóbre o útero, o efeito é contrário: as grandes doses excitam, as pequenas paralizam.

A percaina é, dentre os novos anestésicos, o que possue ação hemolítica mais intensa. Schmidt, que fez estudos especiais a êsse respeito, notou que, juntando-se a 2cc. dos solutos anestésicos 2 a 4 gôtas de sangue, havia hemólise completa com a percaina em qualquer concentração até 1 gr., 50 por mil, manifestando-se ainda o fenómeno com grande intensidade até em Ogr., 125 por mil.

Os solutos concentrados, na opinião de Koch, não mostram acção analgésica mais poderosa do que a do soluto a 2 %. Zeidler verificou pelo exame histológico da mucosa da faringe de cães, que os solutos fortes são dotados de acção cáustica. Estudo clínico - 1) Experiências alheias - Rosenstein experimentou a percaina a 2 % na anestesia por embebição em 200 casos, taxando de admirável o efeito da droga. Não só na incisão de abscessos das amigdalas, como nas amigdalectomias, os pacientes não sentiram dôr. Achou ainda excelente seu efeito na disfagia dos tuberculosos.

Baer experimentou vários anestésicos, achando que a percaina a 2 % substitue completamente a cocaína a 10 %, com as vantagens notórias de ser a analgesia mais demorada, de possuir a substância sabor mais agradável, e de ser 10 a 15 vezes mais barato do que a cocaína. Nas paracenteses recomenda o autor a fórmula abaixo:

Percaina - 1 gr. 50
Hidrato de cloral - 8 grs. 50
Acido fênico - ana 10 grs.
Mentol - ana 10 grs.
Adrenalina - 0 gr. 03

Reputa a acção desta fórmula equivalente á da clássica mistura de Bonain.

Todos os métodos de exame ou de intervenção em que usamos a cocaína a 20 %, podem ser efetuados com a percaina a 1,5 %, sem que o paciente ou os médicos não previamente disso certificados possam perceber qualquer diferença, diz Zeidler.

Hirsch nota que o efeito é muito mais prolongado do que o da cocaína.

Foram efetuadas absolutamente sem dôr amigdalectomias e aberturas de abscessos das amígdalas cuja anestesia se obteve tão somente com embrocações com percaina. Richter, que tal observou, recomenda, por isso, o novo analgésico como um elemento benvindo ao nosso arsenal terapêutico, reputando-o absolutamente em condições de tornar supérflua a cocaína.

Os estudos clínicos de Kunc, já referidos, provaram que a percaina consegue determinar a anestesia do tímpano inflamado (com excepção das formas bolhosas e hemorrágicas) sem auxílio de qualquer ceratolítico.

Koch julga a percaina a 2 % rum substituto perfeito da cocaina a 10 %.

Canuyt considera a substância em estudo o melhor anestésico local até agora conhecido, baseando-se para isso, na sua observação pessoal. Sonnenschein declara-se plenamente satisfeito com a droga, como anestésico de superfície. Mostra-se mesmo convencido de que a percaina expulsará a cocaina da farmacopéia.

Freystadtl experimentou-a sobretudo na disfagia dos tuberculosos. Gotejava sôbre a lesão um soluto a 1 %, e verificava que, por duas horas, as dôres desapareciam.

Israels e Mac Donald consideraram a percaina, na anestesia por contacto, um substituto mais barato e muito promissor da cocaina.

Ainda na anestesia por embebição, Grabner é de parecer que ela apresentava vantagens consideráveis na duração prolongada da analgesia e no inibir o processo inflamatório.

2) Experiência pessoal - Minha prática com a percaina não é tão extensa, como com a butelina, a pantocaina e, sobretudo, a tutocaina. Usei sempre dois tipos de soluto: a 1 e a 2 %. O campo de acção foi o mesmo já referido no estudo da bútelina: anestesia leve para exame das fossas nasais, anestesia do meato inferior na operação radical de sinusite; maxilar e na punção diameática; anestesia dos pilares nas amigdalectomias em crianças, etc.

Comecei recentemente a fazer experiências com a percaina na anestesia da membrana do tímpano. Para isso cheguei á obtenção de fórmulas em que o título do anestésico chega a 10 %. A êsse respeito aguardo maior número de observações para me externar.

No que tange a nunca menos de 100 casos em que a analgesia foi obtida pela percaina a 2 %, tenho a dizer que a reputo um ótimo anestésico de embebição. Tem a enorme vantagem, por mim mesmo verificada, de não ter á sabor extremamente amargo de quási todos os anestésicos. Produz certa hiperemia local, aliás sem o menor incômodo para o paciente. Possue poder anestésico enérgico, contínuo e uniforme.

Vantagens e desvantagens - As desvantagens da percaina são três: ser muito tóxica; ser de custo elevado; e ser muito sensível aos alcalinos. Em comprimidos de 10 centigrs., vende-a. Companhia Ciba á razão de 6$300 o grama. A toxicidade é relativa, de sorte que, na prática, a percaina é na realidade menos tóxica do que a cocaina. A sensibilidade aos álcalis é uma desvantagem somente para o médico não avisado, porque o que disso tiver ciência evitará, ou fazer os solutos com cloreto de sódio impuro, ou colocá-los em frascos de vidro alcalino.

As vantagens da percaina são várias: é o anestésico mais enérgico que se conhece; é de acção muito prolongada; possuis grande poder de penetração; não é entorpecente.

c) Pantocaina ou néo-tutocaina

A pantocaina ou produto 2593, foi entregue para experiências pela I.G. Actiengeselschafft em maio de 1929. A casa Bayer deu-lhe, no Brasil, não sei por que razão, o nome de néo-tutocaina. E' um sal da série da novocaina, químicamente o cloridrato de p-butil-amino-benzoil-dimetilamino-etanol.

Caracteres gerais - Pequenas agulhas brancas, brilhantes, pouco solúveis em água (1:7) e em álcool, na temperatura ambiente, mais facilmente solúveis a quente. Os solutos são estáveis, podem ser esterilizados pela fervura, e podem ser feitos em sôro fisiológico.

Estudo experimental - 1) Acção anestésica - As experiências feitas por César Hirsch na córnea mostram que a pantocaina já manifesta poder analgésico até em solutos a 1/10.000, enquanto a cocaína só começa a mostrá-lo de 1/1.000 para baixo. Verificou ainda que o efeito é mais rápido do que o da cocaina. A acção anestésica sôbre as mucosas é mais rápida do que a da percaina, segundo as experiências de Ernst na rã, como mostra a tabéla abaixo:





Schmidt, um dos primeiros a estudar a droga, acha que analgesia aparece no fim de 3 a 5 minutos, na anestesia por infiltração.

Na córnea do coelho, Fussgänger e Schaumann notaram que ela é dez vezes mais enérgica do que a cocaína.

De um estudo crítico sôbre varios analgésicos, chega. Hoffmann á conclusão de que o que mais se aproxima, da cocaina pelo seu valor anestésico é a pantocaina.

Koch é de parecer que o soluto a 2 % de pantocaina sobrepuja o de cocaína a 20 %. Já Rehn e Killian acham que, como anestésico da córnea e das mucosas, a cocaína mantem sua posição de preferência, em relação á psicaina, á larocaina, e á percaina.

2) Acção tóxica - A acção tóxica da pantocaina tem sido estudada pela via intra-venosa e pela sub-cutânea.

César Hirsch calculou-a por quilo em 6 a 10 miligrs. para a primeira e 20 a 30 para a segunda. A da cocaina é de 7,5 para a primeira e de 75 para a segunda. A pantocaina mostra-se assim, encarada de modo absoluto, mais tóxica do que a cocaina. De modo relativo é menos, porque o soluto usado é a 2 %, equivalendo, sob o ponto de vista analgésico, á cocaina a 20%.

Wiedhopf, fazendo estudos de comparação :entre vários dos novo anestésicos, pôde verificar pelo estudo da pressão sanguínea que a pantocaina é o menos tóxico de todos êles.

Fussgänger e Schaumann reputam a pantocaina duas e meia a três vezes mais tóxica do que a cocaina. Esta toxicidade cai, porém, a menos da quinta parte por via sub-cutânea, com o simples acréscimo de adrenalina. Já Singer é de opinião que a acção tóxica da pantocaina por via sub-cutânea está abaixo da metade da cocaina. Schmidt diz também que a cocaina é 6 a 7 vezes mais tóxica do que a pantocaina. Runge e Schmidt acham que, quanto ao poder tóxico, um soluto de pantocaina a 1 % equivale a um de cocaina a 2,5 %.

Esta contradição entre os dados referentes á acção tóxica da pantocaina parece decorrente do modo por que foi ela encarada. De modo absoluto, a pantocaina por via sub-cutânea parece ser mais tóxica do que a cocaina. Acrésce, porem, que, na clínica, não se faz mais uso da cocaina. por`via sub-cutânea, e a pantocaina por esta via só é usada em solutos milesimais. Quanto ao emprêgo na anestesia por embebição, lança-se mão de solutos de cocaina até a 20%, enquanto com a pantocaina os solutos correntemente empregados não vão além de 2 %.

3) Acção sôbre o organismo - A pantocaina, aplicada sôbre as mucosas, causa certa hiperemia, que não se manifesta quando se junta ao anestésico certa quantidade de adrenalina. César Hirsch assinalou esta acção congestiva no seu primeiro trabalho. Theissing contesta, porém, a assertiva do professor de Stuttgart, achando, pelo contrário, que a pantocaina causa uma anemia discreta. Por êsse motivo, Theissing não admite o uso de quantidades tão grandes de adrenalina, como se faz na clínica de Göttinger.

A pantocaina não tem acção irritante sôbre os pontos em que é aplicada. Diz Hoffmann que todos os anestésicos produzem ardor e contração das pálpebras quando instilados nos olhos. Com dois anestésicos êste ardor, no entanto, não se manifestou: a pantocaina e a larocaina.

A pantocaina não tem acção sôbre a iris, a não ser após várias aplicações seguidas.

De seus estudos, infere Wiedhopf que a pantocaina não tem influência evidente sôbre os aparelhos circulatório e respiratório e sôbre o sistema nervoso central Os estudos a respeito da hemólise, mostram que ela se verifica em um soluto a 2,5 %; de novocaina a que se juntou sangue (2 a 4 gôtas para 2cc do soluto), mas que não se dá num soluto de pantocaina do mesmo titulo.

Estudo clínico - 1) Experiência alheia - Um dos primeiros estudos feitos com a pantocaina como anestésico de embebição em oto-rino-laringologia foi o de Tobek. Usou êste autor, em todos os casos em que recorria anteriormente á cocaina a 10 %, a pantocaina a 1%. No laringe, na extirpação de polipos das cordas, o resultado analgésico foi tão bom quanto o obtido com a cocaína. Não houve efeitos secundários, nem se verificaram manifestações tóxicas. Conclue por dizer que a pantocaina é um substituto valioso da cocaína, e espera que, de fato, ela a substitua.

Runge e Schmidt chegaram á conclusão de que o soluto a 1 % de pantocaina é tão eficaz quanto o de cocaína a 10 %, reputando-a iam valioso substituto da cocaína.

Davidson, após numerosas experiências na anestesia por embebição, admite que a pantocaina é o anestésico ideal.

Ainda exclusivamente a respeito do valor analgésico da droga em estudo na anestesia por embebição em oto-rino-laringologia, publíca Theissin; valioso estudo. Usa a pantocaina a 2 % com ou sem acréscimo de adrenalina. O soluto a 1 %, recomendado pela Clínica de Gõttinger não o satisfaz. Considera o soluto a 2 % absolutamente equivalente ao de cocaína a 10 %, no que diz respeito ao início da anestesia, á intensidade e á duração.

Singer, referindo-se particularmente ao laringe, opina que a droga tem poder analgésico cuja duração equivale mais ou menos á da cocaína (duas horas).

Güssow obteve também resultados plenamente satisfatórios com o uso da substância na anestesia da mucosa.

Hoffmann, que estudou comparativamente todos os anestésicos atualmente em uso, declara que o mais enérgico é a cocaina, e o que mais desta se aproxima é a pantocaina.

De seus estudos, deduz Koch que a pantocaina a 1 % ultrapassa o efeito da cocaína a 10 %, o mesmo se verificando com o a 2 % da primeira em relação ao de 20 % da segunda. Chega á conclusão de que a cocaína se tornou hoje em dia perfeitamente supérflua.

lkeda empregou a pantocaina em mais de mil intervenções rino-laringológicas com completo êxito, e sem um único fenómeno tóxico.

Na Clínica de Eppendorf, as anestesias por embebição com a droga em estudo, já passam de 10 mil, e ha mais de três anos a cocaína foi abandonada.

Rieke observa que a longa duração da anestesia e a boa tolerância do organismo á pantocaina mostram-se principalmente na anestesia do laringe e nas broncoscopias e ésofagoscopias.

A Clínica de Heidelberg, pelo que assevera Heinebach, adotou a pantocaina, abandonando por completo o uso da cocaina. Êste autor fez a tal respeito estudos muito curiosos e dignos de divulgação. Escolheu 14 pessôas normais e nelas verificou o poder anestésico de várias drogas, fazendo em todas uma pulverização de 1/2 cc. de soluto na parede posterior da faringe. As manobras eram feitas com grandes intervalos e cada paciente tinha o direito de escarrar com força somente uma vez, e logo após a púlverização. Com cerdas cuja ação excitante era avaliada em gramas, excitava a mucosa anestesiada, e quando estas chegavam até 20 e 30 grs., o estimulo era, então feito por um toque com a sonda. Foram estudados a cocaina a 10 %, a pantocaina a 1 %, o preparado A. F. 134 de Merck a 20 % e a larocaina a 10 %. Dessas experiências ficou patente que a cocaina a 10 % mal ultrapassou o efeito da pantocaina a 1 %, e esta, por sua vez, mostrou-se mais enérgica do que os demais anestésicos experimentados.

Para avaliar com segurança a potência analgésica da pantocaina. Schlegel, em doentes em que éra necessária a anestesia bilateral nas fossas nasais, usou de um lado a cocaína, e do outro a pantocaina. Os pacientes nada sentiram, nem perceberam diferença de um lado para ó outro.

2) Experiência pessoal - Há cerca de dois anos comecei a usara. pantocaina. A Companhia Bayer forneceu-me comprimidos a Ogr. 10 e um soluto a 2 %.

Usei sempre os solutos a 1 e a 2 % em tôda a cirurgia otorino-laringológica. Nas fossas nasais, empreguei-a com adrenalina na anestesia e retração para exame; na anestesia do septo (antes das injecções); na do meato inferior nas operações de Caldwell-Luc; na do meato médio nos alargamentos do canal fronto-nasal; na anestesia dos pilares nas amigdalectomias em crianças, na anestesia do laringe e da traqueia para injecções entra-brôquicas de óleos iodados; etc. Para a anestesia do conduto auditivo e da membrana, preparei uma mistura semelhante á de Bonain, cuja fórmula ainda me parece necessário modificar. A pantocaina nela entra em dose muito menor do que a da cocaina na mistura de Bonain. No entanto, com esta nova fórmula tenho obtido anestesias perfeitas da membrana, em casos em que a paracentese se faz necessária.

Os resultados por mim obtidos são ótimos. A anestesia é perfeita, segura, prolongada, e nunca os pacientes se queixaram de qualquer sensação especial. Usei também da mistura na anestesia do pilar anterior para a abertura de abscessos, e os doentes não sentiram a incisão.

A pantocaina mostrou ser um anestésico de primeira qualidade.

Vantagem e desvantagens - A única desvantagem da pantocaina é o preço, que é algo elevado (7$100 o ,grama). Sendo o mais caro dos novos anestésicos, é ainda assim mais barato do que a cocaina.

As vantagens são múltiplas. E' relativamente muito menos tóxica do que a cocaina; é quási tão anestésica em dose 5 vezes menor; não é estupefaciente; não tem acção sôbre os aparelhos de economia; não irrita localmente; não causa hemólise, etc. E', portanto, um anestésico que substitue vantajosamente a cocaina, na anestesia por embebição.

d) Tutocsina

Por cinco ou seis anos a tutocaina impediu a entrada da cocaina em meus serviços clínicos. Prestou-me serviços inestimáveis: anestesias perfeitas em toda a esfera da especialidade, nenhum acidente por leve que fosse. Modificando á conhecida fórmula de Bonain, consegui com a tutocaina uma mistura de alto poder anestésico, que foi por mim usada durante muito tempo, e com o maior êxito, na anestesia da membrana nas paracenteses e miringotomias. Apenas na retirada, de fragmentos de tumores do laringe para exame histológico, achei uma ou duas vezes que o anestésico em soluto aquoso a 3,5 % era algo deficiente. Embora dêle tenha larga prática, não me sinto autorizado a estudá-lo minuciosamente, porque o fabricante (a firma Bayer, Meistèr Lucius), lançando no mercado o novo anestésico pantocaina, talvez por ser êste de efeito mais intenso, houve por bem retirar a tutocaina do comércio, sem aliás atender ao interesse dos ceie se tinham habituado a usa-la.

Do que se acaba de ler a respeito da butelina, da percaina, da pantocaina e da tutocaina; chega-se á conclusão de que a cocaina é hoje perfeita e indubitávelmente supérflua. O uso da cocaina em terapêutica, sobretudo como anestésico de embebição, hão passa de uni velho hábito, de que os médicos em geral, pela lei do menor esforça; hão teem procurado se libertar. E' comum ouvir-se de facultativos, que nunca experimentaram qualquer outro anestésico, a asserção dê não acreditarem no valor dos substitutos dá cocaína. A verdade é que todos os substituais por mim experimentados satisfizeram-me plenamente, é há mais cinco anos não emprego a cocaina como analgesico.

Na Europa, especialistas de renome estão fazendo o mesmo. Quando o governo alemão modificou, em 1930, a lei da venda de entorpecentes, e proibiu ás farmácias o preparo e a venda do soluto de cocaina a 20 %, vários especialistas protestaram. Em maio de 1931 reuniu-se a Sociedade Oto-laringológica de Berlim para tratar do assunto. Na discussão, Peyser fez ver que o intuito da lei era pôr de parte a cocaina, toda vez que se pudesse obter o mesmo resultado anestésico com outra substância. Para êle, na anestesia da membrana do tímpano, por exemplo, a cocaina podia perfeitamente ser substituida pela alipina sob a forma de pasta com adrenalina. Meyer e Finder declararam achar errônea a hipótese de já ser possível abandonar-se completamente a cocaina, mas von Eicken já é de parecer que a pantocaina, em várias intervenções laríngeas, broncoscópicas, etc., correspondeu sempre á espectativa. Hale ha seis mêses não emprega mais absolutamente cocaina, tendo-a substituido pela pantocaina. Ha 3 anos a, Clínica de Eppendorf só usa pantocaina, e a Clínica de Heidelberg, empregando-a, igualmente pôde afastar por completo o uso da cocaina. E, note-se, a experiência destas clínicas é enorme. No Japão, Ikeda usou a pantocaina na anestesia por embebição em oto-rino-laringologia em mais de mil operações. Na Clínica de Eppendorf, entre intervenções urológicas e oto-rino-laringológicas, excede de dez mil o número de operações em que a anestesia por embebição foi feita pela pantocaina.

Como acabamos de ver, não se trata de casos esporádicos, ou de clínicas de reputação duvidosa. Ainda ha pouco, César Hirsch, um dos maiores entendidos em anestésicos, professor de oto-rino-laringologia em Stuttgart, realizando em Roma uma conferência no 18.o Congresso da Sociedade Italiana de Oto-rino-laringologia; sugeriu a esta associação solicitar do governo a proibição; não só do fabrico, como da venda e do consumo da cocaina em território italiano; plenamente convencido como se achava de que a cocaina hoje em dia é totalmente supérflua.

A guerra á cocaína
Tudo o que se leu prova à saciedade que nada mais justifica o não ser a cocaina posta á margem. Ha cêrca de um ano trouxe eu esta questão a cenário na Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas, mostrando que já era tempo dos médicos bem intencionados mostrarem aos poderes públicos a evidente necessidade e, mais do que isso, a patente possibilidade, não só de limitar-sé a venda da cocaina, como dê vedar-lhe a entrada no paíz.

Não cabe nêste estudo entrar no mérito da questão. As bases do combate á cocaina melhor ficariam expostas em um trabalho que só se referisses a êste assunto. E' o que espero fazer dentro de pouco, solicitando então o auxílio de meus colégas desta Secção Oto-rino-laringologica, para com o apoio da Associação Paulista de Medicina, levarmos em conjunto aos poderes públicos, a prova irrefragável de que a entrada da cocaina no paíz pode e deve ser proibida, por ter desaparecido o motivo único de sua existência no mercado: ser um anestésico de embebição insubstituível. Como médicos, como homens, como patriotas, êsse é o nosso dever.

BIBLIOGRAFIA

1 - Eggleston e Hatcher - cit. Zunz, E. - Éléments de Pharmacodynamie Spéciale - vil. 1, p. 110 - Masson - Paris, 1932.
2 - Fourneau - cit. Zunz (2).
3- Le Mée - Des analgésiques locaux et léur emploi en oto-rhinolaryngologie - Annales des Mal de l'Oreille 1912 - cit. Duhart (5).
4 - Braun - cit. Iiirsch, C. - Lehrbuch der LokaIanaesthesie des Ohres - Enke - Stuttgart, 1925.
5 - Duhart, P. - De l'anesthésie par Ia butelline en Oto-rhino-largngol. - Thèse de Lyon - Deprelle, 1923.
6 - Régnier, J. - Pouvoir anesthésique de Ia cocaine et de quelques-uns de ses succedanés - Paris Médical 16 Juin 1928 in Révue de Stomatol. 30: 493 (n.º 11) 1928.
7 - Sarvonat - cit. Duhart (5).
8 - Bulson Junior, A. E. - A new local anesthesic for nose and throat work - Ann. of Otology 31:131 (n.º 1) 1922.
9-11i11, W. - Butyn as a local anesthesic in nose and throat practice - British Med. Journ. n.º 3280, 876, 1923.
10-St. Clair Thomson - Bütyn as a local anesthesic: a warning - Brilish Med. Journ. n.º 3293, 235, 1924.
11- Canuyt, G. e Joublot, J. - L'anesthésie locale en oto-rhino-largngol. - p. 25 - Masson - Paris, 1930.
12 - Hirsch, C. -Percain, ein neues Lokalanaestheticum in der H. N. Ohrenheilk. - 2eitschr. f. Largngol. 19: 155, 1930.
13 - Wiedhopf, O. - Pantocain, ein neues Lokalanaestheticum - Deutsche med, Wschr. vol. I, 13, 1931.
14 - Okazaki, T. - Die pharmacologischen Wirkungen des Percains, etc. - Nagasaki Igakkai Zassi 9:12, 1931 in Zentralbl. f. H. F. Ohrenheilk. 18:519, 1932.
15 - Zeidler, R. Percain, das neue Oberflächenanastheticum in der Larygol. - Wiener Hin. Wscchr. vol. I, 139, 1930.
16 - Albesheim, L. - Percain als Oberflächenanaestheticum in der Laryngol. - Zeitschr. f. Largngol. 19: 242, 1930.
17 - Kunc K. - Anaesthesie des Trommelfells mit Percain Ciba - Casopis Lekaru Ceskiclz 2.º vol. 1075, 1930 in Zentralbl. f, H. N. Ohrenheilk. 16:441, 1930.
18 - Freytadtl, B - Feber das Percain und seine Anwend. bei der tuberkulösen Dysphagie - Mediz. Klinik l.º vol., 391, 1930.
19 - Martins, L. E. M. - Ueber Erfahrungen mit Percain Ciba als Oberflächenanaestheticum - Zeitschr. f. Laryngol. 20:73, 1930.
20 -Hirsch, C. -Pantocain (2593) ein neues Oberflächenanaestheticum -Deutsche med. Wachr. n.º 1, 1931.
21- Widenhorn, H. - Klinische u. experim. Untersuch. ueber das neue Anaestheticum Percain - Arch. klin. Chirurgie 159:816, 1930 in Zentralb. f. H. N. Ohrenheilk. 16: 518, 1930.
22 - Grabner, A. - Unsere Erfahr. mit Percain in der zahnãrztl. und kieferchirurg. Praxis - Zeitschr. f. Stornatol. 30: 1504, 1932 in Zentralbl. f. H. N. Ohrenheilk. 20: 507, 1933.
23 - Schmidt, H. - Ein Lokalanaestheticum der Novocainreihe (Panthocain) -Der Chirurg 3: (n.º 3) 1931.
24 - Koch, J. - Klinische Versuche mit Cocain-Ersatzpräparaten. Larolain Roche ein vollwertiges Oberflächenanaestheticum - Arch. f. Ohrén, etc. 128: 272, 1931.
25 - Rosenstein, S. - Ueber Percain als Schleimhautanaestheticum in der Laryngol. - Deutsche med. Wschr. vol. II, 2010, 1929.
26 - Baer. M. - Ueber neue Oberflächenanaesthetica - Schweiz. med. Wschr. vol. I, 418, 1930.
27 - Richter, H. - Percain, ein gãnzlich neuartiges Lokalanaestheticum - Zeitschr. f. Largngol. 19: 154, 1930.
28 - Canuy t, G. - Un nouvel anesthésique local: Ia percaíne - 36e. Congrés Belge d'O. R. L. 4. V. 1930 in Zentralbl. f. H. N. Ohrenheilk. 17: 381, 1931.
29 - Sonnenschein, B. -Ueber Percain, ein neues Oberflächenanaestheticum - Monatschr. f. Ohrenheilk. 65: 656, 1931.
30 - Israels, M. C. G. e Mac Donald, A. D. - The pharmacology of percaine - British Medical Journ. n.o 3699, 986, 1931.
30 - A - Hirsch (20).
31 - Ernst, M. - Erfahrungen mit dem neuen Lokalanaenstheticum Pantocain - Münchener med. Wschr. vol. 1, 9 (n.o 1) 1931. 31-A - Schmidt, H. - (23).
32 - Fussgänger, R. e Schaumann, O. - Ueber ein neues Lokalanaestheticum der Novocainreihe (Pantocain) - Naunyn-Schmiedbergs Archiu 160: 53, 1931 in Zentralbl. f. H. N.Ohrenheilk. 17: 553, 1931
33 - Hoffmann, - Neue Ersalzmittel des Cocains - Zeitschr. f. Augenheilk. 78:20, 1932.
34 - Kgch, J. - Ueber Cocainersatzprãparate und die Grenzen ihrer Anwendungsmöglichkeit - Fortschr. d. Therap. 8: 338, 1932.
35 - Rehn, E. e Killian, H. - Lokalanaesthetica. Ein kritische Uebersicht ueber die alte und neue Präparate - Münchener med. Wschr. vol. I, 545, 1932.
35-A - Wiedhopf, O. - (13).
36 - Singer, R. - Pantocain als Oberflächenanaestheticum - Wiener klin. Wschr. vol. II, 1593, 1931.
37 - Runge, H. G. e Schmidt, H. - Pantocain, ein vollwertiges Cocainersatz - Archiu f. Ohren etc. 128: 232, 1931.
38 - Theissing, G. - Unsere Erfahrung. mit dem. neuen Lokalanaestheticum Pantocain bei der Oberflächenanaesthesie - Zeitschr. f. Largngol. 21:462, 1931.
39 - Tobeck, A. - Unsere Erfahrung. mit dem neuen 1-okalanaestheticum Pantocain als Schleimhautananaestheticum - Mediz. Iflinik vol I, n.º 1, 1931.
40 - Davidson, A. -Pantocain, das ideale Anaestheticum - Therap. d. Gegenwart 72: 329, 1931.
41 - Güssow - Die Lokalanaesthesie in der Rhino-laryngol. mit besonderer Berücksichtung . des Pantokains - Zeitschr. f. Largngol. 22: 137, 1932.
42 - Ikeda, H. - Unsere Erfahrung. mit dem neuen Lokalaneastheticmn Pantocain in der Oto-rhino-laryngol. - Otologia (Fukuoka) 5: 647, 1932 in Zentralbl. f. H. N. Ohrenheilk. 19: 169, 1932.
43 - Riecke, H. G. - Unsere Erfahrumg. mit Pantocain - Zeitschr, f. Largngol. 22: 457, 1932.
44 - Heinebach, F. H. - Mitteilung ueber vergleichende Wertigkeitsbestimniung neuerer Oberflächenanaesthetica und ueber unsere praktische Erfahrung, mit dem, Pantocain - Archiu f. Ohren etc. 133: 131, 1932.
45 - Schlegel - Zur Anaesthesie im Gebiete der Oto-rhino-laryngol. - Therap. Berichte 8:258, 1931.
46 -Finder - Verordnung der Reichministeriums des Innern vom 19. XII. 1930 betreffend das Verschreiben von Betäubungsmittei enthaltenden Arzneien - Soc. O.R.L. de Berlim, 8.V.1931 - Zentralhl. f. H. N. Ohrenheilk. 20: 62, 1933.
47 - Peyser, Meyer, Finder, von Eicken, Halle - Discussão á comunicação de Finder - Id. id. p. 62,63.

RÉSUMME'

PAULO MANGABEIRA ALBERNAZ - Les nouveaux anesthésiques de contact en oto-rhino-laryngologie.

L'A. commence par faire une étude générale des anesthésiques locales, en exposant les caractères de 20 des plus employés actuellement. Il montre ensuite les qualités que nous devons exiger d'un anesthésique de contact, en critiquant les exigentes de Fourneau, de Le Mée, pour l'anesthésique ideal, et celles de Braun, pour l'anestliésique local en général. II établit en suite les bases de ce qu'on peut appeler un bou anesthésique, non seulement au point de vue théorique, mais surtout au point de vue clinique. L'A. arrive alors à I'etude spéciale des anesthésiques. Il conimence par Ia butelline, qu'il employe depuis au moins an. Après 1'étude pharinacologique et 1'etude clinique, 1'A. expose resultals de son expérience personelle. Il termine eu assurant en' etant quelque modéré que Ia
Ia butelline est plus analgésique que Ia cocaine, peu plus toxique: Elle est aussi d'un prix plus cocaine, et n'est pas stupéfiante.
La deuxième substance etudiée est Ia percaïne, que est connue comme l'anesthésique local d'action le plus intense. Elle est plus toxique que Ia cocaine, mais cette toxicité est relative, parte que on n'employe pas les solutions sous 'des titres égaux. Elle n'est pas slupéfiante et coute moins cher que Ia cocaine.
La pantocaine est aussi une substance d'action analgésique raL. A. l'employe depuis environ 2 ans, et Ia anesthésique de premier ordre. Elle, non plus, pide et prolongée. cónsidère comme un n'est pas stupéfiante.
La tutocaine a été, pendant 5 ans, le seul anesthésique face employé par l'A. Avec 1'avènement de Ia pantocaine, Ia Bayer l'a retirée da commerce, niais elle est un bon anesthésique. L'A juge qu'il n'y a pas de motifs pour qu'on use encore Ia cocaine. Il montre que quelques cliniques allemandes, comme celles de Heidelberg, d'Eppendorf, et quelques specialistes, comme Halle, C. Hirsch, ont delaissé tout à fait Ia cocaine.
La cocaine étant trop chère, três toxique, et étant Ia d'un vice terrible, les specialistes ont le devoir de faire tous leurs efforts pour en abandonner 1'emploi.




(1) Comunicação apresentada á Secção de Oto-rino-Laringologia da Associação Paulista de Medicina, em 17-7-1933.
(2) (Oto-Rino-Laringologista do Hospital da Santa Casa e da "Clinica Stevenson", Campinas)

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial