Versão Inglês

Ano:  1944  Vol. 12   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 175 a 188

 

VITAMINOTERAPIA NO NOMA (ESTOMATITE GANGRENOSA) - A PROPÓSITO DE UM CASO CURADO (1)

Autor(es): ANTONIO CORRÊA (2)

Noma é a denominiação dada a um tipo de estomatite gangrenosa, tambem chamado "Cancer Aquoso", "Cancer" escorbutico, gangrena "Carbonosa". Clinicamente é uma ulceração gangrenosa da boca, encontrada principalmente em crianças com estado toxi-infeccioso ou debilitante grave.

Alguns A.A. procuram ligar esta estomatite à uma etiopatogenia vascular, ou seja, uma arterite obliterante com gangrena secundaria localizada geralmente ao nível da bochecha. Aí, os germes adquirem uma virulencia crescente, determinando lesão da mucosa que se extende aos tecidos profundos, à pele e progride assustadoramente. A denominação estaria reservada a esta gangrena, quando em crianças no curso de molestias anergizantes. No entanto tem sido descrita em adultos, quasi sempre ligada à uma molestia do sangue, tais como agranulocito e anemias leucopénicas.

GOKHALE apresenta um caso de noma em uma mulher de 30 anos, após o puerperio.
DAVIS cita outro caso em um homem de 21 anos, após uma mordedura da mucosa da bochecha.
TRIBLE e DICH relatam um caso em uma mulher de 35 anos, com anemia esplenica, tendo acentuada leucopenia.

QUADRO CLINICO

Do ponto de vista prático, seja o noma consequente à uma ulceração de Vincent ou a uma arterite obliterante da facial, o quadro clinico é semelhante, e o terreno organico em que se assesta é o da miséria fisiologica, devido a causas multiplas : molestias crónicas, molestias do sangue, avitaminoses, intoxicações e pirexias graves. Interessa-nos saber que a lesão é gangrenosa, progressiva, com abundancia de germes habituais da boca, de virulencia exaltada, assentando-se num organismo desnutrido e debilitado. A associação fusoespirilar, os estreptococos e pneumococos são os mais frequentes.

Certos A. alemães descrevem como germe mais importante o Cladothrix cuniculi; SHAW, do "Medical College of Virgínia". descreve um germe anaerobio gram negativo, o Bacilus necrophorus, como agente etiologico, e em certos casos foi tambem encontrado a C. diphteriae.

Conforme REILLY e M. VEILLON, encontram-se de 10 a 12 classes de germens no noma. Não ha portanto, um germe específico, mas germes mais ou menos frequentes, a quem são atribuidos o quadro clínico.

A molestia anergizante sobre a qual se assenta o noma, é constituida quasi sempre pelo sarampo. Nos 5 casos descritos na literatura medica nacional, o sarampo constitue a molestia prodrómica. SEMINARIO, em 108 casos verificados no Hospital de Crianças de Lima (Peru), de 1931 a 1939, encontrou o sarampo em 24% dos casos, a estomatite ulcerada em 16%, e em menor gráu, outras molestias, como febre tifoide, escarlatina, gastro-enterites e avitaminoses. Localmente, o noma, evolue em 4 (quatro), periodos, conforme Seminario: períodos inicial, período diagnóstico, periodo terminal e periodo de reparação.

O periodo inicial tem como ponto de partida, uma afecção dentaria, um trauma, uma gengivite ou uma estomatite. A seguir, a zona atingida inflama-se, ulcera-se, sendo recoberta de um induto acinzentado, isto é, com os característicos da estomatite de Vincent. Quando a lesão adquiriu carater necrótico, com cheiro gangrenoso; edema palpável e coloração avermelhada da pele, o periodo diagnostico se impõe.

Ha infiltramento ganglionar e febre.

Segue-se o periodo terminal, em que o edema torna-se duro, a zona avermelhada da face, enegrece, forma-se uma escara. Esta em dois a tres dias se retrai, com delimitação por um sulco da zona ainda não necrosada e pode ser retirada. Temos então a perfuração da bochecha com exposição do maxilar e queda dos dentes. A necrose dos tecidos progride para a periferia com o evoluir dos dias, atingindo a aza do nariz, labio superior, palpebra inferior, região parotidiana e ramo ascendente de mandibula. Neste periodo, em geral a morte sobrevem em 10 dias por molestia intercurrente, colapso, septicemia ou broncopneumonia.

O quarto periodo de reparação é raro. Diz Seminario, que dos 108 casos observados, todos os que atingiram o periodo terminal, não foram curados. No entanto, temos na literatura médica nacional, dos 5 casos publicados, e que se encontravam em periodo terminal, 3 foram curados, e, podiamos acrescentar o nosso caso objeto desta apresentação.

Embora. haja A.A. que dêem uma media de 100% de mortalidade para estas formas adiantadas de noma, pensamos que toda tentativa deve ser feita para curar estas crianças.

E como sempre a profilaxia é a melhor medicina. O tratamento das estomatites anergizantes, é a melhor maneira de combater o noma.

A criança se apresenta em estado toxico, com olheiras, reagindo muito pouco, e caso interessante não sentem quasi dôr, o que se verifica ao fazer os curativos locais. A temperatura oscila entre 38° e 39° C. A salivação e fetidês do halito são sintomas iniciais.

ETIO-PATOGENIA

Já em 1877, JORDAN, atribuia aos germes a causa da molestia, devido ao seu carater epidémico em hospitaes de crianças.

Mais tarde é que se deu importancia ao estado geral, profundamente alterado por uma molestia anterior, possibilitando aos germens de boca adquirirem propriedades necrosantes.

Embora a flora microbiana seja multipla, alguns A.A. procuraram inculcar o estreptococo, como causador da molestia, dada a cura obtida em certos casos de noma pelo soro antiestreptocócico. É o fundamento da teoria proposta por FORNARI. Este A. procura ligar o noma ao fenomeno de SANARELLI-SCHWARTZ-MANN. Este fenomeno, tipo anafilático, consiste na reação necrótica produzida por uma infecção desencadeante em um organismo sensibilizado por uma infecção primaria. Varios germens entre eles, principalmente o estreptococo é capaz de produzir este fenomeno, e o mais interessante, que de forma cruzada, isto é, com uma infecção primaria produzida por um outro germen.

Teriamos no noma em uma porcentagem maior ou menor, conforme a predisposição individual, o tipo de infecção geral e local (boca), a possibilidade do fenomeno de SANARELLI-SCHWARTZ-MANN, ou seja, a reação necrótica ao nivel da lesão bucal.

FORNARI, lançou esta teoria, dada as curas de noma obtidas com soro antiestreptocócico e prontosil em altas doses, e a existencia frequente do estreptococo na boca, germen capaz de produzir no coelho o fenomeno de SANARELLI-SCHWARTZMANN.

Esta teoria não explica os casos de noma produzidos em crianças com anemias alimentares, desnutrição, e nos casos em que a molestia geral não é infecciosa.

Observada a relação existente entre as estomatites ulcerosas, não especificas, e as avitaminoses do complexo B., conforme os estudos modernos, fomos tentados a tratar com acido nicotinico (fator PP), as estomatites ulcero-membranosas, em 1941.

Os nossos resultados animadores, confirmando os trabalhos de KING sobre a infecção de Vincent, foram apresentados a esta Secção em 17-10-1941.

Naquela ocasião apresentamos em colaboração com o Dr. Luiz Oriente, 8 casos de estomatite gangrenosa, dos quaes 6 foram curados e dois (2) morreram de disenteria bacilar. Dos 6 casos curados, de estomatite gangrenosa, não chegamos a ter em nenhum, perfuração da bochecha, mas em 1 só, notamos necrose e sequestração do processo alveolar superior. Posteriormente, tivemos ocasião de atender no Serviço de O. R. L. da Faculdade de Medicina, um caso de uma criança de 3 anos, internada na Otica Infantil da Santa Casa, que após sofrer de varicela, sarampo, broncopneumonia, com estado toxi-infeccioso e depauperamento organico, teve uma gangrena na bochecha.
Apesar de toda medicação intensiva, geral feita, a necrose se estendeu para a aza do nariz e palpebra inferior, falecendo em poucos dias a criança.

Este ano tive ocasião de tratar um 2.º caso de noma numa criança de 3 anos, internada, no Pavilhão "Condessa Penteado", e que curada constituiu motivo deste pequeno "mise-en-point" da questão.

Como a nossa orientação teve um angulo diverso do geral, encarando o problema da vitaminoterapia em altas doses no noma, principalmente pelo acido nicotinico, me atrevi a relatar o caso e interessar os colegas neste problema.

Penso que o acido nicotinico, foi um dos fatores de sucesso na cura desta criança, porem não o único. A terapeutica terá que ser multipla e individual. Os estudos experimentais e clínicos dos A. A. americanos, tendem a demonstrar que nas estomatites ulcerosas a deficiencia vitaminica, do complexo B, determina sintomas gangrenosos.

A avitaminose C concorreria para produção de lesões de carater mais superficial e hemorragico.

Fuso-espirilos, estreptococos podem ser encontrados normalmente na boca, principalmente quando a higiene é falha.

Estes germens, encontrando um meio favoravel, de desenvolvimento, num organismo sem defesa, multiplicam-se e tornam-se cada vez mais virulentos. O tecido gangrenoso é um verdadeiro meio de cultura para os germens anaerobios e de infecção secundaria.

A produção da gangrena é favorecida por lesões e alterações vasculares, inclusive a obliteração dos capilares. São plausíveis e descritas em casos de avitaminoses B e C, e em casos de toxi-infecções. A anatomia patológica tem verificado em casos de noma, trombose dos vasos que terminam na periferia da escara de gangrena. Além disso o aspeto do edema antes da perfuração da bochecha, lembra clinicamente o edema angioneurotico.

Na zona lesada a ação fagocitária estando diminuída, os tecidos não podem se opor a atividade microbiana exaltada e a necrose progride.

O diagnostico diferencial deve ser feito no início com a estomatite herpética, a estomatite impetiginosa, a agranulocitóse, e a estomatite em leucemicos.

A evolução do caso, o aspeto das lesões, a contagem global e específica facilitam o diagnostico das diferentes estomatites.

Quanto a estomatite de Vincent, devemos lembrar gire quando presente em organismos debilitados tende a evoluir para estomatite gangrenosa, sinão fôr devidamente tratada.

TRATAMENTO

Na literatura verificamos uma multiplicidade de tratamento, denotando, os resultado escassos obtidos.

SBISA utilisa o sulfato de cobre a 10% e cloreto de calcio em injeções diarias, quando predominam os bacilos fusiformes na lesão; o neosalvarsan no caso dos espiroquetas e, o soro antidiftérico quando encontrado o bacilo de Loffler.

FORNARI curou 2 casos de noma com soro antiestreptococico e prontosil em altas doses. Localmente o autor retirava todos os dias com pinça os tecidos necrosados, limpando com água oxigenada e pincelando com uma solução de alcool e tintura de iodo.

REYES, curou o noma numa criança de 2 anos e 6 meses, com curativos locais de água oxigenada e iodo injetavel, lembrando que os pais da criança eram sifilíticos.



SEMINÁRIO nos seus 108 casos obteve a cura de 49 casos, cuidando, da alimentação, fazendo curativos diarios com água oxigenada e mercurio-cromo e quando a melhora não se dava em dois (2) a três (3) dias, fazia excisão cirúrgica com bisturi elétrico. Ainda administrava vitamina C diariamente em altas doses.

VAZ DE LIMA tratou de uma criança de 4 anos com termocauterio, 914 e nitrato de prata em curativos locais.

TAVARES E LIMA, curaram o noma de uma criança de 7 anos com 914, bismuto e liquido de Dakin em curativos.

PIRES em um caso de noma, utilisou o neosalvarsan, agua oxigenada e nitrato de prata sobre a lesão. Fez excisão da lesão e injeção de 914, antipiovacin, angioxil, ascorbotrat, betaxina e vitamina Lorenzini. Pires resalta no seu trabalho o efeito do angioxil, combatendo o estado angioespatico dos ramos da arteia facial. Lembraremos que o autor utilisou a vitaminoterapia intensiva.

Entre nós J. F. BARRETO curou um caso de estomatite ulcero membrosa provavelmente gangrenosa, com injeções diarias de vitamina C (Cantana forte).

J. MAIA curou pela piretoterapia com solução oleosa de enxofre de 1%, um caso de estomatite ulcero membrosa, de carater gangrenoso.

Outros casos ainda existem na literatura médica, de curas de noma, com radioterapia, transfusões de sangue, padutina, e uma diversidade de medicamentos para aplicações locais.

A terapeutica terá que ser local e geral e de modo intensivo e persistente. Mesmo que seja uma lesão de carater ulcero-membranoso, em crianças debilitadas, lembrando a estomatite de Vincent, tratamos como se fosse um noma em evolução. Estabelecido o diagnóstico, por apresentar a estomatite já o carater gangrenoso, com edema palpavel, coloração avermelhada da pele e cheiro necrotico; maior será o nosso cuidado, afim de evitar o agravamento do quadro e a necrose de toda a bochecha, quando então a possibilidade de cura é menor.

Tratamento local: Consideramos básico a retirada dos tecidos necrosados, com tesoura, bisturi ou pinça, até encontrarmos tecido são, tecido sangrento. Está intervenção tem por objetivo eliminar o meio de cultura que constitue os tecidos gangrenosos. Será feita diariamente se necessaria, limpando-se com água oxigenada pura, e tocando-se cada 2-3 dias, os bordos da lesão com acido cromico à 3%.

Além disso, durante o dia será feito curativo local com água oxigenada ou líquido de Dakin diluidos ao quarto, cada 2 horas.

Alimentação será no possível mantida para fornecer as calorias, vitaminas e sais minerais necessarios. Se por anorexia ou dificuldade à mastigação ou deglutição, a criança não toma alimentos, introduzimos uma sonda nasal. Esta servirá não só para a alimentação cada 2 ou 3 horas, como tambem para a medicação por via oral.

Tratamento Geral: Este tem tanto ou mais valor que o tratamento local. Consistirá na ministração de vitaminas, transfusões de sangue, e outros medicamentos indicados para o caso individual.

A vitaminoterapia terá como base o acido nicotinico, fornecido por via oral. No nosso caso de noma chegamos a dar a criança até 1200 mgs. diarios, sem sintomas de intoxicação. As vitaminas B1 e C poderão ser dadas sob a forma de injeções.

Sempre que possivel completamos a medicação vitaminica com as vitaminas A e D, sob a forma de gotas por via oral.

Como todo o portador de estomatite gangrenosa, em geral é um organismo deficiente em vitaminas, não necessitamos realçar aqui as indicações terapeuticas das vitaminas B, C, A e D. Esse grupo agirá melhorando a resistencia organica e favorecendo a cicatrização de lesões, principalmente nas mucosas.

O factor PP, do complexo B, segundo as pesquisas americanas, agem sobre as celulas em geral, favorecendo as suas trocas, aumentando a sua vitalidade e portanto incrementado as propriedades de defeza e reparação dos tecidos do corpo. De modo particular, favorece a cicatrização das lesões da mucosa do tubo gastro-intestinal.

Alem disso, o acido nicotinico goza de ação vasodilatadora sobre os ramos vasculares periféricos, dai o seu emprego na sindrome de Menière e nos fenomenos angio-neuróticos dos membros. O factor vascular sendo um dos causadores do noma, o efeito vaso dilatador do acido nicotínico só poderá ser benéfico.

As transfusões de sangue, como em todas as molestias graves, é um elemento terapêutico de 1.ª ordem para auxiliar a cura de estomatite gangrenosa. Infelizmente no nosso caso não pudemos utilisar esta terapêutica na quantidade e frequência desejada.

OBSERVAÇÃO

Historia: A menina Carolina com 3 anos de idade, branca, foi internada no Pavilhão Condessa Penteado da Santa Casa em 25 de Janeiro deste ano. Por ocasião da entrada era portadora de uma anemia grave provavelmente de origem parasitaria e alimentar. Comia terra e expelia com as feses pequenos vermens parecidos com fios de linha. A criança foi medicada com uma ampola de gaduol em dias alternados, e transfusão de sangue (20 cc), uma vez por semana. No dia 9 de Março ao examinarmos a criança encontramos o seguinte quadro: Exame O. R. L.: Edema duro da bochecha D. atingindo a região infraorbitaria. Na mucosa da bochecha havia uma ulceração gangrenosa que invadia a gengiva superior com os bordos bem delimitados. O halito era tipicamente necrótico, a anemia acentuada e o estado de prostação evidente. Tratamento: Retiramos no mesmo dia com pinça e tesoura, grande porção da mucosa e tecido subjacente que se achavam necrosados. Limpamos com água oxigenada pura e rocomendamos à enfermeira curativos cada 2 horas com água oxigenada diluída. Receitamos acido nicotínico (B.D.H.), em comprimidos na media de 100 mgs. cada 2 horas, num total de 1.200 mgs. por dia. Foi ainda indicado vitamina C (redoxon), e vitaminas A. e D. (Radiostoleum).

As transfusões de sangue foram continuadas mas não foi possível fazer mais do que 20 cc por semana, portanto deu resultado pequeno.

Evolução. Embora notassemos diminuição da fetidês do halito e melhora do aspecto geral, a necrose dos tecidos profundos da bochecha já se tinha iniciada, de modo que no 4.° dia de tratamento, tivemos que retirar o tecido gangrenado cirurgicamente até encontrar tecido hemorragico, ou seja, toda a região da bochecha. Isto feito a criança ficou com o maxilar superior direito exposto, e, do hemi-labio superior direito só permaneceu uma pequena brida cutaneo-mucosa. Melhorando o aspecto da lesão reduzimos a dose de acido nicotínico, progressivamente até o dia 10 de Abril, quando suspendemos a medicação. No 8.º dia de tratamento não havia mais tecido necrosado na bochecha a não ser na região retro-molar, e, a brida labial se desprendeu por falta de vascularização.

Afim de que a alimentação fosse mantida colocamos uma sonda nasal. A fotografia (1) tirada no 7.ª dia de tratamento mostra o processo gangrenoso já vencido, um ligeiro edema infraorbitario e a sonda nasal para alimentação e medicação. O noma destruiu a bochecha, a mucosa da gengiva superior, a metade direta do labio superior quasi na totalidade, e o bordo da aza da narina.

A melhora se acentuou progressivamente, sendo que no dia 6 de Abril retiramos um pequeno, sequestro da tuberosidade maxilar e tambem o ultimo dente molar.

A contagem sanguínea feita no dia 30 de Março revelou o seguinte:

Glubulos Vermelhos 1.800.000 por mmc
Hemoglobina 32%
Valor Globular 0,8%
Basoflios 2%
Eosinofilos 3,2%
Neutrofilos Jovens 2,8%
Neutrofilos em bastonete 14%
Neutrofilos em segmentados 19,2%
Linfocitos 56,8%
Monocitos 2%

Hiprocromia acentuada, pontilhado basófilo, anisocitose e poiquilocitose evidentes. Muitas hemacias nucleadas, corpos de Joly, granulações tóxicas em alguns neutrófilos, e linfócitos na maioria típicos (Dra. Lygia).

Exame de Urina (21-3-44): Alb. e Acetonas : negativos. Sed. Raras celulas, raros leucocitos isolados, poucos germes e algulis cristais de fosfato amoniaco magnesiano. (Dra. Lygia).

Exame de Fezes (4-4-44): Ovos de Ancilostomideos (Dra. Lygia).

Até o dia 10 de Abril ou seja, em 31 dias de tratamento a creança tomou 14.300 miligr. de acido nicotínico, quando suspendemos a medicação. Até a mesma data tornou ainda 11 ampolas de Redoxon fraco, 6 ampolas de Benerva e fez 4 transfusões de sangue de 20 cc. cada uma.

Comentários: Em 1 mes de tratamento consideramos o caso curado, com uma terapeutica geral em que predominou as grandes doses de acido nicotínico por via oral. Localmente a partir do 15.ª dia, quando não havia mais tecido gangrenado, substituimos os curativos locais de água oxigenada diluida por compressas humidecidas com soro fisiologico, afim de favorecer a granulação e a cicatrização da lesão.

Tiramos para documentação do caso duas fotografias (ns. 1 e 2) respectivamente nos dias 16-3-44 e 12-4-44, que mostram a evolução cicatricial e o fechamento da zona lesada. Mostramos, para uma cirurgia plastica posterior, o caso ao Dr. Rebelo Neto, que se prontificou a intervir em ocasião oportuna, após melhorar o quadro sanguíneo da paciente.

Um novo exame hemocitológico praticado no dia 5-5-44, após termos entrado com a terapeutica hepática e protoxalato de ferro, mostrou uma melhora evidente, conforme o quadro seguinte:



Fig. I - Noma da bochecha direita, no 7.º dia de tratamento.


Fig. II - Noma, com 33 dias de evolução, já curado, em cicatrização final.



Globulos vermelhos ........ 2.536.000 p. mmc.
Globulos brancos .......... 5.600 p. mmc.
Hemoglobina ............ 43%
Valor globular .......... 0,8% (Dra. Lygia)

CONCLUSÕES

Do aspecto referente aos estudos dos casos citados por outros A. A. e o estudo dos nossos casos de estomatite gangrenosa e noma, concluimos que:

1) O noma, com forma infantil de estomatite gangrenosa, é uma molestia deficitaria por queda da resistência orgânica e alteração profunda do estado geral, devida a uma molestia toxi-infecciosa ou crônica anterior.

2) A diminuição da vitalidade orgânica facilita a exaltação dos germes da boca que adquirem qualidade necrozantes, alem de que a propria molestia infecciosa geral determina provaveis lesões arteriais com a consequente gangrena.

3) O tratamento local tem por objetivo a retirada de todo tecido necrosado pela cirurgia, e curativo diarios com medicamento oxigenante afim de combater a proliferação dos germes, principalmente dos anaerobios.

4) No tratamento geral utilizamos a terapeutica com vitaminas B, C, A e D, porém tomamos como base curativa as altas doses de acido nicotínico.

5) O acido nicotínico além de ter um efeito geral aumentando a vitalidade e resistência dos tecidos, tem um efeito vasodilatador benéfico na gangrena de origem vascular.

6) As transfusões de sangue e as medicações sintomáticas de acordo com o caso individual, não deverão ser esquecidas porque todo caso de noma é um caso grave, de alta mortalidade, exigindo terapeutica constante, vigilante e cuidadosa.

7) A melhor profilaxia para evitar o nona é tratar precocemente e intensivamente, pela higiene bucal, vitaminoterapia e alimentação suficiente, toda criança caril molestias debilitantes e anergizantes. Nesse grupo de molestias ocupam o primeiro plano o sarampo, a febre tifoide, a bronco-pneumonia, e as estomatites ulcerosas, estas quasi sempre reveladoras de carencia vitamínica.

RESUMO

O autor após estudar o quadro clinico, a etiopatogenia, o diagnostica e tratamento do noma, relata um caso que teve ocasião de tratar e curar. Tratava-se de uma criança de 3 casos de idade, com anemia acentuadissima de origem alimentar e parasitaria, que apresentou gangrena da bochecha; direita com a consequente eliminação dos tecidos da região.

A terapeutica local foi feita pela cirurgia e curativos diarios, e à terapeutica geral teve por base a vitaminoterapia. O tratamento vitaminico constou de vitaminas B, C, A e D, e grandes doses chegaram até 1.200 mgrs. diarios de acido nicotinico.

O autor conclui encarando o noma como molestia de carencia, e chama atenção para profilaxia. Esta consistirá em tratar precocemente as estomatites em crianças, cuidando da higiene bucal, dá alimentação e vitaminoterapia em todo caso de sarampo, febre tifoide, bronco-pneumonia e outras molestias debilitantes.

SUMMARY

After an introductory study of the clinical picture, etiopathogeny, diagnosis and treatment of noma, the A. reports a case he had under his care, which recovered.

This was a 3 years old girl, suffering from severy anemia, caused by malnutrition and parasitic infestation, who presented gangrene of the right cheek and consequent elimination of the surrounding tissues.

Local treatment consisted of the surgical removal of the necrotic tissues and daily care of the lesion; general treatment was baséd principally bn the administration of vitamins B, C, D, and high dosages of nicotinic acid, up to 1200 milgs. a day.

Upon concluding the A. states that Noma is a dificiency disease and calls attention to the prophylaxis.

This would include early treatment of stomatitis in children, oral hygiene, proper feeding and administration of vitamins in every case of measles, typhold fever, bronchopneumonia and other debilitating diseases.

BIBLIOGRAFIA

1) BARRETO, JOÃO F. - Ensaio e tratamento de determinadas estomatites pelo acido ascorbico. - Pediatria Pratica - Vol. IX, Fac. III, Maio-Junho de 1938.
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5) PIRES, J. R. - Noma, doença angioneurotica. - Brasil Medico- Rio, vol. 53, n. 30 pag. 690, Julho 1938.
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10) TRIBLE, G. B. and DICK, A. - Arch. of Otolaryngology. - Vol. 16 n.º 1 Julho 1932 pag. 1.
11) VAZ DE LIMA, B. - Noma da face - Rev. Otolaring. de São Paulo - Vol. 1 n.º 3 Maio e junho 1933.




(1) Trabalho apresentado á Secção de O. R. L. da Associação Paulista de Medicina em 17-5-44.
(2) Adjunto da Clin. O. R. Laringológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Otolaringologista do Inst. "Arnaldo Vieira de Carvalho". (Inst. de Radium).

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