Versão Inglês

Ano:  1944  Vol. 12   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 167 a 170

 

MENINGITE RINÓGENA

Autor(es): DR. IVO NETO

Jaú.

Não obstante o seu número de frequência não atingir a altura estatística das complicações encefálicas de origem auricular, a cavidade nasal atua, também, como ponto de partida dessas complicações.

No computo geral dos casos que chegam às mãos do especialista a origem propriamente nasal não é das mais encontradiças. Estamos familiarizados, através da experiencia clinica e da literatura médica, com as complicações do endocraneo oriundas das cavidades sinusais e, destas, o seio frontal dando a sua maior contribuição. No entretanto, no que diz respeito aos casos em que o trauma operatório age como fator desencadeante dessas complicações estamos pouco habituados a seu relato, daí a oportunidade das presentes considerações em torno dum caso que nos foi dado seguir.

As vias pelas quais a infeção de origem nasal ganha o endocrânio para produzir as complicações podem ser classificadas de diretas e indiretas. Entre estas últimas podemos salientar: 1.º - VIA LINFÁTICA - E' estreita a ligação linfática entre a mucosa nasal e a cavidade craneana e é por seu intermédio que se explicam as "meningites fulminantes de Luc", procedendo-se, assim, o rápido transporte de germes.

Von Eicken relata um caso de meningite após a operação do frontal propagada através do corneto médio. A necropsia revelou haver a infeção subido pelos linfáticos do olfatório, através da lamina crivada, para o bulbo olfatório e para a piamater. 2.º -VIA VASCULAR - Também as veias perfurantes são causa da transmissão da infeção. Há um certo número de descobrimentos microscópicos que nos mostram com segurança o modo pelo qual se processa a infeção. Num caso de meningite de Hinsberg a substância óssea da parede interna do frontal estava, microscópicamente, intacta, porém as veias perfurantes mostravam-se trombosadas. Manasse cita um caso com, preparação microscópica onde o osso está são e os vasos cheios de pús. Também Hajeck encontra estreptococus numa veia da medula óssea do assoalho da órbita.

Os vasos perfurados durante o trabalho cirúrgico também podem veicular a infeção. A respeito dos primeiros caminhos, isto é, os diretos, enumeram-se: a) PERFURAÇÃO DA PAREDE CRANEANA - causa como esta tem sido observada pela operação e péla necrópsia. Killian afirma ser raridade. Drayffus, ao contrário, acha em dezenove casos de sinusite frontal, doze vêzes a causa em apreço. A inflamação da mucosa do seio frontal comunica-se ao osso pouco espesso e acarreta a sua perfuração, é o raciocínio; b) A DEISCÊNCIA OU AUSÊNCIA ÓSSEA é, também, uma das causas de origem da complicação que estudamos. Para aqui transportamos o testemunho dum caso de Burger : rapaz de 35 anos ingressa à clínica com temperatura alta, respiração estertorosa e sinais graves de meningite. Punção lombar purulenta, presença de leucócitos, linfócitos e estreptococus. Morte poucas horas depois. A necropsia constatou-se meningite purulenta. Etimoide cheio de pus. Por uma abertura da grossura dum lapis via-se o espaço extra-dural correspondendo a parte anterior da lamina crivada donde fluia pus. Do lado direito havia a mesma abertura porém sem pus. O doente fôra operado 5 vêzes de polipos de ambos os lados e, à esquerda, o etimoide havia sido esvasiado. Após o esvasiamento etimoidal queixou-se de fortes dores de cabeça e 3 dias depois morre. Foi o trauma, diz Burger, que transportou a infeção duma etimoidite crônica para as meningeas. A deiscência óssea facilitou a propagação até as membranas cerebrais, assim como, na otite média aguda, a deiscência do canal facial favorece a paralisia que se observa. Hoppe fala em favor de uma atrofia óssea senil.

Para o nosso caso não podemos ter uma certeza sobre que maneira se tenha instalado o processo infeccioso meningeo. Em primeiro lugar, porque a rinoscopia não nos deu maiores detalhes além de uma fossa cheia de pus e uma sinéquia alta; secundariamente, o colega cirurgião furtou-se a uma aproximação para maiores esclarecimentos. Tanto quanto nos permite o raciocínio, concluiremos do modo seguinte: ou um processo purulento pré-existente, auxiliado pelo traumatismo operatório - via vascular ou linfática - ganhou as meninges, ou o traumatismo cirúrgico da lamina crivada da etimoide foi a causa determinante do processo infeccioso cerebral.

Ficha n.º 1.366. - M. A. F. - Branca, feminina, 34 anos, casada, brasileira, doméstica, moradora em Jaú. Chamado a domicilio. Respirava muito mal pelo nariz e, ha seis dias, foi operada por especialista dum Instituto local. Após a intervenção, informa o marido, veio para casa. No dia seguinte, sentiu dores de cabeça e apareceu corrimento nasal do lado operado. Como as dores aumentassem, procurou novamente o médico para hospitalizar a paciente, mas conveio ele que era coisa passageira, sem importancia, não carecendo internamento, receitando-lhe "Cibalena". Hoje, porem, piorou muito: febre alta, gritos, vómitos, inconsciência (sic).

Exame: 10-11-41 - Doente em opistótonos, aos gritos, pupilas dilatadas, anarquia psíquica, temperatura de 39 graus; rigidez de nuca, Kernig, Brudzinske, raias de Trousseau. Ao exame rinológico constatamos secreção purulenta enchendo a fossa direita e sinéquia alta. Fizemos o nosso diagnostico, receitamos "Cibazol", - 12 comprimidos diários - "Necroton", "Dolantina", gelo permanente e pedimos à família uma entrevista com o médico operador. Como este se negasse e insistisse no pontos de vista de que o caso carecia de importância, apontamos a gravidade do mesmo e solicitamos uma conferência com um colega qualquer, Veio, no dia seguinte, um clínico local que confirmou o nosso diagnostico de meningite. De pronto foi realisada a punção lombar, colhido o líquido para exame e injetados 10 cc. de "Albucid" a 30% na raque. Foram prescritos sedativos, "Albucid" a 30%o na veia (6 cc., 2 vezes ao dia) e continuação da medicação anterior, isto é, "Cibazol" na mesma dose, "Necroton", "Dolantina" e gelo na cabeça. O liquor carecia de hipertensão, mas apresentava-se turvo, hemorrágico. O exame microscópico revelou apenas hematias e piocitos. Vinte e quatro horas depois, já se esboçava alguma melhora. Menor cefaléa e o estado de anarquia psíquica é menos acentuado. Persistem a rigidez de nuca e a temperatura, embora as demais contraturas estejam melhoradas. Nova colheita de liquor e injeção de 10 cc. de "Albucid" intra-raqueana. Neste momento, a paciente teve forte reação: convulsões generalizadas, sudorese abundante, trismos, repuxamento da face esquerda, cedendo tudo, ao cabo de poucos minutos, com aplicação de uma ampoula de "Sedol". O liquido céfaloraqueano apresentava-se com aspeto hemorrágico, porem menos intenso. Dois dias depois, eram tão acentuadas as melhoras - desaparecimento da cefaléa e das contraturas, inclusive a rigidez da coluna vertebral, respostas claras às nossas perguntas, persistindo apenas a temperatura - que não mais realisamos a punção lombar. Continuamos, porem, com o "Cibazol", "Necroton" e "Albucid" a 30%" na veia, terapeutica que a prolongamos por espaço de mais quatro dias em virtude de não haver manifestação do menor sinal de intolerancia. Daí por diante, caindo a temperatura, passou a tomar metade das doses iniciais até o décimo dia, quando demos alta, recomendando, porem, continuar com o "Cibazol" por mais uma semana, num total de 3 comprimidos diários. Durante o periodo de moléstia, como já nos referimos acima, não houve sinais de intolerancia, as urinas conservaram-se. normais, apenas pouco abundante e a constipação era combatida com enteroclismas diários. Dois meses depois, tivemos oportunidade de rever a doente que sentia-se bem, queixando-se apenas de dores de cabeça esporádicas. Impressionada com o que passára não nos permitiu ao menos um exame nasal. Foi-lhe receitada vitamina Bl injetavel.

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