CAPILARES DO SANGUE E OTORRINOLARINGOLOGIA
Autor(es): DR. JOSÉ GUILHERME WHITAKER - Livre-Docente de O. R. L.
(III)
INFLAMAÇÕES CRÔNICAS
Em otorrinolaringologia, o meio mais prático e, talvez, mais seguro, para saber se é crônica determinada inflamação das mucosas, é, ainda, a verificação do tempo decorrido desde o seu início. M. Hajek, falecido há 11 anos e que, durante muito tempo, foi considerado o melhor dos especialistas, afirmava que uma sinusite deve ser considerada crônica quando entra no terceiro mês após seu início, apesar de serem freqüentemente, erradas as informações prestadas pelos pacientes (1).
Qual a razão de se tornarem crônicas as inflamações das mucosas? As pesquisas em número considerável feitas a esse respeito não são concludentes, trazendo, antes, confusão, pelo que nos limitaremos a nossos próprios pontos de vista - já expostos, aliás, em trabalhos anteriores, sobretudo em nossa Tese de 1947.
A defesa natural que o organismo opõe às infecções tem como pilar fundamental a fogocitose, que, como se sabe, consiste na captura e destruição de micróbios patogênicos por determinados corpúsculos brancos do sangue denominados, por tal motivo, fogócitos. Ao contrário do que ainda acreditam muitos otorrinolaringologistas, o poder bactericida do muco nasal e das lágrimas e o movimento dos cílios vibráteis da mucosa nasal são de eficiência secundária, como o provou jules Bordet, em seu notável Tratado (2) no qual, também, se aprende que anticorpos e defesa humoral cooperam com a fogocitose, não havendo antagonismo algum entre esses agentes da defesa natural.
Verificou, ainda, Bordet que certas substâncias têm a propriedade de atrair os fagócitos para fora da corrente sanguínea e que, nas regiões para onde eles afluem, a resistência às infecções aumenta consideravelmente. Assim, provocando-se, no peritônio de certos animais de laboratório, afluxo abundante de fagócitos, por meio de várias substâncias (3), verifica-se, após pouco tempo, que a introdução, na cavidade peritoneal, de cultura, de micróbios em doses superiores àquelas que, sabidamente, determinariam imediatamente a morte, não provoca alterações no estado do animal, sendo, ao contrário, os micróbios prontamente destruidos (4).
A defesa fagocitária efetua-se em todo o organismo, mas é de caráter local, não conferindo imunidade geral, nem mesmo local, não sendo, tampouco, específica. As mucosas do nariz, bôca, rinofaringe, traquéia, intestinos, normalmente em contato com toda espécie de micróbios, são percorridas por correntes contínuas de fagócitos, que, abandonando a circulação, atravessam as paredes dos capilares e, no curto trajeto até o "lumen" das cavidades, apoderam-se dos micróbios que por ventura encontrem, destruindo-os por digestão. Graças a essa vigilância contínua é que os pequenos e tão freqüentes ferimentos na boca cicatrizam rapidamente e raramente se infeccionam e, nos intestinos o sangue é protegido contra a penetração dos micróbios intestinais (5).
Foram essas pesquisas, rigorosamente fundamentadas, de Jules Bordet que nos animaram a empregar o estímulo local da fagocitose no tratamento das doenças inflamatórias, reversíveis, da otorrinolaringologia.
Dentre as substâncias que atraem os fagócitos, verificamos que, para as sinusites crônicas, a mais eficiente é o iodureto de potássio introduzido pelo método de deslocamento de ar no interior dos sinus, como trilha, e nos electrodos externos; para as agudas; o íon cálcio (6) que sem propriamente atrair os fagócitos, excita sobretudo a atividade dos macrófagos, mas é empregado somente nos eletrodos externos, a trilha dos sinus devendo ser a cocaína simples ou associada à efedrina ou a um antialergico (histadyl). Para as amígdalas, o composto mais ativo nesse sentido é o nitrato de prata (nossa Tese de 1947), usando-se também o bonain e sulfanilamida.
Demonstra Bordet que a defesa dos micróbios dirige-se, sobretudo, contra as atividades fagocitárias: tôda causa que dificulte ou impeça a fagocitose contribui "ipso facto" para maior intensidade da infecção ou para sua tendência a se tornar crônica.
São numerosas as causas que se opõem à fagocitose, como o demonstrou Jules Bordet. Verificamos, de nossa parte, que a mais freqüente é o espessamento das paredes dos capilares, que estorva ou impede a passagem dos fagócitos aos quais incumbiria a defesa do território organico invadido pelos micróbios. Afirmou O. Mililer (7) e foi-nos igualmente possível verificá-lo "in anima nobile" (nossa Tese de 1947, pág. 55) que esse espessamento é provocado pela glicose, o mais constante dos produtos em que a digestão desdobra os hidratos de carbono, de tão abundante uso em nossa alimentação.
Outra causa freqüente da queda das defesas naturais é o contato prolongado com a água, o qual faz baixar (8) imediatamente o índice opsônico. Verifica-se esse resultado em consequência de hábitos bem nossos conhecidos, como, nos homens, o encharcamento dos cabelos nos banhos de chuveiro ou nas molhaduras repetidas para "assentá-los", e, nas senhoras, as visitas ao cabeleireiro, uma ou mais vêzes na semana. A permanência demasiadamente longa, além de 20 minutos, na água do mar ou nas piscinas e a secagem da roupa de banho no corpo para, depois, voltar ao banho, são condenáveis pelo mesmo motivo.
Em trabalhos anteriores (9), apontamos outras causas capazes de prejudicar as defesas naturais.
Recentemente, tem-se procurado atribuir à alergia a causa da diminuição da resistência natural, imputando-se-lhe 90% das sinusites maxilares crônicas, sem que, entretanto, tenha sido apresentada a terapêutica adequada. Adiante voltaremos a tratar dêsse assunto, embora ligeiramente.
O "comer errado", porém, e a higiene mal compreendida, pela sua habitualidade entre nós, justificam que com elas nos ocupemos repetidamente, como ainda o faremos em capítulo posterior.
O diagnóstico de inflamação crônica faz-se por sintomas clínicos, uma vez que os exames histopatológicos, sobretudo nas sinusites, revelam sinais de inflamação aguda, de inflamação crônica e mucosa em estado normal, lado a lado (10).
O tempo decorrido desde o início da inflamação é que dirá se esta é crônica, devendo ser considerada como tal a sinusite que entrar no terceiro mês (11). Resfriados que se repitam freqüentemente são suspeitos de representarem exacerbações de sinusites crônicas, devendo o especialista não esquecer-sede que a rinite vasomotora é freqüentemente tomada pelo paciente como sinusite.
A localização subjetiva pouco vale, segundo Hajek (12). Realmente, é freqüente, por exemplo, a sinusite maxilar provocar dores na região frontal e a sinusite esfenoidal provoca-las na região occipital, como se vê, principalmente, nos estados agudos. Há, entretanto, um sintoma subjetivo que se nos tem mostrado de grande valor prático nas sinusites agudas e nas exacerbações das sinusites crônicas: a dor ou peso sentido no maxilar ou nos dentes, quando o paciente se inclina, como se fosse apanhar algum objeto do chão. Apenas uma vez em muitos anos vimos falhar esse sinal, que se originava em discreta inflamação da gengiva, pois desapareceu com a gengivite que foi tratada com jatos de oxigênio transportando iodureto.
A radiografia é de utilidade para revelar inflamações crônicas do maxilar e do frontal, com hipertrofia da mucosa. Nas etmoidites e esfenoidites crônicas, a posição de Rhese tem-se nos revelada também eficiente.
Para as etmoidites e esfenoidites, freqüentemente associadas, sendo preferível designa-las, em conjunto, como sinusites posteriores, é de grande valor diagnóstico o sinal subjetivo de "puxar o pigarro de trás do nariz", geralmente pela manhã ("vomitus matutinus"), por acumular-se secreção durante o sono e por estarem as aberturas daqueles sinus mais proxima da rinofaringe do que das narinas. A secreção dos sinus maxilar e frontal, cujas aberturas ("ostia") estão situadas na parte anterior do, meato médio, é geralmente assoada no lenço. Entretanto, verificamos uma exceção no caso de um catarro subagudo da trompa de Eustáquio e do ouvido médio, que, em lugar de ser causado, como em regra o é, por uma etmóidoesfenoidite, nesse caso era mantido por uma sinusite frontal, cuja secreção escoava-se para trás. Revelado o êrro pela radiografia, uma pequena intervenção no meato médio curou o ouvido.
Para diagnosticar amigdalites crônicas; o sinal mais valioso é o das inflamações freqüentes. O volume aumentado das amígdalas; e, quando expremidas, a saída de rolhas de "caseum" são de valor secundário; quando apresentam côr vinhosa, porém, devemos nos alertar.
Na laringite crônica, não específica, o sinal clínico predominante são rouquidão e pigarro laringeo. Em bom número de casos, são responsáveis focos infecciosos nas amígdalas (13), com menor freqüência os sinus posteriores. Aliás, é sabido que pequenas irritações, provocadas com o toque de uma sonda ou por inflamações na parte mais posterior do nariz e na rinofaringe são localizadas pelo paciente na laringe (14). Outras vêzes, a etiologia encontra-se nuin desequilíbrio hormônico, sobretudo no sexo feminino. Permanência em ambientes empoeirados, enfumaçados, em que se fala muito e muito alto, bem como o abuso de álcool, são causas freqüentes de laringites crônicas no sexo masculino. Nas crianças, o hábito de gritar constantemente leva à formação de nódulos vocais, sobretudo naquelas predispostas por um desgoverno capilar.
Em todos os casos de inflamação crônica, seja nos sinus, seja nas amígdalas ou na laringe, o tratamento será local, geral e profilático.
0 tratamento local consiste no estímulo local das defesas, geralmente do afluxo de fogócitos; o tratamento geral baseia-se na administração de vitaminas, de acordo com a sintomatologia carencial, e, o tratamento preventivo, no ensinamento de uma alimentação rica sobretudo em vitamina B1 e na prática de higiene racional (15). (ou Capítulo VI).
Para as sinusites crônicas, a penicilina em injeções não dá resultados, mas pode ser eficiente, quando introduzida nos sinus e ionizada em seguida, como se faz com o iodureto de potássio, empregando-se, porém, tempo consideravelmente mais longo (meia hora, em lugar de 5 ou 10 minutos). 0 mesmo se aplica às sulfas, das quais a mais ionizável é o Albucid "Schering", retirado das ampolas nas quais é vendido, e a Terramicina.
Quanto aos resultados da radioterapia nas sinusites e amigdalites agudas ou crônicas, que praticamos por mais de dois anos, indicamos nossa Tese de 1947, e outro trabalho mais antigo (16).
Não são do âmbito dêste artigo as descrições dos métodos cirúrgicos para o tratamento das sinusites crônicas. Devemos, porém, mencioná-los para realçar a importância do emprêgo das fôrças naturais de defesa e das medidas profiláticas, porque são comuns os casos de recidiva de sinusite operada, o que fez com que se difundisse, entre os leigos, a idéia de que "sinusite não sara". 0 próprio Hajek ensinou que o sinus maxilar, único a permitir operação radical sem desfiguração, está sujeito a recidivas após a operação (17). Entretanto, as sinusites podem ser curadas desde que o paciente observe, também, as medidas do comer "certo" e da hagiene "bem compreendida".
As inflamações crônicas nos sinus e amígdalas, freqüentemente, constituem focos de infecção agindo à distância. Deles nos ocuparemos em outro artigo a seguir.
(A continuar)
(1) M. Hajek. Die Nebenhöhlen der Nase. 5.ª edição, 1926, págs. 256 e 258.
(2) Jules Bordet. Traité de L'Immunité dans les Maladies Infectieuses. Segunda edição, 1939.
(3) Caldo simples, nucleinato de sódio, produtos microbianos, extratos de órgãos, iodureto de potássio, nitrato de prata, cálcio - Nossa Tese de 1947, "Aspectos novos da Otorrinolaringologia", para a Livre Docência da Cadeira de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, págs. 131, 147, onde citamos Jules Bordet.
(4) Jules Bordet, obra citada, págs. 224, 238 e 242.
(5) Jules Bordet, obra citada, pags. 85 e 208. C. Zarniko "Die Erkrankungen des lymphatisclieu Rachenringes. Handbuch Denker e iialhler vol. II pág. 131.; Blumenfeld ibidem pág. 182.; Nossa Tese 1947, citada, págs. 120 e 121.
(6) Jules Bordet, obra citada, págs. 224, 238. O íon cálcio diminui, também, r. permeabilidade anormal dos capilares: o edema, às vezes grande, que se segue à extirpação da laringe, desaparece, não raro, com uma só ionização (Dr. Plínio de Mattos Barretto, comunicação verbal).
(7) O. Müller, "Die feinsten Blutgefaesse des Menschen in gesunden und kranken Tagen", vol. 11, págs. 377 e 378.
(8) Denker e Kahler, tratado clássico de otorrinolaringologia, vol. II, II.a parte, pág. 9.
(9) Nossa Tese de 1947 e "Relação entre a Otorrinolaringologia e a Endocrinologia através do Desgoverno Capilar", Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, Julho-Agosto de 1952.
(10) M. Hajek, "Die Nebenhöhlen der Nase" 5.ª edição, 1926, págs. 103, 104 e 366,
(11) M. Hajek, obra citada, págs. 256 e 258.
(14) Carl Zarniko `Die Krankheiten der Nase und des Nasenrachens" 3.' edição, 1910, pág. 86.
(15) Para pormenores, nossa Tese de 1947 - Aspectos novos da otorrinolaringologia, e em capítulo posterior sob o título "Comer "errado" e higiene mal compreendida".
(16) J. G. Whitaker, "Sinusites e defesas naturais" - Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, Setembro-Outubro de 1942.
(17) M. Hajek, obra citada, pág. 239