Versão Inglês

Ano:  1944  Vol. 12   Ed. 1  - Janeiro Fevereiro - ()

Seção: Associações Científicas

Páginas: 58 a 72

 

ASSOCIAÇÕES CIENTIFICAS - parte 2

Autor(es): -

SOCIEDADE DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA DO RIO DE JANEIRO

Ata da 53.° Sessão Ordinaria

Aos trez dias de Setembro de 1943, reuniu-se em sessão ordinaria a Sociedade de O. R. L. do Rio de janeiro, sob a Presidencia do Dr. Aristides Monteiro, secretariada por Dr. Benfica de Menezes.

Aberta a sessão foi lida a ata da sessão anterior que foi aprontada. Não havendo quem pedisse a palavra no expediente, foi alado inicio a ordem do dia.

CASOS CLINICOS - Dr. Humberto Lauria

SINUSITE FRONTO-MAXILO ETMOIDAL AGUDA ESQUERDA

Identificação: O. R. B., 19 anos, brasileiro, morador nesta capital.

Historia da doença: Veio ao consultório em 17/4/1943.

Informando que está "resfriado" ha 4 dias com cefalalgia intensa, especialmente da região frontal esquerda. Nos trouxe uma radiografia dos seios da face a qual revela opacidade dos seios maxilo frontal esquerdo.

Rinoscopia anterior: Secreção muco-purulenta do meato medio e inferior narina esquerda.

Punção maxilar: Positiva.

Diagnostico: Sinusites fronto maxilo etmoidal aguda.

Tratamento: -

Cibazol ..................... 12 comprimidos diários
Cibazol injetável ............. 1 ampola
Necroton ........... ....... 1 ampola
Saco de gelo... permanente.

Dia 18/4/1943 - A mesma medicação.

Dia 19/4/1943 - Chamado a residência do paciente por ter se agravado seu estado, agora com sintomas de meningite.

Foi providenciada a internação do paciente para intervenção cirurgica no maxilar e frontal, o que foi feita por mim e pelo Dr. Archimedes Peçanha.
No maxilar abertura da parede anterior do seio ao nivel da fossa canina e contra-abertura na parede nasal ao nivel do meato inferior, não curetamos a mucosa; no frontal fizemos a operação de Citelli.

Sequencias operatoria: Continuamos com a mesma medicação e incluímos Sôro-glicosado
250 grs.

Dia 20/4/1943 - a mesma medicação.

Do dia 21 a 25/4/1943 - Demos diariamente a seguinte medicação ,em que apresentasse melhora:

Cibazol ............................ 14 comprimidos
Cibazol injetável ....................2 ampolas
Necroton ............................ 1 ampola
Sôro-glicosado....................... 250 grs.

Como a temperatura se apresentasse oscilante pedimos hemocultura e punção lombar. Enquanto que a punção lombar nada de importante revelou, a hemocultura veio positiva para o estreptococos.

Dia 26/4/1943 - A mesma medicação anterior e Septicemine 10 cc.

Dia 27/4/1943 - Fizemos imuno-transfusão media 400 cc.

Do dia 28 ao dia 5/5/1943 - Fizemos a medicação do dia 25/4/1943, mas substituímos o Cibazol pelo Rubiazol.

Apezar da intervenção e terapêutica aplicada o paciente veio a falecer de septicemia no dia 6/5/1943.

LESÃO OCULAR E INFECÇÃO FOCAL AMIGDALIANA

C. L., 10 anos de idade, moradora nesta Capital.

Historico: Veio a consulta em Fevereiro de 1943, por indicação do Oftalmologista. Segundo sua progênitora a visão da menina de um mês para cá vem diminuindo acentuadamente, por isso procurou o oculista o qual suspeitando de fóco no faringe mandou ao especialista.

Orofaringoscopia - Amígdalas hipertrofiadas com criptas e caseum nas mesmas.

Rinoscopia anterior - Vegetações adenoides.

Tratamento - Indicada a operação, que foi feita em 12/3/1943.

Dois mezes depois estava com a visão normal, segundo o oculista.

COMENTARIOS:

Dr. Flavio Aprigliano: relata um caso de nevrite ótica curada com a amigdalectomia.

Dr. Pinto Fernandes: elogia os casos clínicos trazidos por Dr. Humberto Lauria.

Dr. Aristides Monteiro: relata dois casos de infecção focal; um, tratava-se duma moça, vinda de Pernambuco com perda progressiva da visão. Examinada pelo Dr. Mario de Góes, oculista, nada encontrou no aparelho ocular que justificasse o achado oculística, daí enviar-nos a doente que portadora duma angina lacunar cronica foi operada. Em menos de dois meses, a visão estava normal. Outro caso semelhante a esse, em senhora de colega nosso, havia ao lado do fóco, nas amigdalas, tambem outros nos dentes. Operada aquela e feita a avulsão destes, em breve voltava a visão ao normal.

Nada mais havendo a tratar, foi encerrada a sessão.

Ata da 54.ª Sessão ordinaria

Ao 1.° dia de Outubro de 1943, reuniu-se em sessão ordinaria a Sociedade de O.R.L. do Rio de janeiro, sob a presidencia do Dr. Aristides Monteiro, secretariada por Dr. Benfica de Menezes.

Aberta a sessão foi lida a ata da sessão anterior que foi aprovada.

Com a palavra o Sr. Presidente diz do convite recebido por esta Sociedade, da Academia Nacional de Medicina, para se fazer representar, na Sessão solêne em comemoração ao Centenário do nascimento do Prof. Hilário de Gouveia, no mez de Setembro que esta Sociedade foi representada pelo nosso digno colega Dr. Armando Pinto Fernandes.

Em seguida o Sr. Presidente dá a palavra ao Dr. Pinto Fernandes, que informa a casa da homenagem prestada pela Academia Nacional de Medicina a esta Sociedade convidando o seu representante a fazer parte da meza. Em seguida faz um historico dá vida cientifica do Prof. Hilário de Gouveia, que foi o primeiro Professor Catedrático de O.R.L. do Rio de janeiro e um dos fundadores da Cruz Vermelha Brasileira.

Em seguida comunica a casa o falecimento em Londres do Dr. Sinclair Thompson, considerado o patriarca da O.R.L. ingleza, faz ligeiro comentario sobre a vida do grande especialista, terminando por pedir seja constatado em ata, um voto de pezar desta Sociedade pelo falecimento do Dr. Sinclair Thompson.

EPITELIOMA DO ESOFAGO - Dr. Armando Pinto Fernandes

A. C. T. de cor branca, 57 anos, natural do Rio Grande do Norte, 2.° SG. REF.°
da Armada. (2).

Baixa á clinica Otorrinolaringológica do HCM em 16/6/43 (Ficha n.º 11.051).

O motivo de procurar o Hospital é uma afonia que lhe apareceu ha 3 meses (desde princípios de Março). Atribue isso a um forte resfriado. Trata-se de um indivíduo muito magro e palido, mas não prostrado pelo desanimo, antes aparentando boa disposição geral. Diz que tem emagrecido bastante, não sabendo de quantos kilos.

Examinado por laringoscopia indireta, notámos completa paralisia recorrencial á direita.

Observámos que o doente expectorava frequente e abundantemente. Solicitamos: radiografia dos pulmões, coração, grossos vasos, e exame de escarros.

O exame radiografico (n.° 786) em 17/6/43, revelou: (Fig. n.° 1).

"Acentuação das arborisações brônquicas. Parenquima pulmonar de transparência normal. Ganglios e cartilagens costais calcificados. Diâmetros da aorta aumentados."

Á escuta do coração e pulmões: Hiperfonese e clangor do fóco aortico: murmúrio vesicular normal.

Exame de escarros em 18/6/43: negativo para bacilos de Koch.

Temperatura pelos 38 graus, ás vezes pouco menor, ás vezes mais alta.

Reações de Kahn e Kline negativas no sangue em 22/6/43. Informando o doente que essas reações sempre foram negativas, em exames anteriores.

Solicitando aquéla radiografia esperávamos ver esclarecida a razão de bloqueio sofrido pelo recorrente direito. Seria uma tuberculose de ápice, ou qualquer processo no mediastino torácico, tumoral ou de outra natureza? A l.ª hipotese ficou afastada, com esse e com o exame de escarros. Os diâmetros aumentados da horta haviam deixado indene o recurrente esquerdo e não seriam causa da paralisia do r. direito.

Notando o quanto salivava e expectorava o doente, voltamos a fazer-lhe a laringoscopia indireta, e nossa atenção foi alertada por abundante acumulo de saliva espumosa nos seios piriformes, sinal evidente de disfagia.

Indagando então a respeito de como deglutia, só então referiu que o fazia com dificuldade e mal. Dores propriamente não as sente. De pergunta em pergunta esclareceu então o seguinte: - Que ha muitos anos vem apresentando dificuldade para a ingestão de alimentos. Reporta, quanto a isso, os seus males ao ano de 1916, quando enguliu inadvertidamente uma grande espinha de peixe que lhe feriu o esofago. Durante 9 dias sofreu bastante então, e não podia comer. Daí por diante melhorou, mas sempre houve dificuldade á deglutição. Ingeria mesmo sólidos e carne, mas os alimentos desciam lenta e dificilmente. Três meses antes de sua atual internação ao Hospital, piorou, só conseguindo engulir líquidos, cuja descida se processa mui lentamente.



FIGURA 1



FIGURA 2



Perguntado sobre habitos de alcoolismo e fumo respondeu que muito e longamente abusou de bebidas alcoólicas, que fumava tambem excessivamente, e ainda fuma.

Diz que já esteve baixado á clinica cirurg. do Hospital Central da Marinha, ha muitos anos. Deveria ser operado, pensa que cio estomago, finas não o foi. Dos arquivos do HCX1 consta apenas, atualmente, uma nota de baixa á clinica médica, em 25/3/35, com o diagnostico de gastrite aguda, tendo obtido alta como curado em 2/4/36.

Pedimos então radioscopia e radiografia do esôfago, para a seguir praticarmos uma esofagoscopia.

O exame radiologico do esôfago, (n.º 803 de 23/6/43) revelou: (Fig. n.º 2).

"Situação normal. O transito do contraste processou-se muito lentamente em toda a extensão do esôfago principalmente pelo cardia. Enchimento irregular nos dois terços superiores, observando-se dilatação acima da fúrcula esternal, estenosado e de contornos irregulares até o nivel da bifurcação bronquica: mais abaixo apresenta-se dilatado e de enchimento incompleto.

Porção inferior de volume e contornos regulares até o cardia, aonde o enchimento é incompleto.

Conclusão: Processo estenosante do terço superior e dilatação do terço media, devido a tumor, espasmo do cardia". Ass. Dr. Barros Barreto.

Consideramos a imagem radiográfica como típica de cancer do esôfago.

Realizarmos em 1/7/43 uma csôfagoscopia com o tubo de Chevalier-Jackson, observando então no ponto em que o tubo esbarrou no obstaculo, e que correspondia á parte superior do tumor na imagem radiográfica: mucosa ulcerada, irregular, vegetaste, sangrando. Foi feita uma biopsia, sendo o material enviado a exame.

A introdução do tubo esofagoscopico, com aorta aumentada, no caso não nos preocupou, pois que a radiografia deixava bem claro que o tumor esofagiano, em sua porção mais alta, atingia um nivel acima do limite superior da grossa da aorta. Seria possivel assim fazer a endoscopia, e praticar a biopsia, sem atingir a zona perigosa, sem comprimir a aorta.

O relatório do exame histo-patologico, feito pelo Prof. Custodio Matins, diz o seguinte:

"O exame microscópico de material recebido (biopsia de tumor do esôfago) revela intensa proliferação de revestimento córneo, com formação de imbricações peroladas, e algumas traves de infiltração para as camadas profundas. Trata-se de um epitelioma espino-celular, em fase inicial, encontrando-se ainda extensas zonas histologicamente normais".

Confirmou-se assim o diagnostico de cancer de esôfago.

Qual o tratamento a fazer?
Pedimos uma gastrostomia, que foi realisada na clinica cirurgica pelo seu Chefe, o Dr. Amadeu Jácome, em 20/7/43, o qual referiu em seu relatorio operatorio, haver encontrado o estomago "meio atrofiado".

Pela sonda então colocada através o orifício da gastrostomia, passou o doente a se alimentar com substancias liquidas em maior quantidade, e assim permanece em continuidade. Tratamento esse paliativo, é obvio, que visou apenas colocar o esôfago em repouso, aliviado das fermentações alimentares e da irritação produzida pela longa estagnação, bem como proporcionar melhor alimentação ao doente.

Pela extensão e desenvolvimento do tumor, consideramos, juntamente com o radiologista, não haver qualquer esperança possivel em um tratamento radioterápico. 100% de mortes é a estatistica de CHEVALIER JACKSON.

Exame hematimetrico em 28/9/43:

ERITROCITOS................. 3.810.000 por mm3
LEUCOCITOS....................... 15.800 " "

Formula leucocitaria:

NEUTROFILOS ....................... 77,5%
EOSINOFILOS .......................... 0
BASOFILOS .......................... 1
LINFOCITOS ........................... 17
MONOCITOS .......................... 4,5

Novo exame de escarros em 8/9/43: Negativo para bacilos de Koch.

O seu peso atual (30/9/43) é de 37.500 grs.

Considerações sobre o caso

A grande capacidade de resignação ao sofrimento que certos doentes de humilde condição social apresentam, só ela pode explicar que esse doente, ao baixar ao Hospital, se queixasse apenas de rouquidão, atribuída por ele a um resfriado passageiro. Um distúrbio tão importante e grave, qual a acentuada disfagia de que vinha sofrendo ha tanto tempo, nem sequer foi mencionada entre suas queixas de doente, e bem assim quanto á sua grande magreza. Ao vê-lo, palido, muito magro e afônico, expectorando com frequencia, experimentava-se a impressão de ser um caso de tuberculose pulmonar e laríngea. Afastada essa hipótese pelos exames: clinico (laringoscopico e escuta pulmonar), de escarros e radiografico, permanecia ainda sem explicação a causa da paralisia recurrencial direita, á luz dos exames até então feitos. Foi aí que a verificação de saliva espumosa acumulada nos seios piriformes, e o interrogatório mais aprofundado e insistente permitiam encontrar o fio da meada, com a referencia á disfagia que o doente vinha apresentando.

Os exames que se seguiram a essa constatação: radioscópico, radiográfico, endoscópico, biopsia e verificação histo-patologica do tumor esofagiano, conduziram ao diagnostico seguro e positivo. O fato de ter sido o recurrente direito atingido e destruido pelo tumor esofagiano, sendo uma eventualidade facil de compreender, não é contudo de observação frequente, e acrescenta maior interesse ao caso clinico.

O cancer do esôfago já por si não é de incidencia muito elevada.

SAMAJA apresenta as cifras de 2 a 16% entre os demais cânceres.

ALONSO acha que ele ocupa o 5.° ou 6.° lugar na frequencia entre outras localisações. CARNEVALE-RICCI, de Milão, refere 4,1% entre 726 neoplasias malignas. Procurando esclarecer a etiologia desse caso de epitelioma de esôfago, não devemos deixar de considerar o traumatismo produzido pela grande espinha de peixe deglutida muitos anos antes e a provável cicatriz que do mesmo terá resultado. As cicatrizes apresentam sempre a possibilidade de uma evolução cancerosa. Alcoolismo e tabagismo, - fatores de irritação continuada, principalmente o primeiro, considerando o orgão em apreço, - não faltaram nesse caso.

Pelos comemorativos e dados colhidos, não é facil determinar-se a época provável de aparecimento do tumor e consequente tempo de evolução. A acreditar no paciente, a doença teria começado desde o incidente da espinha de peixe. Não resta duvida de que é um epitelioma já ocupando grande extensão do esôfago e comprometendo orgãos visinhos no mediastino torácico, de fórma a não deixar margem a qualquer esperança numa terapeutica cirurgica radical, ou no emprego da Roentgen ou da Curieterapia.

A gastrostomia foi o unico recurso que nos pareceu de real vantagem paliativa e o doente vai beneficiando dela, com a dupla vantagem de melhor alimentação assegurada, e de repouso proporcionado ao orgão doente. Não tem dores até o momento presente.

Mas o mal inexorável vai realisando o seu trabalho de destruição sem misericordia.

COMENTÁRIOS:

Dr. Aristides Monteiro: acentúa dois pontos interessantes na comunicação do autor. O primeiro é a raridade da paralisia recurrencial direita comparando-se com a do lado esquerdo, a mais encontradiça na especialidade. A laringoplegia direita está para o cancer do esofago, como a paralisia do recorrentes esquerdo para o aneurisma da aorta. Explica-se o fato observado pelo Dr. Pinto Fernandes, pela disposição anatomica estreita existente entre o esofago e o recorrente, que contraem relações intimas. Duas são as maneiras como agem os neoplasmas na formação das laringoplegia, uma, encarcerando o laringeo inferior na massa tumoral, sobretudo quando o blastoma é situado ao nível da bifurcação da trachéa, outra por efeito de metástase ganglial. Já vimos dois casos de paralisia recurrencial direita: um, publicado na "Ata Médica", dezembro de 1942; tratava-se duma laringoplegia direita, consequente à tuberculose, pois é conhecido as relações intimas que o recorrentes direito apresenta com o ápice do pulmão do mesmo lado. Outro, inédito, ao tempo de serviço do Prof. Rocha Vaz, no Hospital S. Francisco de Assis, devido a um aneurisma do tronco braquio-cefálico direito, numa mulher, portuguesa, doente do Dr. Perissé. A radiografia confirmou o diagnostico clínico.

Outro fato interessante na comunicação do autor é o ferimento anos antes sofrido pelo paciente, ao engulir uma espinha de peixe. Quem sabe, não seria o tecido cicatricial existente, o ponto de partida do neoplasma? Nesse caso tratar-se-ia de uma concausa pré-cancerosa.

Termina o Dr. Monteiro elogiando o trabalho do Dr. Pinto Fernandes.

UM CASO DE ESFENOIDITE - Dr. Galdino Augusto

D. M. apresenta-se à consulta no ambulatorio de O.R.L. do Hospital São Francisco de Assis, em meiados de maio passado. De cor parda, brasileiro, padeiro, mal pode exercer sua profissão ultimamente, tendo que trabalhar diante do forno da padaria com uma dor de cabeça atraz, irradiando-se para o occipital. Já foi operado por duas vezes, ha cerca de três anos numa localidade de Minas. Respira mal e atribue tudo àquelas mesmas sinusites de que já foi operado, de ambos os lados. Sua cefaléa é "bem no meio e dentro da cabeça", irradiando para a nuca, às mais das vezes.

Otoscopia e oroscópia - sem significação. Rinoscopia - polipóse intensa nas duas fossas. Os polipos extirpados, nada de particular ficou à observação, nem mesmo à direita, onde uma dor de cabeça temporal se juntava quase sempre à já descrita.

Depois dos exames preliminares da rotina, inclusive uma radiografia mento-naso-film - a única, porque a mais indicada pelos sintomas (incidência de Hirtz) não nos foi possível obter, dadas certas condições de momento, - foi o doente levado à mesa de operação. A transmaxilar de E. Lima levada até ao seio esfenoidal direito, teve que ser praticada cautelosamente, sem os dados radiológicos tão em apreço no ajuizar de uma anatomia traiçoeira como é a do esfenóide, cujos seios variam numa inconstância que é quase a regra, da aplasia ao gigantismo, e, em assimetria, podendo ser já único e lobulado, ou superposto um ao outro. Donde a nossa precaução nunca demasiada de penetrar o seio esfenoidal guiando-nos pelo óstio, forçando cautelosamente a porção interna da célula de Onodi ou o que, na eventualidade da sua inexistência, ocupar essa porção interna do espaço cubóide presinusal do esfenoide. Realizada essa manobra, tivemos a satisfação de ver fluir da brecha recem-aberta uma porção de pus que alagou o campo operatório. Depois de bem inspecionado o esfenóide, de bem aberto até o mais rente possivel ao teto corrido, demos por terminada a operação.

E, por terminada deu, tambem, o doente a sua dor de cabeça na mesma ocasião, dando-nos conta disso quando pelos seus proprios pés quiz sair da mesa operatória.

A radiografia que apresentamos - um perfil com a sonda dentro do seio esfenoidal, foi batida por simples curiosidade.

COMENTARIOS:

Dr. Pinto Fernandes: diz ser de todos conhecido as dificuldades que encontramos com certa urgência, de exames complementares para os doentes hospitalizados; termina seu comentario dizendo que o especialista habituado com a intervenção, sente na ponta da pinça (como que pelo tato) o lugar de eleição para entrar no esfenoide; não querendo no entanto dizer, não ser necessário a radiografia, pois esta dá muito maior segurança ao cirurgião.

Dr. Aristides Monteiro: comenta o trabalho do Dr. Galdino Augusto, dizendo que é necessário apurar bem a sintomatologia pois que a dor que o doente apresentava, relatada pelo Dr. Galdino, deixava pressupor urna sinusite esfenoidal. É de lastimar que o concurso do raio X não fosse feito de maneira a se desejar.

SINDROME DE RAMSAY-HUNT - Dr. Milton P. de Carvalho

Em dia do mez de julho vimos no consultório o doente A.P. com a queixa e a minha constatação de uma otite média aguda não perfurativa do ouvido direito. Tinha a mais uma ilhota de flictena na altura do lobulo da orelha, na superfície da barba, que disse atribuir a ferimento pela navalha do barbeiro.

Prescrevemos a terapêutica adequada ao suposto diagnóstico e como que a medicação teria feito
não voltasse o doente à consulta, atribuímos evoluir a sua otite.

Quatro dias depois, entretanto, somos chamados à sua residência e encontramos o quadro desagradável de uma hemiface deformada por um edema vultoso, muito vermelha e salpicada de pequenas flictena. Pensamos num caso de erisipela de face. A lesão causada pela navalha teria sido a porta de entrada, admití...

Prescrevemos Cibazol. Pomada protetora. Repouso no leito.

No dia seguinte o quadro é de pior aspecto. Agora ha muitas dores e o edema invade as pálpebras. O pavilhão da orelha é leonino. O conduto auditivo externo está obliterado pelo edema das paredes. O doente está muito abatido e sob certa agitação.

Colocamos o termômetro, começando a nos preocupar com o "caso de erisipela de face" e ao retirarmos e novamente verificarmos a hipertermia uma surpresa nos ocorre. Tomada e ratificada, a temperatura era de 37°,5. Erisipela de face de tal vulto e desta região, por assim dizer, apiretica!

Indagamos de qualquer antitérmico à nossa revelia... mas, absolutamente. De medicamento só o Cibazol.

Mas em que pensar mais? Seria, todavia, um quadro realmente clássico si não fosse a desarmonia da temperatura.

Saímos por isso um tanto desconfiados, mas insistimos no Cibazol. Era sulfanilamida e por isso mesmo com amplos poderes...

No dia seguinte levamos o nosso termômetro. Tal como na véspera, a temperatura não corresponde ao quadro clínico. O doente está visivelmente pior e o termômetro acusa 37°,8!

Nêste quinto dia de doença, porém, um novo sintoma nos chama a atenção: Esboça-se um certo gráu de paresia facial - a comissura labial do lado doente está desviada. Acudiu-nos com isso a hipótese de sêr o grande edema da hemiface a causa provável disso. Mas a consciência médica não estava tranqüila.

Neste dia, dá-nos o grande prazer da sua visita em nosso Consultório o nosso prezado amigo Dr. Frederico Mac Dowell, o neurologista de mérito que todos nós acatamos e admiramos. Conto-lhe o caso e ele logo diagnostica na sua advertência: "Não será um caso de Síndrome de Ramsay Hunt?"... Ainda lhe retrucamos: - mas, com tamanho e tão grande quadro de erisipela de face... Foi o primeiro diagnóstico.

No dia seguinte no Hospital São Francisco, converso com o meu prezado Mestre Dr. Paulo Brandão e mal acabo a descrição - "Você já pensou no gânglio geniculado?" - o segundo diagnóstico.

Mais ou menos o mesmo se dá com o Dr. Aristides Monteiro e assim, três que não viram o caso, diagnosticaram!. Nós que tanto vimos e nos preocupamos com a erisipela de face, só então e depois de instalada a paralisia desconfiáramos e por fim reconhecíamos o caso de "Zoster oticus".

Dêsse modo, o que aqui fazemos não é comunicar e antes sim, nos justificar.

Mas onde o quadro clínico da descrição clássica dos tratadistas? Vejamos LAURENS, na sua elegância e precisão descritiva, bem francesas quando diz:

"Síndrome de Ramsay-Hunt é a zona do gânglio geniculado que compreende a associação de uma paralisia facial e de uma erupção limitada a um território restrito do ouvido externo. Muitas vezes se juntam perturbações no domínio do 8.° par, constituindo a zona oticus total de Sicard ou Síndrome completa do gânglio geniculado, de Souques".

"O Síndrome de Ramsay-Hunt clássico" - é LAURENS ainda quem descreve - "se caracteriza por três sintomas" "Otalgia, erupção cutânea e paralisia facial.

"A otalgia é forte, com acentuada sensação de queimadura, com paroxismos violentos, às vezes.

A princípio localizada no ouvido, pode-se irradiar às regiões vizinhas".

"A erupção é constituída de vesículas que repousam sobre um fundo vermelho e são mais ou menos confluentes. Cheias de um líquido citrino se transforma, por fim, em pequenas crostas cuja queda as substitue por cicatrizes esbranquiçadas e, no fim de algum tempo, escuras. A séde da erupção corresponde à zona de Ramsay-Hunt, isto é, pode interessar a concha, o conduto auditivo externo e a face externa da membrana do tímpano, o tragus, o antitragus a anthelix e a parte superior da face externa do lóbulo".

"As mucosas podem apresentar igualmente algumas vesículas, em particular a língua nos seus dois terços anteriores e as vezes à região peritonsilar".

"A paralisia constitue o último elemento da tríade. Sobrevem à erupção, às vezes vários dias depois e apresenta todas as particularidades da paralisia facial periférica".

"Em certos casos a paralisia domina a cena, a erupção ficando discreta, desconhecida ou mesmo ausente".

A cousa não era positivamente esta...

Vejamos a descrição do magnífico trabalho dos Drs. ANGELO MAZZA e REZENDE BARBOZA apresentado ao 1.° Congresso Brasileiro de Oto-rino-laringologia que assim se expressam:

"A Síndrome de Ramsay-Hunt se caracteriza pela paralisia facial periférica, erupção herpética na concha e no pavilhão e conduto auditivo externo; alterações na esfera gustativa dos 2/3 anteriores da língua; nevralgias nêstes territórios. As vezes alterações do equilíbrio ou da audição. Tudo isso homolateralmente".

O quadro não era positivamente êste... Só COLLET, o insigne professor de Lion, no seu grande tratado "Oto-rino-laringologia com aplicação à Neurologia", então nos diz:

"Ás vezes uma reação inflamatória intensa do conduto auditivo pode permitir a confusão com uma otite aguda complicada de paralisia facial. O desconhecimento da erupção, na ausência da paralisia, pode fazer confundir o zona auricular com uma nevralgia facial, si o elemento dôr predomina. Declarada a erupção, pode-se confundir com um eczema, herpes do pavilhão, Erisipela, otite externa.

Nestes diferentes casos a aparição da paralisia facial dissipa as dúvidas. Estas dúvidas poderão igualmente sêr dissipadas pela punção lombar que dá conta de uma linfocitose do líquido céfalo-raquidiano".

Ainda bem que aquela sintomatologia apresentada em linhas angulares se permite um tanto mais de amplitude na descrição do Prof. Collet, à qual tão bem se ajusta o caso que descrevemos. E êste Mestre ainda nos (lá um esclarecimento muito importante quando diz: - "A zona auricular simples, pode-se complicar de paralisia facial, e o vírus neurótropo tendo nêste caso atingido a raiz motora do Facial em vez de se limitar à sua raiz sensitiva e ao gânglio geniculado. Supõe-se também que o Facial motor pode, ao nível do seu cotovelo, ser comprimido pelo gânglio geniculado tumefeito".

RAMSAY-HUNT classificou em quatro grupos os complexos do Síndrome do gânglio geniculado:

Herpes zoster oticus.
Herpes zoster oticus com paralisia facial.
Herpes zoster oticus com paralisia facial e hipoacusia.
Herpes zoster oticus com paralisia facial e o complexo de Menière.

Todos os tratadistas que conhecemos e quem quer que se tenha preocupado com êste Síndrome, acata e adota esta classificação.

O nosso caso está perfeitamente enquadrado no segundo grupo.

Estes grupos se diferenciam, naturalmente, de acordo com a extensão da invasão do vírus neurótropo.

No primeiro caso, herpes auricular simples, ou herpes zoster oticus, - é COLLET quem o explica - a invasão se limitou à raiz sensitiva e ao gânglio geniculado:

No segundo - herpes zoster, com paralisia facial, a invasão atingiu a raiz motora do Facial ou o Facial motor foi, ao nível cio seu cotovelo, comprimido pelo gânglio geniculado tumefeito;

No terceiro, Herpes zoster coro paralisia facial e hipoacusía, quando há a mais participação do 8.° par;

Como no 4.° caso, também participação do vestibular (Gânglios de Corti e de Scarpa).

HAYMANN, citado por HERMMANN MARX, o notável Prof. de Würzburg, à pag. 156 do seu magnífico "Kurzes Handbuch der Ohrenheilkunde", divide o "Herpes zoster oticus", também em 4 grupos, assim:

1. Incompleto, isto é, sem paralisia facial ou alterações da função auditiva, combinada com a erupção zosteriana da orelha e sua vizinhança;

2.° Zoster oticus, com paralisia facial,

3.° Zoster oticus. com paralisia facial e alteração da função do acústico.

4.° Zoster na orelha, na cabeça e com alterações da função auditiva e paralisia facial.

COLLET ainda consigna a invasão de nervos cervicais, de paralisias oculares, hemiplegia velo-palatina, com vesículas da úvula e do pilar anterior, parecendo indicar a participação do Pneumogástrico.

No grande e moderno tratado francês de doenças da pele "Nouvelle pratique dermatologique" encontramos a expressiva denominação de "Erisipelas zoster" para o Zoster oticus.

A casuística do Síndrome de Ramsay-Hunt não é grande.

No serviço do Dr. Paulo Brandão, Serviço que serviu à cátedra do Prof. João Marinho, com o seu registro de 93.079 doentes, no que nos foi possível verificar nêste pouco tempo que o nosso Presidente nos deu para confecção dêste relato, não consta nenhum caso.

O Dr. Frederico Mc Dowell, nó seu longo tirocínio de Neurologia viu apenas três casos, êste inclusive.

O Dr. Aristides Monteiro acompanhou com o Dr. Francisco da Costa Cruz um doente, caso publicado.

Os Drs. Ângelo Mazza e Rezende Barbosa trouxeram as suas duas observações referidas ao 1.º Congresso Brasileiro de Oto-rino-lariligologia.

O Dr. Waldemar Salem publicou, há três anos, nos Anaes de Oto-rino-laringologia de Paris, um caso, classificado como da terceira forma de Ramsay-Hunt e diz que, quando publicou o seu trabalho encontrou na literatura apenas cinco casos, quatro citados por ALEXANDER e mais um de ANDREWS. "Cinco casos apenas em tôda a França".

O Dr. Arthur Moura, refere no Congresso, nos comentários ao trabalho dos Drs. Ângelo Mazza e Rezende Barbosa, citado, um caso observado na sua clínica particular, em Pernambuco - "o primeiro registrado no nordeste brasileiro".

O Dr. Antonio Queiroz Muniz, publicou no "Brasil Medico", de janeiro de 1937, um caso da sua observação.

Se mais algum caso existe na literatura nacional, que me perdoe o autor o meu desconhecimento.

O tratamento do nosso caso consistiu em analgésicos, antisepticos, antiflogísticos e vitaminas.

Quando já ambulatório, confiamos o tratamento elétrico da sua paralisia facial, bem evidenciada nas fotografias, ao Dr. Vianna Marques, amigo e quem muito prezamos. Êste ilustre fisioterapeuta fez 25 aplicações de corrente galvânica, sob técnica especial, obtendo a normalidade integral da mímica facial, como igualmente atestam as fotografias subsequentes no curto período de 35 dias.

Damos abaixo a indicação do criterio terapeutico adotado pelo Dr. Vianna Marques.

Face direita.

Investigação neuro-muscular pelas correntes farádica e galvânica, em 28 de julho de 1942.

a) Hipoexcitabilidade às correntes farádica e galvânica dos músculos inervados pelo facial e trigêmio (ramo motor).

b) O limiar das contrações obtem-se, com a corrente galvânica, empregando-se uma intensidade que varia de 8 ma. a 18 ma.

c) Os músculos da face esquerda, do território do facial e trigêmio, respondem à corrente galvânica com uma intensidade que varia de 4 ma. a 7 ma.

d) Não há inversão da fórmula normal da excitabilidade na face direita.

Em conclusão: há um Síndromo de reação de degenerescência.

TRATAMENTO

O doente foi submetido à ionoterapia com salicilato de sódio e à galvanofaradoterapia, observando o seguinte regime:

a) Cinco ionizações seguidas com intervalos de 24 horas e duração de 25 minutos.

b) Dez ionizações em dias alternos e duração de 30 minutos.

c) Dez aplicações da corrente galvano-farádica em dias alternos e de duração de, 25 minutos.

d) O electrodo ativo de 150 Cn1S2 disposto sobre tôda a face direita, e o indiferente, com a mesma superfície, sobre a nuca, a partir do buraco occipital, inclusive, para baixo.



FIGURA 1



FIGURA 2



FIGURA 3



FIGURA 4



e) A intensidade da corrente galvânica usada é de 0,1 ma. por cm2 de superfície e sempre a mesma para a galvano-faradização.

Depois das 25 sessões de fisioterapia voltamos a repetir a investigação neuro-muscular e verificamos a restauração à normalidade daqueles nervos. Esta nova pesquisa foi realizada em 3 de outubro do corrente ano, pelo Dr. Vianna Marques.

COMENTÁRIOS:

Dr. Aristides Monteiro: diz não ter deixado o Dr. Milton, ponto algum que se pudesse comentar, pois depois da comunicação apresenta os comentarios que poder-se-iam fazer.

Não havendo quem pedisse a palavra foi encerrada a sessão.




(1) Trabalho publicado na Revista Brasileira de O. R. L. XI: 1943.
(2) Ao relatar esse caso clinico, obedecemos à exata sequencias cronologica dos fatos observados, dos exames a que procedemos e das informações colhidas do paciente.

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