Versão Inglês

Ano:  1944  Vol. 12   Ed. 1  - Janeiro Fevereiro - ()

Seção: Associações Científicas

Páginas: 43 a 57

 

ASSOCIAÇÕES CIENTIFICAS - parte 1

Autor(es): -

SECÇÃO DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA E CIRURGIA PLÁSTICA DA ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA

Reunião de 17 de Abril de 1943

Presidida pelo dr. Sílvio Marone e secretariada pelos drs. Sílvio Ognibene (ad hoc) e Luís Piza Neto, realizou-se, no dia 17 de abril de 1943 uma reunião ordinária da Secção de Otorrinolaringologia e Cirurgia Plástica da Associação Paulista de Medicina.

Aberta a sessão pelo sr. presidente, justificou êste a ausência do dr. Mario Otoni de Rezende, por motivo de viagem, pelo que assumiria a presidência da mesa. Não havendo quem fizesse uso da palavra passou-se em seguida à ordem do dia, da qual constou o seguinte trabalho:

NOVA TÉCNICA PARA O TRATAMENTO CIRÚRGICO DO COLOBOMA CONGÉNITO DA ASA DO NARIZ (1) (Apresentação do doente) - Dr. J. Rebelo Neto

Apresenta três observações dessa modalidade clínica, comportando cada uma, conduta terapêutica diversa.

O primeiro caso foi corrigido por um pedículo cutâneo tubular preparado no braço e daí transplantado para refazer a asa congenitamente ausente.

O segundo, associado a outras deformidades faciais, foi eliminado pela combinação de manobras endo-nasais; sub-septais, faciais e oculares.

Para o terceiro foi criada uma nova técnica, cuja vantagem capital é a rapidez em alcançar o resultado definitivo, sem deixar a menor cicatriz exterior. Consiste em praticar um retalho mucoso acima do coloboma, descolar a pele de modo a poder atrair a margem livre da asa deficitária ao nível desejado. A retração postoperatória é evitada por um enxerto de cartilagem auricular ou septal entre as duas folhas descoladas, mucosa e cutânea e pela fixação permanente na nova posição por meio de um aparelho gessado mantido in loco durante alguns dias.

O doente é apresentado.

COMENTÁRIOS:

Dr. Matos Barreto: Depois de tecer elogios em torno do trabalho do dr. Rebelo Neto, diz que se os conhecimentos da nova técnica proposta pelo A. não são de uso mediato, mostram os recursos a serem aplicados em nosso setor. A nova técnica é delicada e só mestres consumados como o dr. Rebelo podem lançar mão dêsse processo em tais casos. O dr. Rebelo não só resolve os casos, como também traz técnica nova, aproveitando o que a natureza deu, sem trazer outras mutilações. Acha que o novo processo bem poderia ser denominado de processo dr. Rebêlo Neto.

Dr. Duarte Cardoso: O fragmento da cartilagem foi tratado por pó de sulfanilamida. O emprêgo dessa substância em cavidade séptica tem-se revelado de grande utilidade.

Dr. Sílvio Marone: Em nome da mesa agradeço ao dr. Rebelo Neto a apresentação de interessante comunicação, na qual o A., uma das maiores autoridades em matéria, de Cirurgia Plástica em nosso país e na América do Sul, apresentou não só um estudo de todas as técnicas para o tratamento cirúrgico do coloboma congênito da asa do, nariz, como também apresentou uma nova técnica cuja paternidade o dr. Rebelo Neto - dentro de sua conhecida modéstia - procurou afastar de si. O novo processo apresentado - simples, perfeito e científico - bem merece a denominação de processo do dr. Rebelo Neto. Agradeço ao dr. Rebelo Neto a sua brilhante comunicação e esperamos ouví-lo mais vezes, com seus trabalhos sempre plenos de conhecimentos e ensinamentos úteis.

Dr. Rebelo Neto: Não citei o detalhe da sulfanilamida pela premência do tempo. A 1.ª vez que a paciente apareceu no serviço foi em 1935, enviada pelo dr. Vampré. A cirurgia, boa no momento, não o seria quando fosse moça. A menina não apresentava complexo de inferioridade, o que se instalaria na moça. Um detalhe útil é a necessidade de tamponar o lado da operação, para evitar a reversão do retalho. Agradece as amáveis referências feitas ao seu trabalho.

Nada mais havendo a tratar foi encerrada a reunião.

Reunião de 17 de Maio de 1943

Presidida pelo dr. Roberto Oliva, presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo e secretariada pelos drs. Sílvio Marone, 1.° secretario da Secção de Otorrinolaringologia e Cirurgia Plástica da Associação Paulista de Medicina, e João Otávio Nébias, secretário da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, realizou-se, no dia 17 de maio de 1943, uma reunião conjunta da Secção de Otorrinolaringologia e Cirurgia Plástica da Associação Paulista de Medicina com a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo.

Nada constando do expediente, passou-se à ordem do dia, em que figuraram os seguintes trabalhos:

A VITAMINA K NO TRATAMENTO DOS VÓMITOS DA GRAVIDEZ (NOTA PRÉVIA) - Dr. J. B. Morais Leme

No dia 7 de janeiro do corrente ano, foi-nos enviada ao consultório, por um colega clínico, uma senhora de 26 anos, grávida de dois meses, a qual estava sofrendo de vómitos incoercíveis, havia mais de vinte dias. Em face do insucesso da terapêutica higieno-dietética e medicamentosa usada, vinha ouvir-nos sôbre a indicação e eventual execução do esvaziamento uterino.

Depois de examinarmos a doente, que mesmo no consultório teve mais de uma crise vomitiva, e de nos inteirar do tratamento feito, ao qual nada de melhor saberíamos acrescentar concluímos, concordando plenamente com a terapêutica, radical

Entretanto, como a paciente referia que suas três gestações anteriores - duas terminadas por partos normais e uma por abortamento provocado - tinham sido assinaladas por hemorragias de certo vulto, efetuamos no próprio consultório a determinação do tempo de coagulação, achando-o aumentado. Achamos por isso prudente um tratamento pré-operatório, prescrevendo injeções intramusculares de vitamina K, indicação a que a doente se submeteu, embora com certa dificuldade, pois estava apressada para obter alívio aos seus sofrimentos.

No dia aprazado para sua entrada no hospital, quem compareceu foi o marido, informando que os vómitos haviam cedido por completo, e a intervenção se fizera por isso desnecessária.

Encorajado por êsse resultado, usamos depois a mesma terapêutica, em caráter exclusivo, em mais seis casos de vómitos gravídicos de pequena e média intensidade, obtendo em todos o mais completo êxito, e em nenhum caso tendo usado mais de 6 empolas de 10 mg. por via intramuscular ; contudo, ainda não tivemos outro caso de vómitos incoercíveis para repetir o ensaio.

Revendo a bibliografia ao nosso alcance, nada achamos a respeito dessa utilização da vitamina
K ; não satisfeito com isso, ouvimos vários distintos colegas obstetras, inclusive um dos mais acatados mestres paulistas, e ainda duas incontestáveis autoridades em vitaminologia - e todos nos informaram nada conhecer a respeito, nem por experiência própria, nem alheia.

Por êsse motivo, trazemos ao conhecimento desta Casa o resultado dessas nossas observações, resumidas como convem a uma nota prévia, esperando poder ser útil aos prezados colegas que quiserem também tentar a medicação, que tem, pelo menos, o mérito de ser inofensiva, tanto assim que já é empregada com o fito de prevenir o estado hipoprotrombinêmico dos nascituros.

E ficaremos muito gratos àqueles que nos quiserem fazer o obséquio de comunicar as suas observações, para completar as quais seria interessante a determinação da protrombinemia, ou pelo menos do tempo de coagulação de tôdas as gestantes apresentando vómitos de certa intensidade.

TRANSPLANTE LIVRE DE MÚSCULO E SUA APLICAÇÃO EM CIRURGIA DE GUERRA - Prof. Antonio Prudente.,

As grandes perdas de substância da face merecem urna atenção especial nestes tempos de guerra, principalmente quando atingem as várias camadas de tecidos que formam as paredes dos órgãos.

Quando a perda de substância corresponde não só ao revestimento cutâneo mas também aos planos musculares, ósseo e mucoso, há necessidade de reparar cada uma dessas formações.

Essa orientação se impõe porque é a única maneira de obter um resultado funcional. Além disso, podemos hoje afirmar que a integração dos transplantes é enormemente facilitada quando há coagulação entre tecidos da mesma natureza. Assim é que o enxerto ósseo se integra facilmente quando feito diretamente sôbre o esqueleto, sendo reabsorvido quando colocado no seio das partes moles.

Da mesma maneira o músculo se unirá ao músculo e a pele à pele. Os tecidos de natureza diferente só se unem através de uma grande quantidade de tecido fibroso cicatricial e mesmo assim, vencendo, numerosas dificuldades.

E' essa a razão porque a reconstrução dos lábios e bochecha é muito difícil quando se lança mão de simples retalhos cutâneos, mesmo quando são também forrados na sua parte interna.

A nosso ver, a causa principal do fracasso das plásticas realizadas nos grandes mutilados faciais é devida a não se empregar o reciclo muscular nessas reparações. O plano muscular é fundamental, pois sem êle a síntese tem que se realizar entre tecidos de natureza diversa. Alguns cirurgiões têm usado o transplante muscular pediculados, mas nunca foi tentado o enxerto livre do músculo. Infelizmente o uso de retalhos não pode ser sempre realisado, principalmente em casos de grandes perdas de substância.

Nós temos usado um método que permite o transplante livre de musculo e que oferece grandes possibilidades. Esse método consiste no transplante de um fragmento de músculo, completamente separado do corpo muscular e transportado por meio de um tubo cutâneo do tipo Fillatow-Gillies.

Temos empregado na face os músculos grande peitoral e esternocleido mastoidêo.

Em nosso serviço já foram realizadas três reparações desse tipo, de acordo com as figuras que vos serão apresentadas. Da observação dêsses cassos nos foi possível estabelecer fatos de importância biológica e plástica.

1) A integração do transplante músculo-cutâneo se dá sempre por primeira intenção, porque a união se faz entre tecidos da mesma natureza.

2) Depois do primeiro tempo operatório, quando o fragmento de músculo fica isolado, antes de seu transplante, êle se transforma numa verdadeira massa fibrosa; entretanto, uma vez unido aos músculos sãos da nova região, êle recobra seu aspecto normal, o que corresponde a uma verdadeira reabilitação do tecido.

3) Depois de alguns meses as funções do músculo enxertado se restabelecem, provavelmente por penetração nervosa dos músculos vizinhos e o paciente pode realizar os movimentos próprios da região, como assobiar, cuspir, etc. com contração real do músculo transplantado.

4) O exame histológico do músculo transplantado revela um tecido perfeitamente normal.

COMENTÁRIOS:

Dr. Rebelo Neto. - Todos os trabalhos referentes ao transplante muscular merecem aplausos, dada a sua grande importância prática. O assunto tem sido abordado por vários pesquisadores desde que sôbre êles Zielenko e Gluck, a partir de 1874, iniciaram as primeiras investigações, sendo digna: de destaque o impulso dado pela escola italiana (Petta Siciliani, Bartoli, Locatelli, etc.). O pensamento atual sôbre a evolução do músculo transplantado pode ser brevemente resumido: a sua delicadeza é equiparável à do tecido nervoso, não sobrevivendo ao transplante livre. As fibras musculares entram em necrose e são rapidamente invadidas pela trama conjuntiva. Em 1935 tivemos ocasião de apresentar ao VI Congresso Panamericano de Medicina o resultado das nossas pesquisas sôbre o transplante muscular, executado sob a forma que o prof. Prudente acaba de relatar. Devo acrescentar que um ano depois do transplante a fibra muscular vivia, como era positivada pela prova clínica, funcional, o exame elétrico e pela prova histológica. Esse resultado animador vinha provar a possibilidade de manter vivo e útil o tecido muscular, o que o prof. Prudente acaba de confirmar. Desejamos fazer um pequeno reparo ao título da comunicação que acabamos de ouvir. É quanto à denominação de "livre" dada à modalidade técnica do enxerto. Não se trata, no caso, de um enxerto livre, pois "livre" significa libertado de tôda e qualquer conexão com o organismo doador. Um exemplo típico é oferecido pelo enxerto cutâneo de Wolfe, onde destacamos completamente um retalho de pele total e vamos aplicá-lo à distància. No caso do Prof. Prudente o músculo transplantado permaneceu aderido à uma porção de pele e tecido sub-cutaneo, continuando a manter com êles ligações biológicas e tornando possível viver num local diferente do leito de origem. Não é, portanto, um enxerto "livre" na acepção científica do termo.

Prof. Antonio Prudente. - Agradeço as palavras do dr. Rebêlo Neto em torno do meu trabalho. No que diz respeito à sua denominação, realmente, ela é sujeita a críticas e deve ser modificada, mas o fato é que ainda não tenho uma idéia definitiva a êste respeito, de modo que se torna difícil uma nova denominação. A minha idéia chamando êste transplante de "livre" foi dizer que êle é independente do corpo muscular que lhe deu origem pois que está completamente separado dêste, tendo adquirido uma vida que lhe é própria, tanto assim que, no início, êle se fibrosa, mas depois reage e recupera novamente a sua atividade.

A CIRURGIA PLÁSTICA EM TEMPO DE GUERRA. COMO MANEJÁ-LA, NOS FERIMENTOS DA FACE PESCOÇO E CABEÇA? - Dr. J. Rebêlo Neto.

Trato do assunto sob o ponto de vista estritamente clínico, deixando de parte a questão da organização dos hospitais e da canalização dos socorros de urgência.

O tratamento dos ferimentos de guerra situados na face, cabeça e pescoço recebe uma orientação "plástica" desde o primeiro contacto com o ferido, embora essa influência seja mais acentuada por ocasião da primeira operação, no hospital de sangue. A palestra versa principalmente - sôbre os socorros prestados na linha de fogo e no hospital de sangue, visto serem aqueles que mais interessam aos cirurgiões em geral.

A fase "reparadora" do tratamento, a ser executada nos hospitais de retaguarda pressupõe a presença do cirurgião especializado em plástica e porisso não será aqui estudada.

O primeiro cuidado na linha de fogo é praticar a hemostasia, pela compressão digital dos troncos arteriais contra os planos duros sub-jacentes, pinçamento de demora ou tamponamento. A respiração será assegurada, libertando as vias aéreas superiores de qualquer obstáculo e promovendo,a tração permanente da língua por um alfinete de segurança fixo à ponta, bem como pela colocação de um penso que proteja os tecidos rotos e mantenha fragmentos ósseos em boa posição. O estado geral requer cuidados imediatos da rotina. Anotação das injeções praticadas e remoção dc ferido em decúbito ventral, com a cabeça voltada para baixo. O transporte aéreo exige hemostasia mais cuidadosa.

O curativo no hospital de sangue é o que assume maior importância, sendo a base da restauração completa da forma.

Asseio externo mais minucioso. Anestesia. Hemostasia definitiva.

A parte atingida será minuciosamente explorada, para retirada dos corpos estranhos, ossos soltos e tecidos desvitalizados.

O esqueleto vae merecer cuidados especiais, de acôrdo com a região. No crânio, os afundamentos serão levantados. As depressões da órbita, quasi sempre combinadas com as depressões do malar e zigoma, serão reduzidas na mesma ocasião, sendo estudadas as vias de acesso. Uma das melhores é a de Sturmann-Canfield seguida de tamponamento permanente com gase vioformada.

As fraturas do nariz, reduzidas, após anestesia, com um especulo de Killian, combinando com manobras externas, digitais, poderão ser mantidas por fixação externa -ao capacete gessado, assim como as anteriores.

Os ferimentos da orelha receberão cuidados especiais, evitando os hematomas. As fraturas do maxilar superior e inferior são estudadas com minúcia. Em resumo, não fazer no l.° momento a ligadura inter-dentária, mas apenas a "fixação" dentária dos fragmentos, ou no máximo, a fixação com elásticos, faceis de tirar. Aborda o grampeamento dos fragmentos, como IBSEN, MEADE, BROWN e outros aconselham ou a fixação externa por meio de grampos como fazem GRIFFIN, LONGSDON, MOWLEM, etc.

Uma vez a reparação óssea, passar para a dos tecidos moles que é a mesma no pescoço ou face e onde uma orientação eclética será preferível, desde que se siga a regra de não deixar partes esqueléticas a descoberto, unindo, se necessario, pele a mucosa, ficando a ultima palavra para mais tarde.

O emprêgo dos cristais de sulfamida é altamente aconselhável e reduz os fenômeno sépticos.

Finalmente aborda a questão das queimaduras, citando os estudos de WELLS, ERB, MORGAN e FARMER sôbre a necrose do fígado nos tanados o emprêgo das películas quemoterápicas de ANDRUS, NICKEL e outros.

A evolução dos ferimentos de guerra será acompanhada nos hospitais de retaguarda e acarretam o emprêgo de enxertos e de artifícios , múltiplos, que escapam ao programa traçado de inicio.

COMENTÁRIOS:

Dr. Giudice Gouveia. - A respeito do tratamento das queimaduras referido pelo dr. Rebelo Neto, queria lembrar apenas o tratamento pelos raios infra-vermelhos, que, segundo as estatísticas norte-americanas, têm dado excelentes resultados, diminuindo de muito o tempo de cicatrização e dispensando o uso de quaisquer outras pomadas, líquidos, etc..

O sr. presidente agradeceu a comunicação.

APLICAÇÃO DA ANESTESIA REGIONAL EPIZIGOMÁTICA DO NERVO MAXILAR SUPERIOR NA OPERAÇÃO RADICAL DO SEIO MAXILAR - Dr. Frederich Muller.

Recomendo a anestesia regional do nervo maxilar superior, por via epizigomática, para a operação radical do seio maxilar.

Para maior segurança da técnica, convem a medição dos diâmetros bitemporal e bimalar.

Deve empregar-se uma agulha de injeção fina e longa, provida de um parafuso de fixação, o qual se coloca a 4-5 cms. da ponta da agulha.

Prefiro, para desinfecção do local da injeção, a benzina iodada.

Quando se segue a técnica epizigomática, introduz-se a agulha na bissetriz do ângulo formado pelas apófises temporal e frontal do osso malar, ou seja, por cima do bordo superior da arcada zigomática, exatamente no meio do bordo ou ainda no bordo posterior da apófise frontal do malar, a cêrca de 1 cm. Acima do ángulo que forma a parte horizontal. Alcançando-se a resistência profunda, injetam-se 3 cc. da solução na fossa esfeno-palatina; em seguida, recuando um pouco com a agulha, injeta-se respectivamente um cc. da solução para cima e para baixo, na região da tuberosidade maxilar. Pratica-se a anestesia com o doente sentado. Logo depois deita-se em um divan, de cabeça relativamente baixa, por cêrca de 10 minutos, dando assim ao anestésico, o prazo de desenvolver sua ação e facultando ainda ao doente um descanso benéfico.

O TRATAMENTO DOS HEMANGIOMAS DO PAVILHÃO AURICULAR - Dr. A Duarte Cardoso.

Os angiomas são tumores cujo parenquima é formado por vasos néo-formados. O crescimento se processa por emissão de brotos endoteliais que constituem a característica histológica desses tumores. Os capilares néo-formados são suportados por uma armação de tecido conjuntivo fibroso.

Se o tumor é constituído por vasos sanguíneos chama-se hemangioma ; se é constituído por vasos linfáticos, linfangioma.

A distinção clínica entre hemangioma e linfangioma não é facil de se estabelecer. O diagnóstico é quasi sempre definitivamente esclarecido peio exame istologico.

O hemangioma é o tumor mais frequente da infância. Muitas vezes está presente por ocasião do nascimento outras vezes porém não se torna evidente senão depois de alguns dias ou mesmo
meses. Os hemangiomas simples comunicam à pele côr vermelho-vinhosa devido ao acumulo de capilares. São planos ou apenas dão à pele um pequeno relevo. O tamanho varia desde o de um grão de milho como nos pequenos nervos vasculares até abranger grandes extensões da superficie cutânea.

Há casos raros de desaparecimento espontâneo, entretanto, mais frequente é suceder o inverso, isso é, evoluir para o crescimento progressivo, razão porque não e aconselhavel protelar o tratamento.

Quando se estabelece uma comunicação entre a circulação geral e um hemangiomas simples, os finos capilares do tumor se distendem, as paredes cedem, formando-se espaços irregulares. O hemangiomas torna-se assim do tipo cavernoso, formado por lagos e canais forrados de endotélio e com uma armação de tecido conjuntivo fibroso. Quando essa armação se torna muito espessada, o tumor se denomina: fibro-hemangioma cavernoso.

A região afetada por um hemangiomas cavernoso adquire um aspecto vultuoso, de côr vermelho-arroxeada e coberta de bosseladuras. Quando os vasos aferentes e eferentes são calibrosos o tumor é pulsátil e pela palpação percebe-se "thrill".

Os hemangiomas podem localizar-se em qualquer tecido do organismo. Têm sido encontrados no cérebro, medula, nervos periféricos, glândulas salivares, glândulas endócrinas, vísceras abdominais, órgãos genitais, músculos, tendões, articulações ossos e pele. FIGI acha que os hemangiomas são mais frequentes na extremidade cefálica e especialmente na face sendo o sexo feminino duas vezes mais afetado que o masculino. Quanto á idade, como já dissemos são mais frequentes na infância.

Existe um grupo de tumores idêntico aos hemangiomas quanto ao aspecto, localização e distribuição: são os hamartomas.

Como os hemangiomas podem ser simples ou cavernosos, entretanto, enquanto os hemangiomas são verdadeiros neoplasmas os hamartomas constituem apenas uma proliferação vascular excessiva, devido a um acúmulo de formações vasculares embrionárias em determinada região. Os hemangiomas se distinguem histologicamente dos hamartomas pela presença de brotos endoteliais, típicos da néo-formação progressiva de elementos vasculares.

Os hamartomas são encarados terapeuticamente de maneira idêntica aos hemangiomas. Cremos, entretanto, não estar pesquisada a diferença de sensibilidade ao radium entre hemangiomas e hamartomas, fator que viria precisar melhor a indicação da radioterapia nesses tumores.

Certas hiperplasias vasculares podem ser confundidas com hemangiomas. Uma delas é o aneurisma cirsóide que se compõe de um enovelado de vasos dilatados que se podem prestar a confusão com os hemangiomas cavernosos. Os aneurismas artério-venosos também podem ser confundidos quando há oclusão do vaso eferente. Há ainda certas varicosidades e algumas formas de inflamação crónica com proliferação capilar, necessárias de conhecer para urna indicação terapêutica eficaz.

FIGI não aceita a idéia de que os hemangiomas possam ser causados por traumatismos, concorda porém com a sugestão de DAVIS e WILGIS de que o traumatismo possa agir como estimulo no crescimento do tumor já existente.

Os hemangiomas são tumores benignos. Segundo ASCHOFF os raros casos de tumores malignos, com metastases que mostrem a estructura dos hemangiomas, devem ser considerados como hemangioendoteliomas, onde parte do tecido alcançou um estádio superior de amadurecimento.

FIGI considera não ser rara a degeneração maligna nas áreas de radiodermite, em casos incorretamente tratados pelo radium.

TRATAMENTO - Em vista de sua maior frequência do rosto, são geralmente razões estéticas que levam o paciente a procurar tratamento para um hemangioma. Existem entretanto, outras fortes razões para não adiar a extirpação de um hemangioma. Tais são: possibilidade de rápido aumento da zona atingida, perturbação da função, ulceração expontanea ou traumática, perigo de hemorragia ou infecção e ainda, se bem que remota, a possibilidade de degeneração maligna.

No tratamento dos hemangiomas pode-se estabelecer uma divisão nítida entre o hemangioma da criança e do adulto. Ao passo que na criança o radium é quasi sempre eficaz, no adulto raramente o é. O radium é portanto o tratamento de escolha para o hemangioma da criança, especialmente no primeiro ano de vida.

O radium pode ser aplicado em bloco de cêra sôbre a superfície cutânea ou pela implantação de agulhas. A dose depende da localização e tamanho do tumor. Como regra geral as doses pequenas, aplicadas num período de tempo longo, são mais eficazes que as doses grandes aplicadas n'um período de tempo mais curto.

A irradiação superficial por meio de blocos de cêra só está indicada nos tumores muito superficiais uma vez que a dosagem exigida para atingir camadas profundas prejudicaria à pele. Contudo, alguns especialistas empregam o bloco de cêra juntamente com filtragem adequada a diminuir os riscos de lesar a pele. Outros preferem a implantação de agulhas sob anestesia local. A dose deve ser cuidadosamente calculada para obter o efeito desejado sem radiodermite.

As melhoras aparecem após várias semanas e continuam por cinco ou seis meses. Se for necessária nova irradiação deve-se esperar que cessem as melhoras produzidas pela primeira.

No adulto é necessário recorrer a outros meios terapêuticos.

Vários outros recursos têm sido empregados no tratamento dos hemangiomas. Alguns de valor quasi nulo como a roentgenterapia, a neve carbônica, a electro-coagulação, o cautério e os raios ultra-violeta. Outros porém mais eficazes como as injenhões de substâncias esclerosantes, a ligadura dos vasos aferentes e eferentes e finalmente os processos cirúrgicos.

As injeções de substâncias esclerosantes têm seu valór no tratamento dos hemangiomas, principalmente nas formas cavernosas. Têm sido usadas soluções de salicilato de sódio, glicose, citrato de sódio e morruato de sódio e também a agua fervente. Temos pequena experiência apenas com o morruato de sódio que nos proporcionou bom resultado em injeções de 1 cc. da solução introduzida diretamente na luz dos vasos.

Por meio dessas soluções esclerosantes obtem-se a obstrução de alguns lagos e canais do hemangiomas o que determina uma melhora da coloração da pele que o recobre, tornando-se também menos vultuoso.

A principal indicação das injeções de substâncias esclerosantes é, entretanto, o de preparo á intervenções cirúrgicas, pois diminue consideravelmente o sangramento, evidentemente muito abundante na cirurgia dêsses tumores vasculares.

A ligadura dos vasos aferentes e eferentes é também empregada com o mesmo objetivo, podendo-se mesmo associar a ligadura de alguns vasos ao emprêgo das injeções esclerosantes. Essas medidas podem tornar realizáveis operações antes impraticáveis tal o volume da hemorragia. Conhecemos um caso em que a falta da adopção dessas medidas forçou a interrupção da operação porque a hemorragia chegou a constituir uma ameaça á vida do paciente.

Inúmeros são os procedimentos cirúrgicos que podem ser adotados no tratamento dos hemangiomas : os pequenos hemangiomas capilares comportam a excisão simples com deslocamento e aproximação dos bordos. Nos maiores excisão e cobertura da perda de substância com enxertos livres ou pediculados ou ainda a excisão múltipla que consiste na excisão parcial e repetida, com intervalos de dois a três meses, a espera de que a pele readquira elasticidade.

Em certos hemangiomas que abrangem tôda a espessura dos lábios, obtem-se um bom resultado estético com a excisão em cunha.

Nos hemangiomas dos pavilhões auriculares são excelentes os resultados praticando num primeiro tempo uma excisão elítica na face posterior do pavilhão e em outro tempo uma excisão em cunha abrangendo tôda a espessura do pavilhão.

Empregamos em um caso de hemangioma cavernoso do pavilhão auricular a associação de alguns dêsses recursos terapêuticos como passamos a descrever:

J. L. J. branco, do sexo masculino, de 35 anos brasileiro.

Anamnése - O paciente refere que nasceu com uma mancha avermelhada no pavilhão auricular direito. Com o correr dos anos a mancha foi aumentando de tamanho e a orelha ficou aumentada de tamanho e coberta de saliências. Há cérca de 2 anos submeteu-se a injeções esclerosantes, achando que piorou com essa terapêutica. Há cerca de um ano submeteu-se a radioterapia sem resultados. Atualmente vem sentindo dôres do, tipo nevrálgico no rosto e arcada dentária superior a direita.

Exame local: - Nota-se à inspecção que a pele do pavilhão auricular direito é de cor vermelho-arroxeada, extendendo-se essa cor, em tom mais claro, até à região mastoidéa e zigomática. O pavilhão está aumentado de tamanho principalmente no sentido vertical. Há um aumento acentuado do ánguloaurículo-temporal, ficando a orelha acentuadamente proeminente. A pele está coberta de nódulos irregulares principalmente na face posterior, onde há um aspecto de vasos enovelados. Nota-se que o órgão se tornou pulsátil. Pela palpação verifica-se hipertermia e a sensação característica do "thrill". Wassermann. - negativo em 25-2-42.


FIGURA 1


FIGURA 2



FIGURA 3



FIGURA 4



FIGURA 5



FIGURA 6



Diagnostico: - Hemangiomas cavernoso do pavilhão auricular direito.

Tratamento: - Tendo já sido submetido a radioterapia sem resultados, o caso só poderia ser beneficiado por meio da cirurgia. Entretanto, a intervenção cirurgica em um tumor vascular pulsátil, determinaria uma hemorragia incontrolável. Resolvemos porisso como ato preparatório agir no intuito de diminuir o afluxo sanguíneo e obstruir alguns lagos e canais do cavernoma de modo a tornar possível a intervenção.

Em 18/3/42 praticamos a ligadura de alguns vasos superficiais na região mastoidéa e face posterior do pavilhão.

Em 10/4/42 iniciamos a esclerosar o tumor injetando ampolas de Varisclerin (morruato de sódio a 5%) nas bosseladuras mais proeminentes, em plena luz do cavernoma. Foram praticadas sete injeções. O plano cirurgico foi dirigido no sentido de corrigir as duas mais evidentes modificações causadas pelo tumor: o aumento do ângulo aurículo-temporal e o aumento do tamanho do pavilhão.

Assim, em 13/5/42 n'um primeiro tempo, foi praticada uma incisão elítica na face posterior do pavilhão, sendo ressecada a pele, uma parte do tumor e uma porção da cartilagem da mesma forma elítica na face posterior do pavilhão, sendo ressecada a pele, uma parte do tumor e uma porção da cartilagem da mesma forma elítica. A cartilagem foi ainda fendida até à extremidade livre superior e inferior, de maneira que o pavilhão pudesse girar livremente à maneira de uma porta sóbre seus gonzos. A pele foi fechada por meio de uma sutura continua. O pavilhão foi então colocado em boa posição e imobilizado por quinze dias com um aparelho de algodão e ataduras.

Como consequência das ligaduras, esclerose e do primeiro tempo operatório, obtivemos, como se pode ver nas figuras 3 e 4 uma melhora da coloração, diminuição das bosseladuras e a correção da proeminência exagerada do pavilhão.

Faltava agora diminuir o tamanho do pavilhão. Em 10/6/42 praticamos uma incisão em cunha, em toda a espessura do pavilhão e abrangendo helix, anti-hélice e concha. Os bordos foram aproximados por pontos separados, incluindo em alguns deles a cartilagem. O pavilhão foi imobilizado em um pequeno aparelho gessado moldado diretamente sôbre a pele, por dez dias.

Obtivemos cicatrização per-primam.

Essas operações além de determinarem uma correção da posição e do tamanho do órgão proporcionaram grande melhora na coloração e quasi total desaparecimento das bosseladuras que cobriam a sua superfície, como consequência da secção e obstrução dos canais do cavernoma.

A nevralgia apresentada pelo paciente foi atribuída pelo dr. Carlos Gama a uma compressão do gânglio de Gasser pelo próprio hemangioma que se propagaria até àquela estrutura e como terapêutica fez a alcoolização daquele gânglio, com desaparecimento da nevralgia.

Evolução: - Temos observado o paciente até a presente data e não notamos modificações nas condições do pavilhão que continua com o aspecto que apresentava nos dias que se seguiram à última intervenção.

Entretanto, cêrca de quatro meses após a alcoolização do gânglio de Gasser sobreveio uma ulceração da córnea com consequente opacidade cicatricial.

BIBLIOGRAFIA

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COMENTÁRIOS:

Dr. Georges Arié. - Os hemangiomas, são ocorrência das mais frequentes no serviço em que trabalhamos, e sempre temos resolvido satisfatoriamente os nossos casos, sem auxílio do radium ou da radioterapia. Cada vez mais, estamos nos convencendo de que o tratamento dos hemangiomas consiste unicamente na electro-cirurgia; uma vez bloqueado a lesão em sua periferia, faz-se a sua coagulação e retirada como se tratasse de um tumor comum. Com o bloqueio da periferia, fica afastado o perigo de hemorragia. A plástica se segue imediatamente à exérese da lesão, lançando-se mão, quer de enxertos livres, quer de transplantes pediculados.

Dr. Rebelo Neto. - Desejo referir um dos aspectos dos hemangiomas, que não foi abordado pelo dr. Cardoso no seu interessante trabalhos o da possibilidade de ocorrer a morte súbita após a sua extirpação. Foi o que ocorreu num caso enviado pelo dr. Wilken, de um volumoso hemangioma cavernoso do pavilhão, cujas dimensões e forma podem ser facilmente apreciadas pelo exame da modelagem que aqui trazemos. Foi praticada a exérese do tumor, sem esclerose prévia dos tecidos. A perda sanguínea não foi excessiva e a operação, bem tolerada e levada a bom termo. Cêrca de 4 horas depois a paciente levanta-se bruscamente do leito, com dispnéia intensa, cianose e cai bruscamente ao solo, morta, sem tempo de ministrar o menor, socorro médico. Infelizmente a família se opôs ao exame necroscópico e só nos é lícito fazer conjeturas sóbre a causa de tão inesperada complicação. Compulsando a literatura, temos visto menção à vários casos de morte nas mesmas condições do nosso, atribuída, quasi sempre, a uma embolia cerebral.

Dr. Duarte Cardoso - Agradeço aos comentários dos colegas. O doente que apresentei, tinha uma nevralgia do trigêmio, que segundo a opinião do dr. Gama, era produzida por uma compressão do ganglio de Gasser, pelo próprio tumor. Quanto às dificuldades auditivas, não havia nenhuma neste caso.
Nada mais havendo a tratar, foi encerrada a reunião.

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