Versão Inglês

Ano:  1946  Vol. 14   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 357 a 362

 

SOBRE A PRESCRIÇÃO DOS APARELHOS AUXILIARES DO SURDO (*)

Autor(es): J. E. DE REZENDE BARBOSA (**)

Diz o A. que irá fazer um apanhado geral sobre o estado atual da prescrição dos aparelhos auxiliares do surdo, tal como já fizera há 4 anos, procurando mostrar os recentes progressos na construção dos aparelhos.

Na prescrição de um aparelho auxiliar do surdo, quando se trata de um caso cientìficamente indicado, o primeiro obstáculo em que tropeça o especialista, comum em nosso meio como em outras regiões, é o da resistência psicológica ao uso do aparelho por parte do próprio paciente, especialmente quando do sexo feminino. Certos pacientes, ao procurarem o especialista em busca de um lenitivo para sua hipoacusia, jamais avaliam a possibilidade do uso de um. dispositivo mecânico apenso às suas vestes e visível em seus ouvidos. Quando recebem o veredictum da necessidade do uso de um aparelho, exprimem decepção e negam-se de imediato ao uso do mesmo. De sobreaviso deve ficar o otologista com tais pacientes. Jamais positivar a necessidade do uso imediato do aparelho. Começar demonstrando suas vantagens, experimentando o aparelho no paciente, no consultório e por poucos instantes, a fim de que o mesmo aprecie a amplificação sonora, e insinuando ao mesmo que o seu caso não necessita de uma prótese imediata, a não ser que a deseje. Com grande probabilidade, si se tratar de um caso deveras indicado, o paciente voltará ao consultório dias após ou bem mais tarde, desejoso pelo uso do aparelho.

De outro lado, certos pacientes, especialmente mulheres, ao procurarem ~o especialista pára indicação de um aparelho protético, pois já estão dispostos a usá-lo, rebelam-se ao verificarem que o "tal" aparelho compreende um conjunto de microfones, baterias, receptores, fios etc., mais ou menos visíveis aos olhares mais curiosos, e retrucam que desejam uma pequena "peça", única, muito pouco visível e que se adapte perfeitamentet ao meato auditivo externo, sem pilhas, fios ou qualquer outro dispositivo. A habilidade e paciência do especialista serão postos então à prova, a fim de contornar esse obstáculo, mixto de vaidade e ignorância.

A função principal do especialista na prescrição dos aparelhos auxiliares do surdo pode ser subdividida em etapas: a) inspecção das partes visíveis do aparelho auditivo e vias aéreas superiores; b) determinação das características físicas dos segmentos invisíveis do aparelho auditivo, com rigorosa medida da capacidade auditiva do paciente, inclusive interrogatório audiométrico das vias aérea e óssea; c) indicação e seleção do aparelho, seu tipo e transmissores; d) adaptação e uso do mesmo. Tests de eficiência e inteligibilidade entre os diferentes tipos de aparelhos. Uso, conservação e rejuvenescimento das pilhas. Modelagem do conduto.

A inspecção dos segmentos visíveis do aparelho auditivo e vias aéreas superiores constitue uma rotina necessária, principalmente a fim de verificar a existência de processos patológicos ativos, agudos ou crônicos, constituindo obstáculos no conduto e ouvido médio.

A determinação das caraterísticas físicas dos segmentos invisíveis resume-se em uma acumetria rigorosa, tanto pela transmissão aérea quanto pela óssea, verificando-se, também, si se observa ou não o fenômeno do recrutamento do volume sonoro. Todos os tests e processos acumétricos devem ser balanceados, mas o exame audiométrico constitue a figura central, pois o áudiograma fornece todos os elementos necessários para uma prescrição rigorosa. A capacidade auditiva, em relação às frequências da linguagem falada, deve ser avaliada por ambas vias de transmissão, pois será em relação a essas frequências que a amplificação deverá ser feita. Neste capítulo, o especialista necessita possuir certos conhecimentos de física aplicada. O ouvido humano normal é capaz de perceber sons desde 16 ciclos até 32.000 ciclos. Pràticamente, esses limites situam-se em 20 e 25.000 ciclos, numeros esses que constituem os limites inferior e superior de nosso campo ou área auditiva. A linguagem falada, normal, compreende sons de frequência que variam de cerca de 90 a 8.000 ciclos, sendo que as vogais são de sonoridade mais para o grave, abaixo de 1.000 ciclos, e as consoantes são de carateristicas mais agudas, acima de 2.000 ciclos. Além do mais, as vogais são pronunciadas com maior intensidade que as consoantes, daí as grandes oscilações em frequência e intensidade que nosso ouvido precisa registrar. Por exemplo: em uma conversa regular, em ambiente adequado, a um metro de distância, a intensidade da linguagem falada oscila em média ao redor de 56 decibel. As vogais á, ó, apresentam 60 db. de intensidade. Quase tôdas as demais vogais e as consoantes r, 1, apresentam a intensidade de 50-60 db., pelo menos na língua inglesa, de acordo com a explicação de Gordon Berry. As consoantes oscilam de 40-50 db., exceto p, d, b, t, k, denominadas consoantes fracas, cujas, intensidades oscilam de 38-40 db. Esse exemplo já nos fornece uma vaga idéia da complexidade e dificuldade da amplificação mecânica da voz humana por meio de um aparelho auxiliar do surdo. Uma amplificação uniforme favorecerá sem dúvida os sons graves em detrimento dos sons agudos, pois, por princípio de física, sabemos que um som grave intenso ensurdece um som agudo fraco. Impõe-se, portanto, a necessidade de uma amplificação seletiva. Existe ainda o fato de que na linguagem falada os sons graves contribuem para a sua intensidade, enquanto que a inteligibilidade da mesma depende das consoantes. O ideal de um aparelho auxiliar seria aquele que fornecesse uma amplificação desejada seletiva e entre os limites de 90 a 8.000 ciclos. No entanto, todos dispositivos mecânicos de transmissão e amplificação estreitam esses limites, permitindo somente um efeito localizado em determinada zona do espetro sonoro. O sistemo telefônico, por exemplo, transmite vibrações sonoras de 300 a 2.500 ciclos, enquanto que o rádio e conjuntos amplificadores transmitem vibrações de 200 a 3.500 ciclos.

Conhecidas essas propriedades físicas do aparelho auditivo humano e dos sistemas amplificadores, o especialista encontra-se habilitado a selecionar o aparelho adequado ao caso, bem como, de acordo ainda com o audiogramas, indicar o uso do transmissor aéreo ou ósseo e o ouvido a ser aproveitado. O ideal seria que o otologista possuisse à mão diferentes tipos e marcas de aparelhos. Entretanto, mesmo que esse requisito não possa ser preenchido, o mesmo poderá estar ao par das vantagens e desvantagens dos tipos a carvão e válvula, bem como ter conhecimento das caraterísticas físicas de cada aparelho, sua amplificação e entre que limites de nosso campo auditivo essa compensação se processa. De uma maneira geral, os aparelhos a carvão apresentam distorsão não linear, o que implica na limitação da amplificação. Nesses tipos, a carvão, a intensidade sonora que alcança o ouvido não é proporcional àquela que impressiona o microfone. Nos aparelhos à válvula, a distorsão é quase que nula, permitindo uma amplificação praticamente ilimitada, auxiliada por uma ótima filtragem por meio da qual pode-se atenuar os sons graves sem perturbar os agudos, aumentando a inteligibilidade da voz.

Pela lista seguinte, obtida de um trabalho norte-americano, podemos ter uma noção das caraterísticas de alguns aparelhos existentes no comércio e aceitos pela Associação Médica Americana. Nela podemos apreciar a zona de amplificação e a sua intensidade média em decibel.



As vantagens e desvantagens dos tipos a carvão e à válvula podem ser resumidas, de acordo com o relatório de Gordon Berry, em

TIPO CARVÃO:

a) Vantagens:

    1) pequeno e leve;
    2) já teve tempo para ser aperfeiçoado;
    3) consome menos eletricidade;
    4) é adequado para surdezes de pequeno grau (20 a 60 db.)

b) Desvantagens:

    1) amplificação de frequências limitada (300 - 3.000);
    2) apresenta distorsão não linear;
    3) amplificação desigual;
    4) - menos indicado para as surdezes de percepção devido a essas quatro faltas;
    5) - tendência a fixação dos granulos de carvão;
    6) - microfone deve estar sempre em posição vertical.

TIPO VÁLVULA

a) - Vantagens:

    1) - intensifica tôdas frequências da linguagem falada;
    2) - não apresenta distorção;
    3) - a amplificação seletiva torna esse. tipo indicado para as surdezes intensas e especialmente para as surdezes de percepção (queda acentuada acima de 2.000 ciclos) ;
    4) - é eficiente em tôdas posições.

b) Desvantagens:

    1) - é mais pesado e maior;
    2) - de construção recente, não tendo ainda muito tempo para evoluir e aperfeiçoar-se;
    3) - é caro e consome mais eletricidade.

Compete ao especialista provar a eficiência com os diferentes aparelhos por meio dos tests de inteligibilidade da voz falada em diferentes condições. Explicar ao iniciado como e quando usar o aparelho, como resguardá-lo de, acidentes e como conservá-lo.

O otologista deve conhecer, também, as pilhas, suas respectivas voltagens, como usá-las, conservá-las e rejuvenescê-las. Saber que os aparelhos à válvula consomem mais energia e necessitam de 2 pilhas: A e B. Enquanto uma alimenta o filamento do tubo pontudo a outra alimenta a placa. A pilha A é de 1,5 volts e a B varia de 30 a 40 volts, mais ou menos. O tempo médio de vida da pilha A é de 15 a 24 horas, enquanto que a B dura de 300 a 400 horas, mais ou menos. Portanto, todo paciente deve possuir, para maior economia e conservação, 7 pilhas A, usadas em rodisio cada dia da semana, e uma pilha B. À noite, desligar sòmente a pilha A.

Um meio muito simples e prático de vitalizar, baterias já exgotadas, fornecendo-lhes mais algumas poucas horas de vida, é o seguinte, deduzido de uma nota publicada há tempos na Volta Review : retirar todo envoltório de cartão da pilha, perfurar o zinco em diferentes pontos com uma simples agulha e mergulhar a pilha em um copo com 1/3 de água fria e 1/4 de colher de chá de sal de cozinha. A pilha deve ficar com sua extremidade superior cerca de um centímetro acima do nível da água, a fim de não molhar a ligação. Permanecer imersa 24 horas ou mais. Verificado o restabelecimento da carga elétrica ,fechar os orifícios do zinco com cera de vela, recolocar novo envoltório de cartolina.

Quando do uso de um transmissão aéreo, cada paciente deve, preferencialmente, usar um bem apropriado às reintrâncias do conduto e concha próprias a cada indivíduo. Necessitará portanto de um, modelo dessas partes, a fim de mandar construir um definitivo e de substância apropriada.Geralmente, o odontologista ou as próprias casas vendedoras de aparelhos estão habilitados e aparelhados para tal mister. Somos de opinião que, o próprio otologista deverá estar aparelhado para tal fim, pois às vezes torna-se necessário. Os que se interessarem poderão aprender a técnica com grande rapidez e facilidade, guiados por odontologista competente. A mesma é fácil, accessível e pouco dispendiosa de tempo e material.

Antes de finalizar, o A. faz um apanhado sobre o estado atual da aparelhagem, mostrando um dos últimos tipos à válvula de grande seletividade e potência. Lembrou que todos os progressos atuais convergem para a fabricação de aparelho em um só conjunto - "All-in-one" -, dos quais já existem algumas marcas no comércio. Chamou a atenção dos colegas para o último inquérito, da Secretaria Geral da Federação das Sociedades Americanas para o Ensino do Surdo e Surdo-Mudo, Miss Josephine Timberlake, entre os engenheiros e técnicos de bom número de fábricas norte-americanas de aparelhos. Entre as diferentes perguntas formuladas, os mesmos responderam que não está longe o dia da produção de aparelhos ainda mais potentes que os atuais, mais baratos; da estandardização das baterias, fios e conexões; da fabricação de aparelhos em um só conjunto, leves e aperfeiçoados; da fabricação de aparelhos tom colorido adequado etc. etc. Lembram também esses engenheiros que, ao contrário do que pensará alguns leigos, algumas das potentes armas de guerra, inclusive o radar, não vieram beneficiar o surdo de uma maneira direta, mas indiretamente, pois alguns dos dispositivos vitais desses aparelhos estão sendo atualmente empregados para o progresso na construção dos aparelhos auxiliares do surdo.




(*) - Resumo da Comunicação à Secção de O. R. L. da Associação Paulista de Medicina, em 18 de Março de 1946
(**) - Adjunto da Clínica de O. R. L. da Santa Casa de Misericordia de São Paulo (Serviço do Dr. Mario Ottoni de Rezende).

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