Versão Inglês

Ano:  1946  Vol. 14   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 331 a 336

 

SURDEZ NO ADULTO - ESTATISTICA E PROFILAXIA (*)

Autor(es): J. E. DE REZENDE BARBOSA (**)

Um assunto de tão vasta proporção engloba uma boa parte da razão de ser de nossa especialidade. Em uma dezena de pacientes que procure a clínica de moléstias dos ouvidos, nariz e garganta, cerca da metade refere sua queixa direta ou indiretamente ao aparelho de audição. Dentre esses, oitenta por cento queixa-se de alterações na capacidade auditiva pelas mais variadas causas, localizadas desde o ouvido externo até à cortex cerebral. É justo, portanto, que o especialista esteja habilitado a diagnosticar e tratar tais contingências.

Devemos afirmar que esse departamento de nossa especialidade não goza de muitas simpatias. De outro lado, entretanto, podemos também dizer, com a certeza da aprovação unânime dos colegas, que esse recanto não deixa de ser um dos mais belos e sedutores, pela sua anatomia delicada e caprichosa, pela sua fisiologia incomparável e ainda nos primórdios de sua elucidação, e, principalmente, pela sua terapêutica não convincente, ainda às apalpadelas, à procura de bases mais sólidas.

Esse ponto de vista pessimista é que nos deve encorajar na observação e pesquisa sistemáticas. Em matéria de surdez, resultados espetaculares são raros. A derrota terapêutica é comum.

Entretanto, ao contrário do que acontece na maioria dos outros departamentos da medicina, consolidada nossa derrota , terapêutica, determinada a irreversibilidade de uma hipoacusía progressiva crônica, iniciamos com segurança a fase de reabilitação social do paciente, física e psíquica. O otologista assumirá o papel de guia, filósofo e amigo. Explicará ao paciente como compensar esse handicap e quais as amplas avenidas a trilhar.

Ao contrário do último relator, Dr. J. E. de Paula Assis, que tratou do mesmo assunto na infância e idade escolar, apresentando interessantes estatísticas mesmo em nosso meio, não poderemos encarar o capítulo da estatística, das hipoacusía no adulto. As nossas estatísticas hospitalares são falhas e as particulares, quando isoladas, parece-nos destituirias de valor. Temos impressão que nada existe no Brasil sobre o assunto. Sem dúvida, esse capítulo seria o ponto de partida para qualquer estudo sobre a profilaxia da hipoacusía no adulto entre a nossa gente. A incidência maior ou menor deste ou daquele fator (idade, sexo, côr, raça, condições devida, alimentação, profissão, nacionalidade etc.), ao lado da distribuição geográfica, climatérica, geofísica, poderá levar a conclusões interessantes e mesmo orientar uma campanha profilática ativa. Dados curiosos viriam à tona e aguçariam a vontade de um estudo aprofundado e sistemático da questão.

Temos impressão que não escapa à observação de qualquer colega a incidência mínima das hipoacusía entre a raça preta e mesmo entre os mestiços. Em nossa pequena estatística particular, civil e hospitalar, correspondente ao período 1940-1944, entre os hipo-acúsicos examinados (619 audiogramas) encontramos somente dois pretos (um caso de surdez post-meningite cérebro-espinhal epidêmica e.outro caso de surdez profissional em maquinista ferroviário há 25 anos).

Brancos - 613 casos
Pretos - 2 casos
Pardo - 1 caso
Amarelos - 3 casos

Estender-se ia essa proporção por tôda população negra do Brasil? Que morfologia especial possuirá o aparelho auditivo dessa raça? Donde proverá essa resistência congênita? De condições mesológicas, físicas, psíquicas, alimentares?

Já verificaram nos Estados Unidos, em conscienciosas estatísticas, que os negros são menos susceptíveis à surdez decorrente de processos supurativos de que os brancos, exceto para as supurações pneumocócicas. Verificaram, também, que os negros têm menor tendência a afecções do ouvido interno que os negros tem menor tendência as afecções do ouvido interno que os brancos, exceto às dependentes do quinino, devido à malária ser comum nos estados sulinos; habitat da população negra.

Outro elemento de valor que um censo global da população brasileira revelaria, seria a grande incidência das hipoacusias nas correntes imigratórias e quais as nacionalidades e raças mais tomadas: De acordo com os nossos conhecimentos atuais sobre a herança, de fatores genéticos mórbidos, dismorfias ou simples constituição propícia à evolução de uma surdez, esses dados serviriam de base para limitação de determinada corrente imigratória. Durante o advento desta conflagração mundial, a entrada de imigrantes processou-se quase que livremente. Pelo menos nós tivemos a impressão de que aumentaram os casos de desvios do órgão auditivo de tipo degenerativo.

A distribuição geofísica indicaria, sem dúvida alguma, em país tão extenso quanto o nosso, dados do mais alto valor na génese da hipoacusia no adulto. Por curiosidade, temos procurado indagar sempre das condições de nascimento e habitat de nossos hipoacúsicos: onde nasceram e onde vivem ou viveram por mais tempo. O teor de cálcio, fluor e iodo na água das regiões de surdezes endêmicas deveria ser determinado. 0 criador de muares ou de esbelto puro-sangue inglês, escolhe as regiões de águas e terras calcificadas, iodetadas, ferruginosas etc., para obter produtos hígidos. O homem, entretanto, raramente cogita desses fatos. 0 cretinismo endêmico, o bócio, no entanto, parecem comuns nas regiões onde o cálcio e iodo faltam aos alimentos.

Tudo isso, Sr..Presidente, dados estatísticos sobre a surdez no adulto em nosso Município, Estado ou País são pràticamente irrealizáveis por qualquer esforço pessoal ou isolado. Sòmente em uma condição ou ocasião o mesmo seria prMicamente possível e realizável: quando do recenseamento da população brasileira. Outros países o conseguiram, porque não o Brasil?

A profilaxia da surdez no adulto faz parte, inicialmente, da profilaxia da surdez na infância. Portanto, o combate à surdez no adulto inicia-seno período anti-concepcional, está presete no ato concepcional, estende-se pela vida intra-uterina, 1 â e 2 a infância até à puberdade. Os que a adquiriram nesse período, carregarão a mesma na idade adulta. No entanto, na própria idade adulta, desde a mocidade à velhice, o aparelho auditivo encontra-se exposto às mais diferentes agressões. Algumas delas evitáveis, outras inevitáveis. Bom numero de tipo reversível e um grande contingente de lesões de tipo irreversível.

Não existe, por conseguinte, uma delimitação nítida entre a profilaxia da surdez na infância e no adulto. Ela é executada desde a eugenia no casamento até o estabelecimento de uma velhice saudável.

Evitar o acasalamento de fatores mórbidos ou uma consanguinidade carregada, afim de prevenir a surdez congênita biológica.

Evitar as intoxicações maternas, endógenas ou exógeas., durante a gestação, ou abolir o traumatismo obstrético afim de prevenir a surdez congênita patológica.

Evitar e tratar com conhecimento de causa as afecções febris, supurativas ou não, da 1.a infância, afim de evitar a surdez antes que ó pequeno paciente aprenda a articulação da linguagem falada.

Evitar ou atenuar com imunosoros ou tratar as complicações de tôdas moléstias infecto-contagiosas da infância, especialmente as exantemáticas, afim de prevenir a surdez por supuração do aparelho de condução ou por intoxicação ou supuração do aparelho de percepção.

Combater com medidas cirúrgicas. e clínicas, si possíveis, tôdas as causas de obstrução mecânica das vias aéreas superiores que perturbem a livre ventilação do ouvido médio durante a infância, puberdade e mocidade.
Na idade adulta, incluindo também a mocidade, considerar geralmente a dureza de ouvido como um sintoma e não como uma doença.

Considerar que o mecanismo da audição encontra-se intimamente entrelaçado com o resto da economia humana e que todos processos patológicos (infecciosos, inflamatórios, degenerativos, tóxicos, traumáticos, tumorais, metabólicos e endocrinológicos) podem apresentar o sintoma único ou concomitante de hipoacusía em seus variados graus de qualidade e intensidade.

No adulto, jamais se ater ou contentar-se com diagnóstico de simples lesões obstrutivas. Essas mesmas são puramente sintomáticas de lesões mais graves ou existem contemporaneamente com lesões do aparelho de percepção. Na maioria das vezes exprimem um sofrimento do naso-faringe.

No adulto, jamais contentar-se com o simples diagnóstico de tinnitus aurium, com hipoacusia ou não, de tipo percepção ou mixta. A terapêutica aqui enquadra-se na medicina gera;. a) Alterações vasculares periféricas com hiper ou hipotensão; b) toxemia intestinal e hepática; c) calculose vesicular ou renal; d) alterações na esfera genito-urinária; e) uma taxa de uréa ou açúcar elevada no sangue; f) disendocrinias ; g) discrasias sanguíneas etc. etc.

Manter um elevado padrão físico e psíquico. A instabilidade das funções nervosas é de grande importância na profilaxia da hipoacusia no adulto.

Evitar as intoxicações, principalmente as profissionais.

Evitar os traumatismos sonoros, principalmente os profissionais.

Estabelecido o grau da hipoacusia e verificada a sua irreversibilidade, considerar a possibilidade de reajustar socialmente esse indivíduos, em suma, promover e orientar a sua rehabilitação pela leitura labial, adatar um aparelho auxiliar do surdo e estimular sua rehabilitação mental.

Neste último capítulo, a surdez reflete diferentemente em dois tipos psicológicos opostos: no extrovertido e no introvertido, tão bem analizados por Fentress. 0 extrovertido, acwtumado a deliciar a sociedade e seus amigos com suas atividades no mundo exterior, confronta-se com um sério problema na surdez, é incapaz de aceitar a realidade, transforma-se num deprimido, irritado, desconfiado. 0 introvertido, já acostumado às. suas divagações interiores, conforma-se ràpidamente e torna-se útil.

Finalmente, neste capítulo, lembrar aos portadores de surdez irremovível a filosofia da compensação, condensada por Gordon Berry em três itens principais e cujos exemplos são abundantes na humanidade

a) a surdez diminue a distração e aumenta a concentração;
b) a surdez alimenta idéias construtivas;
c) a surdez aumenta a capacidade interpretativa dos outros sentidos.

Na profilaxia da surdez no adulto, Sr. Presidente, tudo precisamos jogar para que o hipoacúsico não siga aquele ciclo inevitável e irreparável de que nos fala Harold Hays: iniciando-se pela (1) idade insidiosa, na infância, em que o deficit funcional passa desapercebido, através da (2) idade perigosa, já na puberdade, quando transformações tissulares se estabelecem,

alcança a (3) idade do adiamento; da procrastinação, na idade adulta, com lesões definidas e que já necessita do início da reconstrução psicológica, para atingira, (4) idade sem esperança, no limiar da velhice, coma impressão de que nada mais poderá ser feito para aliviar o mal, mas, que, na realidade, é passível de um reajustamento social completo por meio de três artifícios: a) leitura labial; b) uso de um aparelho auxiliar do surdo, cientificamente adequado para cada caso, e c) reabilitação psíquica.

Em seguida, o Autor. fez um apanhado, de acordo com a literatura, de todos processos terapêuticos atuais das hipoacusía do adulto. Finalizou projetando um filme de documentação particular dos mais variados casos de hipoacusía do adulto com os audiogramas respectivos.




(*) - Resumo da Comunicação à, secção de O. R. L. da Associação Paulista de Medicina, em 17 de Novembro de 1945.
(**) - Ad junto da Clínica de O. R. L. da Santa Casa, de Misericórdia de São Paulo. (Serviço do Dr. Mario Ottoni de Rezende).

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