Versão Inglês

Ano:  1946  Vol. 14   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 321 a 330

 

SURDEZ NA INFÂNCIA ESCOLAR - ESTATÍSTICA E PROFILAXIA (*)

Autor(es): DR. J. E. PAULA ASSIS (**)

Assunto de magna importância social, Sr. Presidente, é em dúvida, este escolhido por V. Excia para esta noite: a profilàxia da hipoacusia e ela surdez infantil e sua estatística. Assunto já bem estudado, de uma vastidão imensa, constituiu, ainda há pouco, um dos temas do 2.º Congresso Sul-Americano de Otorrinolaringologia, reunido em Montevidéo em Novembro de 1944. Agradecendo a honra que V. Excia, me conferiu, convidando-me para esta noite, irei dizer apenas algumas palavras, rápidas e muito breves, procurando fazer uma síntese elo importante problema.

Os órgãos do sentido, Sr. Presidente, são os intermediários entre nós e o meio ambiente. É por eles que recebemos as impressões exteriores; é por eles que recolhemos os primeiros ensinamentos. Eles constituem, si me permitem a expressão, as janelas abertas para a vida, por onde, uma a uma, entram as impressões que adquirimos: o que encanta e o que repugna; que é agradável e o que é incomodo; o que é áspero e ó que é suave. Entre estas maravilhas, entretanto, que são os cinco sentidos, um existe, que é a maravilha das maravilhas, como disse LEON SCOTT, o sentido da audição aquele que, no dizer ele HAUG, nos dá acesso a uma das esféras mais elevadas do ideal - a música - que possui o poder de comover o coração do homem, até os seus mais íntimos refolhos, recreando-o e alegrando-o. A perda deste sentido admirável isola o homem cia sociedade, coloca-o à margem da vida, retardando a sua inteligência e modificando o seu caráter. É o sentido da alma, é o sentido do coração, é o sent~do da inteligência. Ouvindo, aprendemos a falar, e, pela palavra, exteriorizamos o pensamento humano, este mundo errante pelo infinito, como o chamou VITOR HUGO.

Estudar, portanto, a profilaxia da hipo-acusia e da cofose é ato de alta benemerência social.

É enorme, senhores, o número de indivíduos hipo-acúsicos. Segundo RANJARD, 1 entre 3 indivíduos, entre 20 e 50 anos, é um hipo-acúsico ou um surdo, pelo menos de um ouvido; e o que ficou provado pelos tratadistas americanos (COATES, RUSSEL etc.), é que os tipos mais comuns de hipoacusia por lesão do ouvido médio na idade adulta, tiveram a sua origem na infância.

Si passarmos os olhos pelas estatísticas que reunimos e que aqui hoje vos apresentamos, veremos a frequência Impressionante dessa afecção.

Vejamos, neste primeiro quadro, algumas estatísticas européias:




Agora, neste segundo quadro, apresentamos algumas estatísticas americanas:




Cumpre ressaltar que a nossa estatística, uma das menores observadas, foi levantada sobre crianças presumidamente sãs, em plena atividade escolar; enquanto que as outras, com exceção das dos Estados Unidos, foram elaboradas sobre crianças, que, por qualquer motivo, procuraram os serviços especializados. As estatísticas apresentadas por SEGURA foram organizadas pelo serviço de Higiene Escolar de Buenos Aires. A cifra apresentada pela Higiene Escolar de São Paulo representa a percentagem sobre indivíduos que apresentavam enfermidades de ouvidos e não hipoacúsicos pròpriamente ditos.

Estas cifras apresentadas, apesar de consideráveis, como as de ROJAS, poderiam ser talvez ainda maiores, si os exames fossem feitos pela acumetria instrumental elétrica..

Uma pergunta nos assalta, Sr. Presidente. É possível curasse a surdez? E eu vos responderei, como LERMOYEZ, que não se apaga um incêndio vinte anos depois. É a idéia da profilaxia que surge. É ela, realmente, o único tratamento que possuímos com honestidade e consciência. E esse tratamento só é honesto e consciente quando praticado nos primeiros anos da vida, na idade pré-escolar, pois na escola, já iremos encontrar em grande escala a moléstia estabelecida em caráter definitivo.

A surdez é congênita ou adquirida. A congênita envolve em si a idéia de herança e deve ser combatida nos focos principais de sua atividade, isto é, os elementos determinantes da decadência humana, por isso que, herança não é mais que a "memória da espécie". São múltiplos os problemas a resolver, fatores sociais que vêm atravessando os séculos, avante, mas assustadores que estendem as suas garras mortíferas. É o alcoolismo, é a sífilis, é a tuberculose, arrastando atraz de si, Sr. Presidente, um manto de misérias. São estes os fatores que, por excelência, determinam a degenerescência da raça..São estes os principais flagelos, que devemos procurar afastar do caminho dos nossos concidadãos. E para isso Srs., é necessário, além dos serviços oficiais, que se esforçam o mais possível no malabarismo dos orçamentos, a cooperação de cada um de nós, os médicos convencidos de nossas obrigações, conscientes de nossos deveres, educando e ensinando o povo por uma propaganda útil e eficiente.

A eugenia, praticada com.escrúpulo, pode evitar a otoesclerose, por exemplo, moléstia que, como sabemos, é francamente hereditária e familiar, não se podendo ainda, apesar dos exaustivos estudos realizados, estabelecer com precisão a sua etiologia.

Assim, chegamos à profilaxia pré-concepcional, ainda. em esboço entre nós, onde nem ao menos existe urna lei ampla que obrigue os exames pré-nupciais, exigidos apenas em casos muito restritos, por lei. promulgada a 19 de Abril de 1931.

A assistência à mulher grávida, amparando-a e protegendo-a, será um dos fatores primaciais da profilaxia da surdez. A ela será interdito o uso de medicamentos nocivos ao ouvido, como os salicilato, o quinino etc. Já o nosso brilhante Dr. Rezende Barbosa, em um dos seus trabalhos sobre "A etapa atual do tratamento da surdez", nos chama a atenção sobre a necessidade indiscutível da profilaxia da surdez pré-natal ou intrauterina. Realmente, os traumatismos uterinos a que estão expostas as mulheres grávidas, podem provocar em seus frutos concepcionais, lesões funcionais pela eclosão de ultra labirintite intra-uterina, quase sempre de natureza meningítica. Aí estão os pontos principais, que devem intervir na profilaxia da surdez congênita.

A surdez adquirida, que constitui um campo imenso na patologia ótica, é a que, em grau superior, exige as medidas profiláticas necessária. É da primeira infância que depende o futuro da decadência funcional do órgão auditivo. A idade pré escolar é o centro para o qual devem convergir todos os esforços dos sanitaristas, pois é nela que se desenvolvem preferencialmente, as causas determinantes de uma futura hipoacusía ou cofóse e é nela, exclusivamente, que, com eficiência, a profilaxia produz os seus mais brilhantes resultados.

A higiene da infância deve ser apreciada com os maiores cuidados, afastando hálitos prejudiciais à criança, alguns deles, como o uso de brincos, por exemplo, tão enraizados na concepção humana. Na correição das crianças, os castigos físicos devem ser abolidos; principalmente as bofetadas aplicadas sobre o pavilhão auditivo,. que são capazes de determinar lesões mais ou menos graves, tais como, hematomas, pericondrite, rupturas do tímpano etc. E os beijos, também.

Passemos em revista as principais causas determinantes do rebaixo auditivo. Comecemos pelo mais simples.

O resfriado, de aparência inocente, é fator de alta percentagem na eclosão dás otites. A obstrução nasal, que ele determina é o inimigo mortal do ouvido, como dizia CHAVANE e já LERMOYEZ, o velho mestre da escola francesa, propunha a equação:

coriza x irritação nasal = otite.

É necessário evitar os resfriados, protegendo a criança contra o frio, cuidando de seu vestuário (agasalhos, sapatos etc.) e tratando-a com os recursos modernos da terapêutica contemporânea: as vacinas, as vitaminas, principalmente a A, que é a arma eficaz contra os catarros das vias aéreas superiores. É aproveitar, enquanto estão na moda e ainda curam.

O modo de assoar o nariz contribuo, sobremodo, para a provocação de afecções do ouvido. Deve-se ensinar a criança a nunca, como se vê frequentemente, comprimir as duas narinas ao mesmo tempo, com força. Isto facilitaria a propulsão do catarro nasal infectado ao ouvido médio, via trompa, e daí a otite. Evita-se este inconveniente assoando com brandura e comprimindo alternativamente, ora uma, ora outra narina, processo este recomendado por TROLTSGH, que o denominou "à la, paysanne".

A melhor profilaxia contra os resfriados é manter a boa permeabilidade nasal, eliminando-se, portanto, qualquer.causa que a impeça (polipos, hipertrofia das conchas, vegetações etc.).

As moléstias eruptivas e infecciosas que assaltam a primeira infância, contribuem com elevada percentagem para a aparecimento da surdez. O sarampo, a escarlatina, a parotidite a difteria, o tifo e a gripe produzem muitas vezes, por intermédio de suas terríveis toxinas, verdadeiras nevrites do, VIII par craniano, que produzem desde a hipoacusía ligeira, à mais profunda surdez. Segundo estatísticas americanas, estima-se em 87o a surdez produzida pelo sarampo. Além disso, é caso frequente as moléstias infecciosas ou eruptivas, principalmente o sarampo e a escarlatina, produzirem otites de especial gravidade, muitas vezes com osteite da caixa e do labirinto. A profilaxia, das moléstias eruptivas, e mais ainda a colaboração sinérgica entre otologista e pediatra, eis o ponto nevrálgico, é capaz de prevenir a surdez, constituindo um pontos essencial no capítulo da profilaxia. As perturbações da tireóide,, aplasia, hiperplasia e hipepasia, são responsáveis; às vezes, pela hipoacusía infantil. Não podemos deixar de nos referir também â alergia como fonte de hipoacusía. Realmente, o edema e a congestão, de origem alérgica, provocadas na mucosa, peritubario, vêm, acarretar modificações mais ou menos graves, da audição.

Uma das causas, entretanto, que, segundo as. estatísticas, assume a maior responsabilidade na eclosão da hipoacusia infantil, é a hipertrofia das amígdalas palatinas e as vegetações adenóides. Milhares de crianças tidas por desatentas ou imbecis, não são mais de que doentes, cuja capacidade de assimilação foi posta em inferioridade de condições por uma deficiência auditiva, provocada por aquelas afecções e pela série de perturbações trófica por elas produzidas. GRADENIGO, a eminente otólogo italiano, já dizia: "Tenete presente che ogni bambino portatore de hipertrofia della tonsilla faringea e delle lesione consecutive dell'orechio médio è un candidato alia sordità e per conseqúenzeal. sordo motismo e che tra gli allicoi degli Instituti dei Sordomutti si reconobe la esistenza perfina de 40 a 50% di adenóide!:"

É verdadeiramente impressionante o número de crianças: portadoras de amigdalites e adenóidites hipertróficas.

No quadro, que aqui apresentamos, podemos , apreciar a incidência dessas afecções com a hipoacusía, demonstrando á, sua alta percentagem.

Causas principais da hipoacusia-Infantil




Por este quadro oferecemos a estatística sobre as principais causas determinantes da hipoacusía infantil, verificando a responsabilidade maior das amígdalas e adenóides, seguida pelas otites até o inocente cerumen.

Em 90% dos casos, para nossa felicidade, e são ainda as. estatísticas que nos afirmam, argentinas, como a de ROJAS, um pioneiro no assunto, e norte-americanas (DECKER), obtem-se a cura completa, da hipoacusía com os tratamentos médico-cirúrgicos indicados. Si estes falharem, no entanto, a criança,, hipoacúsica merecerá de seus professores o maior carinho e será colocada sempre na primeira fila. dá classe, pais não são mais admitidas, hoje, escolas ou classes especiais para duros de ouvido, como aquelas criadas na Alemanha (1889) por HARTMANN e BRÜHEL, porquê trariam fatalmente à criança um complexo de inferioridade.

A reeducação respiratória, post-operatória, vem contribuir extraordinariamente para o bom resultado dá profilaxia isso se. pode alcançar de um modo simples, fazendo e a criança respirar durante alguns minutos, que serão aumentados progressivamente , com a bôca cheia de água, o que a obrigará a respirar só pelo nariz.

A localização, das vegetações adenóides tem muito mais importância que o tamanho. Compreende-se facilmente que uma pequena massa de tecido linfóide junto ao orifício da trompa produza um efeito muito mais nocivo que uma grande vegetação pendente .da abóboda faríngea. Incontestavelmente, é na cirurgia precoce das vegetações adenóides e das amígdalas hipertróficas, que repousa a principal fonte da profilaxia da hipoacusía. É preciso incentivar a frequência dessas operações, já por artigos na imprensa leiga, accessíveis ao público, já por palestras educativas, fritando que elas devem ser efetuadas, na idade pré-escolar, a fim de que, na escola, o aproveitamento dos alunos possa ser perfeito.

É preciso repetir e repisar que a profilaxia da surdez tem ,que ser feita na primeira infância.

As vezes, entretanto, em grau mínimo é verdade, 3 a 5%., é possível se encontrar crianças operadas de amígdalas e adenóides, continuando a sua insuficiência auditiva, principalmente para os sons altos. Isto é devido ao que o Prof. SEGURA denominou a linfóse difusa do cavum. Essa exuberância de tecido linfático, motivada talvez por um processo vicariante, tão bem estudada pela primeira vez por CROWE e BAYLOR (Universidade de John Hopkins), assentando-se em volta do opérculo tubário (amígdala de Gerlach) produz uma hipersecreção mucosa, que acarreta o rebaixo auditivo. A cirurgia neste caso ,seria impossível, pois comprometeria o orifício tubário, angustiando-o ou mesmo obturando-o. Seria aumentar a dor ao aflito ,Sabendo-se, entretanto, desde os estudos de HEINECK, de Leipzig, que o tecido linfático tem uma sensibilidade especial para o rádium,, muito maior que o tecido epitelial subjacente, que os músculos, ossos e cartilagens, o seu emprego veiu resolver perfeitamente o problema e o fato é hoje de aplicação rotineira.. No comércio, já se encontram nos Estados Unidos aparelhos de simples manipulação, estiletes nasais, cuja extremidade distal contém a quantidade precisa do elemento rádium, e que, introduzidos pela fossa nasal até o cavum, aí produzem o efeito desejado.

Acreditamos, baseados em diversos autores, que os transtornos auditivos para os sons agudos são antes uma manifestação de heredo-lues do nervo coclear. É, portanto, de bom alvitre nestas crianças, o exame sistemático do sangue. Diversas teorias existem procurando explicar a diminuição auditiva na infância, dos sons agudos e, para não nos alongarmos demasiadamente, citaremos apenas a de GALLOWAY, que considera a hipoacusía para os sons agudos como consequência da fixação no aparelho de percepção, de toxinas reabsorvidas no ouvido médio; e podíamos acrescentar a de LOEVY e KAINS, que atribue a alteração audiométrica que comentamos a uma fixação da janela redonda por exsudato e perturbação funcional da cadeia dos ossinhos. Não acreditamos, no entanto, que um fator mecânico possa superar o fator inflamatório.

Além das amígdalas hipertrofiadas e as vegetações adenóides que, como provamos com nossas estatísticas, são a causa primordial da hipoacusía infantil, outras ainda aparecem. São as que, como já nos referimos, por qualquer maneira produzem obstrução nasal, parcial ou total (rinites hipertróficas, polipos, alergia etc.). Esses casos são, mais ou menos, de fácil remoção. A perfeita higiene bucal, principalmente o bom estado dentário, dificulta a proliferação de tecido linfóide da faringe. Há observações a respeito. As crianças não devem estar expostas à ruídos violentos ou prolongados, o que poderia produzir perturbações auditivas de maior ou menor gravidade. Este assunto, porém, é mais aplicável à profilaxia da surdez do adulto, hipoacusía profissional dos ferroviários, aviadores etc.

A remoção dos fócos infecciosos na criança assume uma importância considerável e não deve ser descuidada.

Desta maneira, Sr. Presidente, passamos em revista de um modo muito sucinto, é verdade, os principais problemas da profilaxia da surdez infantil, conforme o quadro que aqui apresentamos.


Profilaxia da surdez infantil

1.ª) - Profilaxia pré-concepcional.

2.a) - Higiene da infância.

3.ª) - Defesa contra resfriados e contra as moléstias eruptivas e infecciosas.

4.ª) - Cuidados necessários com os dentes e tratamento precoce das moléstias do ouvido, nariz e garganta.

5.ª) - Resguardo do ouvido contra os traumatismos mecânicos e sonoros (mais importante para o adulto: surdez profissional).

6.ª) - Remoção de fócos infecciosos.

Tivemos a satisfação de notar que a nossa estatística apresentada é das menores. Si agirmos, entretanto, segundo as boas regras da higiene e da profilaxia, teremos futuramente o prazer de vê-Ia diminuida. Isso dependerá do nosso trabalho individual e do nosso esforço coletivo. A recompensa que teremos é ver diminuir o número dos surdos - estes infelizes que perambulam à margem da estrada da vida, para uns repleta de prazeres, para outros tão cheia de dores. O maior e mais decisivo fator da. profilaxia da surdez é, Sr. Presidente, não tenho dúvida em afirmar, a precocidade do diagnóstico. Antigamente talvez isso fosse difícil. Hoje, entretanto, com os progressos extraordinários que vieram trazer, à otologia os audiometros elétricos, permitindo e facilitando a audiometria em massa (fono-audiometria) nas escolas, é possível o diagnóstico precoce do rebaixo auditivo, fato este que consideramos de importância precípua para o tratamento da surdez.

E ao finalizar esta nossa dissertação, Sr. Presidente, ainda uma vez aproveitamos a oportunidade para agradecer a V. Excia. o privilégio que nos proporcionou de discorrer sobre assunto tão lindo e de tão elevada significação social.




( * ) - Conferência proferida na. Secção de Oto-rino-laringologia d& .,A.ssociaçã~ Paulista, ide Medicina, sem 18 de Setembro de 1946.
(**) - Chefe de Clínica. O. R. L. do Hospital N. S. Aparecida. São Paulo.

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