Versão Inglês

Ano:  1946  Vol. 14   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 306 a 320

 

TRATAMENTO CIRÚRGICO DAS AMÍGDALAS PALATINAS (*)

Autor(es): DR. HOMERO CORDEIRO

São Paulo

HISTÓRICO

Em interessante relato histórico, inserido em sua tése. "Amigdalectomia e amigdalectomia", publicada em.1920, Karaianoski, de Bordeaux, assinala que o problema cirúrgico, das amígdalas palatinas já era conhecido desde a mais remota antiguidade, e que Celso, no 10.° ano da era cristã, praticava a extirpação total das amígdalas, com o auxílio do dedo ou do bisturi, conforme a resistência capsulo-faringéa. Mais tarde AEtius, no ano 490, aconselhava apenas a retirada da massa livre amigdaliana, receoso de hemorragias graves na ablação completa. Paulo d'AEgina, em 750, reduzia ao mínimo as indicações da cirurgia total.

E essa tendência cirúrgica conservadora, de sòmente ser praticada a extirpação parcial das amígdalas ou amigdalectomia, perdurou até o princípio do século atual, não só devido à rotina, como também pela influência de várias concepções hipotéticas, lançadas pelos autores, nas quais pretendiam atribuir às amígdalas, conforme a teoria de cada um, funções fisiológicas importantes no organismo.

Mas, de 1910 em deante, à prática da extirpação total ou amigdalectomia foi tomando vulto e cada dia ganhando mais adeptos, principalmente depois que foram sendo conhecidos os modernos conceitos da escola americana sobre o importante capitulo da "infecção focal", pela divulgação dos trabalhos de Wright, Davis, Cox, Crowe, Hunter e muitos outros, nos quais demonstravam, com observações clínicas bem documentadas que, além das infecções de origem dentária ou sinusial, eram as, amígdalas palatinas infectadas responsáveis pelo aparecimento de processos patológicos em variados territórios do organismo, como reumatismo, nefrite, coréa, etc., processos esses que geralmente regrediam rápidamente, após oportuna extirpação completa das amigdalas doentes.

Vários outros fatores também concorreram para a maior difusão da cirurgia total das amígdalas palatinas: 1) melhores conhecimentos anatômicos por parte dos especialistas, após o, advento da oto-rino-laringologia como especialidade autônoma, 2) aperfeiçoamentos da técnica operatória e do instrumental cirúrgico; e 3) a introdução da anestesia local nas intervenções amigdalianas, principalmente após a descoberta da "novocaina". em 1907, por Einhorn.

Em nossos dias, quando se cogita da cirurgia das amígdalas palatinas, está subentendido que só se trata da sua enucleação total, isto é, da retirada da amígdala com a sua cápsula fibrosa. A velha amigdalotomia subsiste apenas como recordação, histórica.

Antes de entrarmos em detalhes de técnicas operatórias, permití-nos fazer rápido relance anátomo-topográfico e cirúrgico das amígdalas palatinas e da loja amigdaliana, bem como breves considerações a respeito da contra-indicação operatória, do pré-operatório e da questão da anestesia.

Relance anátomo-topográfico e cirúrgico

A amígdala palatina é uma massa volumosa de tecido linfóide, em forma de amêndoa, que se apresenta encaixada numa depressão da parede lateral da faringe, a "loja amigdaliana".

Sob o ponto de vista cirúrgico, a amígdala é denominada de pediculada, quando é saliente, bem visível para fora dos pilares; é de encastoada, quando se encontra submersa no interior da loja e recoberta pelas pregas mucosas.

A sua face interna. é livre, de superfície irregular, apresentando 10 a 20 pequenos orifícios, que são as entradas das criptas amigdalianas, - espécie de fístulas cégas que se dirigem para o interior da massa amigdaliana, prolongando-se algumas até a cápsula fibrosa, - que no estado patológico, enchem-se de massas caseosas fétidas, onde pululam germens virulentos.

O pólo superior fica situado um pouco abaixo da reunião superior dos pilares palatinos, delineando-se nesse ponto uma pequena depressão chamada "fosseta supra-amigdaliana" e recoberta por uma membrana mucosa, a "préga semi-lunar". Às vezes, o pólo superior ultrapassa essa fosseta e atinge o vértice da loja (amígdala intravélica), anomalia essa que não deverá passar desapercebida no áto cirurgico, principalmente quando a técnica empregada fôr a de Sluder. Após a intervenção, é de boa prática a inspecção da parte alta da loja, a fim de se verificar se o pólo superior foi completamente liberado:

O pólo inferior apresenta-se como que fixado por outra membrana mucosa, a "préga triangular", que se destacando do terço inferior do pilar anterior, recobre esse pólo e se prolonga até alcançar o pilar posterior. É nesse ponto da préga triangular, isto é, ao lado do bordo livre do terço inferior do pilar anterior, que iniciamos o 2.° tempo da técnica da dissecção: a circuncisão.

A face externa da amígdala, intimamente aderente às paredes, musculares da loja, é revestida em quase sua totalidade, por uma formação fibrosa, que os cirurgiões denominaram de "cápsula" e consideram-na como parte integrante do corpo amigdaliano, a-pesar da discordância de vários anatomistas e histologistas, que a julgam como pertencente à aponevrose faríngea, onde desempenha o papel de camada fibrosa protetora.

Entre a cápsula e a aponevrose faríngea que recobre os músculos constrictores situados no fundo da loja, se encontra o "plano de clivagem", de grande importância no áto cirúrgico, pois serve de guia para o perfeito descolamento da amígdala. Muitas vezes, devido à idade ou infecções precedentes, a cápsula torna-se espessa, com fortes aderências, o que nos obriga a criar um "plano de clivagem virtual", por meio de tesoura fina e curva ou com o bisturí, tendo-se o cuidado de não lesar os músculos da loja amigdaliana, a fim de evitar hemorragias graves ou contaminação do espaço para-faríngeo, que fica ao lado dessa parede muscular.

No terço inferior da face externa da cápsula convergem os filetes nervosos do "glosso-faríngeo", aí formando um plexo, denominado "plexo tonsilar de Andersch ", de onde saem ramificações sensitivas para a amígdala. A anestesia só será perfeita, quando a solução anestésica atingir essa zona do plexo nervoso, bem como os filetes terminais dos "nervos palatinos médio e posterior", ramos do trigêmio, que penetram no pólo superior, e os do "nervo lingual", também ramo do trigêmio, que inervam o pólo inferior.

As artérias que irrigam as amígdalas provém todas (a não ser em raras exceções) da carótida externa e são:

1.°) Artéria palatina descendente, ramo da maxilar interna, que penetra na amígdala ao nível do seu pólo superior.

2.°) Artéria faríngea descendente, ramo da carótida externa, que perfurando o músculo constrictor superior da faringe, envia pequenas ramificações para o terço superior da amígdala

3.°) Artéria palatina ascendente, ramo da facial, que dá, ramificações para a face anterior amigdaliana.

4.°) Artéria tonsilar, ramo da facial, é a artéria principal da amígdala; ela atravessa o músculo constrictor da faringe, onde se ramifica para atingir a cápsula e aí expandindo-se.

5.°) Artéria dorsal da língua, ramo da lingual, que irriga o pólo inferior. .

Essas artérias enviam para o corpo amigdaliano numerosas colaterais que se anastomosam entre si, formando uma verdadeira rêde capilar.

A"rêde venosa" proveniente das amígdalas converge para a parte inferior da loja amigdaliana, onde vai formar o "plexo venoso tonsilar", de onde se destacam dois ramos principais que se lançam na veia lingual e no plexo faríngeo.

Quanto aos " linfáticos amigdalianos ", parece que só existem os eferentes, que atravessando a cápsula e o músculo constrictor superior, vão se lançar no gânglio linfático tonsilar e daí para o grupo ganglionar profundo sub-esterno-mastoideo.

A " loja amigdaliana " de forma triangular, é delimitada pelos dois pilares palatinos: o anterior e o posterior.

O pilar anterior contém na sua estrutura o músculo palatoglosso (ou glosso-estafilino, dos franceses), que se estende da face inferior do véu do paladar até à base da língua. Este músculo, quando em ação, puxa a língua para cima e para traz, abaixando ao mesmo tempo o palato mole.

O pilar posterior contém em seu arcabouço os feixes externo e médio do músculo palato-faríngeo (ou faringo-estafilino), que se destacando da face posterior do véu do paladar, da aponevrose palatina e da extremidade inferior da orla cartilaginosa da trompa, descem até à parede lateral da faringe e bordo posterior da cartilagem tireóidea. Esse músculo tem ação complexa: levantador da laringe e da faringe, constrictor do istmo do naso-faringe e dilatador da trompa de Eustáquio.

A dilaceração dos músculos dos pilares poderá acarretar, além de hemorragias graves, retrações cicatriciais desgraciosas, como também alterações para o lado da voz, principalmente nos cantores, cujo timbre poderá ser prejudicado.

O fundo da loja amigdaliana é delimitado por uma parede muscular, formada pelo entrelaçamento dos músculos "constrictores superior e médio da faringe", "estilo-faríngeo" e "estilo-glosso", parede essa que é forrada pela aponevrose faríngea e atravessada por vasos e nervos que, como já foi exposto, vão irrigar e inervar a amígdala palatina. Ao lado da parede muscular do fundo da loja amigdaliana, está situado o "espaço para-faríngeo".

Convém assinalar que durante a intervenção, todo descolamento intempestivo da amígdala, feito sem a devida técnica, poderá não só lesar a parede muscular da loja amigdaliana, provocando hemorragias sérias, como até à sua própria rotura, acarretando possível contaminação do espaço para-faríngeo, de consequências graves.

As "carótidas externa e interna" passam relativamente afastadas de região amigdaliana. A carótida externa fica mais ou menos a 20 milímetros para fora e para traz do bordo posterior da amígdala; a carótida interna passa 20 a 25 milímetros para fora e para traz da face externa. Os casos de anomalia são raros.

Segundo os estudos de Sébileau e Truffert, o pólo superior da amígdala está em relação com a carótida interna, e o pólo inferior com a carótida externa.

Contra-indicações operatórias

É de boa prática averiguarmos, antes de ser indicada a amigdalectomia, se não há contra-indicações operatórias.

Se o paciente teve uma amigdalite aguda recente, devemos sempre esperar 15 a 20 dias, pois é uma regra respeitar cirurgicamente as amígdalas em todo período de inflamação aguda, com o fim de serem afastados factores hemorragíparos desagradáveis.

Nas mulheres, devemos indagar sempre do período menstrual, e a intervenção deverá ser feita sòmente uma semana após a terminação desse período. A gravidez, nos primeiros meses, não contra-indica a operação, a qual, entretanto, deverá ser praticada com os cuidados que o próprio estado exige.

Nos luéticos devemos instituir prèviamente um tratamento específico, pois a sifilis determina alterações humorais persistentes no organismo, que retardam a cicatrização dos tecidos e expondo, assim, as regiões operadas á infecções secundárias.

Nos tuberculosos deve haver íntima colaboração entre o especialista e o tisiólogo, afim de ficar bem determinada a oportunidade da intervenção, sem prejuízo para o estado geral do paciente.

Nos diabéticos, nos grandes hipertensos, nos cardíacos, a regra é contra-indicar a operação, reservando-a sòmente para os casos de absoluta necessidade, e assim mesmo, quando postos em condições favoráveis pelos seus médicos-assistentes, afim de reduzir ao mínimo os perigos de complicações.

Nos casos de cardiopatia descompensada, de leucemia, de hemofilia, de anemias, como também nos de discrasias sanguíneas com retardamento dos tempos de coagulação e de sangramento, a amigdalectomia é absolutamente contra-indicada.

Tratamento pré-operatório

Achando-se o paciente em bom estado geral e local, iniciamos o tratamento pré-operatório.

Durante 5 a 6 dias seguidos, costumamos administrar por via oral cloreto de cálcio, na. dose diária de 1 gr. para as crianças e 2 grs. para os adultos, diluidas em água açucarada, e metade da dose em cada refeição.

É uma medicação que empregamos há muitos anos, com bons resultados, a-pesar de alguns autores duvidarem da sua ação coagulante.

Nos adultos, nestes últimos tempos temos empregado a vitamina K, uma empola diária durante 5 dias seguidos.

Na véspera da intervenção, mandamos verificar os tempos de coagulação e de sangramento e, caso não estejam nos limites normais, prolongamos por mais alguns dias o tratamento pré-operatório.

Anestesia nas amigdalectomias

Nas crianças até 12 anos, operamos sempre sob narcose geral superficial, pelo cloretil ou pelo éter.

Nos adultos empregamos a anestesia local: por embebição com sol. de neotutocaina a 2% acrescida de algumas gotas de sol. mil. de adrenalina; seguida da infiltração com sol. de novocaina a 2% (sem adrenalina).

Anestesia nas crianças. - Há mais de 20 anos que usamos sistemàticamente o cloretil nas narcoses em crianças, e durante essa longa prática nunca tivemos acidentes graves a registrar. Naturalmente, a sua administração deve sempre ser feita por auxiliar que tenha bastante prática e esteja var de certos detalhes que julgamos importantes.

Assim, consideramos absolutamente necessário colocar na abridor de bôca, tipo, Whitehead infantil ou outro, antes de ser iniciada a narcose, afim de evitar trismos e facilitar a boa respiração da criança. Depois adaptamos uma máscara, tipo Camus, e pelo pequeno orifício existente no impermeável que a recobre, introduzimos o cloretil, em jactos entrecortados, ao mesmo tempo que fazemos a criança repetir alto a letra a ou ir contando de 1 para diante. Nas indóceis, o grito ou choro servem de guia. Quando param, de falar ou gritar, podemos iniciar a operação. É uma, narcose geral superficial inofensiva, é suficiente para uma amigdalectomia rápida, sem a criança sentir dor, pois fica inconsciente mas sem perder os reflexos. Nas crianças nervosas, costumamos administrar por via oral meia hora antes da intervenção, Nembutal, Seconal, Cibalena, ou outros produtos equivalentes, que agindo como anestésicos de base, diminuem para metade a quantidade de cloretil necessária para a narcose, bem como os choques post-operatórios.

Nestes últimos anos de guerra, devida à falta de cloretil puro ou de confiança, temos feito a sua substituição pelo éter, também com os melhores resultados.

Como frizamos no inicio, sempre usamos a narcose pelo cloretil ou éter nas amigdalectomias e adenoidectomias em crianças, pois além da comodidade que oferece em tais intervenções, é uma prática muito mais humana que a simples contensão.

Anestesia nos adultos. - Empregamos sempre a local, iniciada com pulverizações ou pincelamento dom seção de neotutocaina a 2%. com algumas gotas de sol. mil. de clor. de adrenalina, de tôda a região da faringe, como amígdalas, pilares, palato, úvula, base da língua, parede posterior (alta e baixa), até o desaparecimento dos reflexos. Nos nervosos, é de boa prática a administração de sedativo, como Seconal, por via oral, meia hora antes da intervenção.

Completamos a anestesia local fazendo, com uma agulha fina de 8 cent. de comprimento e montada numa seringa de vidro de 10 cc., infiltração dos pilares e região profunda capsulo-amigdaliana, com sol. de novocaina a 2%, sem adrenalina. Justificamos esta exclusão, pela nossa observação de muitos anos, de que os fenômenos desagradáveis que com frequência se manifestavam durante a anestesia, como tremores, taquicardia, lipotímias etc. corriam por conta da ação da adrenalina. Outra desvantagem da adrenalina é produzir, pela sua ação vaso-constritora, uma esquemia intensa dos tecidos, podendo mascarar algum pequeno vaso lesado, que mais tarde sangrará, por ocasião da ação vaso-dilatadora de retorno.

Começamos a infiltração pelo pilar anterior, onde injetamos o anestésico nos 3 pontos clássicos: na parte alta, na média e na inferior. Em seguida, fazemos o mesmo no pilar posterior. Assim, conseguimos anestesiar as filetes sensitivos dos nervos palatinos médio e posterior, que se dirigem para o pólo superior, e os filetes terminais do nervo lingual, que inervam o pólo inferior da amígdala palatina.

Para completar a anestesia, com uma pinça de Brünnings, fixamos a amígdala na sua parte média e puxamo-la para fóra da loja, è a um centímetro para dentro do bordo livre do pilar anterior, na altura da união do seu terço médio com o inferior, introduzimos a agulha da seringa numa profundidade de um centímetro e meio, bordejando a face externa da cápsula amigdaliana, onde injetamos 3 a 4 cc. do anestésico, afim de conseguirmos o completo bloqueio fisiológico dos filetes sensitivos do glossofaríngeo (plexo tonsilar de Andersch).

Costumamos também infiltrar a mucosa situada abaixo do pólo inferior, fazendo a agulha seguir uma direção horizontal, que começa na base do pilar anterior e prosegue até atingir o pilar posterior, afim de anestesiar filetes do nervo lingual, para evitar fenômenos dolorosos ao paciente, por ocasião da secção do pedículo inferior da amígdala por meio da alça fria ou com o próprio amigdalotomo de Sluder.

Antes de começar a intervenção cirúrgica, temos por hábito fazer a manobra seguinte, para nos cientificarmos do andamento da anestesia: com a pinça de Brünnings apreendemos a amígdala e puxamo-la para fóra da loja, fazendo em seguida pequenos movimentos de vai-e-vem ; se o paciente não acusar dor alguma, apenas sensação de repuxamento, podemos concluir que a anestesia está perfeita.

Técnicas operatórias

Duas são as técnicas atualmente usadas nas amigdalectomias : a de Sluder e a da dissecção.

Técnica de Sluder. - Em 1910, Greenfield Sluder, de St. Louis, apresentou a sua técnica para a extirpação total das amígdalas palatinas, baseada em dados anatômicos precisos e praticada por meio de um amigdalotomo tipo guilhotina, logo depois modificado por Ballanger, que lhe adaptou um cabo, transformando-o no clássico Sluder-Ballanger universalmente conhecido, diferenciando apenas, do atual, por apresentar "cortante" a haste que fecha o anel do amigdalotomo.

Como guia para o anel do amigdalotomo, Sluder chamava a atenção para a "eminência alveolar da mandíbula", situada na parte interna do maxilar inferior, ao lado dos alvéolos dentários dos últimos molares inferiores.

A técnica primitiva de Sluder compreende três tempos principais

1.° tempo: Introdução do anel do amigdalotomo na faringe, entre a face anterior do pilar posterior e a amígdala, ao mesmo tempo que se vai aproximando o mais que fôr possível, o cabo do aparelho da comissura labial do lado oposto.

2.° tempo: Insinuação da amígdala no anel do instrumento, fazendo-se pressão com o dedo indicador da mão oposta, sobre o pilar anterior.

3.° tempo: Fechamento da haste cortante do amigdalotomo, que, correndo sobre o anel, secciona as aderências" cápsulo-aponevróticas, liberando a amígdala, com integridade dos pilares, úvula e tecidos musculares da loja.

Pela técnica de Sluder, a amigdalectomia tornou-se uma intervenção rápida, elegante e completa, pois a amígdala é retirada com a sua capsula, fibrosa.

Essa, técnica foi, introduzida no Brasil em 1913 por Schmidt Sarmento, em São Paulo, e pelo Prof. João Marinho no Rio de Janeiro (1914) e aqui foi modificada para melhor, tornando-se perfeita e ideal, e conhecida no exterior por "técnica a brasileira" , conforme denominou-a o Prof. Portinann, por ocasião da sua visita ao nosso país em 1929.

A primeira modificação foi feita por Schmidt Sarmento, que substituiu para "romba", a primitiva haste cortante do amigdalotomo de Sluder-Ballanger, de modo que fechado o anel, há o esmagamento e não a secção das aderências cápsulo-aponevróticas da amígdala, sendo então esta enucleada pelo dedo indicador da mão oposta, que deslizando de encontro ao rebordo do anel do aparelho, de cima para baixo, descola a amígdala em seu plano de clivagem, situado entre a cápsula fibrosa e a aponevrose faríngea.

Mais tarde, Paulo Brandão, com o fim de evitar o ferimento do dedo do cirurgião em dentes careados ou aguçados, de consequências às vezes graves, abole completamente o descolamento digital e pratica a amigdalectomia por meio de uma nova modificação de técnica: após firme pegada da amígdala e mantido o anel do amigdalotomo bem fechado, faz rápida manobra de torção, fazendo girar o aparelho, de cima para baixo, num ângulo de 180°, seguida de delicada tração para o lado do orifício bucal.

Ùltimamente, procurando evitar o inconveniente da perda de sangue, geralmente abundante, por ocasião do descolamento digital da amígdala, Álvaro Costa idealizou o seu "amigdalotomo elétrico", que consiste na adatação de uma lâmina de platina (galvano-cautério) ao amigdalotomo de Sluder-Ballanger, que entra em ignição pela passagem da corrente elétrica. O interruptor dessa corrente, em forma de gatilho, acha-se situado no cabo do aparelho e é acionado pelo dedo indicador. Feita a pegada da amígdala pela técnica de Sluder, calca-se o gatilho até a lâmina de platina se tornar "rubro-sombreada", e, no fim de um a dois segundos, a amígdala se desprende em campo em sangue.

Técnica da dissecção. - A prática da amigdalectomia pela técnica da dissecção, iniciada. por Winckler (1892) na Alemanha, Vacher (1904) em França e Ballanger (1906) nos Estados Unidos, sòmente alcançou o aperfeiçoamento atual, depois da introdução da anestesia local nas intervenções amigdalianas.

Trautman, em 1912, na Alemanha, demonstrou que a enucleação só era completa, quando a amígdala era retirada com a sua cápsula fibrosa, o que se conseguia praticando o seu descolamento através do plano de clivagem situado no espaço celuloso que separa a cápsula da aponevrose faríngea que reveste a loja amigdaliana.

Dessa época em diante, a técnica da dissecção das amígdalas foi sendo aperfeiçoada pelos especialistas anglo-saxões, principalmente por Killian e seus discípulos.

Atualmente, a amigdalectomia total, executada segundo essa técnica, é uma intervenção verdadeiramente cirúrgica, baseada em dados anatômicos precisos e com seus tempos operatórios distintos.

Em nossa opinião pessoal, a extirpação das amígdalas pela dissecção é a operação ideal para os adultos, assim como a técnica de Sluder é para as crianças.

Entretanto, achamos que cabe ao especialista dar sua preferência para a técnica que esteja mais familiarizado e, por conseguinte, a, que tenha maior segurança na sua execução.

Ambas as técnicas visam o mesmo fim: uma enucleação, cirúrgica e anatomicamente perfeita das amígdalas.

Agora vamos apresentar a técnica de dissecção por nós usada há mais de vinte anos e que aprendemos com Seiffert, na clinica do Prof. Killian, no Hospital "Charité" de Berlim.

Para a execução dessa técnica utilizamos do seguinte instrumental cirúrgico :

1 bisturi longo de ponta fina e curva;
1 saca-rolha amigdaliano;
1 descolador curvo e rombo;
2 pinças de Brünnings ;
1 alça fria com cremalheira;
1 amigdalotomo de Sluder-Ballanger;
1 abaixador de língua reto ;
2 pinças hemostáticas finas e retas, tipo Kocher;
1 porta-algodão para garganta;
1 tesoura curva de ramos longos.

O paciente poderá ser operado na posição sentada, com a cabeça apoiada nas mãos do auxiliar colocado atraz da cadeira, ou então na posição semi-deitada, quando de temperamento nervoso ou sujeito a lipotímias.

Durante a intervenção cirúrgica podemos distinguir quatro tempos operatórios distintas:

Primeiro tempo: Apreensão da amígdala e sua tração e fixação fóra da loja amigdaliana. Em lugar das pinças usuais fazemos a apreensão da amígdala por meio de um "saca-rolha" fino, que consiste num estilete metálico, tendo um pequeno cabo numa extremidade, e na outra cinco espirais, tendo a última terminação pontiagudas. Para entrar em ação, coloca-se a ponta do saca-rolha perpendicularmente à face livre da amígdala, em seu terço médio, e, ao mesmo tempo que se exerce leve pressão sobre a amígdala, vai-se girando o instrumento no seu eixo, bastando 4 ou 5 voltas para se conseguir uma boa apreensão. Naturalmente que essa manobra depende de um pouco de prática do operador, e também de um pouco de paciência, principalmente nos casos de amígdalas friáveis. Após a apreensão e fazendo-se no cabo do saca-rolha tração para o lado do orifício da bôca, a amígdala é trazida para fóra da sua loja e mantida nessa posição, entregando-se o cabo do dito saca-rolha ao nosso auxiliar, que o mantem bem seguro. E a grande vantagem que disso resulta, é ficar o operador com as duas mãos livres para operar.

Segundo tempo: Circuncisão peri-amigdaliana. Com bisturi de cabo comprido e com ponta fina e curva, inicia-se a incisão da mucosa da prega ,triangular, de baixo para cima, na altura do terço médio do pilar anterior, e seguindo o bordo livre deste pilar prossegue-se até atingir o pólo superior; aí, fazendo-se o bisturi executar um ângulo de 45°, prolonga-se a. incisão para baixo, junto ao bordo livre do pilar posterior, até a união dos terços médio e inferior deste pilar, onde termina. Com estas incisões anterior e posterior, que em conjunto é uma verdadeira "circuncisão", a amígdala fica livre das suas prégas mucosas. Essas incisões da mucosa devem ser leves, superficiais, da profundidade de um milímetro, a fim de não ultrapassarem a cápsula fibrosa amigdaliana, cujas fibras lisas e esbranquiçadas são visíveis através dos lábios da circuncisão.

Terceiro tempo: Liberação do pólo superior e descolamento total da amígdala. Com uma pinça de Brünnings, na mão esquerda, apreende-se a amígdala na sua parte alta, logo abaixo, da circuncisão, puxando para fóra o seu pólo superior, afim de torná-lo saliente, em relevo, por baixo da mucosa. O saca-rolha é retirado e, com o descolador de ponta romba e curva, seguro na mão direita, entra-se na botoeira formada entre a cápsula e a mucosa, fazendo-se a ponta do instrumento deslizar para diante, para traz e para cima, junto à cápsula, até se conseguir a liberação completa do pólo superior. Geralmente existem pequenas aderências fibrosas facilmente removíveis; mas em alguns casos são espessas, havendo necessidade do emprego do bisturi ou tesoura para a sua destruição.

A perfeita liberação do pólo superior é um dos segredos do bom andamento da intervenção, pois dela depende o acesso ao plano de clivagem inter cápsulo-faríngeo.

Prosseguindo a operação, descolador penetra no plano de clivagem, e inicia-se o descolamento, de cima para baixo, fazendo-se pressão com o instrumento sobre a cápsula e nunca sobre a parede muscular da loja, até ser atingida a parte inferior da face externa da amígdala. Ao mesmo tempo que se descola, vai-se puxando a amígdala em direção do orifício bucal, por meio da pinça de Brünnings colocada na mão esquerda do operador.

Nem sempre o descolamento é assim fácil como parece, principalmente nos casos em que se depara com um verdadeiro bloco fibroso muito espesso, soldando sòlidamente a cápsula amigdaliana à parede muscular da loja, e nos quais a liberação da amígdala só é conseguida, criando-se um plano de clivagem virtual pela secção das aderências fibrosas com tesoura fina e curva, tempo esse que requer prática e paciência do operador.

Quarto tempo: Secção do pólo inferior da amígdala. Completado o descolamento da amígdala, para a sua liberação total fíca faltando apenas seccionar a inserção do seu pólo inferior. Para isso, toma-se uma pinça de Brünnings, que é introduzida fechada através da alça, fria (com cremalheira), indo depois alcançar e fixar a amígdala no seu pólo superior. Em seguida. fazendo-se, deslizar a alça pelos ramos da pinça, e ultrapassando o corpo amigdaliano, atinge em baixo a inserção do pólo inferior, que é seccionado pelo fechamento da alça fria. Esta secção também pode ser feita com o amigdalotomo de Sluder-Ballanger, na falta de alça.

Cuidados post-operatórios

Terminada a operação, é de boa regra se fazer uma minuciosa inspeção da. loja amigdaliana, afastando-se o pilar anterior afim de ficar bem visível o seu fundo. Se algum vaso ainda sangra, deve-se fazer compressões com tampões de gaze, manobra esta que geralmente faz estancar pequenas hemorragias. Outro recurso que dá resultado satisfatório, é "morder" com a pinça, de Brünnings o ponto da mucosa onde o vaso está sangrando e assim permanecer 1 a 2 minutos. Costumamos também pincelar a loja com solução de ácido crômico a 3%, que além de agir como anti-séptico, provoca a hemostasia como oxidante.

Só depois de esperar 20 minutos e continuar com a loja ex-sangue, é que o paciente poderá ser transposto da sala de operação para o quarto.

As crianças até 12 anos, depois de uma hora de repouso no hospital e estando passando bem, podem se retirar para suas casas.

Nos adultos, como medida de prudência, deve-se impôr uma hospitalização de 1 a 2 dias.

Contra as dores post-operatórias, a administração de antinevrálgicos, como Cibalena (injeção), é sempre aconselhável.

Como preventivo contra hemorragias, convém injetar antes e depois das intervenções, hemostáticos de ação comprovada na prática, como Botropase, Coaguleno etc.

Quanto à alimentação do paciente, deverá ser líquida nos primeiro 2 dias e ir engrossando nos dias subsequentes.

O operado guardará repouso no leito, nos 2 primeiros dias, levantando-se depois, mas não devendo fazer esforços físicos, a fim de não se, arriscar ao perigo de alguma. hemorragia tardia.

No fim de uma semana o paciente deve procurar o operador para examinar o estado local da faringe e provàvelmente dar a alta.

Complicações post-operatórias

Pelo número de amidalectomias que diariamente são praticadas entre nós, poderemos afirmar que as complicações post-operatórias graves são relativamente raras.

Dentre elas, está em primeiro lugar as hemorragias, que, a não ser em casos raros de anomalias anatômicas ou predisposição especial do paciente, são ocorrências pouco frequentes na clínica diária, principalmente depois que se tornou uma obrigatoriedade o preparo prévio do paciente antes da intervenção, bem como a perfeita execução da técnica operatória em nosso meio.

Não podemos considerar como complicações, pequenos sangramentos de vasos no fundo da loja ou nos pilares, que geralmente cedem pela retirada de provavel coagulo sanguinêo, seguido de compressão com gaze, ou então, quando ainda persistem, pelo seu pinçamento com Kocher e ligadura com cat-gut.

Raríssimos são os casos em que o operador é obrigado a recorrer ao compressor de Mickulicks ou fazer a sutura dos pilares, ou mesmo chegar ao extremo de ter que praticar a ligadura da carótida externa.

Nas hemorragias graves, devemos também lançar mão dos tratamentos médicos coadjuvantes, como transfusão de sangue, aplicação de plasma, de sôro fisiológico etc.

Como complicação muito rara entre nós citaremos o abcesso pulmonar, tão frequente nas estatísticas americanas.

Em certos casos de reumatismo de origem focal amigdaliana, poderemos observar o recrudescimento das dores articulares, algumas horas ou dias depois da amigdalectomia.

Os abcessos do espaço para-faríngeo também são complicações muito raras e quase sempre provindos da infecção dessa região pela agulha da anestesia, que antes de ser introduzida profundamente, tocou inadvertidamente em criptas amigdalianas sépticas .

Ao terminar, agradecemos ao Sr. Presidente a honra que nos deu para relatar este têma, ao qual procuramos apresentar dando um cunho prático oriundo da experiencia pessoal.




(*) - Relatório apresentado a Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina, em 17 de Março de 1945.

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