Versão Inglês

Ano:  1946  Vol. 14   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 297 a 305

 

AMIGDALITES - PATOLOGIA E DIAGNÓSTICO (*)

Autor(es): DR. JOSÉ F. MATTOS BARRETTO (**)

O tema é vasto e o tempo exíguo. Em rápida revisão, pretendo focalizar sòmente os capítulos que julgo de maior interesse e que mais se prestem a comentários; que espero de cada um dos prezados ouvintes.

A reação das amígdalas palatinas a uma invasão microbiana deve ser considerada primeiramente, de um modo geral, como a das restantes partes do anel de Waldayer ou qualquer tecido linfóide, e, a seguir, por modificações devidas à sua própria arquitetura.

I - HIPERTROFIA AMIGDALIANA SIMPLES. - Resultante da superativa das células dos centros germinativos, ao estímulo de uma ação atenuada de germes e toxinas provenientes do interior das criptas, ou da via sanguínea, ou de afecções da vizinhança - secreções do nasofaringe, fócos dentários. É uma reação predominante linfóide, própria da infância,; e que mal se pode distinguir da condição normal, exuberante, do órgão nessa idade.

II - AMIGDALITE HIPERTRÓFCA SUB-AGUDA. - Com a ação contínua e mais acentuada dos agentes patogênicos, processa-se uma reação inflamatória peri-vascular. Já reage o tecido conjuntivo, já se notam pontos de necrobiose. Pode esse processo ou regredir ou passar ao estado crônico. É também o apanágio quase exclusivo da infância, e se manifesta clìnicamente por ligeiros surtos fluxionários.

III - AMIGDALITES AGUDAS. - Em que se processa grande infiltração leucocitária peri-vascular com os foliculos invadidos de poli-nucleares entre germes numerosos, de virulência variável.

O epitélio, também com grande infiltração linfocitária e de neutrofilos, se esfacela em diversos pontos. Detalhes que explicam a intensidade dos sintomas gerais - febre, calefrios, alquebramento- desproporcionados com os sintomas locais.

Aqui bem se podem justapôr os antigos e clássicos tipos anátomo-clínicos de Dietrich :

Eritema e catarro = Comprometimento epitelial.

Ulceração e pseudo membrana = esfacelamento estenso dá mucosa.

Abcessos = infecção, profunda.

IV - PERI-AMIGDALITE S FLEGMONOSAS. - Os fócos de necrobiose podem terminar, por fusão, em verdadeiros abcessos, centrais ou os que, caminhando para a periferia, entre a superfície externa e a parede da loja amigdaliana, encontram saída, natural ou artificialmente, pelos pilares, anterior ou posterior. Ou mais ainda, por difusão, processa-se o flegmão para faríngeo, que pode terminar nas mais graves complicações, para o mediastino ou para as meninges e cérebro.

V - AMIGDALITE CRÔNICA HIPERTRÓFICA - A característica é a esclerose, não só da mucosa, como nos espaços interfoliculares e nos próprios folículos, que são invadidos de tecido reticular.

VI - AMIGDALITE CRÔNICA ATRÓFICA. - Com a progressiva proliferação do tecido conjuntivo, reduz-se o órgão a um pequeno coto fibroso. O tecido primitivo, escasso, abriga, todavia, como nos processos anteriores, pontos de necrobiose, por vezes extremamente sépticos, virulentos.

VII - AMIGDALITE CRÔNICA LACUNAR ou PSEUDO HIPERTROFIA CRÍPTICA. - Não é senão uma condição de amigdalite crônica caracterizada pela presença e retenção de caseo amigdaliano, constituido de detritos epiteliais, leucocitos degenerados, germes e cristais de gordura e colesterina, cujas alterações proporcionam a fetidez do hálito.

Em minucioso estudo, Minear e outros concluem que nenhuma tendência há para que as criptas se esvaziem, seja por meios naturais (deglutição) ou artificiais (expressão etc). Com sua forma tortuosa e constrituras anatômicas, estabelece-se um sistema convergente de ramificações em que o canal principal é, quase sempre, de menor capacidade que os seus tributários.

Ertl acha que o processo inflamatório nas amígdalas tanto mais intenso é quanto mais fluente o conteúdo das criptas.

AMIGDALITES SEPTICÊMICAS

Por exaltação de virulência dos germes, por ação anergisante e fatores diminuindo as defesas do organismo, tanto as amigdalites agudas como as crônicas exacerbadas podem dar causa a uma septicemia, com as seguintes formas, segundo Uffenorde:

I -Forma hematogênica. - A forma pura é sem especial intumescência ganglionar. Ausência de particular peritonsilite e sobretudo de flegmão externo. Veias livres, pois é diréta a invasão no sangue por germes, vindo das amígdalas, fócos da septicemia, e, assim calefrios ou metastases. Temperatura de 40° ou mais, tipo renitente ou contínuo. Pulso frequente e mole. Localmente: vestígios apenas de amigdalite aguda.

II - Forma linfogênica. - a) Em forma pura, acentuado edema e sensibilidade de um ou mais gânglios regionais. Hemorragias ou abcessos, com invasão não imediata de germes no sangue.

b - Processo de periadenite flegmonosa e periflebite.

c) - A seguir, processa-se a tromboflebite após a junção de gânglios e veias ou em consequência de linfangite da parede venosa.

Dor à pressão ao longo da jugular. Metastases ao pulmão, coração (endocárdio) e articulações (artrites, peri-artrites).

Dor no globo ocular, palpação dolorosa ou exoftalmia denunciam a sinustrombose do seio cavernoso.

III - Forma intersticial (flegmonósa). - a) A forma pura em que se processa o flegmão peritonsilar e dos espaços intersticiais do pescoço, com tendência a se propagar para o cérebro ou, mais raramente, pára o mediastino.

b) - Por meio de periflebite, comprometimento venoso em um ou mais pontos, próximos ou distantes: flebite e tromboflebite.

c) - Passagem a estas alterações através dos processos da forma linfogênica.

Para o diagnóstico diferencial entre esses processos e as manifestações locais sobre as amígdalas de afecções de ordem geral, como a leucemia aguda, a agranulocitose e a mononucleose, é de preciso valor o hemograma.

AMIGDALITES SEPTICÊMICAS BENIGNAS

Próprias da primeira infância, não têm estas formas a mesma gravidade que as mencionadas acima.

Sem pródomos evidentes, apresenta-se de modo brusco uma elevada temperatura, 39°, 40° e mesmo mais. A faringe, ressecada, apresenta apenas um aspecto envernizado, e, só mais tarde, alguns pontos brancos sobre as amígdalas. A rinoscopia denuncia esse mesmo estado das mucosas nasal e naso-faríngeo. Não há coriza e nem catarro naso-faríngeo, guia habitual dos pediatras. Nada revela o exame dos diversos aparelhos, tubo digestivo, pulmões. É frequente, então, se apelar para os ouvidos, em errônea interpretação de otite média latente...

A febre pode cair em pouco tempo: ou persiste obstinadamente, sobretudo si não se intervier com meios adequados, isto é; sobre o anel de Waldeyer, particularmente sobre a amígdala faríngea .

Essas febres, segundo Worms e Le Mée, exprimem a inoculação no sangue por germes emanados de criptas de minúsculos cotos cavitários ou de alguns nódulos linfóides. A hemocultura é quase sempre negativa. São descargas bacterianas mínimas, passageiras; e sabemos com que rapidez os germes desaparecem da torrente sanguínea, quando aí se lançam em número escasso.

Septicemias discretas, ocultas. Esta forma é o apanágio das crianças ou dos adolescentes e dos soldados, pois que a patologia destes últimos parece muito à da infância, dizem os mesmos autores.

AMIGDALITES INFECTANTES

São as amigdalites constituindo fóco responsável por afecções à distância. Afecções estas da mais variada natureza e grau de evolução desde as mais ligeiras e fugazes como uma sensibilização alérgica, uma urticária, até às mais graves e irremovíveis como a endocardite.

São as amigdalites crônicas, ou do tipo misto, isto é, contendo fócos de agudização, e têm caraterísticos histo-patológicos que as diferenciam perfeitamente das amigdalites não infectantes.

J. Paula e Silva as distingue sobretudo pelas numerosas erosões epiteliais; grande proliferação do sistema retículo endotelial e da reticulina que forma espessa rêde em torno dos folículos, fechados, invadindo, o centro germinativo, em torno dos vasos sanguíneos e linfáticos; proliferação do tecido colágeno e presença de grande número de fócos de infiltração em torno dos vasos com reação flogística da adventícia.

As amigdalites infectantes produzem reações hematológicas carateristicas em seguida à massagem das amígdalas. Os detalhes ouviremos do acatado hematologista, nosso convidado à sessão de hoje.

SINTOMATOLOGIA CLINICA. - É o quadro clínico sempre repetido e caraterístico da infecção focal. Resumiremos, apenas enumerando os sintomas fundamentais: cansaço fácil; necessidade de sono; psicastenia; temperatura irregular, de manhã ou à tarde; palpitações cardíacas, mesmo em repouso ou posição horizontal, "neurosis cardíaca"; manifestações reumáticas, ocasionais ou permanentes, dôres erráticas e o lumbago. Manifestações essas com um curso periódico, frequente, e podendo variar nesses períodos, ora cardíacas, ora reumáticas ou gastro-intestinais. Interpreta-se essa periodicidade como devida à ação imunizaste ou hiperérgica, a que se segue o estado de septicemia ou anergia.

Como sintomas objetivos, mais ou menos acusados do próprio fóco, mencionamos primeiramente a secreção obtida por expressão das criptas: caseosas, caseo-purulenta, pús fluente. Isso em qualquer dos tipos anatômicos das amígdalas: as hipertróficas, hiperemiadas e endurecidas, ou - mais frequentes- as atróficas e encastoadas, com enganoso aspecto. É comum certa fusão da amígdala com os tecidos circundantes, e quase constante a orla hiperêmica dos pilares e da uvula, com infiltração caraterística. Sensibilidade à pressão. Gânglios tributários, frequentemente sensíveis.

Esses sintomas, aliados à predisposição às anginas recidivantes ou aos abcessos, são significativos apenas quanto à presença de, inflamação, mas por si só não denotam, em rigor, a natureza infectante, focal, da amigdalite. Outro valor têm eles quando a moléstia geral coincide iniciar juntamente ou após uma angina. De outro lado porém, como bem acentua Vogel, não se pode recusar o papel causal de um fóco suspeito só pela ausência - aliás frequente - de tais correlações. É mesmo comum se poder relacionar a evolução da amigdalite com isto que refere o paciente: até determinada data sempre sofreu de surtos amigdalianos, e justamente depois que estes cessaram é que tideram início os sintomas gerais.

PROCESSOS DE LOCALIZAÇÃO DO FÓCO PRIMÁRIO

O diagnóstico de uma. amigdalite com retenção não é o bastante, já o dissemos, para incriminá-la como fóco responsável. Tanto mais que podem existir fócos ocultos, mas ativos e responsáveis como ocorre com frequência com os fócos dentários. E há casos, prementes por sua gravidade ou fatores circunstanciais, em que seria impraticável ou contraproducente a conduta de eliminar os fócos, um após outro, começando pelos mais suspeitos...

Diversos são os processos que se têm usado para localizar - o fóco primário:

I - Prova de Romero Rodrigues. - Esvasiamento das criptas e irrigação com soro fisiológico; 1 a 3 vezes, e notando-se a modificação dos sintomas.

II - Vogel compara a velocidade de sedimentação anterior e após a aplicação de ondas curtas.

III - Kahler faz contagem de leucocitos da secreção obtida por expressão das amígdalas.

IV - Knuechel, baseado na análise do conteúdo da profundidade das criptas, divide as amígdalas em quatro tipos conforme encontra: a) só leucócitos; b) leucocitos de núcleo segmentado; c) leucocitos de núcleo segmentado isolados e germes, principalmente estreptococos; d) exclusivamente cocos.

Os dois primeiros tipos não seriam considerados como fócos, enquanto que os dois últimos determinariam o fóco amigdaliano.

V - À semelhança do antigo test de Vigo Schmidt, J. Paula e Silva faz o estudo comparativo dos hemogramas, contagem percentual, de antes e após a massagem. das amígdalas.

A leucocitose final com neutrofilia e desvio para a esquerda significam uma amigdalite infectante.

AFECÇÕES SECUNDÁRIAS À INFECÇÃO FOCAL AMIGDALIANA

Catarro recidivantes do nariz, faringe, laringe, traquéa e lógico :

Catarro recidivante do nariz, faringe, laringe, traquea e bronquios, manifestando-se por disfonia e tosse. Não se trata aqui de pús despejado diretamente das amígdalas; pois são às vezes restos tonsilares que não têm comunicação aberta alguma com essas. regiões. Seria antes uma ação geral, tóxica, por via sanguínea ou linfática (Vogel).

Perturbações auditivas: surdez; zumbidos. A otite interna vaso-motora de origem focal, devida a um desequilíbrio vasomotor, por hipertonia simpática, por reações alérgicas (Brunner). E igualmente a. síndrome de Meniére idiopática, e a rinite espasmódica.

Grande é o número de afecções secundárias que podem ter origem focal amigdaliana, ou, ao menos, que são por esta influenciáveis; as afecções cardíacas, as nevralgias, inclusive a ciática, os distúrbios da tiróide, do estomago, do intestino, do aparelho uro-genital, dos olhos, da pele, do sistema nervoso, as afecções alérgicas e distúrbios funcionais.

Também a diátese exsudativa da infância, o linfatismo e o artritismo, podem ser considerados como consequência de uma amigdalite crônica, - uma vez que essas afecções coincidem com a exacerbação do fóco, ou então que elas desapareçam mediante a extirpação do mesmo (Paessler). É o mesmo autor que enumera como as afecções suspeitas de origem focal tudo o que abaixo transcrevemos, ipsis verbis :

Anginas recidivantes.

Inflamações da faringe.

Tendência a resfriados, à gripe.

Linfadenite (excluindo a escrofulose tuberculosa).

Septicemia geral "criptogênica" e estados septicêmicos.

Temperatura labil, estados sub-febris e outros de etiologia desconhecida.

Atividade cardíaca labil, muitas das chamadas neuroses cardíacas.

Reação vascular labil, "vaso-motores".

Tendência ao frio geral, mãos e pés frios.

Extrasistolia (miocardite?)

Palpitações cardíacas (inclusive as acompanhadas de olhos brilhantes).

Endocardite com ou sem germes nas válvulas.

Endocardite recorrente.

Flebites.

Alterações da alimentação (sub-alimentação, hábito pastoso).

Hábito astênico (algumas formas).

Alterações do metabolismo (inibição das oxidações, aumento do ácido lático, retenção de água, entre outras).

Alterações psíquicas e nervosas (irritabilidade, fatigabilidade; insuficiente capacidade de concentração, timidez, depressão, mau humor.

Alteração do sono, intranquilidade geral.

Secura anormal da pele e, com mais frequência, tendência ao suor.

Tendência a herpes labial.

Acne, acne rosáceo.

Estados seborréicos.

Edema de Quincke.

Tendência a dores de cabeça.

Coréa, movimentos coréicos.

Nevralgias (do trigêmeo, ciático, etc.).

Esclerose múltipla?

Nefrite (verossilmente, não a nefrite de guerra).

"Disuria" (bexiga irritável, polakiuria acessional e poliuria, fosfaturia, amoniuria, enurese, descamação das vias urinárias).

Gastralgia (sem achado objetivo).

Anomalias de secreção gástric

Ulcera gástrica. { Gastropatia para-infecciosa

Gastrite { ("enfermidade ulcerosa")

Diarréa do intestino delgado.

Diarréa do intestino grosso (colite simples e ulcerosa, muco membranosa.

Constipação habitual, especialmente do tipo espástico.

Apendicite recidivante e

Colicistite.

Conjuntivite-Blefarite.

Irite "reumática".

Anemias hipocrômicas.

RESUMO

O autor focaliza sòmente os pontos que julga de mais interesse e mais se prestem a comentários.

Sempre em feição anátomo-clinica, passa em revista os diferentes modos de reação das amígdalas: hipertrofia amigdaliana simples, amigdalite hipertrófica sub-aguda, amigdalite aguda, peri-amigdalites flegmosas, amigdalite crônica hipertrófica, amigdalite crônica atrófica, amigdalite crônica lacunar ou pseudo hipertrófica criptica. A seguir, as três formas de amígdalite septicêmica: hematogênica, linfogênica e intersticial e termina o capítulo com menção especial às amigdalites septicêmicas benignas, próprias da 1.ª infância.

Em terceiro capítulo estuda as amigdalites infectantes : os seus caraterísticos histopatológicos e a sintomatologia clínica; e passa em revista os diversos processos para localização do fóco primário. Por último, enumera as afecções secundárias à infecção focal amigdaliana, começando pelas do setor otorrinolaringológico.

Termina transcrevendo o estenso quadro de Paessler, das afecções secundárias que podem ter origem focal amigdaliana, ou, ao menos, que são influenciáveis por este fóco.




(*) - Relatório apresentado à Secção de O. R. L. da. Associação Paulista da Medicina., em 17-2-45.
(**) - Livre-docente e Assistente da clínica de O. R. L. da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

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