Versão Inglês

Ano:  1946  Vol. 14   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 37 a 52

 

TERAPÊUTICA DA ESTOMATITE GANGRENOSA

Autor(es): ANTONIO CORRÊA (*)

A denominação estomatite gangrenosa, tem um sentido mais geral do que o de noma. Noma, segundo o conceito clássico, trata-se de uma gangrena da bocheca que se manifesta em crianças afetadas por um processo tóxiinfeccioso de caracter grave. A moléstia, nestes casos (noma), iniciar-se-ia por uma placa de gangrena ao nivel da bochecha e teria como um dos elementos patológicos uma endoarterite da região.

No termo estomatite gangrenosa, está incluido o noma, e todas as estomatites de caracter gangrenoso, polimicrobianas, se assestando em pacientes de qualquer idade, em qualquer região da boca.

Estão excluidas deste trabalho as estomatites gangrenosas secundarias à leucemia, agranulocitose, e intoxicações exogenas (bismuto, chumbo, etc.), embora a terapêutica possa ser semelhante.

Os casos de estomatite gangrenosa estão ligados à uma queda de estado geral, e à uma infecção bucal quasi sempre de origem dentária.

Na maioria dos pacientes a hiponutrição e a anemia são a base sobre a qual um fóco dentário ou um traumatismo bucal, favorece, a proliferação dos germens produtores da gangrena.

Os exames de laboratório (hemograma, sôro-reação para lues, bacterioscopia, etc), mostram os provaveis elementos etio patogênicos da molestia e orientam melhor a terapêutica. Localmente, desde que predominam os anaerobios na gangrena da boca, a exerese dos tecidos necróticos e o uso de medicamentos oxigenastes (agua oxigenada e liquido de Dakin) estão indicados. Afim de combater as deficiências da resistência organica, tratamos os primeiros casos em 1941 tendo como base os efeitos do acido nicotínico. E' um vaso dilatador, estimulante da cicatrização e reparador das lesões mucosas. Depois dos resultados obtidos, com o acido nicotinico associamos à vitaminoterapia multipla em altas doses, a transfusão de sangue e a medicação ferruginosa. Atualmente lançamos mão também da roentgenterapia. Os raios X em doses adequadas é um bom fator antiinflamatório, e estimulante da cicatrização, pelas modificações histofisiológicas que acarreta no local irradiado.

Tivemos ocasião de utilizar a roentgenterapia em 3 dos casos, e parece que agiu auxiliando a cura mais rapida das lesões.

Estamos na época da penicilina, e já foi provada sua ação antibiotica nas infecções gangrenosas.

O caso IV internado no P. S. do Hospital das Clínicas, foi atendido nos 3 primeiros dias pelo colega de plantão (Dr. Cardoso), que além da vitaminoterapia intensa e transfusão de sangue, utilizou também a penicilina sódica, na dose de 80.000 u.o. diarias. Portanto é êste um agente terapêutico, que temos a mão, principalmente como elemento de ataque afim de sustar a invasão bacteriana.

A vitaminoterapia e a transfusão continuam ocupando o lugar de medicamentos de base.

Tivemos ocasião de apresentar a esta secção em 1941 e 1944, 11 casos de estomatite gangrenosa. Dois dos casos faleceram com a gangrena, e um (1) curado da lesão bucal, faleceu pela disenteria bacilar de que era portador.

O presente trabalho consta de mais 6 casos de estomatite gangrenosa, todos eles curados. São casos graves, tendo deixado cicatrizes e falhas na região bucal que necessitarão intervenção protética ou cirurgia plastica. Dois dos casos foram observados na Clínica O. R. Laringológica da Faculdade (Hospital das Clínicas), 3 casos estiveram internados no Pavilhão Condessa Penteado da Santa Casa (Cl. Pediátrica da Faculdade), e um ultimo, foi internado no Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho (Instituto do Radium).

Quatro dos casos são crianças de 2 a 5 anos de idade e 2 são adultos, um de 49 e outro de 35 anos de idade.

Lembramos que um dos casos é de gangrena da faringe e 4 de gangrena da boca.

No quadro abaixo, procuramos resumir os dados mais importantes a proposito destes pacientes:





O quadro acima, resumidamente, nos dá uma idéia: (1) das molestias favorecedoras da gangrena da boca, (2) o tempo médio de cura; (3) da grande melhora do quadro sanguineo destes pacientes; (4) da intensidade da vitaminoterapia.

CASO I

Diagnóstico - GANGRENA DA BOCHECHA E MANDIBULA. J. R. N., com 3 anos de idade, branco, foi internado na Clínica Pediátrica da Faculdade (Pavilhão Condessa Penteado da Santa Casa) em 9-12-44, e examinado pelo Dr. Luiz Augusto Toledo que constatou o seguinte:

"Há 1 mês e 25 dias teve sarampo, ao qual se seguiu um surto disentérico. Depois começou a inflamar a gengiva e formou um abcesso (?) que drenou para o exterior (ontem) dando saida a pequena quantidade de pús amarelado e sangue".

No dia seguinte examinamos a criança e verificamos, uma lesão gangrenada na bochecha E. ao nivel da gengiva inferior com 3 x 2 cms. e exposição do alveolo inferior que está escuro, e de onde foi retirado um dente no dia anterior.

A temperatura era 39° C, e as mucosas estavam muito anemiadas.

Com tesoura e pinça retiramos todo o tecido necrotico das partes moles, limpamos a ulcera com agua oxigenada diluida, e colocamos uma gaze com stopton injetavel.

A pesquiza de bacilo difterico foi negativa, no material do nariz, garganta e boca (11-12-44 - Dr. Sapuppo).

O exame de fezes revelou "ovos de tricocephalos" (13-10-45 - Dra. Ligia).

O hemograma era o seguinte:

Globulos vermelhos - 2.480.000 por mmc.
Globulos brancos - 6.600 por mmc.
HB: - 51%
V. Globular - 1,0
Basofilos - 0%
Eosinofilos - 0
Neutrofilos: Mielocitos - 0
Jovens - 2
Bastonetes - 6
Segmentados - 18 - 26%
Linfocitos - Pequenos - 66%
Monocitos - 5%
Plasmazellen - 2%
Histiocito linfocitoide - 1

Predominancia dos caracteres regenerativos (anisocitose e anisocromia). Alguma basofilia. Tendencia à agranulocitose (neutropenia, neutrofilos degenerados e em desintegração) ". (Dra. Carlota Pereira de Queiroz - 12-12-1944).

Foi indicada transfusão de sangue, e receitado: acido nicotinico, vitamina C e extrato hepatico, além da medicação local e limpeza diaria dos tecidos necrosados.

A temperatura manteve-se acima de 37° C até o dia 30-12. Depois do dia 2-1-45 suspendemos o acido nicotinico e continuamos com redoxon e ferro-hepatina. A alimentação foi feita com sonda nasal.

Foi sequestrado o ramo horizontal da mandibula E, e uma radiografia tirada no dia 3-2-45, por ocasião da alta, revelou "formação de novo osso na região do ramo horizontal e montante da mandíbula". (Dr. Pazzanese) .



CASO 1 (J. R. N.) - Gangrena da bocheca e mandibula. Depois de retirado o ramo horizontal da mandibula, sequestrado.



Tiramos 2 fotografias para demonstração do caso. Exames subsidiários:

Reação de Wassermann ___/_____/. (19-12-44 - Dr. Cerrutti) .

Radiografia dos pulmões: "Transparencia normal dos campos pulmonares, seios e cupulas diafragmaticas livres". (Dr. Paulo A. Toledo - 18-12-44).

O hemograma (10 dias antes da alta), mostrou a grande melhora do paciente:



CASO 1 (J. R. N.) - Gangrena da bochecha e mandibula, Por ocasião da alta, curado.



Globulos vermelhos - 4.984.000 por mmc.
Globulos brancos - 13.200
HB: - 75,5%
V. Globular - 1,2
Basofilos - 1%
Eosinofilos - 2%
Neutrofilos: Mielocitos - 0,0
Jovens - 2%
Bastonetes - 6
Segmentados -16,0
Linfocitos - 59,0
Monocitos - 4,0

Macro e monocitose. Macrocitos hipercromicos.

Policromatofilia. Discreta poiquilocitose.
Neutrofilos sem granulações tóxicas. Linfocitose de pequenos linfocitos típicos". (Dra. Ligia - 22-1-45).

Ao ter alta, a criança tinha tomado:

Acido nicotinico - 12.200 mgr.

Vitamina C - 15.300 mgr.

Transfusão de sangue - 160 cc.

Ferro hepatina e hepavitase - 14 ampolas.

Permaneceu uma cicatriz retratil da comissura labial E, cuja resolução entregamos a cargo do Dr. Rebelo Neto.


CASO II

Diagnóstico: - GANGRENA DO FARINGE.

D. S., com 5 anos, feminina, branca, brasileira, foi internada na Clínica Pediatrica da Faculdade (Pavilhão Condessa Penteado da Santa Casa), em 9-12-44, após ter sido examinada pelo Dr. Rezende Barbosa, que gentilmente cedeu-me o caso para observar.

Na anamnese obtivemos o seguinte de interessante: a criança esteve em tratamento de anemia há 1 mês, quando começou a se queixar há 15 dias de cefaléa e dôr de garganta, tendo o médico de Rancharia, onde mora, receitado sôro antidiftérico (70.000 u.I.) e 914, sem obter melhora. Veiu à Capital para se tratar.

Ao exame especialisado constatamos uma ulceração necrótica da loja amigdaliana (E) e da metade E do véo mole. A febre era de 38° C, e estado geral péssimo, e as mucosas anemiadas. Halito fétido.

O hemograma confirma o extremo grão de anemia:

Globulos vermelhos - 1.840.000 por mmc.
Globulos brancos - 9.200 por mmc.
HB: - 44%
V. Globular - 1,2
Basofilos - 0
Eosinofilos - 0
Neutrofilos: Mielocitos - 0
F. Jovens - 5
N.° em Bastão - 24
N.° em Segmentado - 39 68%
Linfocitos: Pequenos - 19
Grandes - 2
Monocitos - 9
Celulas de Turck - 2

Anisocitose intensa, grande oligocromia. Policromasia.

Frequentes poiquilocitose." (Dra. Carlota P. de Queiroz - 16-12-44). O exame de fezes revelou: "ovos de ancilostomideos"; (Dra. Ligia - 1-12-944), e a Reação de Wassermann foi "negativa" (Dr. Cerrutti - 10-12-944).

Pedimos a pesquisa da associação fuso-espirilar e B. Dyphteriae, do material da faringe, e que foi "negativa". (Dr. Sapuppo - 12-12-44).
A terapêuticas instituida consistiu em: acido nicotinico, vitamina C, transfusão de sangue, roentgenterapia e protoxalato de ferro, além da medicação local com agua oxigenada e a retirada do tecido necrosado. De 9-12-944 a 12-1-45 o total de medicamentos foi o seguinte:

Acido nicotinico - 17.750 mgr.

Protoxalato de ferro - 62 papeis de 0,20 ctg.

Transfusão de sangue - 330 cc.

Vitamina C - 26 ampolas.

Benerva - 31 ampolas.

Hepatotal - 14 ampolas.

Fez ainda 5 aplicações de RX, na dose total de 400 r. (Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho) .

Com 35 dias de tratamento, a lesão gangrenosa estava completamente cicatrizada, e o hemograma repetido demonstrou uma melhora evidente:


Globulos vermelhos - 3.960.000 por mmc.
Globulos brancos - 5.000 por mmc.
HB - 77%
V. Globular - 0,9%
Basofilos - 0%
Eosinofilos - 0 %
Neutrofilos: Mielocitos - 0
F. Jovens - 0
N.° em Bastão - 3
N.° em Segmentado - 57
Linfocitos - 30
Monocitos - 2

Alguns macrocitos. Neutrofilos sem granulação. Linfo e plasmocitos sem alterações". (Dra. Ligia - 13-1-45).

A criança ainda continua no Pavilhão Condessa Penteado, para tratamento geral, tendo tido alta curada em 14-4-945.

Certamente havia uma certa modificação da voz, devido a sequela da necrose do véo do paladar, na metade E, mas a deglutição se efetuava sem irregularidades.

CASO III

Diagnóstico - GANGRENA DO MASSIÇO FACIAL (D).

T. A., com 2 anos, masculino, branco, brasileiro, foi internado na Clinica Pediatrica da Faculdade (Pavilhão Condessa Penteado da Santa Casa), por estar muito fraco, anêmico e com o rosto inchado.

Em 17-10-945, o paciente nos foi enviado ao Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho para exame especialisado, e verificamos o seguinte:

Criança anemica, com edema da região infraorbitaria D, estando a pele azulada e a região dura à palpação. A boca exalava um cheiro necrótico, e apresentava uma placa gangrenada ao nivel do hemipalato direito, incluindo a gengiva e bochecha, com exposição do tecido ósseo subjacente.

Os exames de laboratório revelaram o seguinte:

Reação de Wassermann: ---/--------/ (18-10-945) - Dr. Sapuppo).

Exame de difteria: negativo, para o material do nariz e da garganta 17-10-945 - Dr. Candido Dôres).

Exame de fezes: negativo para parasitos (Dra. Carlota P. de Queiroz) .

Hemograma :

Globulos brancos - 22.200 por mmc.
Hemoglobina - 42%
V. Globular - 0,9
Basofilos - 0 %
Eosinofilos - 0,5
Neutrofilos: Mielocitos - 0
F. Jovens - 0
N.O em Bastão - 10,0
N.o em Segmentado - 76,5
Linfocitos - 10,5
Minocitos - 2,5

Anisocitose acentuada com macrocitos. Macrocitos hiper e hipocromicos. Policromasia, basofilia e pontilhado basofilos. Hemácias em alvo". Neutrofilia com desvio à esquerda. Granulações tóxicas pouco abundantes. Linfocitos típicos na maioria, mas varios atipicos.

Rarissimos eosinófilos (1 em 200 celular). Monocitos com microareolos no citoplasma e nucleo". (Dra. Ligia - 24-10-45).

Instituimos a seguinte medicação:

Acido nicotínico - 800 mgr. nas 24 horas; transfusão de sangue; vitamina C forte; complexo B; e ferro reduzido.

Foi mantida a alimentação com sonda nasal, e fizemos a exercesse de todo o tecido necrosado.

No dia 19-10-45, acabamos de retirar a porção necrosada, inclusive a parte ossea do maxilar superior D, com o malar, assoalho da orbita, assoalho da fossa nasal D e esvasiamento da região etmoidal D. Foi conservado o palato mole, o hemipalato duro (E), e a pele da região. Já ã infecção gangrenosa estava sustada.

No dia 25-10-45, retiramos ainda um fragmento sequestrado do malar (D), mas o restante da cavidade estava limpa da necrose, e com sinais de cicatrização iniciada.

Indicamos a roentgenterapia como medicação estimulante da cicatrização, tendo sido feito 4 aplicações de 40 r. (de 25-10 a 31-10).

A febre que no inicio da molestia oscilava entre 380 C e 370 C, caiu a partir do dia 25-10.

Em 15 dias estava a molestia debelada, e a criança havia tomado: 9.200 mgr. de acido nicotínico; 6.700 mgr. de vitamina C; 20 capsulas de complexo B; 220 cc. de sangue total transfusão, além de ferro reduzido por via oral.

O doentinho ainda permanecia no Pavilhão Condessa Penteado, tomando calcio, vitamina C, extrato de figado e ferro reduzido, quando sobreveiu uma mastoidite aguda supurada.

Foi operado pelo Dr. Jorge Barbosa no Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa.

Tomou penicilina (400.000 u.o.), e o post-operatório decorreu otimamente.

Em 19-1-46, depois de engordar cerca de 4 quilos, a criança teve alta, ficando de nos procurar afim de orientarmos a possivel plastica da cavidade antro-bucal.

A fotografia do caso mostra a larga comunicação antro-buco-nasal (D) completamente cicatrizada.

CASO IV

Diagnóstico - ESTOMATITE GANGRENOSA.

P. V., com 4 anos, masculino, branco, internado no P. S. do Hospital das Clinicas em 26-9-45, com o diagnóstico de gangrena da bochecha D. O exame objetivo revelava: "gengiva inferior D, sangraste, e fungosa; bochecha D com máu cheiro e com necrose, estando a pele tumefeita e dura".(Dr. Cardoso) .

De 26-9-45 a 1-10-45, a criança foi medicada no P. S., recebendo: 200 cm3 transfusão de sangue total;

500 a 1.000 cm3 de sôro fisiológico por dia;

0,5 cm3 de extrato hepático por dia;

360.000 u.o. de penicilina sódica em 3 dias;




CASO III (T. A.) - Gangrena do maxilar superior. Curado (3-12-45)



500 mgr. de vitamina C por dia;

1 ampola de complexo B por dia;

20 gotas de halverin (vitamina A e D) por dia;

6 comprimidos de stovarsol.

Acido nicotínico (300 mgr. por dia) .

Depois de toda esta politerapia, o paciente foi enviado ao ambulatório de otorrinolaringologia e matriculado sob o n .O 14.812. Em 1.° de outubro de 1945 constatamos ao exame que havia uma lesão ulcerada, superficial, da gengiva inferior D e da bocheca D, sangrando facilmente.

O estado geral da criança era pessimo, estando extremamente magro, e não podendo permanecer de pé.

Comparado o estado local (boca) com aquele observado pelo colega na internação do paciente no P. S., estávamos vendo uma lesão evoluindo para cura.

Continuamos a terapêutica com:

Vitamina C (100 mgr. por dia), panbevex (2 capsulas por dia), nicotinamida (250 mgr. por dia), halverin (20 gotas por dia), ferro reduzido (0,50 por dia) e transfusão de sangue (100 cm3 por dia).

Suspendemos a nicotinamida no fim de 2 dias, e a transfusão de sangue no fim de 4 dias, e mantivemos:

Extrato hepático, complexo B, vitamina C, vitaminas A e D e ferro reduzido.

A nossa insistência na medicação sanguinea, foi baseada principalmente no quadro hemático do dia 4-10-45, que era o seguinte:



CASO III (T. A.) - Gangrena do maxilar superior. Curado (16-1-46)



"Eritrócitos - 2.800.000 por mmc.
Leucocitos - 24.320
HB: - 53 %
V. Globular - 1
Neutrofilos: Bastonetes - 1,0%
Segmentados - 40,%
Eosinofilía - 0,0%
Basofilos - 1,0%
Linfocitos: Típicos - 50%
Leucocitoides - 4,0%
Monocitos - 2,0%
Plasmocitos - 1,0%

Alguns neutrofilos apresentam granulações tóxicas. Anaeosinofilia. Linfocitose. Hematias: anisocitose com macrocitos e hipercromica. Caracteres de anemia hipercrômica". (Lab. Central do Hospital das Clínicas) .

A sôro-reação para lues (Hinton) - 2-10-45 era negativa, e o exame parasitológico das fezes 2-10-45, nada revelou.

Em 18-10-45, com a lesão bucal completamente cicatrizada, demos uma dose maior de riboflavina (0,005 mgr. por dia) afim de combater uma lesão superficial das comissuras labiais, e com sulfato de estricnina (1/4 mg. por dia - via oral) procuramos estimular o aparelho neuromuscular, pois que a criança ainda andava com dificuldade.

No dia 1-11-945, teve alta, completamente curado, tendo aumentado 4 quilos no peso corporal.

O 2.0 hemograma, feito 13 dias depois do primeiro, revelou uma grande melhora, conforme mostramos abaixo:

Hemograma - 15-10-45.

"Eritrocitos - 4.100.000 por mm.
Leucocitos - 16.200
HB: - 89%
V. Globular - 1
Neutrofilos: Bastonetes - 3,5%
Segmentado -37,5%
Eosinofilos - 0,0%
Basofilos - 1,0%
Linfocitos: Típicos - 39,5%
Leucocitoides - 7,0%
Monocitos - 10,0%
Plasmocitos - 1,0%

Leucocitose. Linfocitose. Monocitose. Hematias normociticas e normocrômicas". (Lab. Central do Hospital das Clínicas).

CASO V

Diagnóstico - GANGRENA DO PALATO.

F. B., com 35 anos, branco, masculino, ferroviário, foi internado no Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho em 8-9-44, e registrado sob n.o 39.068. O Dr. Araújo Cintra constatou o seguinte:

"Está em convalescença de tifo. Ha cerca de 1 semana, começou a sentir dôr como se fosse dôr de dente, a que não deu maior importancia. Há cerca de 4 dias surgiu uma pequena carne esponjosa no labio superior, junto à comissura labial (E) . Procurou então novamente o médico, que depois de varios exames, diagnosticou, noma, enviando então para radioterapia. Esteve em tratamento no Hospital do Isolamento. Estado geral péssimo".

No mesmo dia o paciente foi por nós examinado e verificamos o seguinte: lesão ulcero-gangrenosa da gengiva superior E extendendo-se para o palato, e expondo as raizes dentarias dos pré-molares e molares. Necrose dos alveolos respectivos. Foi instituída a seguinte terapêutica:
(1) Transfusão de sangue 200 cc. (2) Redoxon (forte) 1 ampola por dia. (3) Acido nicotínico (B, D, H) 1 comprimido cada 2 horas. Evolução: Dia 14-9-44 feita extração dos dentes molares e, pré-molares superiores E. (4) Receitado redoxon (forte) e acido nicotínico (B, D, H) e transfusão de sangue (200 cc.).

16-9-44 - Vitamina C (forte) 2 ampolas por dia. Acido nicotínico 1 ampola cada 3 horas (8 por dia). Feita incisão de abcesso deltoidiano esquerdo (post. injeção).

Do dia 16 a 18 tomou 3 ampolas de vitamina C de 10 cc. cada uma. 18-9-44 - Redoxon 1 ampola na veia por dia. Acido nicotínico 8 por dia P. A. 120/85. Transfusão de sangue (200 cc.) . Pulso 95. Cofer 20 gotas 2 vezes por dia. Alimentação sem sal.

19-9-44 - Redoxon 1 ampola na veia. Acido nicotínico 6 por dia. Cofer 20 gotas 2 vezes por dia. Incisão de abcesso glúteo D (injeção infectada) .

21-9-44 - Redoxon 1 ampola. Acido nicotínico 8 por dia. Cofer 20 gotas 2 vezes por dia. Curativo.

22-9-44 - Transfusão de sangue 100 cm3.

23-9-44 - Transfusão de sangue 100 cm3.

25-9-44 - Curativo. Acido nicotínico (B, D, H) 1 comprimido cada 2 horas (10 por dia).Redoxon 1 ampola por dia. Cofer 20 gotas 2 vezes por dia.

29-9-44 - Acido nicotínico 10 por dia.Redoxon 1 ampola por dia. Cofer 20 gotas 2 vezes por dia. Betalin composto 2 comprimidos 2 vezes por dia.

3-10-44 - Reduzir 6 comprimidos acido nicotínico (B, D, H,), redoxon 1 comprimido, cofer, betalim composto. Alta.

Em 21-9-44 fez exame de urina, resultado: Densidade: 1005. Reação acida. Albumina: traços mínimos.
Glicose /--/. Acetona /--/ Sedimento: celulas epiteliais chatas.

Tomou 4 aplicações de Radioterapia sendo uma (1) de 120 r. e três (3) de 200 r.; de 8-9-44 a 13-9-44.
No total, o paciente tomou: 7.800 mgr. de acido nicotínico, e 14 ampolas de vitamina C forte (500 mgr.), além da medicação ferruginosa (cofer) e de 500 cc. de sangue total (transfusão).



CASO V (F. B.) - Gangrena do palato. Curado.



Numa fotografia tirada no dia 19-10-44, antes do paciente ter alta, documentamos a cura completa da necrose do palato. Foi recomendado ao paciente que procurasse o Serviço de Cirurgia Plastica da Santa Casa, afim de corrigir a comunicação antro-bucal (E).
CASO VI

Diagnóstico - GANGRENA DO PALATO.

J. A., com 49 anos, masculino, pardo, lavrador, casado, foi internado na 3.a Clinica Médica (Hospital das Clinicas), com o diagnóstico: de (a) valvulite luética da sigmoide aortica; (b) aortite sifilitica; (c) infecções dentarias. Registrado sob n .O 11.176.

Ao ser internado no Hospital já apresentava necrose ao nivel do maxilar E, no terço posterior (Dr. Washington).

Foi tratado com digital, norofilina, esidron, glicose e cholfig.

Enviado à Clinica Otorrinolaringológica, foi examinado pelo Dr. Bustamante, em 27-4-945, que gentilmente cedeu-me o caso.

Constatamos um fóco necrotico do hemipalato osseo E, comunicando a boca com o antro maxilar E.

O paciente queixava-se de muita dôr na região afetada, dificultando a alimentação e o sono.

Tinha sido feita uma determinação global de plaquetas e globulos vermelhos que revelou o seguinte:

Hematias - 3.280.000 por mmc.

Plaquetas - 255.840 (metodo de Fonio). (Laboratorio Central do Hospital das Clínicas. - 19-4-945).

Indicamos a terapêutica vitaminada: acido nicotínico (600 mgr. nas 24 horas) e vitamina C (500 mgr. na veia por dia), e a desinfecção local com agua oxigenada diluida.

Preconizamos transfusão de sangue, porém o médico clínico, achou contra-indicado devido ao estado de descompensação cardio-circulatória do doente.

Dai a três dias o acido nicotínico, foi substituído pela nicotinamida por faltar aquele no Hospital, sendo mantida esta na dose de 700 mgr. diarias.

Já no 4.° dia a lesão necrotica estava estacionaria e sem máu cheiro.

Continuada a terapêutica, no dia 19-5-45, não havia mais tecido necrótico, que fôra removido com pinças, estando a cavidade do antro recoberta de mucosa e tecido de granulação.

Nesta ocasião recomendamos a extração dos dentes infectados (incisivos principalmente) .

Além da medicação tardio-renal, o paciente já havia tomado um total de 14.000 mgr. de nicotinamida e 10.000 mgr. de vitamina C.

Nas horas da alimentação o paciente colocava na fenda do palato uma gaze esterilizada, que era depois retirada.

Reduzimos a nicotinamida para 350 mgr. por dia e continuamos com a vitamina C (500 mgr.)

Uma fotografia tirada no dia 22-5-45, mostra a perfuração do palato e a cavidade do antro com otimo aspecto.

Um hemograma feito no dia 24-5-45, mostrou grande melhoria do quadro hematico:

"Eritrócitos - 4.326.000 por mmc.
Leucocitos - 8.000
HB: - 82%
V. Globular - 0,9
Neutrofilos: Bastonetes - 10,0%
Segmentados - 42,5%0
Eosinofilos - 2,5%
Basofilos - 1,0%
Linfocitos: Típicos - 20,0%
Leucocitoides - 15%
Monocitos - 8,5




CASO VI (J. A.) - Gangrena do palato. Curado. 40.0 dia de evolução.



Neutrofila com granulações tóxicas. Quadro de processo piogenico com pequena produção purulenta: neutrofilos em número absoluto dentro do normal, apenas ligeiro desvio à E. eosinofilos presentes e bem conservados, linfocitose". (Laboratório Central do Hospital das Clínicas).

Foi acrescentada à terapêutica ferro reduzido, na dose de 1,0 gr. por dia, e a seguir liverex (extrato hepático), suspendendo-se a nicotinamida e a vitamina C.

No dia 2-6-45 o paciente compareceu ao ambulatório de Otorrinolaringologia com acentuado edema do labio superior, e muita dôr na região, depois de extrair os dentes incisivos superiores. Receitamos nicotinamida (700 mgr. nas 24 horas), vitamina C (500 mgr.) novamente, e sulfadiazina (3,0 p. por dia) .

Estando após alguns dias completamente curado da estomatite gangrenosa, e permanecendo com falta do hemipalato osseo E, o paciente foi enviado ao Serviço de Odontologia do Hospital, e à Clínica Ortopédica
e Traumatológica, afim de estudarem a possibilidade de uma prótese buco-antral.

A sôro-reação para lues (Hinton) era positiva (3-10-45) e o exame de escarro negativo para bacilo alcool-acido resistente (8-9-45).

O paciente teve alta do Hospital das Clínicas, em 7-11-45, parece, que sem o aparelho de prótese por causas estranhas à nossa vontade, mas sem recidiva da gangrena da boca.

RESUMO

O Autor encara o problema do tratamento das estomatites gangrenosas, apresentando como documentação 5 (cinco) casos de estomatite e 1 (um) caso de faringite gangrenosa, todos curados.

Quatro dos casos foram observados em crianças e dois dos casos em adultos.

O Autor considera como os mais importantes fatores patogenicos da molestia, a anemia e a hiponutrição. Neste trabalho não foi encarada a gangrena que se desenvolve em doentes de leucemia, agranulocitose e intoxicação medicamentosa (Bi, As, I, etc ) .

A terapeutica utilizada tem por objetivo:

(a) melhorar o estado de deficiencia organica;

(b) combater a infecção local gangrenosa.

Para conseguir estes fins, as estomatites gangrenosas são tratadas, pela:

(1) cirurgia de todos os tecidos necrosados e retirada do tecido ósseo sequestrado;
(2) desinfecção local com agua oxigenada ou liquido de Dakin, diluídos;
(3) Vitaminoterapia multipla intensa e continua (vitaminas A, D, C e complexo B), inclusive altas doses de acido nicotinico ou niacina;
(4) Transfusão de sangue, antianemicos (ferro reduzido, extrato hepático) e roentgenterapia local;
(5) penicilina local e geral.

SUMMARY

The author reports on the problem of treatment of gangrenous stomatitis, based on five cases of stomatitis and one of gangrenous pharyngitis, all cured. Four of the cases were observed in children and two in adults.

Anemia and hiponutrition is considered by the author as the most pathogenic factor of the disease.

Gangrene resulting from agranulocytosis, leukemia and poisoning for medicine (Bi, As, I, etc.) was not taken into consideration in this; paper.

The therapy employed in the treatment has the following objectives:

(a) to improve the conditions of organic deficiency;
(b) to fight against local gangrenous infection, to reach these results, the following tratments were used:

(1) surgery of all necrosis and removal of all others necessary tissue (sequestrectomy) ;
(2) local desinfection with diluted hydrogen peroxide or Dakin liquid;
(3) multiple and intensive vitamin therapy (vitamins A, D, C and B complex) including large amounts of nicotinic acid or niacin;
(4) blood transfusions, antianemics (iron and liver extracts) and local roentgentherapy;
(5) local and general application of penicilin.

BIBLIOGRAFIA

CORRÊA, ANTONIO e ORIENTE, LUIZ - Trat. das estom. ulcerosas e gangrenosas e da amigdalite de Vincent pelo acido nicotinico. Rev. Brasil. de O. R. L. - IX: 6, 439-455, Nov.-Dez. 1941.
CORRÊA, ANTONIO - Vitaminoterapia no noma (estomatite gangrenosa). Rev. Brasil. de O. R. L. - XII: 3, 175-188, Maio-Junho 1944.
ROUSSEAU-DECELLE et RAISON - Pathologie Buccale - 2.a ed. 1939 - pg. 42.
THOMA, KURT H. - Oral pathology - 2a ed. 1944 - pg. 1245.




(*) Assist. extra-num. da Clinica da Faculd. de Medicina da Univ. de S. Paulo - Otorrinolaring. do Inst. Arnaldo Vieira de Carvalho (Inst. do Radium)

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