Versão Inglês

Ano:  1951  Vol. 19   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 149 a 160

 

"A PROPOSITO DE UM ARTIGO SOBRE O TRATAMENTO CIRÚRGICO DA OTOSCLEROSE"

Autor(es): Dr. WALDEMIR SALEM

Rio de Janeiro

Tantaene animis colestibus irae. VIRGILIUS - Eneida.

O último número de Abril da Revista Brasileira de Oto-Rino-Laringologia, trouxe um artigo do prof. Raul David de Sanson intitulado: "Comentários sobre o passado, o presente e o futuro acerca do tratamento cirurgião da Otosclerose".

O professor Sanson, nome ilustre da Medicina Brasileira, chefe de uma brilhante escola de Oto-Rino-Laringologia, com inumeros discipulos conhecidos em todo o país, injustamente se lança naquele artigo, contra a operação de Fenestração e contra o grande cirurgião Dr. Julius Lempert; de New York, creador da referida técnica. Não fossem as criticas vindas de pessoa tão ilustre, não teriamos dado maior importancia, às mesmas.

Nosso intuito, é de fazer a defesa do nosso grande mestre Dr. Lempert, cujos conceitos referidos naquelas criticas, assim como sobre a Fenestração, poderiam causar uma impressão desfavorável, às pessoas menos avisadas.

As criticas feitas em seu artigo, foram baseadas em observe; ções e interpretações alheias, pois jamais o prof. Sanson teve ocasião de praticar a Fenestração.

Atualmente em quasi todos os grandes centros otologicos ao mundo, é empregada a operação de Fenestração para o tratamento ele determinado tipo de surdez; e raros são aqueles que discutem os seus efeitos beneficos; é um assunto que envolveu o surtir interesse dos especialistas; procura-se apenas, presentemente, o meio de evitara osteogenese, o unico problema ainda existente, em uma pequena percentagem de casos, e que em breve deverá estar solucionado.

A Fenestração não é uma operação de mística; é de efeitos claros: o indivíduo não ouvia antes, e passa a ouvir em seguida. É de uma técnica delicada e difícil inicialmente de ser realizada; mas nas mãos de um cirurgião habil e experimentado é perfeitamente praticavel e segura, não tendo riscos maiores, que os de outras operações sobre o ouvido.

A Fenestração não foi imaginada para remover a causa da otosclerose, que ignoramos; foi feita para melhorar a audição, tornando o. paciente apto econômica e socialmente.

O professor justo Alonso, catedratico de O.R.L. da Faculdade de Medicina de Montevidéo, e um dos maiores expoentes da especialidade no Continente Sul Americano, há um ano, na Sociedade de O.R.L. do Rio de janeiro dizia honestamente, que não praticava a Fenestração; que na sua idade não desejava iniciar uma nova cirurgia, porém, sempre que tinha casos de otosclerose, enviava-os a um colega que a realizasse.

Negar os resultados admiraveis da Fenestração, é negar a propria realidade.

Nós temos casos de militares, com otosclerose, que antes da éra da Fenestração seriam reformados, com prejuízo para si mesmos e para o Estado; militares já operados há três anos, tendo conseguido um gráu de audição, compatível com a carreira militar, reintegrando-se econômica e socialmente, graças a operação; queremos apenas citar um dos inumeros exemplos eloquentes, dos resultados beneficios e em grande parte duradouros da Fenestração. Antes dessa operação nada se tinha a fazer para a surdez, e hoje já se faz muito, devido a ela.

As primeiras paginas do artigo do prof. Sanson, são dedicadas ao historico da Cofocirurgia, cuja mesma descrição se encontra em todos os tratados sobre o assunto.

Faz severas e injustas críticas a Lempert.

Mostraremos na realidade, para aqueles que o ignoram, quem é esse mestre da cirurgia moderna.

Foi em 1938, que veio à lume, a sua primeira publicação sobre a operação de Fenestração, em julho daquele ano, nos "Archives of Otolaryngology", com vinte e três (23) casos operados; como sempre acontece com as grandes novidades, houve uma forte reação dos conservadores, contra a técnica de Lempert, e seus resultados. Havia os céticos e os negativistas sistematicos, que sempre existiram em toda a parte e em todas as épocas. Tais foram os reacionarios e as discussões sobre a nova operação, que a "American Academy of Ophtalmology and Otolaryngology" resolveu nomear mais tarde, uma comissão de conhecidos especialistas, sob a orientação do dr. Marvin Jones, para estudar os resultados da Fenestração; depois de uma investigação exaustiva, assistindo as operações, e acompanhando os doentes por muito tempo, o Dr. Jonechegott ao seguinte resultado no final de seu relatorio: "My belie six years ago, was tnat tne results of the tenestration operation, while dramatic, were not permanent. Recently I have scen patients whose hearing before operation five years ago, was below the useful range, and who now can hear low whispers".

É preciso notar que o Dr. Marvin Jones era quem mais combatia Lempert, ainda quando não conhecia a técnica e os resultados da Fenestração.

Daquele dia em diante, houve uma verdadeira consagração ao grande mestre, na Academia Americana, a mais tradicional e respeitada associação de classe nos Estados Unidos. Grande número de especialistas de todo o país, e de quasi todas as Universidades do mundo, afluiu para os cursos de Lempert em New York.

A sua técnica, conhecida por Fenestração de Lempert, foi adotada oficialmente em grandes centros, como The Harvard Medical School, Mayo Clinic, University of Michigan, University of Pittsburg, Lahey Clinic de Boston, John Hopkins Hospital, Columbia University, Oxford University da Inglaterra e tantas outras.

Lempert conta hoje com mais de cinco mil (5.000) Fenestrações; Shambaugh, de Chicago com mais de três mil (3.000) ; uma dezena de cirurgiões, acima de quinhentos, centenas de outros com números menores; na América do Sul e Europa, como Garnett Passe, de Londres, com mil quatrocentos! e cincoenta casos, e inumeros outros cirurgiões que praticam esta operação, como técnica de rotina diária.

Lempert antes de lançar a Fenestração em um só tempo, já era muito conhecido como otologista.

Em 1929, Leidler, do Hospital de Universidade de Viena, publica um artigo intitulado: "Bericht uber neun der Methode von Lempert ausgefuhrten Antratomien; "Monatschr. f. Ohrenh. 63:1337, 1929 (Trad.).

Trata-se da via endaural, já conhecida há muito tempo, mas que Lempert trouxe à tona, divulgando-a, pela facilidade com que esquematisou essa técnica, e pelos novos instrumentos especiais para realizá-la. O próprio Leidler que denominou o "methodo de Lempert" dizia em seu trabalho: "A mastoidectomia de Lempert pode ser realizada em todos os casos de mastoidite, porque é sempre possível obter-se uma boa visibilidade em todo o campo operatório". Estava consagrado assim o nome de Lempert, modificando a` técnica de Schwartze, que realizou sua mastoidectomia por via retro auricular, publicada em 1879 pela primeira vez.

Lempert, vários anos depois da referencia de Leidler, publica o seu trabalho completo com mil setecentos e oitenta (1.780) casos dé mastoidectomia por via endaural no trabalho intitulado: "Endaural, Antauricular Surgical Approach to the Temporal Bone", Archives of Otolaryngology, May 1938, vol. 27, pp. 555-587.

Tudo isso foi antes de publicar o seu mernoravel-artigo sobre Fenestração. Bste é o homem que marcou época na historia da cirurgia do ouvido, fruto do seu admiravel, e exaustivo trabalho de pesquisa.

M. Sourdille, (Traitement Chirurgical de L'Otospoilgiose, Masson & Cie; 1948) a proposito de Lempert diz: "Le Docteur Lempert est devem indiscutabiement par sa perseverance, son dynamisme et sa specialisation extrême, le chef d'une brillante Êcole". Zr o proprio Holmgren, o grande mestre Sueco, que denomina: "Lempert's method", (Congress Acta Oto-Laryngologia, Supplementum 74:19-20, Stockolm, 1947).

Depois de breve referencia sobre a personalidade de Lempert, iremos agora analisar as principaes criticas do prof. Sanson, sobre a operação de Fenestração, transcrevendo sempre inicialmente o periodo original do autor, e em seguida o nosso comentário.

1.°) Diz o prof. Sanson: "Nos Archives of Otology em julho de 1938, após uma conferencia de Sourdille em N. York, Lempert publica como nova e pessoal, uma técnica cirurgica para o tratamento da Otosclerose, sobre cuja descrição muito judiciosamente pondera Caussé: São os próprios elementos, exatamente descritos e figurados da operação de Sourdille, reproduzidos e copiados sobre esta, sem que Lempert, faça uma única vez referencia da fonte onde os retirou."

Não é verdade. Quem ler realmente aquele primeiro trabalho de Lempert verá, que êle começa precisamente seu artigo, atando logo nas primeiras linhas os nomes de Jénkins, Barany, Holmgren e Sourdille. De Sourdille, transcreve logo na primeira pagina períodos inteiros de seu trabalho, citando em seguida a fonte da publicação, em que se lê: "Buli. New York Acad. Med. 13: 673 Dec. 1937". Dizer-se que "são os proprios elementos, exatamente descritos e figurados da operação de Sourdille", também não é exato. Sourdille realizava a sua operação em três tempos, com intervalo de quatro a cinco meses; Lempert fazia a sua operação em um só tempo, por via endaural enquanto a outra era por via retro-auricular. Lempert retirava a bigorna, Sourdille respeitava-a. Lempert expunha a meninge do lobo temporal inspirando-se na teoria de Wittmaack, sobre a estase venosa da dura, citando o autor desta teoria; juntamente com o trabalho e a revista em que foi publicado. (Wittmaack, K: "Die Ursache der Otosklerose: Ein Vorschlag Zur ursachlichen Behandlung. Arch. f. Ohren. Nasen v. Kehikopff 129:150 (Junho) 1931.

Em seu trabalho Lempert nunca disse que foi o primeiro a executar a cofocirurgia; ao contrario êle cita todos os autores onde se inspirou, para a Fenestração.

O valor de Lempert está em ter sistematizado a operação, por uma via diferente (endaural), em um só tempo, em vez de três, e Instituído o uso adequado de instrumentos especiais, e métodos mais simplificados, e inumeros outros detalhes novos, que fizeram da Fenestração; uma operação diversa da que existia, apesar de se basear em princípios equivalentes.

Ninguem honestamente, poderá negar que Lempert, pelo seu metodo, foi o creador de uma nova era da cofocirurgia, e divulgador da operação de Fenestração, que tem seu nome.

Para lembrar a honestidade cientifica de Lempert, basta citar a dedicatoria feita na separata de seu artigo: ("Fenestra Novovalis; "Arch. of Otolaryngology Nov. 1941 vol. 34 p.880), em que êle diz textualmente: "This article is dedicated to Drs. G. Holmgren and M. Sourdille, whose reports in the literature of their unceasing efforts in the evolutionary development of surgical procedures for the improvement of hearing in cases of otosclerosis "have inspired me" (1) in the conduct of my research of this surgical problem, and to Dr. George M. Coates, whose heartening encouragement has stimulated me in the continuation of this research and has led to further advances in the solution of this problem".

Confessa ai lealmente o Dr. Lempert que foi em Holmgren e Sourdille, que êle se inspirou para crear a sua Fenestração. Portanto o Dr. Caussé, citado pelo professor Sanson, não exprimiu a verdade quando diz que Lempert não fez referencia da fonte onde se inspirou para seu trabalho.

2.°) E mais adiante o prof. Sanson diz: "Quanto aos tipos de broca empregados, todas as variedades já foram usadas. Inicialmente, Lempert, executou a trepanação labirintica com brocas de aço, depois passou a usar brocas de ouro e, finalmente, de chumbo: Lempert acabará fazendo a trepanação comi brocas não se sabe de que natureza, pois cada vez que muda de boca, apresenta melhores percentagens de cura".

O prof. Sanson não tendo experiencia sobre a Fenestração, foi provavelmente mal informado a respeito de brocas; pois brocas 'de ouro ou de chumbo jamais foram empregadas por Lempert ou por quem quer que seja, para trepanar o labirinto; essas brocas são usadas apenas para pulir os bordos da janela, já aberta com broca de aço; visam impregnar esses bordos com aqueles metais, nó intuito de evitar a osteogenese.

Não se pode compreender que o chumbo ou o ouro de 24 quilates, metais relativamente moles, possam trepanar um osso; as brocas se gastariam muito antes, naturalmente.

3.º) Criticando os diagnósticos sobre otosclerosé, e os beneficios atuais da fenestração, diz o autor mais adiante: "não pude deixar de comprovar que a situação do presente não sobrepujou a dó passado".

O passado a que se refere o prof. Sanson, é provavelmente da data de 16 de Dezembro de 1929, quando Sourdille apresentou o seu primeiro trabalho a Sociedade de Laringologia dos Hospitais de Paris, até o primeiro addendum de 1939 do relatorio de 1935 do proprio Sourdille, apresentado a Sociedade Francesa & Oto-Rino-Laringologia.

Até aquela época havia aproximadamente em todo o inundo, pouco mais de uma centena de casos realizados. Atualmente, desde 1938 para cá, no espaço de treze (13) anos, após Lempert, contamse de vinte mil (20.000) a vinte e cinco mil (25.000) Fenestrações executadas. (Lempert, J. Fenestrations Operations: The Annals of O.R.L. 59, Dec. 1950), e as estatísticas confirmaram que, 70 a 80% dos casos tiveram bons resultados.

Além disso, o presente sobrepujou o passado, pelas novas técnicas empregadas, pelo instrumental novo e pelos antibioticos que não existiam nó passado, como aliás aconteceu em todas as técnicas cirurgiões; nem se pode compreender que a ciencia, somente não evoluísse neste ramo da cirurgia.

O passado valeu, pelos princípios ditados na época, que inspiraram os trabalhos dos cirurgiões modernos; é o proprio Lempert, que rende homenagens a Barany, Jenkins, Holmgren e Sourdille.

4.°) E prosseguindo suas criticas, sobre os resultados da Fenestração: "A literatura sobre o assunto, assim como a pratica hospitalar e civil, permite-nos fazer esta apreciação, pois muitos pacientes viram suas esperanças desiludidas, outros tiveram a má sorte de perder o que lhe restava de acuidade auditiva ou obtiveram resultados muito mediocres".

As esperanças desiludidas ou os resultados medíocres na Fenestração, a que se refere o professor Sanson, sempre existiram em toda a cirurgia, desde que não praticada por mãos habeis e experimentadas; nestas, os resultados são excelentes, como nas estatísticas de Lempert, de Shambaugh ou Garnett Passe, de Londres que ainda há poucos meses nos visitou aqui no Rio, cuja opinião o prof. Sanson deve ter ouvido assim como de seu entusiasmo pelos ótimos resultados em mais de mil quatrocentos e cincoenta (1.450) casos operados.

Nos casos da Fenestração, os máus resultados, não dependem da técnica e sim dos cirurgiões com pouca experiencia, ou da não rigorosa seleção dos casos. "A Fenestração não é uma operação comum da oto-cirurgia, ela requer muito trabalho para se chegar a perfeição, habilidade manual e precisão em todos os tempos", (K. M. Day: Medical and Clinical Case of the patient selected for fenestration of the labyrinth. (Arch. of Otolaryngology 46:534 (Oct.) 1947).

5.º) E referindo-se ainda aos resultados de doentes operados, diz mais adiante o prof. Sanson: "E, finalmente alguns outros rejubilaram-se com beneficios passageiros, que lhes permitiu retornar, durante algumas semanas, meses e por vezes mais tempo, suas atividades profissionais".

Esse "mais tempo", que o autor não esclarece, nas boas estatísticas, quer dizer varios e muitos anos, de beneficios que tiveram os pacientes com a operação de Fenestração.

6.°) "A operação de Fenestração não oferece, em si mesma, maiores dificuldades a quem está experimentado na oto-cirurgia. Requisita, naturalmente, habilidade manual, delicadeza e dextreza e, sobretudo, muita paciencia".

De pleno acordo com a segunda parte, em que o autor reconhece, que só os cirurgiões dotados de delicadeza, habilidade e dextreza, estão aptos a realizar a Fenestração; "e sobretudo, muita paciencia".

Quanto a primeira parte, achar-se que a Fenestração não oferece em si mesmo maiores dificuldades para quem faz oto-cirurgia, nós ficamos com as opiniões dos seguintes autores:

K. M. Day de Pittsburg, nos "Archives of Otolaryngology de Outubro, de 1947 pp. 534 diz: "A operação é inteiramente diferente da maioria das operações realizadas no ouvido".

O prof. S. H. Maxwell, professor de Otolaringologia da Universidade de Michigan Medical School, Ann Arbor, diz nos "Arch. de Otolar. "Out. 1947, pp. 539: "A operação de Fenestração de Lempert é uma grande operação cirurgica envolvendo pontos vitais e que requer para sua boa realização, um alto gráu de virtuosidade técnica". Este conceito tambem é referendado por Marvin Jones, de New York, que na mesma revista citada acima a pagina 546, propõe em seu relatorio a Academia Americana de Otolaringologia, que todo o especialista que queira praticar a Fenestração, tenha um certificado especial após exame, expedido pelo American Board of Otolaryngology.

Não é portanto uma operação sem maiores dificuldades, para quem está experimentado na oto-cirurgia, no dizer do Prof. Sanson Requer um sistema de trabalho difícil e muito diferente, para ser bem realizada.

7.º) Continuando o autor, diz: "Em oito anos, as estatísticas brasileiras relatam cincoenta e nove (59) operados no Rio de Janeiro e nove (9) em São Paulo. Além disso parece-nos que nestes dois ultimos anos a realização da cofocirurgia no Brasil, não se modificou muito, continuando em movimento lento".

- A estatística é outra.

Na sessão da Sociedade de O.R.L. do Rio de janeiro, de 6 de Abril de 1951, sob a presidencia do prof. Renato Machado, dedicada especialmente para Fenestração, em que todos lamentaram a ausencia do prof. Sanson, foi feito um inquérito, sobre o número de operações realizadas no Brasil, tendo apurado o prof. Machado um número aproximado de trezentos e vinte (320) Fenestrações feitas somente entre Rio e São Paulo; Nós contribuímos com pouco mais de meia centena de casos operados, até aquela data, apresentando uma estatística de 70 % (setenta por cento) de bons resultados.

E precisamente nestes dois ultimos anos o movimento tem sido mais rapido, principalmente depois da memoravel visita do Dr. Lempert ao Rio de janeiro, em. Julho de 1949.

8.°) Em seguida relata: Em trabalho apresentado no II.° Congresso Brasileiro de Oto-Rino-Laringologia, realizado em Salvador (Bahia), em janeiro de 1948 o prof. Kos apresenta a única estatística apresentada entre nós com detalhes, em que aponta com toda sinceridade e lealdade, os seus sucessos e insucessos.

"Ça va sans dire", quanto a sinceridade e lealdade do prof. Kós. Sobre o trabalho de seu antigo discípulo, o prof. Sanson deveria ter citado tambem as judiciosas conclusões a que êle chega, e que são as seguintes:

A) "A Fenestração é a grande arma que dispomos para melhorar a audição nos otosclerosos.

B) Até o presente momento, a Fenestração é a técnica de escolha por ser a que fornece maior percentagem de melhoras". Pena é que o discípulo, neste ponto, não tivesse convencido o mestre.

9.) E prosseguindo: "No meu longo tirocínio dentro da especialidade tive a oportunidade de acompanhar familias de surdos e verificar em muitos casos, a falencia do meu prognóstico, inclusive de. moças que se casaram, tiveram filhos e amamentaram sem que tivesse havido progressão na sua surdez".

O conceito moderno sobre esse assunto, entre a otosclerose e gravidez está muito mudado.

O conselho antigo que se dava a paciente com otosclerose: "moça não se case, esposa não tenha filhos e mãe não amamente", já está modificado atualmente. Nem toda a gravidez, tem influencia sobre a otosclerose. Basta se ler o excelente trabalho de Richard T. Barton (The Influence of Pregnancy on Otosclerosis. New England Journal of Medicine 233:433-436 (Oct.) T 1945); e as opiniões de Nager e M. Breitmann. Barton apresenta uma estatística de 114 (cento e quatorze) mulheres com otosclerose, estudadas em relação com a gravidez, citando inúmeros casos, 30% (trinta por cento) onde os partos não tiveram nenhuma influencia sôbre a progressão da surdez.

Portanto não é provavel que o professor Sanson se tivesse enganado quanto ao prognóstico, conforme confessa; apenas, está muito rigoroso o seu conceito, sobre a influencia da gravidez na Otosclerose.

Nós temos dois (2) casos de Fenestração em senhoras, que tiveram filhos, após a operação, operados há mais de dois anos, sem que houvesse a menor influencia sôbre os bons resultados da intervenção.

10.°) A respeito dos resultados da Fenestração e suas consequencias, diz mais adiante o autor: "Prevenir o paciente da possibilidade de peiorar em vez de melhorar da sua surdez, ao lado de eventual aparecimento de complicações que o mais cuidadoso e experimentado profissional nem sempre pode sustar (complicações às vezes muito graves e até mesmo mortais)".

As complicações mortais são excepcionais, e semelhantes as de qualquer intervenção sobre a mastoide; George Shambaugh Jr. (Acta Oto-Laryngológica, suplementum LXXIX, 1949), em sua estatística de dois mil e cem (2.100) casos, não apresenta nenhum caso de morte.

Lempert em quatro mil (4.000) casos, teve dois de morte, sendo um por pneumonia. No Brasil não temos conhecimento de nenhum caso.

Naturalmente em toda a cirurgia, há os riscos eventuais; a literatura médica cita casos de complicações mortais, excepcionais, até em simples amigdalectomias.

É por demais sabido entre os cirurgiões que praticam a Fenestração, aquilo que os Drs. Lempert e Shambaugh aconselham: Apresentar ao paciente as probabilidades de êxito cirurgico, variando com o caso, o especialista expõe claramente a situação; pois o unico tratamento que existe para a otosclerose é a Fenestração; o especialista que não a pratica, nada mais tem á fazer para p; deu paciente, a não ser indicar os aparelhos eletricos de prótese. Não é com vitamina B1, ou massagens do tímpano ou duchas de ar na trompa, que se poderá tratar a otosclerose.

11.°) Continuando diz o prof. Sanson: "Hicguet, em seu estudo da cofocirurgia comenta que: si os audiogramas e os audiometros fizeram a fortuna de Lempert, pode dizer-se que êle fez a fortuna dos audiometros".

Isso é uma insinuação malévola, que não merece resposta. O leitor conclui das intenções de semelhante citação de Hicguet; provavelmente quiz fazer uma frase, "pour épater les bourgeois".

12.°) Um dos argumentos do prof. Sanson condenando a terapeutica da surdez pela Fenestração: "Não é possível estabelecer terapeutica sem conhecimento da etiologia e, enquanto tal enigma não for decifrado, tudo quanto se fizer não passará de pura especulação".

Todos os médicos sabem que há muitas doenças que não se conhece a etiologia, mas que se curam com a terapeutica instituida. Alguem sabe o que é o cancer? Entretanto não se abandona o canceroso a sua sorte; institue-se todas as armas terapeuticas que se conhece, tratando-se inumeros casos.

Por aquela teoria do prof. Sanson, os oftalmologistas ficariam quasi apenas com as conjuntivites, e com as receitas de lentes; pois ignoram a etiologia do glaucoma, mas o tratam cirurgicamente. Ignoram a etiologia precisa da maioria dos descolamentos da retina, e os tratam cirurgicamente.

A medicina não teve ainda elementos para saber a etiologia da otosclerose; porém, a cirurgia, mais aperfeiçoada, descobriu o tratamento. Ao surdo não importa saber a etiologia, o que lhe interessa é ouvir.

O que se conhece a respeito da otosclerose é que o portador dessa enfermidade "conserva ainda latente uma especie de reserva de audição, que a abertura do labirinto permite bem pôr em evidencia mas não conservar integralmente" (Sourdille, Op. Cit. pg.l ). Esta é a finalidade da Fenestração, melhorar a audição do individuo, a ponto de torna-lo util social e economicamente". (Lempert op. cit.).

13.º) O professor Sanson fazendo a critica de certos médicos que abusam da indicação da Fenestração, escreveu: "Do lado europeu do Atlantico, tivemos ocasião de ler um especialista declarar em artigo publicado numa revista de Oto-Rino-Laringologia, que o paciente em que apurava a sua técnica" não era um caso que permitisse esperar um bom resultado funcional, mas que era lucrativo para demonstrar a excelencia de uma nova técnica para executar a Fenestração".

Neste ponto, estamos de pleno acordo com o prof. Sanson, fazendo a critica a especialistas pouco escrupulosos; os maus elementos existem em tudo e em toda parte; mas não é por causa deles, que iremos abandonar a nossa nobre e humanitária profissão médica.

14.°) Referindo-se a certas cousas que estão em moda e que passam, comparando a Fenestração cone as Petrosites, diz mais adiante: "Haja vista a época em que foi moda a trepanação labirintica iniciada com a Escola de Viena, liderada por Alexander, e o diagnóstico das petrosites. É significativo assinalar que a efervescencia passou e hoje em dia são muito reduzidas as publicações neste sentido".

As petrosites estiveram em moda e não estão mais, simplesmente devido ao advento dos antibióticos; da mesma maneira que quasi não se. vê mais, as mastoidites agudas,, peritonite post-operatoria, etc. Não significa que as petrosites não existissem; é que apareceu um remedio contra elas. O dia que surgir um tratamento para otosclerose melhor que a Fenestração, esta naturalmente desaparecerá da terapeutica. Mas até o momento presente, nada existe para o tratamento da otosclerose, a não ser a operação de Fenestração, que cada vez toma mais vulto, apesar dos seus poucos críticos, ainda existentes, aqui e alí.

15.º) Continuando a critica sobre Lempert, o prof. Sanson transcreve ainda Hicguet: "Se devemos admirar o entusiasmo permanente deste cofocirurgião (referindo-se a Lempert), forçoso nos é comprovar que o recuo dos tempos nos faz apreciar seus sucessos em proporções muito menores: de 98%, ele nos reduz atualmente a 50 e 60%. São esses os numeros que êle referiu por ocasião de uma recente viagem a Europa, durante a qual espantou-se não sem ironia de que seus discipulos europeus citem algarismos superiores aos seus, que correspondem entretanto aos seus algarismos anteriores".

Lempert, em seu artigo, (Lempert Fenestra Nova-Ovalis for the Restoration of practical unaided hearing in Clinical Otosclerosis: Its present States. Proceding of the Royal Society of Medicine, Set. 1948 Vol. XLI, n.º 9 pp. 617-630 (Section of Otology pp. 27- 40, London) explica a sua percentagem post operatoria: Em cem (100) pacientes, oitenta (80) ganham imediatamente um nível prático de audição; porém, depois de dois anos, sómente sessenta (60) daqueles oitenta (80), é que continuam com o nível alto de audição; em outras palavras 75°fc daqueles que tiveram sucesso cirúrgico imediato, estariam aptos a manter a sua audição permanentemente. Essa é a verdade sobre a estatística de Lempert.

16.º) E quasi ao terminar, referindo-se a Fenestração: "O assunto está na ordem do dia, discutidíssimo, vendo-se adeptos apaixonados contra céticas experimentados, que esperam o correr do tempo para firmarem doutrina".

Nós diríamos o contrário, que o assunto está na ordem do dia, vendo-se, não adeptos apaixonados, mas adeptos experimentados; não céticos experimentados, mas céticos apaixonados.

17.°) E assim termina o professor Sanson o seu trabalho: "Quem pode afirmar que as cortinas estão abertas e que não mais se fecharão?".

Ninguem poderá afirmar, mas as cortinas não se abrem sozinhas; é preciso ir de encontro a elas. A Fenestração levantou o véu. Ricardo Botey, (Congresso Internacional de Medicina de Paris, 1900), há meio século atrás, já dizia, com outras palavras, a mesma afirmativa do prof. Sanson.

Desde então muito se tem feito e progredido. Pela inércia não se teria chegado ao estado atual.

Atingir o labirinto, abrindo um orifício, que ficasse permanentemente aberto, nós sabemos e ninguem ignora, que foi difícil, penoso e árduo, ter-se chegado ao ponto atual dêsse tipo de cirurgia.

Só com muito trabalho e sacrifício, poder-se-á atingir um ideal que beneficie a humanidade.

E Lempert, com sua Fenestração, realisou um ideal. Realisou, por ter tornado praticavel a cofocirurgia, vindo de Barany, Holmgren e Sourdille.

Coloquemos a questão nos seus devidas termos.

Que as ultimas palavras do professor Sanson, àqueles dirigidas, o sejam tambem a Lempert:

"A Cesar o que é de Cesar".

Rua Barão do Flamengo, 22 - Rio.
Rio de janeiro, 17 de Setembro de 1951




(I) O grifo é nosso.

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