Versão Inglês

Ano:  1951  Vol. 19   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 137 a 148

 

OTORRAGIA E OVÁRIO (*)

Autor(es): Pauto Mangabeira-Albernaz (**)

A hemorragia auricular, ou otorragia, pode ser 1) traumática, ou provocada; e 2) atraumática, ou espontânea. Do primeiro tipo, que é comum, são as hemorragias consecutivas a deflagrações; a diferenças de pressão (aviação, trabalho em escafandros, etc.); a fraturas da base do crânio; a traumatismos diretos sobre o tímpano, etc. Há, porém, uma espécie rara: a otorragia consequente à paracentese por lesões do bulbo da jugular, de que já tive ocasião de descrever um caso, observado em criança de 9 meses.

Do segundo tipo, todas são raras. Podemos observa-ias nas doenças infecciosas (gripe, febre tifóide, parotidite epidêmica, etc.); nas doenças hipertensivas, como o mal de Bright; nas afecções hemorragíparas, tais á doença de Werlhoff, a hemogenia, etc.; nas afecções crônicas da orelha média (otite média com degeneração poliposa, osteíte tuberculosa do temporal, etc.) ; nos processos neoplásticos das orelhas média e externa; nas afecções vasculares do tímpano; nas afecções nervosas, particularmente na histeria; das disendocrinoses,mormente do ovário. São estas duas últimas as causas talvez mais raras das otorragias, e a elas vou particularmente me referir no decurso deste estudo.

A histeria do aparelho auditivo já estava no dominio da medicina desde o seculo XVI. Foi o grande Wielhelm Fabri, da cidade de Hilden, conhecido pelo nome latina de Fabricius Hildanus, pai da cirurgia alemã, quem primeiro sobre ela chamou a atenção. Em 1595, descreveu ele o caso de uma moça que, após a retirada de uma conta de vidro do conduto auditivo, apresentou, por cêrca de cinco anos; graves disturbios gerais de fundo histérico.

Iribarne, que estudou minuciosamente o problema, classificou as manifestações histéricas do aparelho auditivo do seguinte modo: 1.° - sinais anestésicos (surdez sob todas as formas, com ou sem mudez) ; 2.º - sinais de hiperestesia (hiperacusia, zonas histerogênicas, vertigens, otalgias de causa quase sempre local, exaltadas
pela neurose); 3.° - otorragias em lugar da menstruação, ou dela dependentes.

Urbantschitsch assinala que estas hemorragias auriculares manifestam-se tanto em individuos do sexo feminino como no do masculino, podendo existir vicariantemente de, modo duradouro ou temporário, isolados ou combinadas a hemorragias de outros pontos do organismo. Na mór parte dos casos, vamos observa-las em individuos de sistema nervoso lábil e psique fàcilmente excitável.

É ainda esse autor de opinião, que "quando se trata apenas de aumento de efeito reflexo fisiológico, apresenta-se, de quando em vez, especialmente na histeria, uma manifestação que, por muito tempo, despertou particular interesse como controvérsia: as hemorragias do conduto auditivo, que são consideradas como hemorragias vicariantes. São designadas como tais, sómente quando não é possível reconhecer alterações patológicas do conduto (Bourlon - Tese de Paris, 1899) ".

Segundo a opinião dominante, nas otorragias por neurose o sangue flui pela parede intacta do conduto. Ao que dizem Ferreri, Gradenigo, Haug, von Stein, Clements, Steurer e outros mais, os capilares formam novelos em torno dos canais glandulares, e a hemorragia processa-se através da tênue parede glandular.

Não resta dúvida, entretanto, que há dois tipos de otorragia, nesse particular: as em relação com a função ovariana, ditas otorragias vicariantes ou substitutivas, e as determinadas por influência puramente psíquica. Esta separação, aceita por Lederer e baseada na observação de casos clínicos, contesta o modo de ver, há pouco mencionado, de Iribarne.

Todos os autores que se têm ocupado do assunto admitem, que as otorragias espontâneas têm por causa imediata distúrbios vasomotores. Nenhum, porém, chamou a atenção para a possibilidade mais que evidente, da existência de algum fator congênito. Seria este uma distribuição vascular especial que constituiria, pelo menos, um agente predisponente às otorragias. Só esse fator explicaria certos tipos de otorragias, se não sua totalidade. Encontramos na literatura casos de otorragia sob a dependência da febre tifóide (casos de Ravault e Specker e de Betti); da parotidite epidêmica (caso de Buccelli); da doença de Werlhoff (casos de Haug, de Boenighaus, de Johansson); da hemofilia (casos de Ziem e de Rohrer); da nefrite crônica (caso de Alibert). Poder-se-ia atribuir o fato a perturbações vasculares determinadas pelas próprias afecções. Mas têm sido observados casos de otorragia em enforcados, e aqui só um elemento pre-existente poderia explicar a perda sanguínea pelo conduto. Já a havia assinalado Hoffmann. Recentemente (1938) Ponsold, em 200 enforcados, observa tão somente um caso. Verificou este autor haver sangue no conduto e na caixa, e não na orelha interna.

Leva-nos esta observação in anima nobile a admitir uma disposição vascular especial como causa principal das otorragias atraumáticas, embora a experiência tenha mecanismo traumático.

Poder-se-ia admitir, em tais casos, a hipótese de endometriose, o que Novak define como um processo patológico decorrente da existencia de tecido, com os caracteres de endométrio, em localização aberrante. Tem sido verificado na vagina, na vulva, nas coxas, na região braquial e até nos pulmões, como no caso de Hobbs e Bortnik (1940), assinalado por Novak. Parece, no entanto, que a hipótese não deve ser aceita, pois o sangue de origem endométrica da menstruação é diferente do que se observa nestes casos, como veremos adiante.

O curioso desses casos é que, em muitos deles, a hemorragia se processa pela pele do conduto, conservando-se a membrana do tímpano intacta. Em outros, é verdade, a caixa apresenta-se cheia de sangue - hematotímpano - e, como a membrana não se rompe, não se verifica a otorragia.

Nos dois casos que vou referir, não havia sinais, quer no conduto quer na membrana, nem de lesão, nem de hemorragia, no primeiro deles. Nó segundo, havia sangue vivo constante e 'havia pequena perfuração da membrana do tímpano.

Muitos autores consideram a otorragia, mesmo quando em evidente ligação com o catamênio, manifestação histérica. já. vimos que Urbantschitsch, seguindo Bourlon, só considera a hemorragia vicariante, quando não se observam manifestações patológicas no conduto ou na membrana.

Lederer, por sua vez, separa nitidamente a otorragia vicariante da histérica. Não só a lógica obriga-nos a admitir esta dualidade, como a clínica confirma-a. O caso de Goldstein é característico. A otorragia, sem ligação com a época menstrual, era um corrimento sanguíneo-seroso que, sem o menor sinal de lesão, provinha da parede posterior do conduto, junto à membrana, por conseguinte além das últimas glândulas ceruminosas. Após uma operação fictícia feita sob narcose, obteve-se a cura definitiva, que não pudera ser conseguida por nenhum outro método terapêutico.

No caso de Steurer, a causa pode ser lobrigada. Tratava-se de uma surda-muda de 27 anos de idade, que apresentava hemorragias espontâneas, não só do aparelho auditivo como do aparelho respiratório superior. As perdas sanguíneas apareceram periodicamente por ano e meio, mas aumentaram progressivamente nos quatro anos últimos, de modo que, neste período, a paciente veio a perder onze quilos de peso. O exame revelou a existência de apenas pequena dilatação das veias das paredes posterior e superior dó conduto, "das quais o sangue, por assim dizer, porejava".

No caso descrito por Kraus, a doente, uma rapariga de 16 anos, apresentava otorragias espontâneas à direita, de 5 em 5 dias, às vezes de 8 em. 8 dias, sem dor nenhuma e geralmente à noite. Três anos antes, queixara-se das mesmas hemorragias, mas melhorara com estação de montanha. O catamênio era regular, durando 5 a 6 dias. Membrana do tímpano espessada, inflamada, com lesões proliferativas de um azul pálido.

Outro caso em que evidentemente a função ovariana não interferiu, foi o de Buccelli. Tratava-se de uma mulher de 20 anos, cujo catamênio começou a aparecer aos 13, e que nada apresentava de anormal. Apareceu com parotidite epidêmica, e, três dias depois, começou "a sair sangue copiosamente e com insistência" pelo conduto direito. Dois dias após, membrana de Shrapnell um tanto saliente, cianótica, com pequeno ponto pulsátil acima da apófise curta. Perfuração. Daí saía lentamente sangue com aspecto arterial, pulsando de acôrdo com o pulso radial. Ao cabo de dias, tudo cedeu.

Em duas das observações de Rius, já é, porém, patente a ação do ovário. No caso n.° 4, numa mulher de 45 anos, que se queixava de incômodo na garganta e no aparelho auditivo havia cinco dias, apresenta-se o catamênio, e, com ele, otorragia bilateral, que perdura por 48 horas, juntamente com a menstruação. Tímpano esquerdo algo abaulado, de cor azul arroxeada. Sangue líquido e descarnação epitelial no conduto direito; tímpano discretamente congesto.

Já no casa n.° 5, de uma mulher de 25 anos, a otorragia insta-la-se com o catamênio e com dor local, só no aparelho auditivo direito. O tímpano, congesto, não apresentava quase alterações, e no conduto encontrou-se sangue líquido.

É evidente a diferença entre os casos de Goldstein, Steurer, Kraus - de fundo evidentemente histérico - e os de Buccelli, dependente da parotidite, e de Rius, tipicamente em relação com a disooforia.

Debidour observou uma mulher de 37 anos com otite supurada crônica à esquerda, que, em seguida a histerectomia total por metrite hemorrágica, passou a apresentar otorragias de 4 em 4 semanas, em lugar das regras até então profusas. Cinco a seis dias antes da hemorragia auricular, plenitude, pressão, calor e dor na cabeça. Em geral à noite manifestava-se a otorragia, que sujava o travesseiro, e exacerbava a supuração. Mediante o emprego de comprimidos de glândula tireóide e ovário dez dias antes do aparecimento da menstruação, cessaram completamente as otorragias.

Cabe aqui assinalar, o que Novak diz a respeito de tais fenômenos hemorrágicos. Se a hemorragia extra-vaginal parece substituir a hemorragia uterina normal, trata-se da hemorragia vicariante ou substitutiva. É o caso de Debidour que acabo de referir. Se, porém, a hemorragia extra-genital acompanha a uterina, no mais inteiramente normal, trata-se de hemorragia suplementar. Tais os dois casos de Rius. Ainda segundo Novak, é pássivel de crítica dar a tais hemorragias este nome de vicariantes, por isso que, na mor parte dos casos; a hemorragia extra-genital não é da natureza da menstruação verdadeira. Hermstein examinou quimicamente o sangue eliminado pelo nariz, em casos de epistaxes vicariantes, e não encontrou absolutamente os elementos do sangue menstrual comum.

Se a menstruação vicariante é uma manifestação de observação rara, como diz Flushmann, mais ainda é a otorragia desta natureza. Em estudo clássico, referente ao período de 1870 a 1920, Roth encontrou 225 casos relatados na literatura. Se 30% deles eram de localização nasal, apenas 2,5% eram de sede ótica.

Vymola reuniu, em 1925, 126 casos de otorragia, mas neles incluiu as das otites crônicas, dos neoplasmas, dos traumatismos, das. hemopatias, etc.,

O mecanismo pela qual o estrogênio dá origem à congestão, por exemplo, da mucosa nasal, só recentemente foi explicado, ao que dizem Mazer e Israel, cabendo a autoria de tal hipótese a Soskin e Bernheimer. O estrogênio determina aumento da produção da acetilcolina, o que redunda em dilatação capilar, tanto da mucosa nasal, como da uterina: A aplicação nasal de progstigmina tambem causa congestão, aparentemente por inativar a esterase que igualmente devia ser posta em liberdade para destruir a acetilcolina, libertada pelas extremidades nervosas. A ação não inibida da acetilcolina sobre a pituitária é, como em qualquer parte do organismo, determinar hiperemia ativa.

A menstruação vicariante, em partes outras do corpo que não as fossas nasais, pode ser explicada, ou por sensibilidade anormal de alguns tecidos a alto teor de estrogênio no sangue, ou à permeabilidade capilar elevada, que se supõe existir durante a menstruação.

Vejamos os casos que tive oportunidade de registrar, de 1916 até Março de 1951.

Primeira observação - Trata-se da menina Adília B. S., branca, com 12 anos de idade, brasileira, residente na cidade de Dourado (Estado de S. Paulo).

24-V-1927 - Há cêrca de onze meses começou a perder grande quantidade de sangue pelas fossas nasais, por ambas. Há oito meses o sangue começou a sair pelo conduto - ora por um, ora pelo outro, ora por ambos, e não saiu mais pelo nariz. Há três dias saiu um pouco de sangue pela bôca. Há quatro dias - dia em que saiu sangue pela bôca - saiu também do conduto, oito vêzes no dia. Sente muita dor de cabeça e tonturas. Não é ainda regrada. Alimenta-se regulamento de quatro meses antes da menina nascer. Sofreu de sarampo aos 8 anos. todos fortes e sadios. Nenhum apresenta coisa semelhante. A mãe teve um abortamento de quatro meses antes da menina nascer. Sofreu de sarampo aos 8 anos. Não tem tido doença alguma importante nêstes últimos anos. Pai com 47 anos. Aos 16 teve uma série de doenças venéreas (cancro mole, adenites, etc.), tendo ficado com o corpo cheio de manchas vermelhas, a que se seguiu reumatismo nos dedos e nos joelhos. Depois disso, tratou-se muito bem durante 8 anos. Não sofre de nada. Mãe, 42 anos, forte e sadia. Nunca saiu pus pelo conduto auditivo da criança. Mas a mãe diz que, em certo tempo, a menina apresentava mau cheiro na região auricular:

Exame - Tímpanos claros, sem vestígios de perfuração, retraídos. Condutos íntegros, não há a menor irritação. Pavilhões, idem. Fossas nasais - A esquerda, congestão pronunciada da mucosa do septo. Conchas normais. A direita, úlcera de cêrca de um cent. de diâmetro, localizada na área vascular. Amígdalas pequenas, pálidas, doentes. Faringite granulosa. Mucosas da faringe, do véu, da abóbada, um tanto pálidas. Lábios rubros. Dentes muito estragados. Gengivite. As gingivas sangram ao menor contacto. Do aparelho auditivo não parece sair sangue. Diz ter saído hoje, e o conduto não apresenta o menor vestígio.

T. - Em observação, se quizer permanecer na cidade. Pomada rinológica (gomenol, resorcina). Xpe. iodotanico 300; arrenal 0,50.

Segunda observação - Diz respeito a uma mulher - Onofra C. de J. - méstiça (mulata), de 19 anos de idade, solteira, brasileira, residente na cidade de Passos (Minas).

19-IX-1944 - Há anos sofre de supuração muito discreta, constante, do aparelho auricular direito. É uma água amarelada (Ar.) Há dois meses, porém, apareceu corrimento fluido, abundante, sobretudo à noite, como uma água sanguinolenta (sic). Troca por noite dois, três panos dobrados, que põe sob a orelha ao deitar-se. Nada sente, a não ser dor de cabeça. Quando esta é mais intensa, o líquido auricular é mais vermelho, como que tem mais sangue. Procurou seu médico que lhe prescreveu arsenox (3 ampôlas de 0,04 e 3 de 0,06), bismuto, injeções tônicas, injeções intravenosas de cálcio, vitamina K, extrato ovariano forte, dessensibilizantes.

Exame - Congestão e hipertrofia, redutível à adrenalina, da concha inferior direita. (Nunca teve epistaxes). Crista do septo nasal, posterior, muito pronunciada, à direita. Dentes em bom estado; gingivas normais. Nada na rino-faringe; pavilhões tubares livres. Hipertrofia moriforme das caudas das conchas inferiores. O. D. secreção fluida, sanguinolenta. Não há lesões no conduto. Tímpano com grande placa calcárea nos quadrantes posteriores. Quadrantes anteriores muito retraídos. Percebe-se com dificuldade, no quadrante antero-inferior, perto do annullus, perfuração muito pequena. Shrapnell normal. O. E. Nada no conduto. Tímpano adelgaçado, vendo-se por transparência o estribo.

Exame funcional - O.D. Lsg. do (64 vd) W = 20". Voz cochichada 5 cenas. O.E. Lsg. Sol-¹) (48 vd) W - S = 20". Voz cochichada 2 metros. Exame radiográfico - Worms-Bretton: pneumatização ampla a, clara do temporal esquerdo: redução das áreas pneumáticas e processo geral de esclerose no temporal direito. Schueller à dir.: esclerose generalizada. Látero-lateral: sela túrcica corri aspecto normal.

Exame clínico e ginecológico (Dr. Azael Lobo) - Amenorréia há 6 anos. Há dois meses, secreção sanguinolenta no O.D. Cefaléia, náuseas, mais intensas na época em que deviam vir as regras. Menarca aos 11 anos, com fluxo reduzido, de 4 dias de duração. Regularidade até os 13 anos, e, desde então hoje, amenorréia.

Exame - Cardio-pulmonar bom. Palpação dolorosa do baixo ventre. Hipertricose. Reflexos normais. Toque retal: útero pequeno, hipoplástico. Orgãos genitais externos normais. Seios normais. Temperatura pela manhã 36,9; à tarde 37,2.

Exames de laboratório (Dr. Pena Chaves) - Sangue - Hemácias 4.080,000 mm3, leucócitos 9,375. Hematoblastos 282.000. Hemoglobina 76%. Valor globular 0,95. -Série vermelha: anemia hipocitêmica normocrômica. Aniso e pécilocitose discretas., Policromatofilia pouco pronunciada. Hemograma: mielócitos 0%; metamielócitos 0,24%; bastão 2,7%; segmentados 68,5%; total 71,4%. Eosinófilos, 2,4%; linfócitos 22,5%; formas atípicas: duas células de Türck. Série branca hiperleucocitose. Neutrofilia sem desvio para a esquerda. Alterações tóxicas dos neutrófilos. Linfócitos atípicos.

Tempo de coagulação 5; t.. sangramento 5. Índice leucopênico de Vaughan: leucocitose em jejum 8.750 por mm3. ingestão de 200 cc. de leite. Leúcocitose 30' depois, 8.437: -por mm3. Leucocitose 60' depois, 8.750 por rnm3. Leucócitose 90' depois, 13.750 por mm3...Índice indeterminado, não se prestando para interpretações diagnósticas.

Pesquisa da eosinofilia: antes da refeição de prova, 1,3% de eosinófilos; 60' após a refeição, 0,9%.

Exame de urina - Nada apresentou de anormal.

Pressão arterial sentada, ap. Riva-Rocci : Mx 10,0 Mn. 6,0. Reflexo óculo-cardíaco: antes da compressão ocular, 84 pulsações por minuto; depois da compressão, 72 pulsações.

Exame do líquido do conduto - Para obtê-lo, deixei no conduto, durante a noite, pequena rolha de algodão esterilizado. Na manhã seguinte, esta foi retirada assépticamente e comprimida. Espalhado o líquido em lâmina como sangue, germes abundantes na quantidade e na qualidade. Hemácias abundantes. Nenhum glóbulo de pus. O exame foi feito a 24 de Setembro, e repetido a 25, ocm o mesmo resultado.

Tratamento - Otológico. Curativos diários simples. A 30 de setembro, para tirar a limpo a causa do abaulamento discreto da zona ocupada pela placa calcarea, foi feita a paracentese. Nada se achou na caixa. Desta data até o dia 2 de outubro, não apareceu secreção na caixa,nem no conduto. A água sanguinolenta já desaparecera, quase, com os curativos.

Endocrinológico (Dr. Azael Lobo). Progynon B oleoso forte (50.000 a.), cinco ampolas de proluton de cinco mil unidades, do 2.º ao 25.° dias

A 1.° de Setembro de 1949 torna a doente a meu serviço clínico.

Desde o tratamento auricular que lhe fiz, não saiu mais sangue pelo, O.D. Sai, porém, pelo olho esquerdo, todos os dias, à noite.

Após o tratamento preconizado pelo ginecologista, manifestou-se hemorragia vaginal, que teve início às 7 da noite e persistiu até 1 % da manhã. Saiu então sangue, não só pela vagina, como pela bôca, pelas fossas nasais, pelos olhos e pelos condutos auditivos. Perdeu os sentidos, e ficou de cama, passando a, ter durante mês e meio, crises em que ficava com o corpo em arco. Não se alimentava, vivendo à custa de injeções. Passou então a ser alimentada com sonda introduzida pela fossa nasal. Levou 4 meses doente. Certo dia, começou a deglutir líquidos, re-abriu os olhos, e recomeçou a alimentar-se normalmente. Esteve dois anos e vinte e seis dias de cama.

Há 6 meses apareceu uma afecção no olho esquerdo, e ficou cega. Teve também um pequeno tumor (sic) no conduto direito, de que resultou a obliteração dêste.

Exame - Nada digno de menção especial nas fossas nasais (desvio e crista do septo,
já assinalados). Dentes em mau estado. Amígdalas grandes, edematosas.

O.D. Conduto totalmente obliterado por processo cicatricial das paredes. O.E. Conduto normal, tímpano adelgaçado.

A paciente foi enviada no endocrinologista, fez exame sumário, ficando de, voltar para, exame completo, mas não mais apareceu.

Exposta a história dos casos, teçamos alguns comentários em torno deles.

A primeira observação pareceu a mim, a princípio, simples caso de simulação. O fato de tratar-se de uma criança, e criança de pequeno desenvolvimento intelectual, e, principalmente, o testemunho dos pais, levou-me a afastar tal hipótese. Estava a menina na época de ter início a função ovariana, queixava-se de tonturas e dor de cabeça, e nada apresentava que pudesse fazer pensar em histeria. Deixou-me, no entanto, algo céptico o não aparecer o menor vestígio de sangue ou de irritação cutânea no conduto ou na membrana, e no mesmo dia em que a paciente narrava ter tido hemorragia. Perdi a doentinha de vista, e nada mais pude apurar, de sorte que tenho de limitar-me a expor o caso, sem poder chegar a qualquer espécie de conclusão.

O segundo caso é deveras curioso pela etiologia aparentemente dupla. Se, na primeira oportunidade de examinar a doente,. estive convencido de que se tratava de hemorragia vicariante legítima ou substitutiva, dada sobretudo a existência da amenorréia total, já por ocasião do segundo exame, cinco anos depois, era patente o fundo histérico. Não me parece acertado o modo de ver de Iribarne. julgo que a otórragia dependente do catamênio, quer de tipo vicariante quer suplementar, nada tem que ver com a otorragia histérica. Desta sorte, tem-se, no segundo caso, a impressão de que a duas etiológias estavam em jogo, o que torna a observação sobremodo curiosa. Não foi possível, infelizmente, fazer o estudo minucioso das insuficiências glandulares, pois a paciente não mais tornou ao serviço. É estranho, também, que a otorragia existisse por dois meses, e que a paciente ao menos não assinalasse certa exacerbação em determinadas épocas, o que seria de esperar no momento correspondente à manifestação d fluxo menstrual.

O tratamento não pode ficar, nestes casos, somente sob a direção do otologista. É necessário recorrer ou ao endocrinologista ou ao neurologista, segundo a etiologia em jogo. Na hipótese de otorragia histérica tudo praticamente se resume nó tratamento psíquico (sugestão, etc.)

SUMARIO

As otorragias obedecem geralmente a dois grandes tipos: as 1) traumáticas ou provocadas, e 2) as atraumáticas ou espontâneas. As primeiras são as mais frequentemente observadas. Todos os tipos de otorragia atraumática são de observação muito rara. Aparecem nas doenças infecciosas, nas doenças hipertensivas, nas hemopatias, nas disendocrinoses (mòrmente do ovário), n ahitseria, etc.

Segundo certos autores, as otorragias ligadas a disfunção do ovário são sempre histéricas. Para outros, as duas etiologias devem ser separadas, o que a clínica tem corroborado.

Ainda devemos levar em consideração, nas otorragias de fundo ovariano, que podem elas ser vicariantes ou suplementares: no primeiro caso, quando não existe
fluxo cateminial nenhum, e no segundo, quando este existe concomitantemente a otorragia.

Se não resta dúvida que estas hemorragias auriculares estão sob a dependência de distúrbios vaso-motores, não podemos deixar de admitir igualmente um estado local pre-existente para que elas se processem. Embora, no caso, a hemorragia seja espontânea, temos, a prova disso nas otorragias que se manifestam nos enforcados. Estas apareceram em 0,5% de duzentas observações, o que confirma a hipótese ora aventada.

Na otorragia histérica, ela se apresenta até em homens, e, quando na mulher, manifesta-se completamente independente do catamênio.

Em alguns casos ela coincide, entretanto, com a época correspondente à menstruação. Nesses casos, não é possível admitir a influência da histeria, e sim a de um locus minoris resistentiae de origem evidentemente congênita.

Outro aspecto curioso de certas otorragias é elas se prolongarem por muito tempo, de forma contínua.

Os dois casos relatados são particularmente curiosos. O primeiro diz respeito a uma menina de 12 anos de idade que, após epistaxes repetidas, pastou a ter, otorragias por espaço de oito meses, ora à direita, ora à esquerda, ora de ambos os lados, com tonturas e dores de cabeça intensas. Nada foi verificado de anormal nem nos condutos, nem nos tímpanos. Acusando ter tido a otorragia, por oito vezes consecutivos, quatro dias antes de ser examinada, e no próprio dia! do exame, nada foi encontrado de anormal no aparelho auditivo. A pacientezinha não pôde ficar em observação, e não mais foi vista. Parece, entretanto, que ocaso devia estar sob a dependência da função catamenial, na iminência de ter início.

A segunda observação é muito complexa, Ao apresentar-se a paciente. pela primeira vez, tinha 19 anos, era solteira, e dizia sofrer, havia anos, de supuração muito discreta pela O. D. Havia, porém, dois meses, manifestara-sé corrimento sanguíneo abundante, dormia sobre panos dobrados, de que trocava dois, três, por noite. O exame revelou pequena perfuração da membrana, no quadrante ântero-inferior, e ó exame do líquido, recolhido por espremedura duma rolha de algodão estéril deixada durante a noite, revelou tratar-se de sangue. Ausência de glóbulos de pus. Os exames clínico e ginecológico mostraram que a paciente, menarca aos 11 anos, com fluxo reduzido, de quatro dias de duração, entrara em amenorréia total dois anos depois, e assim permanecera até quando veio à consulta.

Foram feitos todos os exames subsidiários necessários à elucidação do caso. Nada demonstraram.

O ginecologista deu-lhe tratamento pelo progynon forte (50.000 n), cinco ampôlas por, mês, de 4 em 4 dias. Do terceiro mês em diante, cinco ampôlas de proluton de 5.000 unidades, do 2.° ao 25.° dias.

A doente voltou a sua terra e só retornou. 5 anos depois. Contou quer, após as injeções, manifestou-se hemorragia vaginal intensa de 6% horas de duração, acompanhada de hemorragias pela bôca, pelas fossas nasais, pelos olhos e pelos condutos auditivos. Perdeu os, sentidos, tendo ataques em que o corpo ficava como

um arco, passando então a alimentar-se por meio de injeções e, depois, por sonda nasal. Após 4 meses de doença, começou a deglutir líquidos, tendo ficado de cama por espaço de dois anos e vinte e seis dias. Todas as noites perdia sangue pelo olho esquerdo, o que se deu até a época daconsulta.

Tudo leva a crer que, neste segundo caso, as duas etiologias estavam em jogo, tanto a ovariana como a histérica. Se, por ocasião da primeira consulta, a primeira causa parecia impor-se, já na segunda consulta era patente a histérica. Mas como, na primeira apresentação, a doente já acusava otorragia diária (e não em determinadas épocas que, teóricamente, podiam ser admitidas como a da menstruação), não sei se seria justo ligar o sintoma à disfunção dos ovários.

O tratamento deve ser, no caso de otorragia vicariante, da alçada do endocrinologista. No caso da otorragia histérica, do neurologista, ou do otologista, resumindo-se praticamente na sugestão.

BIBLIOGRAFIA

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11 ZIEM - Cit. Lederer 36.
12 ROHRER - Cit. Lederer 36.
13 ALIBERT - Cit. Lederer 37.
14 HOFFFMANN - Cit. Troeltsch 34.
15 PONSOLD, A. - Ohrenbluten bein Erhaengen. Dtsch. Ztschr. gerichtl. Mediz. 29:437, 1938 Ztbl. f.H.N.Ohrenh. 30:459, 1939.
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(*) Comunicação á Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina; 19 de Fevereiro de 1951.
(**)Professor da Clinica Oto-rino-laringológica da Escola Paulista de Medicina. Oto-rino-laringologista chefe do Hospital da Santa Casa de Campinas, F. I. C. S.

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