Versão Inglês

Ano:  1951  Vol. 19   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Várias

Páginas: 134 a 136

 

DR. CARLOS JORGE ROHR (1888-1951)

Autor(es): J. M.

Faleceu em 30 de maio último no Rio de janeiro, o Dr. Carlos Rohr, aí nascido em 19 de julho de 1888.

Concluiu seus estudos preparatórios no Colégio Pio Americano de onde saiu bacharel em 1902. Colou grau em medicina em 1908. Nos intervalos dos dois últimos anos de curso, completou-o com acompanhar o de bacteriologia do Instituto Osvaldo Cruz, de aproveitamento documentado na tese de doutoramento. "Estudos sôbre ixódidas do Brasil", inspirada por Osvaldo Cruz, elaborada toda no Instituto, ao pé do Mestre, que lhe permite pôr à obra o subtítulo de "Trabalho do Instituto Osvaldo Cruz", onde o teve por professor, assistido da fina flor de seus primeiros discípulos Henrique de Rocha Lima, Alcides Godoy, Antônio Fontes, Carlos Chagas, Artur Neiva, Henrique Aragão, que, especializado no assunto, acompanhou-o com particular interêsse na bibliografia, observações e pesquizas; por condiscípulos, Gomes de Faria que lá ficou, acreditado bacteriologista, a vida inteira; Artur Moses, ainda estudante, Gaspar Viana. Mais não precisam para imaginar, os que não a conhecem, o merecimento de uma obra .de oportunidade palpitante em época pouco distante da em que Smith e Kilborn demonstraram a transmissão da piraplasmose bovina por um oxídata.

Com o Barão de Ramiz Galvão firmou-se na etimologia, gênero e categoria tônica das palavras de origem grega passadas ao português; ixódidas (o ixódidas..., tão esdrúxulo a ponto de escapar ao dicionário Pedro Pinto), praga aracnídea, comum a todo mundo, têrmo idêntico ao vulgar de garrapata - o nome está a dizer, de garra e pata, na fala da castelhana; na nossa, com corrupção transparente, haverá passado a carrapato, caso os dicionaristas Antônio Morais e Cândido de Figueiredo, que o segue à letra, não venham a chamar a bolos filiação apanhada no aT, que de vezes equívoco, da analogia.

A "anatomia externa", a "interna", a "microscópica", ilustram-se com desenhos esquemáticos, qualquer mais persuasivo, que pinturas do "todo" quando apresentado no conjunto das partes que o constituem. Comparem-se os debuxos, de clareza imediata por limitados ao ponto em questão, com as microfotografias nas derradeiras tábulas da memorável tese, tôdas da lavra do autor, Já a êsse tempo fotografo amador de apreciáveis recursos, mais tarde certa vez aproveitados em valiosa colaboração.

Mal se forma, seu Mestre o convida, 1909, para entrar no quadro médico do Labortório Bacteriológico da Diretoria Geral da Saúde Pública e, logo no seguinte, com outros bacteriologistas de confiança, para acudirem à tripulação do paquete "Araguaia" atacada de colera-morbo. Na Saúde Pública permaneceu até 1939 quando, por pundonores agravados, desagrava-os sem bulha nem matinada, em discreto requerimento de aposentadoria a pedido.

Em 1912, ingressou no serviço clínico de quem daí a três viria a ser professor substituto da Clínica Otorrinolaringológica da Faculdade do Rio de Janeiro, por concurso de títulos e provas públicas postas à margem pela reforma Hilário de Gouveia, 1911, restabelecidas na de Carlos Maximiliauo-Miguel Pereira em 1915. A parte bacteriológica da tese, "Da Anestesia tronco-regional em Oto-Rino-Laringologia", é toda da colaboração do Dr. Carlos Rohr, ainda o fotógrafo das estampas que a documentam, apanhadas no vivo de grandes operações da especialidade, sem nem sombra de dor. Pudera não! O sentimento de dor é função da estrutura cerebral, até onde não chegam impressões periféricas, cortadas as vias aferentes pela anestesia em doente acordado.

Dois anos antes, dirigiu seu amigo, condiscípulo em Manguinhos, Gaspar Viana e de companhia Osvaldo Cruz, ao serviço onde já lhe ia adiantado o aprendizado de O. R. L. Gaspar Viana pedia lhe ensaiassem o tártaro emético que, por deduções teóricas, presumia indicado no tratamento da ozena. Fizeram-lhe a vontade em farta cópia de padecentes, com resultado de esperanças intermitentes.

Nesta época passou a chefiar o ambulatório de O.R.L. da Associação dos Empregados do Comércio do Rio de Janeiro, onde demorou por vinte anos. Só o deixou ao sentir lhe faltar tempo a distribuir entre esse dever, o da Saúde Pública e à clientela particular a crescer em recomendações recíprocas dos que o procuravam agradecidos.

Foi o primeiro entre nós a divulgar em letra de fôrma o processo da amigdalectomia pelo Sluder, introduzido simultaneamente no Rio e, em São Paulo, por Schmidt Sarmento, de quem, lá está no que escreveu, o Rio teve lição de aperfeiçoar a técnica no final da intervenção. Pelo Sluder viu operar e operou milhentos casos, as mesmas hemorragias rareadas depois do cuidado de jamais afiar o cutelo da gulhotina. No embotado, a pressão, suficiente para desalojar a tonsila, torna-se hemostática por compressão dos vasos emergente à cópula. Conservou-se fiel ao que herdou da experiência alheia, confirmada lia sua: a operação, realizada com a criança em semi-anestesia pelo cloreto de etílio, de efeito fugaz, bastante para obnubilar a conciência da agressão; insuficiente para não dispensar o auxílio do reflexo faríngeo, preventivo de complicações pulmonares pelo sangue aspirado nos adormecidos profundamente. Já a segunda amígdala se colhe no anel do aparelho, já o doentinho desperta a borifar de sangue e saliva, mascara, avental e gorro do operador. Na manhã seguinte recebe-lhe a visita, sem temor a quem, se o não tonteara na véspera, de novo lhe apareceria na figura de verdugo terrificante.

A competência em bacteriologia, já dobrada de otorrinolaringologista idôneo, permitiu-lhe ser complemento de si mesmo na colheita e diferenciação de uns tantos germes na etiologia da- otite externa, do que resultou apreciada monografia levada à Segunda Reunião Rioplatense de O.R.L., há trinta anos, em Buenos Aires.

Entrado para o Rótari Clube do Rio de janeiro, seu presidente no período de 1932-1933, foi das poucas vezes em que a modéstia o deixou aparecer a cintilações da vida pública.

De natureza retraído, na sombra de um valor em existência sem ruído, dignificou a turma médica em que se formou: Pedro Augusto Pinto, Renato de Sousa Lopes, Raul David de Sanson, Figueiredo Baena, Roberto Duque Estrada, Pedro da Cunha, Iineu Silva, Artur Moses, Leonel Gonzaga, os dois últimos, únicos mestres sem título oficial, nem por isso menos mestres; Pedro Ernesto, êsse mesmo que a política trasnviou de cirurgião em merecida estima para metê-lo com ignomia na cadeia, por estranhar o despejo em quatro dôbros pior do que o aproveitaram para combater.

Avêsso a pôr em palavra o imaginado, só se decidia a pôr em ação o bem sabido. Desaparecido, lembra nas saudades que deixou o como se ha-de avaliar a vida dos que passaram: cada um foi nem mais nem menos que as suas obras.

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