Versão Inglês

Ano:  1951  Vol. 19   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 122 a 127

 

ETMOIDITE AGUDA NECROSANTE (CASO CLINICO) (1)

Autor(es): ANTONIO CORRÊA (2)
LAMARTINE PAIVA (3)

Observação - P. V., masculino, com 5 anos de idade, registrado no Hospital das Clínicas sob número 194.860, foi atendido no Ambulatório de O.R.L., no dia 26 de Outubro de 1950, com a seguinte historia relatada pela tia do menor:

O paciente ha tempos apresentava corrimento purulento nasal e otorréa bilateral, quando ha 15 dias inchou as palpebras do olho esquerdo ao mesmo tempo que houve fraqueza acentuada e febre elevada.

Tendo aumentado o edema orbitario no dia anterior ao exame, abriu-se uma fistula no canto interno da orbita, dando saída a puz amarelado e fétido.

Matriculada a criança no Hospital das Clínicas, foi encaminhada à Clínica Oftalmológica e daí orientada para a Clínica Otorrinolaringológica.

Conta ainda a tia do pequeno que o mesmo anda muito abatido, inapetente e tem uma alimentação extremamente deficiente (agua de arroz e batata).

Exame objetivo - Paciente palido, afebril, muito magro, mal podendo permanecer de pé, foi trazido carregado pela tia.

Edema difuso da região orbitaria, frontal e temporo-zigomatica do lado esquerdo, causando oclusão completa das palpebras.

Ulceração no canto interno da orbita numa extensão de 2 cms. e em profundidade fazendo continuidade com as celulas etmoidais, donde drenava um exsudato supurado, amarelo-fétido. A lamina papiracea do etmoide, estava destruida, apresentando uma perfuração de diametro maior de 1cm.

Os bordos da ulceração se apresentavam flacidos e palidos, indicando o estado de deficiencia reacional (vide fotografia n.° 1).

O globo ocular apresentava os seus movimentos conservados, com quemose na conjuntiva papebral.

Ganglio cervical sub-angulo maxilar E, hipertrofiado, duro, com reação de tecido circunjacente (peri-adenite).

A rinoscopia anterior, nota-se obstrução parcial da fossa nasal esquerda por edema inflamatorio do corneto medio, notando-se corrimento purulento no meato médio esquerdo.

O exame do faringe mostra catarro purulento descendo do naso-faringe e amígdalas palatinas congestas com hipertrofia de tamanho médio.

Otoscopia - 2 pequenas perfurações no tímpano E separadas pelo cabo do martelo, drenando puz fétido.

No ouvido direito pequena perfuração posterior do tímpano com exsudato puriforme.

Foi pedida a internação urgente da crianças e feitos os exames subsidiarios que revelaram o seguinte:

A radiografia das cavidades paranasais (Dr. E. Cotrim) (13-10-50) ligeiro velamento dos maxilares e etmoides.

Hemograma completo (27-10-50)

Eritrocitos: 3.600.000 por mmcc.

Leucocitos: 22.300 por mmcc.



Fig. 1 - Etmoidite aguda necrosante E. com ulceração e celulite periorbitaria. (A. C. e L. P.)




Hemoglobina: 9 grs. por 100 mlts. (56%)

Neutrófilos: metamielocitos 7%; bastonetes 23%; segmentados 36%.

Eosinofilos: 10%

Basofilos: 2 %

Linfocitos tipicos: 10%

Leucocitoídes: 2 %

Monocitos: 2

Plasmocitos: 5

Promielocitos: 3 14

Conclusões - Acentuado desvio à esquerda. Neutrófilos com granulações toxicas: eosinofilia - plasmocitose acentuada. Anemia hipocrômica (Dr. M. Jamra - 27-10-50).

Reação de Wassermann, Kahn e Kline negativas em 10-11-50.

Exame de urina (30-10-50) - Densidade 1008. Proteinas negativa. Substancias redutoras negativa. Sedimento: raras celulas epiteliais de descamação. Reação acida.

Exame de fezes - Parasitológico: ovos de ancilostomideo e tricocefalos trichiuras (em 30-10-50).

Dosagem das proteinas do sôro sanguineo (28-10-50).

Proteinas totais 8,6 grs. por 100 ml.

Globulina 5,8 grs. por 100 ml.

Relação A/G - 0,48.

O exame da Pediatra (Dra. Maria de Lourdes Salomão) concluiu tratar-se de um caso de distrofia, verminose, aconselhando dieta hiperproteica e tratamento da verminose.

Diagnósticos - Etmoidite agude necrosante, otite média crônica supurada bilateral, adenite cervical aguda, distrofia.

Terapêutica e evolução: -

Foi iniciada a terapêutica visando o estado geral (anemia, distrofia) e a afecção local do etmoide (etmoidite necrosante).

Foi fornecida dieta hiperproteica e hipercalórica.

Nos primeiros 10 dias a criança recebia diariamente vitamina C (200 mgs), complexo B (0,050), sulfato ferroso (1,0 grama), acido nicotinico ,0,200). Penicilina-procaina : 600.000 u. (300.000 cada 12 horas).

Medicação nasal a base de sulfa e efedrina a 1 % e medicação auricular com solução de agua oxigenada e insuflação de acido borico.

Notou-se rapida melhora do estado geral, aumento de peso e possibilidade da criança andar sosinha.

Reduziu o edema da região fronto-orbitaria, assim como a secreção purulenta da região etmoidal e das fossas nasais.

O ganglio cervical apresentou sinais de flutuação (abcesso) e foi incisado no dia 6-11-50, dando saida a puz, mostrando o exame bacteriológico a existencia de raros diplococus gram positivos.

Durante mais 8 dias à dieta e à medicação anterior foi associada a Di-hidrostreptomiciua (0,25 cada 12 horas) e Vitamina A e D (15.000 U. de A e 3.000 U. de D por dia).

Depois de 10 dias de internada a criança foi mantida em medicação vitaminica e curativo dos ouvidos.

Foi pedida uma radiografia dos pulmões que somente revelou um espessamento da traina vaso-bronquica (21-1-50).

O paciente recebeu um total de dez milhões e duzentas mil U. de Penicilina Procaina (10.200.000) e 4 gramas de Di-hidrostreptomicina e em 20 dias cessou o exsudato puriforme do meato médio e da região etmoidal e no fim de 40 dias estava fechada a ulceração orbito-etmoidal, sem intervenção cirurgica sobre as celulas etmoidais.



FIGURA 2 - Etmoidite aguda necrosante E., curada. Verificar cicatriz no canto interno do O. E. (A. C. e L. P.)



A adenite cervical depois de incisada e drenada, cicatrizou-se, e o corrimento auricular cedeu completamente com cicatrização da membrana timpanica.

A criança aumentou cerca de 7 quilos de peso, foi tratada da verminose e teve alta da enfermaria no fim de 2 mêses.

Examinada ontem dia 17-3-51, 75 dias após a alta, confirmou-se a cura completa da etmoidite sem compromitemento das vias lacrimais, permanecendo uma pequena cicatriz, retratil na pele do canto interno da orbita (vide fotografia n.° 2).

COMENTARIOS

O presente caso conforme a observação apresentada, trata-se de uma etmoidite aguda da infancia, com tendencia necrosante e invasão orbitaria, explicada pelas condições anatomicas da região etmoido-orbitaria e máu estado de resistencia organica.

Os sinais orbitarios foram os primeiros a aparecer, fazendo confundir com uma afecção das vias lacrimais (dacriocistite).

O exame rinológico mostrando o corrimento purulento do meato médio, e o exame local da ulceração orientando para uma osteite necrosante do etmoide anterior, é que permitiram a orientação diagnóstico.

A fragilidade dos septos etmoidais e da lamina papiracea crivada de pertuitos vasculares, linfaticos, foramens e bainhas perineurais, explicam a difusão facil dos processos supurativos do etmoide para a região orbitaria. No inicio ha um processo de celulite, que de acordo com a gravidade da infecção evolue para periostite, osteite e necrose, com comunicação direta e ampla do sinus etmoidal para o tecido periorbitario, o qual abcedado drena geralmente para o exterior no canto interno das palpebras.

Esta evolução grave de etmoidite aguda necrosante infantil, após crises de rinites agudas, quasi sempre está relacionada à diminuição da resistencia organica. É o caso desta criança, num estado distrofico, com anemia hipocrômica (56 % de hemoglobina) e verminose.

Baseado neste conceito patogenico a terapêutica procurou atender os dois pontos basicos: 1.º) a anemia e a deficiencia alimentar, pelos antianemicos, vitaminas e dieta apropriada. 2.°) a infecção, quasi sempre polimicrobiana, pelos antibioticos.
Mesmo nos estados avançados de necrose ossea como o desta criança, a atitude recomendada é a conservadora. Quando houver sinais de abcesso periorbitario, sem fístulização expontanea, completa-se a terapêutica pela simples drenagem da coleção purulenta.

RESUMO

Os autores apresentam um caso de etmoidite aguda necrosante que se seguiu a um surto de rinite gripal numa criança portadora de distrofia e anemia.

A etmoidite se manifestou por um intenso edema palpebral superior e inferior e da região frontal esquerda sem afetar a musculatura orbitaria e evoluiu para uma osteite necrosante da lamina papiracea com exteriorização no cauto interno da região orbitaria E.

O tratamento foi conservador e consistiu na melhora do estado geral e do processo infeccioso agudo, por intermedio da dieta, vitaminas e ferro e antibioticos, num total de 10 milhões e 200 mil unidades de penicilina-procaina (300.000 cada 12 horas) e 4 gramas de dihidrostreptomicina (0,25 cada 12 horas).

O paciente ficou completamente curado de etmoidite aguda necrosante, sem necessidade de intervenção cirurgica. Houve cicatrização completa da fistula externa.




(1) Apresentado na reunião do dia 19-3-1951 da Secção de O.R.L. da A.P.M.
(2) 3.° Assistente da Clinica O. R. L. da Universidade de São Paulo
(3) Médico Voluntário da Clinica O. R. L. da Universidade de São Paulo

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