Versão Inglês

Ano:  1951  Vol. 19   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 99 a 121

 

SURDEZ PROFISSIONAL EM AVIAÇÃO (*)

Autor(es): Dr. Antônio Rezende de Castro Monteiro (***)

A idéia do presente trabalho surgiu em virtude da observação quotidiana do pessoal que vôa e principalmente dos pilotos comerciais. Os exames de saúde de pilotos comerciais submetidos periodicamente (2 vêzes por ano) despertaram nossa atenção para um fato de que certo número deles não satisfaz o índice (**) de audição da O. A. C. I. (Organização de Aviação Civil Internacional).

Fato êste que nos levou a investigar se havia alguma relação entre a baixa de audição observada e o tempo de atividade aérea do examinando, expresso em horas de vôo. Verificado que o número de portadores de perda de audição era apreciável, passamos então, a observá-los em função do número de horas de vôo.

Ao lado destes pilotos examinados, observamos também, que candidatos estranhos à atividade aérea ou então, com poucas horas de vôo, às vezes não atingiam também o índice I.

Nosso trabalho tem por finalidade investigar se, o ruído do avião causa realmente danos à audição.

O material da presente observação foi obtido em exames de 215 pilotos com mais de 5.000 horas de vôo, na sua quase totalidade de aviadores comerciais, se bem que muitos destes, também fizeram vôos em aviões militares, a maioria é de pilotos militares da reserva. Serviu-se também de um grupo de 416 pessoas sem nenhuma ou com atividade aérea inferior a 200 horas de vôo.

Método de trabalho - Foram eliminados todos os examinandos que na sua história pregressa relatasse surdez familiar; ou então que tivesse surdez antes de ingressar na aviação; todo aquele que apresentasse processo crônico-faringiano ou tubário, membrana do tímpano retraída ou desvio do septo, e, todo aquele que tivesse feito uso de quinina, ácido salicílico, etc.

Em todos êles foram feitas provas auditivas em sala silenciosa com emprêgo de audiômetro Maico (D-5, D-9 e E-I) e nos casos de baixa de audição, exames repetidos após período de repouso auditivo. Nos casos de surdez foram feitas também provas acumétricas clássicas.

O material observado foi dividido em duas classes: A e B.

A classe A constituída de pilotos com mais de 5.000 horas de vôo e a classe B integrada por candidatos com menos de 200 horas de vôo, ou sem atividade aérea.

Estas classes foram divididas em grupos etários de 21 a 30, de 31 a 40 e de 41 a 50 anos de idade.

Foram obtidos os seguintes resultados

Classe A:
1) 21 a 30 - 74
2) 31 a 40 - 124
3) 41 a 50 - 17

Total - 215

Classe B:
1) 21 a 30 - 341
2) 31 a 40 - 59
3) 31 a 50 - 16

Total - 416

Examinandos que não atingiram o índice I:

Na classe A:
1) 18 ou 24,3 %
2) 46 ou 37 %
3) 13 ou 76,3 %

Total - 77 ou 35,8 %

Na classe B :
1) 34 ou 9,9 %
2) 7 ou 11,9 %
3) 1 ou 6,2 %

Total - 42 ou 10 %

Predominância de ouvido mais surdo

Na classe A:
O.D. 20 ou 25,9 %
O.E. 34 ou 45,5 %

Ambos ouvidos
igualmente surdos 22 ou 28,6 %

Total - 77 ou 100 %

Na classe B:
O.D. 13 ou 31 %
O.E. 17 ou 40,5 %

Ambos ouvidos
igualmente surdos 12 ou 28,5 %

Total - 42 ou 100 %

DISCUSSÃO

Há, no momento atual, inúmeros trabalhos baseados em observações colhidas em pessoas submetidas, por fôrça de profissão, à excitações sonoras, as mais variadas na indústria, na guerra, na aviação e tambem, até o barulho intenso das ruas das grandes cidades concorre para o aumento dos "duros de ouvido".

O assunto da surdez profissional tem apaixonado grande número de pesquisadores, principalmente porque, este assunto se enquadra plenamente na Medicina de Ramazzini - A Medicina do Trabalho.

Modernamente, a luta contra o ruído se faz no sentido de evitar a fadiga, a fim de melhorar as condições do trabalho, portanto maior rendimento profissional.
Esta luta se processa nas fábricas, nas grandes organizações, nas ferrovias e principalmente na construção de aviões.

Em aviação a questão assume características de suma importância determinadas pelas diretrizes que regulam a profissão do aviador. Neste setor de atividade humana encontram-se, entre as diversas consequências patológicas que podem acarretar ao organismo humano, modificações para o lado do labirinto anterior, as quais operam como elementos de fadiga e posteriormente, de desgaste.

A ação dos excitantes sonoros sôbre a cóclea produzindo, consequentemente, efeitos deletérios, não está completamente elucidada e isto é justificado pela complexidade do órgão e pela dificuldade ou deficiência de interpretação dos fenômenos sonoros, que apesar das inúmeras teorias não há até o momento, uma explicação concludente sôbre a percepção do som.

As vibrações sonoras excitam as terminações nervosas da cóclea, por ondas de frequências determinadas que a ela chegam atravez do ouvido externo, da membrana do tímpano e tambem por via óssea (condução óssea). Estas vibrações estão compreendidas entre vinte a vinte mil ciclos por segundo, porém o ouvido humano responde diferentemente ao estímulo sonoro conforme a frequência do mesmo, quer para os graves como para os agudos, estando a zona de maior sensibilidade auditiva localizada em tôrno do sois (3,072 c.p.s.), segundo Monteiro (1).

Dentro do canal espiral ou canal coclear, com suas duas voltas e 3/4, encontram-se os elementos do sentido da audição. O canal coclear (labirinto membranoso) se estende da base do caracol onde as voltas são maiores, até o ápice ou cúpula que por sua vez, corresponde às voltas menores. Èste canal de forma triangular é formado peia membrana basilar, sôbre a qual repousa o órgão especial de Corti, pela membrana de Reissner e pelo ligamento espiral, formando o lado curvo do triangulo. A perilinfa banha êste canal e dentro dêle está a endolinfa. A membrana basilar tem uma forma cônica e mede aproximadamente 30 mm. de comprimento (Best e Taylor 2, Houssay 3) e sua largura vai aumentando gradativamente a medida que se aproxima do ápice do caracol, medindo 80 micra na base e 500 micra no ápice. Esta membrana na sua parte interna (zona arqueada), sustenta o órgão espiral e a parte externa (zona pectínea) é revestida pelas células de Cláudius. A substância própria destas zonas apresenta numerosas fibras, em número de 24.000, segundo Retzius, que são os cordões auditivos. Estes são mais curtos na base e mais longos no ápice e foram considerados por Helmholtz como os elementos receptores do som. O órgão espiral de Corti é constituído por um conjunto de fileiras de elementos epiteliais que formam os pitares internos e externos de Corti. Os pilares são formados de células alongadas separadas na sua base apoiando-se na membrana basilar, e aproximam-se na parte alta formando assim um túnel triangular, que na base de cóclea tem aproximadamente 50 micra e vai se alargando à proporção que se aproxima da cúpula da mesma. Ali dentro estão situadas as células ciliadas que são os elementos sensitivos essenciais. Cobrindo tôda a parte interna do órgão de Corti, existe uma formação: a membrana tectôria, constituída por uma substância homogênea, dentro da qual encontram-se fibras incolores tocando nos cílios das células ciliadas e de significação desconhecida (Houssay - 3).

A excitação sonora pode produzir-se pela transmissão de vibrações atravez do estribo, ou dos ossos do crâneo (transmissão óssea) ao líquido labiríntico e dêste às células ciliadas.

O excitante acústico, provàvelmente, fazendo vibrar a membrana basilar e os cílios das células sensoriais chocar-se-iam contra a membrana tectória produzindo uma excitação mecânica e assim cada tom teria uma localização precisa no órgão de Cotri e que vibraria juntos.

Helmholtz tentou explicar a função auditiva pela teoria da ressonância, na qual as fibras da membrana basilar constituem uma série de ressonadores e estas são denominadas cordas auditivas, em número aproximado de 24.000 e sendo o alcance auditivo de cêrca de 11 oitavas.

Wever e Bray demonstraram um fato curioso, ao qual chamaram de "correntes microfônicas cocleares" ou simplesmente "microfônicos", originárias no órgão de Corti, existindo uma localização para os mesmos microfônicos. Assim os devidos aos tons agudos aparecem na base e os dos tons graves próximo do vértice do caracol. Nos animais com alterações congênitas no órgão de Corti e com a surdez não existem microfônicos.

Um conjunto de fatores provam que dentro do órgão de Corti, há uma distribuição topográfica na produção destas correntes. Isto têm-se observado em diversos animais, produzindo degenerações localizadas em certas zonas do órgão de Corti, seja por meio de som interno ou injetando cocaína ou cloreto de sódio pela janela redonda atingindo assim, a base do canal de Corti, ou então estirpando as espiras do vértice. Nestes casos obtem-se surdez acompanhada de redução ou desaparecimento dos microfônicos; surdez esta para os sons correspondentes às zonas distribuídas.

Saul e Davis (4) demonstraram que existem dois componentes nos potenciais elétricos apanhados do nervo: a) - potencias de ação (estímulos nervosos) resultantes da excitação das terminações nervosas auditivas da cóclea; b) - potenciais elétricos produzidos também na cóclea pela distorsão de ondas sonoras, de estrutura não nervosa e são denominadas "reações cocleares, microfônicos auditivos ou potenciais cocleares". Os potenciais de ação sincronizamse com as ondas sonoras até o máximo de 3.000 c.p.s., enquanto que os potenciais cocleares seguem as vibrações até 16.000 c.p.s. e provavelmente com métodos registradores mais delicados se possa demonstrar uma correspondencia entre os potenciais cocleares e as ondas sonoras até o limite de frequência audíveis até 20.000 c.p.s. ou mais.

David e colaboradores (5) citados também, por Best e Taylor (2) acreditam que os potenciais cocleares se originam pelas variações de pressão sôbre as células ciliadas, causadas pelas ondas sonoras, ficando portanto, compreendidas no grupo de "correntes piezoelétricas", como as que são produzidas pela pressão sôbre um cristal de quartzo. Cria-se uma diferença de potencial entre as base e as terminações, livres das células ciliadas; quando estas são comprimidas contra a membrana tectória subjacente.

Com a descoberta dos microfonicos cocleares, os estudos sôbre localização, sofreram um grande impulso, porque os métodos anteriores eram deficientes, não tinham muita precisão e muitas vêzes, lezões externas do órgão de Corti abrangeando grande numero de tons não eram evidenciados com exatidão.

Atualmente, aceita-se que cada tom segundo sua frequência ao chegar à membrana basilar impressiona seletivamente uma determinada zona da mesma, que vibra e trasmite ao cérebro por filetes nervosos da zona excitada. Por outro lado os autores discordam a respeito do elemento receptor do sons dentro da membrana basilar e tambem, do mecanismo de captação do som.

Inúmeras são as provas que demonstram a localização tonal na membrana basilar, evidenciadas na homem e nos animais de laboratório. Nos velhos encontra-se surdez para os sons agudos coincidindo com as lezões degenerativas do órgão de Corti na espira basal.

As esperiências de Wittmaach e posteriormente de Yoshii, Habermann e outros pesquisadores empregando mecanismo especiais localizaram vibrações sonoras na membrana de acôrdo com suas frequências.

A lesão, para Rein (6), da ponta do caracol faz com que não se ouça os tons baixos enquanto que da base, impede a audição dos tons altos. Faram expostos cabaios durante longos períodos a sons intensos de tonalidade constante. Quando o som estimulante era de frequência elevada, o exame histológico da cóclea após a morte, revelava alterações degenerativas no órgão de Corti na volta basal, som de altura média causava alterações semelhantes na volta média, ao passo que, a produção de modificações estruturais, no ápice, em consequência de som de baixa altura, não se observava.

Parlow demonstrou, pelo método de reflexo condicionado, que no cão a destruição da parte superior da cóclea causa surdez para frequências abaixo de 600 c.p.s..

Crowe e colaboradores (7) estudando as alterações patológicas com queda abrupta dos tons altos evidenciadas no audiograma, acharam que a queda consistia na destruição ou modificação das células ciliadas e das células de sustentação do órgão de Corti na curva inferior da cóclea e concomitantemente, atrofia, das fibras nervosas e células ganglionares encontradas nesta área. O processo é mais nítido e mais comum no fim da primeira metade da volta inferior da cóclea, e isto, se verifica justamente na área da frequência 4.096 c.p.s., zona suposta mais sensível, segundo Davis.

Davis e Derbyshire (Best e Taylor 2) pesquisaram os efeitos do estímulo prolongado sôbre o labirinto de cobaios e sôbre o limiar de reações elétricas da cóclea. Demonstraram que a exposição durante 75 dias, à frequência de 600 a 800 c.p.s. e a intensidade de 60 a 95 dbs. ocasionalmente produz leve lesão coclear bem desseminada e uma elevação correspondente no limiar da reação coclear. A exposição a sons de 2.500 c.p.s. e a intensidade aproximada de 100 dbs. durante cêrca de 40 dias, causa lesão mais ou menos externa das células ciliadas externas no órgão de Corti na parte média da segunda volta, e uma elevação correspondente ao limiar da reação coclear, verificando-se um aumento do limiar para os sons de 1.200c.p.s..

Culler (8), sem romper o labirinto membranoso, trepanou a cóclea óssea de cobaios em 25 pontos diferentes, compreendidos entre o vértice e a base e recolhem em cada um deles o limiar microfônicos correspondentes a cada tom, observou o ponto ótimo para os graves está localizado no vértice e o dos agudos, na base da cóclea.

Crow (9) examinou em autopsia, o ouvido interno de 79 indivíduos afetados de surdez para os tons altos. Três quartas partes apresentavam atrofia do órgão de Corti na volta basal ou dos nervos desta parte. Estas alterações eram muito mais extensas e graves do que qualquer outra verificada nos ouvidos de 200 indivíduos com audição normal.

Walzl e Bordley (10) perfurando suavemente a cóclea do gato e produzindo lesões na membrana basilar sem tocar na de Reissner, comprovaram uma elevação do limiar para os microfônicos de uma frequência determinada, em relação a altura de basilar lesada.

Tôdas essas experiências concordam em afirmar que em cada ponto da membrana basilar há uma particular afinidade para receber tons de determinadas frequências. A amplitude de vibrações das fibras desta membrana é maior com tons de intensidade elevada que com os mais fracos e maior é a expansão das vibrações em ambos os lados do grupo central de ressonadores que sofre vibrações máximas (Best e Taylor).

Concluídas estas considerações de ordem anatômica, fisiológica, patológica e experimental aceitas pela maioria dos cientistas, aceita tambem a teoria da ressonância por razões tambem de ordem anatômica, fisiológica, etc., passemos agora, ao estudo do ruído do avião.

O avião é uma máquina por excelência barulhenta, porém a luta contra seu ruído se desenvolve tenazmente. Ele apresenta características próprias e para combatê-lo é necessário conhecê-lo amplamente em seus mínimos detalhes.

O ruído do avião pode ser considerado como um dos mais intensos, pois registram-se ruídos até 130 dbs. O ruído em aviação tem sido cuidadosamente estudado pela Engenharia de Aeronáutica a qual tem se empenhado na construção de aparelhos menos ruidosos, a fim de reduzir a fadiga da tripulação e aumentar o bem estar dos passageiros.

A acústica nos aviões, tem por finalidade proteger o ouvido humano dos ruídos quer sejam êles de baixa como tambem de alta frequência. É claro que o espectro do ruído numa cabine de avião é dado por inúmeros fatores, tais como as influências dos microfones de efeitos de "persitência de ondas sonoras" na cabine, espaço livre entre a hélice e fuselagem, forma da ponta das pás da hélice, direção de rotação da mesma com relação à fuselagem, velocidade e
potência do motor, segundo Jackmann (11) e tambem a turbulência causada pela passagem do avião atravez do ar. Isto no avião usual, porque no "jato-hélice" ou no simples "jato", os fatores são diferentes, porém o espectro sonoro, apezar de modificado, contínua determinando fadiga.

O Flight Surgeon's (12) cita como principais fontes de ruido em aviação as causas: - a) - a turbulência causada pela passagem do avião atravez do ar, que está diretamente relacionada com o grau de irregularidade de superfície externa do avião e tambem pela resistência do ar nos planos. Êste ruído cobre aproximadamente tôdas as frequências do espectro sonoro audível e que é mais intenso nas oitavas de frequências baixas; b) - o ruído da hélice é especialmente de baixa frequência de 40 a 60 c.p.s.. O som fundamental produzido pela hélice é dado pela frequência da extremidade da hélice passando diante da fuselagem e as elevações de tonalidades são os múltiplos dêste som fundamental. Assim uma hélice de duas pás rodando a 1.500 rotações por minuto, passando em um ponto dado 3.000 vêzes por minuto ou 50 vêzes por segundo, produzirá um som fundamental de 50 c.p.s. cujos harmônicos serão 100, 200, 300, etc.; c) - os ruídos adventícios são os mais variados, tais como os zumbidos, as vibrações, exaustão dos motores, etc.; d) - o ruído do rádio tambem é uma fonte de sons para o pessoal que vôa, tais como a atrito do fio do receptor, as descargas elétricas, a estática e por fim o "beam" cuja frequência é de 1.020 c.p.s..

Para Bergin (13) o equipamento de ventilação, que tem aproximamento 114 dbs., contribui para aumentar o ruído na cabine.

Segundo Pothoven (14), as altas frequências são determinadas pela resitênca do ar nas irregularidades da fuselagem (arrebites, etc.) enquanto que a hélice tem tom fundamental de 100 c.p.s. e harmônicos de 200, 400, 600 c.p.s., etc. No turbo-jato, o tom fundamental incial é de 250 c.p.s. e há excessiva pressão nas altas frequências.

Portanto, a diferença do tom fundamental inicial é apreciável, nas duas categorias de avião: a hélice e a jato.

Para Wheeler (15) o ruido típico do motor do avião a hélice está abaixo de 100 c.p.s., ao passo que os corpos de ressonância, correntes de ar, etc. produzem níveis de intensidade alta na região de frequências acima de 1.000 c.p.s.

Malone (16) acha que o ruído do aeroplano está situado na parte inferior do espectro acústico, isto é na zona grave.

Geleone, (17) estudando experimentalmente a tonalidade predominante no ruído dos motores em uso na aviação italiana, concluiu que os riudos destes motores são baixos, não ultrapassando de 200 c.p.s., estudando, portanto, excluídas a 4a e 5a oitavas, consideradas perigosas.

Eldredge e Parrack, (18) estudando o problema do ruído em aviação, que o ar comprimido escapando de um "a jato" no banco de provas, é uma excelente fonte de frequências ultra-sônicas. Acharam que o B-25 é tido como o avião mais barulhento e o F-80 (jato), o mais silencioso. Na faixa de 20 a 300 c.p.s. o motor a hélice do B-25, o som vai até 110 ou 115 dbs., sendo de 6 a 13 dbs. mais elevado do que o F-80. Ao passo que na faixa de 3'00 a 4.000 c.p.s., os níveis do F-80 de 112 a 114 dbs. são de 22 dbs. mais elevados que do B-25.

Na câmara de ensaios, segundo Jackman (11), o motor G.E. I-40 a jato, estando os microfones localizados, aproximadamente 6 pés adiante do motor, a intensidade do ruído varia de 124 dbs. a 70% da potência total, a 137 dbs. a 100% da pontencia, na oitava de 2.400 a 4.800 c.p.s..

Esta pluraridade de fontes produtoras de ruídos forma uma entidade sonora complexa, cuja análise acústica demonstra a presença de sons com frequências bastantes elevadas e até ultra-sônicas e tambem, de intensidades variadas.

Todos os pesquisadores estão de acôrdo,em situar a intensidade do ruído dos motores dos aviões acima de 120 dbs. e pricipalmente nas frequências abaixo de 1.000 c.p.s..

Para Armstrong (19) a intensidade dos ruídos do aeroplano varia em altura e os resultados achados indicam que os níveis de ruídos são mais altos nas baixas frequências e que decrescem à proporção que a altura aumenta. O espectro sonoro dos aviões atinge toda a faixa auditiva e isto em todo tipo de avião, sendo e é lógico que a intensidade, varia com determinados tipos de aparelhos.

A figura 1 representa o espectro sonoro do B-29 e B-24.

A figura 2 o espectro sonoro de aviões comerciais mais em uso.

A figura 3 o espectro sonoro do "Rolls Royce Nene Mark 1" a jato, dentro da cabine de provas.

São três modalidades de aviões, com motores e finalidades diferentes.

Os dois primeiros equivalem-se quanto ao espectro sonoro, sendo o primeiro mais intenso por não contar com tratamento acústico adequado como em trasporte comercial. O avião militar não comporta isolamento acústico, porisso são mais ruidosos. Para Causse (20) o ruido dos aviões de guerra variam entre 90 a 120 dbs.



Fig. 1 - Especto sonoro do B-24 e B-29 - Fligth Surgeon's (12) - pág. 8-6-4



Na figura 3, trata-se do espectro do avião do futuro: avião a jato. Nota-se grande intensidade dos sons em frequências elevadas. Há um outro fator que experimentalmente, parece ser nocivo à audição e é variável com o tipo de avião, sendo mais intenso no o jato: é o fator vibratório.

As vibrações, produzidas pelo motor e pela hélice são transmitidas à carlinga.
Armstrong (19) acha que é possível, mas não provável, que as vibrações em aviação, contribuam para a surdez do pilôto.

Par Malmejac (21, e Grandpierre (22), a vibrações repetidas do avião podem exercer influência nociva sôbre o aparelho auditivo, causando fadiga e desconforto.

Segundo Bergin (13), as vibrações podem causar depressões na acuidade auditiva e suas frequências podem chegar até 50.000c.p.s..

O problema das vibrações constitui em capítulo da Medicina de Aviação, pois seu efeito se faz sentir no ouvido e em outras partes do organismo humano e escapa, portanto, ao assunto dêste trabalho.

Concluidas as considerações sôbre o ruido dos aviões, passemos a estudar sua ação sôbre o ouvido, em função das considerações anteriormente feitas.



Fig. 2- Intensidades de ruido na cabine de passageiros em vôos de cruzeiro. Jackman (11) - Bol. 95, pág. 10.



Aqui serão apreciados os feitos do ruido, sôbre 2 aspectos: fadiga auditiva e surdez profissional em aviação própriamente dita.

Fadiga Auditiva - Um fato notável da fisiologia do ouvido é a sua breve e transitória fadigabilidade, apesar dos ruídos e sons que o cercam. Todo órgão submetido a um estímulo adequado é suscetível de fatigar-se e o tempo gasto para recuperação e variável de acôrdo com o tempo de atuação do estímulo; e em acústica o tempo de recuperação é igual ao quadrado do tempo de exposição e varia com a frequencia do tom estimulante, sendo a recuperação mais demorada para os agudos.

A fadigabilidade a um tom é estritamente específica, pôsto que se estende a sons vizinhos, sendo maior para o estimulante (Houssay - 3). Esta fadigabilidade temporária poderá passar a crônica e neste caso lesar o órgão auditivo, determinando surdez.

O cansaço acústico provocado pelo estímulo sonoro é evidenciado em inúmeras provas e a qualidade do estímulo, tambem, se origina em inúmeras fontes.

Em aviação, encontram-se condições ótimas para o estudo da atuação do ruído sôbre o órgão da audição. O profissional é submetido ao estímulo sonoro durante períodos longos, de muitas horas, e frequentemente, mais de 12 horas ininterruptas. Atualmente o piloto comercial voa cêrca de 85 horas por mês e muitas vezes, o descanso nas escalas é mínimo. Por outro lado, os pilotos militares em tempo de paz voam menos, porém seus aviões são muito mais barulhentos (vêr figura 1 e 2), portanto, estão sujeitos a fadiga da mesma maneira.



Fig. 3 - Níveis de frequências do som, dentro da câmara de prova, do motor R. R. N. Marck I a jato. - Mendelson (44) - pág. 367.



É interessante notar que os sons agudos são menos intensos, nos aviões a hélice, quer militares quer nos comerciais, aos passo que, nos a jato, os agudos são mais intensos (fig. 3) e são também uma excelente fonte de frequências ultra-sônicas (Eldredge-18, Bergin-13).

O ruido do avião pode produzir baixa audição "temporariamente" em todas as pessoas e em diferentes graus, como também o período de recuperação varia para cada um.

As figuras 4 e 5 representam pelas linhas pontilhadas, a audição normal dos ouvidos direito e esquerdo; pelas cheias, baixa de audição após a exposição ao ruído de avião durante 12 horas. Vê-se, portanto, que o ouvido reage à fadiga diferentemente de acôrdo com a escala tonal. No presente caso a frequência mais atingida é o 2.048 c.p.s. Esta experiência nos mostra claramente que o ouvido humano ensurdesse temporariamente pela exposição ao ruido do avião e isto também acontece em grande porcentagem, (Flight-Surgeon's-12) nos treinamentos de combate e a recuperação se faz em pouco tempo.

A recuperação é variável dependendo da intensidade e duração do estímulo e também da suscetibilidade de cada um.

Campbell (23) observou na elevação temporária do limiar de audição durante o vôo, principalmente para o 4.096 c.p.s., e o que o grau de diminuição e o tempo de recuperação aumentavam com o prolongamento do tempo de exposição.

Para Bergin (13), a fadiga auditiva aguda se processa em tôrno de 4.000 c.p.s. e repetida poderá produzir alterações permanentes na área das altas frequências do audiograma.

Segundo Fischer (25), o papel desempenhado pela fadiga na cóclea é bem nítido. O estímulo contínuo, por uni tom definido, sobre o ouvido, produzirá surdez para aquele tom.

Perlman (26) submeteu pessoas a tons fatigantes de qualidade pura e achou que, o máximo de queda causada pela fadiga aparece unia oitava acima da frequência do tom fatigante, tendo verificado isto para os ciclos 512 até 4.096, estabeleceu, então, que o mais vulnerável ponto na cóclea está situado na área de 4.096 c.p.s. e por fim acredita êle, ser o 2.048 o som fatigante ideal.

Theilgaard (27) observou que em 7 dos 11 ouvidos submetidos a fadiga auditiva par exposição audiometrica a sons de intensidade de 100 dcbs. Acima "limiar normal", é mais acentuada e constante nas frequências altas. Verificou mais, que para a mesma frequência aplicada nos dois ouvidos do mesmo indivíduo pode, excepcionalmente, encontrar uma diferença apreciável entre os mesmos.

Estes diversos autores concordam que o ouvido humano submetido a fadiga por um ruido, pode trazer consequências graves à função auditiva, apesar do grande poder que tem os diversos elementos do ouvido de amenisar os efeitos fatigantes do ruido.

Surdez Profissional - Entendemos por surdez profissional os desgastes ou alterações mórbidas causadas no órgão da audição em virtude da profissão. Como a profissão em causa é a aviação e em virtude do seu ruido, pode determinar alterações para o lado dos ouvidos constitui, então, o que se chama surdez profissional em aviação.

Verificamos em nossas observações que a classe "A" havia cêrca de 35,8 % com baixa de audição e que na classe "B" apenas 10 %.

Parece ser aquela porcentagem elevada motivada pela exposição ao ruído do avião. Observou-se que a queda auditiva era mais pronunciada em tôrno de 4.000 c.p.s. e com tendência a se estender às outras partes do espectro sonoro; verificou-se, também, que esta baixa de audição atingia a condução óssea.

A diminuição da acuidade auditiva dos aviadores para os sons agudos se manifesta de um modo variável para cada um. É difícil, ou quase impossível, estabelecer o ponto de iniciação da surdez. A fadiga parece indicar o início dessa surdez, e varia com o tempo de exposição ao ruido.

Os nossas surdos, com horas de vôo da classe "B", parecem não ter sofrido a ação do ruído, por serem iniciantes no vôo e êste de curta duração e em aviões de turismo que são menos barulhentos.

Para Camphell (23), o tempo capaz de produzir surdez seria de 250 horas de vôo. Enquanto que, Malmejac (21) acha que nos pilotos, principalmente, os de provas, a surdez se manifesta depois de 500 horas de vôo, principalmente para as frequências compreendidas entre 2.048 a 4.096 c.p.s..

Senturia (28) admite que a diminuição permanente de audição, como consequência da exposição aos ruídos do aeroplano, se verifica somente em uma pequena porcentagem de sujeitos predispostos e que a perda temporária produzida por uni estímulo prolongado não se limita a região imediata do tom fatigante, mas é mais atingida em outras frequências.

Para êste mesmo autor, (29) em observações feitas em cadetes de aviação, verificou que a grande maioria apresentava elevação do limiar de audição entre 2.896 e 5.792 c.p.s. formando uma curva em forma de "V" e também evidenciou modificações na audição do tipo "W" com grande porcentagem de queda até o 11.584 c.p.s..

Balla (30) nega a existência de surdez produzida pelo avião, porque segundo Tenaglia: os traumas acústicos devem ser contínuos de modo a exaurir a força de resistência dos meios de defesa do órgão e que êstes sons, devem ter uma tonalidade acústicas entre a 3.ª e 5.ª oitavas correpondendo à zona de maior sensibilidade e vulnerabilidade da lamina espiral da cóclea. Os tons baixos e os altíssimos não são de grande percepção auditiva e não tem uma intensidade apreciável. Finalmente, o repouso que intercorre nos vários e sucessivos vôos, é habitualmente mais longo do que aquêles que intercorre entre o trabalho profissional e coloca o ouvido em condições fisiológicas.

Galeone (17) apresenta dados obtidos com o exame de 300 velhos pilotos e afirma que a maioria, a função auditiva não se ressente de danos em consequência do vôo, apenas uma pequena parte do pessoal, com aparelho auditivo que não se pode considerar como íntegro, pode apresentar diminuição para os tons baixos, e uma
porcentagem ainda menor se ressente do ouvida interna cone a baixa para os tons altos. Isto porque a diminuição auditiva encontrada em alguns não tinha caráter de surdez profissional. Verificou também em número restrito, a baixa de audição, que parecia tratar-se de disposição individual. Finalmente admite surdez para os caldereiros e operários de oficinas barulhentas.

Kos (31), examinando centenas de pilotos conclui ser muito pequena a porcentagem de deficiência auditiva do pessoal combatente.

Salem (32), em 258 observações de pilotos, nega a surdez produzida pelo ruido do avião.

Para Fowler (33), alguns aviadores tornam-se temporariamente mais surduz do que outros, mais isto se dá naqueles com história otológica.

Campbell (34) verificou que era pequena a porcentagem do pessoal sensível aos efeitos do ruido sôbre o ouvido.

Simonton (35), examinando 47 pilotos mercantes concluiu que a perda de audição não é problema sério em aviação.

Campbell, citado por Jackson (36), acha na maioria dos casos, reversível a baixa de audição em aviação e as quedas permanentes podem ser encontradas depois de um período de 250 a 2.000 horas de vôo em aviões patentes.

Para Armostrong (19), a surdez do pilôto não é tão extensiva como se acreditou e ela depende considerável mente da sensibilidade individual.

Green, citado por Senturia (37) em estudos audiométricos de grande número de pilotos comerciais, afirma a ausência absoluta de surdez profissional, ao passo que êste autor observou terem alunos pilotos baixa temporária de audição para frequências de 1.024 a 5.792, principalmente acima de 4.096 c.p.s.

Casella (38) encontrou alterações auditivas em pilotos com caráter de surdez profissional.

Os diversos autores citados chegam a conclusões diferentes, com tendência a negar a surdez provocada pelo avião.

Os nossos resultados parecem ser a favor da baixa de audição provocada pelo ruído do avião. Na classe "A", encontramos 35,8 %, com baixa de audição e na "B" 10 %, portanto, uma diferença sensível.

Autores como Mônaco (39) acharam a porcentagem máxima de 9 a 10 % de surdez com características do tipo profissional e Pothoven (40) afirma que 99 % dos pilotos têm certo grau de deficiência auditiva, em geral adquirida e principalmente devido ao ruido.

Observámos que os pilotos surdos apresentam queda auditiva com predominância para o 4.000 c.p.s. abrangendo as frequências abaixo como 3.000, 2.000 e nos casos mais adiantados as frequências mais graves; observamos também que o 6.000 c.p.s. é menos atingido do que 3.000 c.p.s.

Para Grandpierre (22), Malmejac (21) e Zim (41), a surdez profissional do aviador se caracterisa por um nítido deficit auditivo para as altas frequências, especialmente para o 4.096 c.p.s. Pothoven (38) observou que o 4.000 é de grande importância, porque a surdez por ruído de avião em estágios iniciais mostra uma queda nestas frequências. Fischer (25) acha que após anos de vôo, os pilotos apresentam baixa de audição na faixa de 1.024 a 4.096 c.p.s. Guimarães (42) após estudar o ruído e a audição conclui pela existência de hipoacusia dos antigos pilotos. Weiss (43) e Malone (16) admitem surdez profissional provocada pelos ruídos contínuos.

Mendelson (44) em observações do ruído do motor a jato em cabine de prova acha que a queda de audição nos operadores é formidável e que há grande pêrda auditiva nos trabalhadores em relação com certos barulhos ocupassionais.

Seria êste ensurdecimento causado por um trauma sonoro? Vejamos opiniões dos diversos autores.

Para Howar (45), as baixas de audição por trauma são frequêntes nas altas frequências, podendo atingir a faixa da palavra e são particularmente suscetíveis os indivíduos que têm audição subnormal.

Bunch (46) apresenta 4 exemplos típicos de surdez traumática provocada por ruidos excessivos e todos eles com grande faixa de audição em tôrno de 4.096 c.p.s. e com tendência a ocupar a faixa da palavra.

Segundo Boemer (47), o trauma acústico se inicia em tôrno do 2.896 c.p.s., ao passo que para Saltzman (48) o trauma acústico é caracterizado por uma pronunciada queda da frequência de 4.096 c.p.s.

Para o Flight Surgeon's (12), o 4.096 é o primeiro a ser atingido no trauma acústico.

A hipoacusia profissional não deixa de ser também traumática, pois a atuação aguda (estampido, etc.) ou crônica (ruído do avião, etc.) do ruído, parece depender do desgaste do órgão do Corti, correndo por conta do complexo sonoro: altura, intensidade e timbre. Ora, em aviação êste complexo se manifesta em toda plenitude. A altura abrange todo aspecto sonoro audível, em todos os tipos de avião. A intensidade é bastante elevada, em todas as frequências, apezar do tratamento acústico e dos meios de proteção contra ruídos. O timbre é o mais variado, pois há uma grande série de tipos de avião.

Associado ao complexo sonoro, o número de horas de vôo, o tempo de duração do vôo, o tipo de avião e a suscetibilidade do aviador são fatores que podem atuar, determinando o trauma auditivo. Fatos experimentais já relatados, demonstram que o ruído atrofia ou destroi as células ciliadas, as células ganglionares , as fibras nervosas do órgão de Corti, na área de determinada frequência.

Verificamos, também que o ponto de vista sensível correponde à área da frequência 4.096 c.p.s., que justamente é a mais atingida nas citações dos diversos autores e também por nós observadores.

Para Weiss (43), a espira basal é mais atingida e mais exposta, devido à particularidade do seu sistema vascular. Graebner (49) e Campbell (50) acham que a localização anatómica da membrana basilar próximo da janela oval recebe o maior impacto da estimulação devida.

É interessante notar que próximo ao 4.000 c.p.s. está localizado o ponto de maior audibilidade (sois-3072 c.p.s.), talvez por esta razão, os elementos nervosos altamente sensíveis, sejam mais vulneráveis à ação dos sons de alta intensidade. É, também, em tôrno destas frequências que se encontra a lacuna tonal ou escotoma auditivo, que Casterán (51) acredita ser uma labilidade constitucional por disposições anatômicas especiais (sistema artério-venoso e arborizações nervosas), ou uma zona de fadigabilidade patológica tôda especial (Rezende Barbosa 52).

Estas quedas auditivas com predominância na frequência 4.000 c.p.s., são também observadas em profissionais de diferentes ofícios.

Ullmann (53) observou baixa de audição em cunha, no 4.096 c.p.s. entre 999 oficiais (pilotos, bombardeadores e navegadores) e entre 1.855 artilheiros aéreos.

Estudos de Stewart (24) feitos em artilheiros, concluiu que a arma de fogo produz uma perda de audição definitiva, começando nas altas frequências (2.048 a 11.584 c.p.s.) e nos casos graves atinge todos os tons. O mesmo resultado obteve Patt (54), em estudos audiométricos feitos entre artilheiros, "rifle coaches" e empregados hospitalares, sendo a baixa de audição significativamente maior para os dois primeiros grupos do que os do 3.° grupo e entre todos, a maior porcentagem de surdez ocorreu nas altas frequências.

Cope (55), no grupo de soldados, encontrou surdez para tons altos, devido a trauma acústico por bomba, foguetes e explosão, observou mais: que havia queda total, após o tiro de artilharia, para as frequências entre 2.048 a 4.096 c.p.s.. Segundo Saltzman (48) a arma de fogo moderna produz surdez coclear com a característica forma de "v", na frequência de 4.096.

Nos casos de detonação, explosão de granada etc., há uma verdadeira comoção labiríntica (Errecart-56) com uma destruição do tecido auditivo e isto, segundo os autores citados, tem maior predominância nos agudos.

Nos casos de surdez encontrados nos aviadores, acreditamos tratar-se de um processo de desgaste, primeiramente atuando no ponto mais sensível (em tôrno do 4.000 c.p.s.) e em seguida se estendendo em tôrno dêste ponto. Talvez a sensibilidade dêste ponto, seja em virtude de disposições anatômicas especiais (maior vascularização).

Observa-se que a ação prolongada do estímulo (figura 4 e 5) aumenta a zona atingida e isto, talvez, devido a maior resistência do tecido nobre ao estímulo à proporção que afasta do centro de maior sensibilidade.



Fig. 4 - Audiograma do ouvido direito, mostrando a queda da audição resultante da exposição ao ruido do aeroplano. - Flight Surgeon's (12) pág. 8-6-6.



Quanto à questão de estar próximo à janela a localização do 4.096 c.p.s., não acreditamos que isto tenha influência, pois neste caso as frequências superiores a esta frequência, seriam as primeiras a sofrer os efeitos dos ruidos, o que não se verifica na prática em que pelas experiências de Stevens e Davis (57) a localização de sons superiores, ao 4.096 c.p.s. está mais próxima da janela oval.

Observando a baixa de audição nos grupos etários, verifica-se que a surdez aumenta com a idade para a classe "A", enquanto que para a classe "B", quase não altera.

Graebner (48), também, encontrou o declínio auditiva estudando grupos de aviadores com diferentes números de horas de vôo assim ditribuidos: l.° grupo abaixo de 4.000 h. v.; 2º grupo, de 4.000 a 8.000 h. v.; 3.º grupo, de 8.000 a 12.000 h. v. e 4.° grupo, acima de 12.000 h. v..

Os estudos audiométricos de Carnevale - Ricci (58) em uma série de pessoas com idades compreendidas entre 50 a 90 anos, concluiu que havia uma queda acentuada do limiar para todos os tons percebidos por via aérea, alterações mais acentuadas com o aumento da idade.

Para Errecart (57), a partir de certa idade, desenvolvem-se alterações no órgão auditivo determinando diminuição mais ou menos acentuada da acuidade auditiva - é o que se chama presbiacusia - fato aceito em otologia.

A hipoacusia parece ser um desgaste lento e progressivo da audição. No caso do aviador, o ruido intenso anteciparia e aceleraria êste processo de desgaste, ou então a surdez profissional seria idêntica à senil quanto à lesão do órgão. A primeira produzida pelo ruído e a segunda pela idade. Os dados obtidos por nós leva a crêr que a idade opera também, como fator de desgaste em aviação.



Fig. 5 - Audiograma do ouvido esquerdo, mostrando a queda. da audição resultante da exposição ao ruido do aeroplano. - Flight Surgeon's (12) pág. 8-6-6.



Observando a incidência de surdez em cada ouvido separadamente, verificamos uma predominância para o ouvido esquerdo, em ambas as classes observadas.

Segundo Cope (55) o ouvido próximo ao agente traumatisante será mais afetado pelo ruído, portanto, apresentará maior baixa de audição.

Pothoven (14) achou, nos casos de surdez de aviação, que o ouvido esquerdo é comumente pior do que o ouvido direito e isto, em virtude do ouvido esquerdo estar mais exposto do que o direito; o ouvido esquerdo é mais suscetível de danificar-se pelo ruido.

Para Grandpierre, em geral os dois ouvidos são igualmente atingidos, no entanto há predominância de surdez à esquerda o que êle explica, pelo fato de o piloto abrir frequentemente a janela lateral à aproximação do solo e aterrissagem.

Silvermann (59) acredita que o desenvolvimento da tolerância num ouvido não aumenta a tolerância correpondente no outro ouvido. Lacerda (60), estudando a audição das surdos-mudos concluiu que na maioria deles, a perda auditiva é bi-lateral, e aproximadamente, equivalente.

Segundo Rawdon-Smith (Houssay-3), a ação de um tom sôbre um ouvido diminui à agudeza do outro ouvido, evidenciando assim que na fadiga intervem um fator central dependente do sistema nervoso. Seria uma semelhança com a oftalmia simpática.

Parece-nos que a predominância de baixa auditiva no ouvido esquerdo não está ligada à questão de estar êste ouvido mais exposto, porque o ruido dentro da cabine (fig. 2) é relativamente elevado podendo afetar os dois ouvidos, e o pilôto mercante passa certo tempo como co-pilôto, havendo predominância de ruído à direita. Seria então o ouvido esquerdo mais suscetível à ação do ruído por disposições anatômicas? Acreditamos que sim.

Foi também, investigado o fenômeno do "recrutamento do volume de intensidade" e também a "curva de igual volume" nos casos indicados, segundo a técnica descrita por Watson (61) e com a investigação óssea, positivando-se que a surdez encontrada nos pilôtos é realmente do tipo de percepção.

Pothoven (62) indica o recrutamento com um meio de real valor na investigação da surdez dos aviadores, porque apezar da baixa de audição êles não têm dificuldades nos vôos, achando (40) também, que se deve empregar o recrutamento na surdez traumática.

Saltzmann (48) e Rezende Barbosa (52) afirmam a vantagem do recrutamento nos casos de surdez nervosa.

Pesquisou-se também, o "Balanceamento biauricular" e "alternado" de Fowler (63), quando o caso exigia.

Muitas vêzes o exame do pilôto, nos casos de surdez, exige observação apurada para afastar inúmeros dêsses casos, inclusive os ligados à profissão, em virtude de modificações rápidas de altitude (barotrauma) ou à presença do tecido fibroso no ouvido médio devido a aerotite, etc., e estamos de acôrdo com Lacerda (60), de que as curvas audiométricas não chegam a revelar, em muitos casos, a sede exata da alteração mórbida na complexa estrutura nervosa do ouvido.

Por fim, não se encontraram zumbidos em aviação, ao que aliás, a maioria dos autores negam sua existência (Causse-20), apezar de Weiss (43) ter observado que o zumbido é o mais constante sintoma no trauma acústico.

CONCLUSÕES

A) Pelos resultados obtidos em nossa experiência o ruido em aviação determina baixa de audição.

B) Parece-nos que esta hipoacusia aumenta com o número de horas de vôo.

C) Somos de opinião que a idade também contribui para aumentar a baixa de audição.

D) Tudo nos leva a crêr que a hipoacusia em aviação seja resultante da ação do traumatismo sonoro intenso e repetido, atuando sôbre a sensibilidade do órgão de Corti.

E) Confirmamos dados de outros autores que existe na realidade uma maior porcentagem de hipoacusia no ouvido esquerdo.

F) Não nos parece que a predominância de maior surdez no ouvido esquerdo seja motivada por estar êste mais exposto à frente sonora.

G) Não há explicação concludente para êste fato, sugerimos observações posteriores dos pesquisadores em otologia sôbre êste fato.

RESUMO

O A. relata, observações audiométricas feitas nuns grupo de 215 pilôtos com mais de 5.000 horas de vôo e no outro grupo de 416 candidatos a pilotagem e que ambos foram divididos por idade, para melhor apreciação.

Após fazer considerações anátomo-fisiológicas sôbre audição, estuda os ruidos do avião e seus efeitos sôbre o aparelho auditivo.

Comenta a questão da surdez profissional em aviação, considerando-a como surdez do tipo percepção.

Pelos resultados observamos e pelas considerações feitas o A. conclui que o ruido do avião causa hipoacusia coclear, que a idade opera como fator coadjuvante no aumento desta baixa de audição e que, encontrou maior porcentagem de surdez para o ouvido esquerdo, porém, sem relação com o ruido do aeroplano. Finalmente apresenta, uma longa bibliografia sôbre o assunto.

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(*) Trabalho apresentado à Primeira Jornada do Serviço de Saúde da Aeronáutica (Rio de Janeiro) realizada entre 14 e 21 de janeiro de 1951.
(**) O candidato não deverá apresentar uma deficiência de audição em qualquer um dos ouvidos, superior a 20 dbs., em quaisquer das 4 frequências 500, 1.000, 2.000 e 3.000 c.p.s.
(***) Capitão Médico da Aeronáutica

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