Versão Inglês

Ano:  1951  Vol. 19   Ed. 1  - Janeiro - Abril - ()

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 28 a 29

 

LARINGO-TRAQUEO-BRONQUITE AGUDA E TERRAMICINA (*)

Autor(es): DR. LUIZ GASTÃO MANGABEIRA-ALBERNAZ

A comunicação que ora faço tem duas finalidades: primeiro a de apresentar, talvez pela primeira vez em nosso meio, um caso tratado pelo novo antibiótico terramicina; segundo, o de seu efeito quasi fulminante numa afecção grave e geralmente rebelde a todo tratamento.

Vejamos a observação:

J. M. 1 ano ¹/2 branca, sexo feminino, brasileira apresentou-se em nosso consultório a 12-6-1950 a mandado do pediatra Dr. E. de Almeida, com a queixa seguinte: Está doente há 2 dias; estava resfriada com febre de 37, 37'5. De repente, tosse rouca e falta de ar. Percebe-se a rouquidão quando chora. A tosse e a dispnéia precederam à rouquidão. O pediatra já a medicou com sulfa e despacilina reforçada.

EXAME: Nada nas fossas nasais. Dentes bons, amígdalas sem sinal de inflamação aguda. Nada na hipofaringe e na epiglote. Não pudemos ver as cordas vocais. Aspiração supra-esternal discreta. Estridor.

Fizemos então o diagnóstico de laringo-traqueite, excluíndo a hipótese de difteria por dois motivos: 1) a rouquidão apareceu após a dispnéia; 2) ausência de falsas membranas.

Disse bem laringo-traqueíte, fase da laringo-tráqueo bronquite aguda. Este é o conceito de Neffson que diz esta não ser uma doença, mas uma síndrome que envolve em fases diversas. Na nossa paciente nada havia nos bronquios segundo o exame do pediatra.

Continuamos então com a mesma terapêutica: Despacilina R, Sulfa, observação diária.

Em 15.6.1950, o estado da criança estava inalterado senão pior, pois a aspiração estava mais acentuada, tendo a criança passado mal a noite.

Fazendo a laringoscopia indireta forçada, conseguimos observar hiperemia da laringe e região inicial da traquéia, além de certa quantidade de secreção. A pieira ou estridor continuava.

Resolvemos então pôr a doentinha na tenda de oxigênio o que só foi feito à tarde, e passar a ministrar a penicilina de 3 em 3 horas, além da sulfa.

Após 36 horas, a criança foi retirada da tenda por defeito desta e seu estado era praticamente o mesmo.

Foi então quando resolvemos recorrer à terramicina. Esta é um novo antibiótico produzido pelo desenvolvimento do cogumelo "Sterptomyces rimosus" em meio de cultura adequado. E' uma substância anfótera cristalina que com certos ácidos ou bases, forma sais estáveis cristalinos. Sua unidade é definida como um
micrograma do composto anidrido anfótero e a atividade de seus sais é estabelecida em termos do peso equivalente da terramicina anfótera pura.

A terramicina é eficaz "in vitro" e "in vivo" contra grande variedade de microorganismos, inclusive muitas bactérias gram-positivas e gram-negativas, sejam aeróbias ou anaeróbias, as ricktétsias e alguns vírus. Maior absorção e mais alta concentração da terramicina são observadas nos soros dos pacientes que recebem a terramicina hidroclórica, do que quando administrada sob a forma anfótera, quando o antibiótico é administrado pela via oral. Por isso usamos a terramicina hidroclórica em vez da terramicina pura.

Recorremos a terramicina por 2 motivos:

1) Por ser a mesma eficiente, segundo um relatório da clinica Mayo, de 23 de Maio deste ano, sobre um caso semelhante e cujo germe isolado era o H. influenzae.

2) Por ter a terramicina ação segura sobre os vírus, segundo o mesmo relatório e outro relatório publicado num dos ultimos números do J.A.M.A. (v. 143, n.ó 1, 6 Maio 1950). O conceito moderno da laringo-tráqueo-bronquite é de que esta é uma síndrome causada por um vírus com a presença de germes de associação (Neffson).

Pelos dois motivos, lançamos mão da terramicina e ainda pelo fato de ela ser praticamente inócua, segundo o artigo do D.S.P. dos Estados Unidos, publicado no J.A.M.A., do qual já me referi.

Usamos a terramicina hidroclórica cristalina na dose de 2 grs diárias, que segundo a indicação do D.S.P. dos E.U. deve ser a dose mínima.

Nas primeiras 24 horas, usamos uma cápsula (cada uma tem 250 mgs) de 3 em 3 horas. Confirmou-se a atoxicidade do produto (houve sómente vómitos leves) e a ação foi muito eficaz, pois a criança melhorou muito, tendo desaparecido quasi completamente o estridor e a aspiração.

Continuamos por mais 24 horas com a mesma dosagem e, no dia seguinte, a criança estava clinicamente curada.

Observamo-la por mais alguns dias e nada mais apresentou. Poder-se-ia criticar nessa observação não terem sido feitos os exames bacteriológico e endoscópico. O primeiro não foi feito, porque, uma vez afastada a hipótese de difteria, pareceu-nos supérfluo além de dispendioso para uma paciente de poucos recursos. O exame endoscópico não foi realizado porque Neffson, que estudou minuciosamente, em sua monografia, as laringo-tráqueo-bronquite, diz que o diagnóstico clínico pode ser feito, na grande maioria dos casos pelo início súbito da dispnéia, com leves sintomas premunitórios, e, além disso, dispnéia severa, se comparada à leve rouquidão. Não havendo dúvida no diagnóstico não há necessidade do exame endoscópico, o que, ainda pelo traumatismo que acarreta, agravará o estado da paciente.

Um caso isolado não permite que se tirem conclusões. Mas, dada a gravidade da laringo-tráqueo-bronquite, mórmente na primeira infância, e dados os resultados espetaculares dessa observação, espero que os colegas recorram à terramicina e comuniquem o resultado de sua experiência. Só assim poderemos ter a certeza de que o novo antibiótico é de fato a arma heróica a ser empregada na rebelde afecção.




(*) Comunicação à Secção de Oto-rino-Laringologia da Associação Paulista de Medicina,s de 17 de agosto 1950.

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