Versão Inglês

Ano:  1940  Vol. 8   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 271 a 276

 

CASO CLINICO E INTERESSANTE DE CORPO ESTRANHO DE BRÔNQUIO (*)

Autor(es): DR. A. CAIADO DE CASTRO (**)

Prezados colegas, não é um trabalho de estatística, nem assunto com pretensão de didática que venho, hoje, expôr a esta Sociedade e tão sómente um caso clínico dos mais interessantes que têm, passado pelo meu Serviço do H. P. S. da Assistência Pública.

Trata-se de uma criança - Lígia, filha de Valdemar Sibler, de 3 anos de idade e residente na Estação de Miguel Pereira e que em 5 de Maio de 1940, tendo deglutido um alfinête, foi enviada ao meu Serviço com uma recomendação do Dr. Paulo de Azevedo Sodré, distinto cirurgião do H. P. S.

Um dos meus assistentes, encaminhou a doente ao Serviço de Radiologia que nos forneceu o resultado: "Ficha N.° 107.058 - Alfinête com a ponta voltada para cima na base do lobo inferior do pulmão direito. Ramificação posterior".

A criança estava passando bem, e nada apresentava digno de nota em seu estado geral. Em vista disto, e como o Dr. Sicupira, Chefe do Serviço Radiológico do H. P. S. reputasse o caso muito difícil, aconselhou ao especialista que estava respondendo pela Clínica Oto-Rino-Laringológica, o maximo de prudência e em caráter amistoso deu a sua opinião, que era a de esperar o Chefe da Clínica que estava prestes a voltar do Congresso de Buenos-Aires.

O conselho foi aceito e a paciente ficou internada no H. P. S.

Em 10-5-940 - Logo após a minha chegada ao Rio, pedi nova radiografia, ficha N.° 107.112 e a resposta do exame radiográfico foi a mesma do dia 6-5-940.





Em 11 de Maio de 1940 - 8 horas da manhã, fiz nesta paciente á bronquioscopia peroral. Gastei neste exame 12 minutos e 8 segundos. Aspirei a secreção encontrada, corri algumas ramificações brônquicas e não vi o corpo estranho.

Nesta circunstância mandei fazer outra radiografia, em posição que irei mostrar aos prezados colegas, e após o seu estudo verifiquei:

a) que o corpo estranho estava localizado a cêrca de 23 cm. dos incisivos.

b) que o tubo utilizado - luz de 4 mm - de Brunnings só atingia a 20 cm.

c) que o tubo de 4 mm de luz de Chevalier Jackson apesar de ter o comprimento de 30 cm, sendo mais grosso em suas paredes que o de Brünnings, só atingia a 19 cm dos incisivos devido a desproporção existente entre o seu e o diâmetro do brônquio principal desta criança. Cumpre assinalar aqui, que o tubo Chevalier é mais grosso que o de Brünnings porque em sua parede fica embutido outro tubo para aspiração e além disso há também nele outro tubo em cujo interior deslisa uma haste para a iluminação e tudo isto aumenta a grossura do tubo, fato que os prezados colegas estão fartos de saber.

Verificando, dessa maneira, que não poderia ter encontrado o corpo estranho, porque êle estava colocado abaixo do máximo que os tubos poderiam penetrar, ficámos em situação embaraçosa.

Dessa forma, após 50 minutos de descanço para a doente, fizemos outra brônquioscopia exploradora com o tubo de Brünnings N.° 4, muito mais grosso que os primeiros, porque tem como sabemos, a luz de 6 mm de diâmetro.

O tubo de Brünnings N.° 4, de 26 cm %2 de comprimento só atingia também 19 cm. dos incisivos; devido a desproporção existente entre o seu e o diâmetro do brônquio desta criança.

À primeira vista êste fato parece, um paradoxo, porque não tendo encontrado o corpo estranho com um tubo de 4 mm. - porque o seu diâmetro não permitia ir além de 20 cm., por que motivo iria lançar mão de um outro mais calibroso?

A resposta é facil de se compreender: 1.° porque não existe bronquioscópio mais fino que o de 4 mm. de diâmetro e depois, pela sistematização que uso em meus exames necessitava de ótima iluminação para êste caso, porque sei que os brônquios intra-lobares se separam ordinariamente em ângulo agudo, raramente em ângulo reto, e excepcionalmente em ramos recorrentes ou obtusos; sabendo que seu numero é variável segundo o volume e sobretudo o comprimento do tronco gerador, e que cada um deles se divide por sua vez em dois ramos mais ou menos iguais que se ramificam, a seu turno, em certo número de ramos divergentes, uns ascendentes outros descendentes, e que estas divisões, em geral, depois de 3 a 4 sub-divisões terminam em bronquíolos acinosos; que cada lobo pulmonar apresenta de 10 a 100 bronquíolos acinosos, e que êsse número varia segundo as opiniões de Charcot, Matias Duval, Hardiviller, etc.; sabendo ainda que dessa maneira um pequeno corpo estranho de brônquio torna-se sempre um caso interessante, às vezes difícil não só devido a dificuldade para a sua descoberta e identificação, como pelo problema mecânico que será pôsto em prática para sua extração e além disso, não ignorando que a idéia da ramificação do brônquio principal por dicotomia, fato que viria facilitar muito a bronquioscopia ficou posta de lado desde os estudos de ALBY que demonstrou ser essa divisão a maneira de colaterais, e como frequentemente notamos pela bronquioscopia que, o ramo principal após haver formado determinado ramo, continua a sua rota e um pouco adiante fornece uma 2ª. ramificação; depois uma 3ª., e 4ª. ramificação, e sabendo também ser curioso que ao chegar em vizinhança de sua terminação, vemos a idéia da dicotomização ser práticamente uma realidade... porque a dicotomização é nitida em alguns casos e de tal forma, às vezes, perto uma da outra que o endoscopista tem necessidade de voltar alguns centímetros com o endoscópio para poder orientar-se; e que neste caso os brônquios colaterais aí ficam, a bem dizer confundidos com o principal; conhecendo a opinião de Küttner, que diz ter cada brônquio, um bouquet de ramificações secundárias e que os brônquios volumosos que se destacam do tronco-principal são os colaterais, primários, secundários, terciários, etc., e que devido a divisão pela arteria pulmonar, êsses colaterais tomam o nome de eparterial e hiparterial e que o primeiro hiparterial ventral penetra no lobo médio, e que os três outros ventrais desaparecem no lobo inferior, e sabedor que essas identificações são de grande valor na prática bronquioscópica, para a orientação do endoscopista, e como a minha esperiência tem-me mostrado que o exame bronquioscópico deve ser metódico, racional e feito com muita atenção, porque do contrário ficamos correndo as mesmas ramificações brônquicas, num verdadeiro círculo vicioso, e perderemos tempo inútilmente, procurando um corpo estranho sempre na mesma ramificação e que aí não havia sido encontrado; deante de tudo isto cheguei á conclusão que para tentar retirar esse corpo estranho eu necessitava não só de ótima iluminação, como de um tubo que fosse até onde se achava o corpo estranho, e foi por isso que usei o tubo de maior diâmetro e dessa maneira em 5 minutos e 33 segundos de exame pude verificar que, com êle, eu chegava no máximo a 19 cm. dos incisivos e então tive a oportunidade de ajustar e completar a idéia de prolongar a ponta desse tubo em funil com mais 5 cm. de comprimento, cuja luz em sua parte terminal fosse de 3 mm. de diâmetro.

Dessa maneira, após este exame e baseado neste raciocínio e naquelas considerações, mandei fazer o prolongamento do tubo tal como havia ideada, porque um tubo de 6 mm. dava maior visibilidade e prolongado em funil essa visibilidade em nada ficaria prejudicada, e dessa forma podíamos caminhar mais 5 cm. para frente.

Em 15-5-940, quatro dias portanto após o primeiro exame fiz nova tentativa de extração. Agora o caso estava estudado em seus menores detalhes e com fé em Deus, colocámos o paciente na mesa de endoscopia. Desta feita estava bem armado, ótimas pinças, ótimos tubos de aspiração e RADIOSCOPIA na sala de exame para o controle imprescíndivel. No fim de cinco minutos justos, marcados pelo Dr. Valdir Franco consegui retirar -o corpo estranho, que na realidade estava a 23 ¹/2 cm. dos incisivos, na terceira colateral hiparterial posterior, no lobo inferior direito.

A extração foi sensacional. - Controlada pela radioscopia, comecei a bronquioscopia e o brilhante assistente Dr. Valdir Franco informou: - "O Snr. passou além do corpo estranho, porém está muito na linha mediana, o corpo estranho está bem mais para fóra". Esta indicação radioscópica, feita pelo Dr. Valdir Franco, forneceu a chave do problema.

Voltei com o bronquioscopia a 1ª. colateral e perguntei: E agora? Respondeu-me, muito em cima e em bôa direção.

Voltei com o tubo, dando angulo, e em seguida perguntei: E agora? Bôa direção e mais perto do corpo estranho, cerca de 2 cm.

Não tive duvida, entrei com o tubo na 3ª. colateral e perguntei: E agora? O Dr. Valdir não respondeu, olhei e o vi com o "bonet radioscopico" longe do doente. Voltei novamente ao exame e consegui ver, a cerca de 1 cm. da ponta do bronquinoscopio, o alfinête envolto em secreção brônquica. Dei imediatamente ordem para a perfeita e atenta imobilização da paciente e coloquei o aspirador fino, proprio para aspirar secreção em brônquio de diâmetro reduzido e assim, envolvido com secreção, o alfinete veio para a ponta do bronquioscopia. Com a ajuda do proprio tubo aspirador o corpo estranho foi puxado para dentro do tubo de extensão de 3 mm., e, dessa maneira suavemente retiramos esse tubo que trouxe em seu interior o corpo estranho. Durante estas manobras, eu fui dizendo o que via e o que estava fazendo.

Cumpre assinalar que o tubo principal ainda ficou na traqueia e sómente após eu ter pegado no alfinête este foi retirado.

A criança ficou em observação, passando bem, e 3 dias após obteve alta curada do H. P. S., e em ótimas condições de saúde.

Perguntando depois ao Dr. Valdir porque havia se afastado do doente na hora H, êste disse-me - que foi tal a emoção que sentiu quando o bronquioscopio chegou perto do corpo estranho que sem querer se afastou do doente.

E' estes Senhores o caso de extração peroral, de corpo estranho de brônquio que julguei interessante e que tenho a honra de trazer a esta Sociedade.

RESUMÉ

SUR UN CAS CLINIQUE ET TRES INTÉRESSANT DE CORPS ÉTRANCER DU BRONCHE

L'auteur nous dit qu'il ne vient pas présenter un ouvrage de statistique ni un travail didactique, mais, seulement un tas clinique des plus intéréssants qui ont passé par son Service, à l'Hôpital P. S.

Il s'agit d'une enfant de trois ans, qui ayant avalé une épingle, celle - ci a été se fixer "à la base du lóbe inférieur du poumon droit".

Ensuite il nous montre que le corps étranger été localisé três bas et dans un bronche de diamètre trè réduit, a obligé l'auteur de cette vommunication à faire construire un bronchoscope tout spéciale pour l'extraction pérorale de cette épingle.

Il fait encore des considérations d'ordre anatomique et pratique, basées dana son expérience pers-onnelle. Il raconte comment il a idéalisé le bronchoscope qu'il a utilisé dans ce cas et aussi comme il a résolu le problème mécanique qui s'y présenta.

L'auteur attire l'attention de la SOCIÉTE' sur l'aide que la radioscopie pretât simuItanément avec la bronchioscopie pour l'extraction de ce corps étranger.

Il termine en projétant trois diapositifs, ou 1'on voit:

1) la radiographie du corps étranger à la base du poumon droit;
2) la position radiographique qu'il a employé pour faire la mésure de la distante ou s'était localisé le corps étranger;
3) la radiographie du patient après 1'extracton du corps étranger.




(*) Trabalho apresentado á Sociedade de O.R.L. do Rio de janeiro em 7-6-1940.
(**) Chefe da Clinica Oto-rino-laringológica do Hospital Pronto Socorro da Assistencia Publica do Rio de Janeiro

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