Versão Inglês

Ano:  1940  Vol. 8   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 107 a 110

 

FLEGMÃO SÉTICO GANGRENOSO DO ASSOALHO DA BOCA (*)

Autor(es): DR. ERNESTO MOREIRA (**)

CLINICA OTO-RINO-LARINGOLOGICA DA STA. CASA DE MISERICORDIA DE S. PAULO
(SERVIÇO DO DR. MARIO OTTONI DE REZENDE)

Definição: Prefiro esta definição, usada pelo dr. Oswaldo de Araujo á de angina de Ludwig, pois, nem a este autor cabe a prioridade da descrição da doença, posto que em 1830 Gensoul já a havia descrita. Caracterisa-se o processo patologico por um flegmão duro do assoalho da boca, atingindo a região suprahioidéa e expandindo-se ás vezes por toda a região cervical. E rica sua sinonimia, assim é que a conhecemos pelos nomes de: celulite gangrenosa do assoalho da boca, flegmão sub-lingual e impropriamente angina de Ludwig.

Sintomatologia: A molestia se inicia nas camadas profundas do tecido conjuntivo frouxo e rico em vasos linfaticos que completam o espaço entre o maxilar inferior, musculos genio glosso e milo-hioidêo, no qual as glandulas sub-linguais e canal de Warton estão incluidos.

A presença do puz nem sempre é descoberta. As modalidades clinicas decorrem naturalmente da gravidade do processo. Nos luéticos, alcoolatras, nos albuminuricos, ela se apresenta com caracteres mais graves. Os sintomas são locais e gerais. Os gerais se caracterisam por abatimento, palidez, calafrios, e febre. Dos locais os principais são: dor e a inflamação difusa do assoalho da boca, trazendo como consequencia dificuldade na deglutição, respiração, podendo atingir a laringe, edema da glote e morte por asfixia.

Bacteriologia: Desconhecida. Geralmente é encontrada uma associação de germens caracterisada pela presença de: estreptococos, estafilococos, anaerobios, colibacilos, estreptococos hemoliticos.

A porta de entrada da infecção é comumente uma ferida bucal. Entretanto acredita-se seja de origem dentaria o processo patologico e por isso a raridade desses flegmões em baixa idade pela falta de dentes.

Tratamento: Só o tratamento cirurgico dá resultado. Acontece nestes flegmões o mesmo que se observa com os do pescoço, antes de aparecer a flutuação já está coletado. A tumefacção lenhosa é caracteristica desta molestia, por isso não se deve esperar flutuação, para abrir o abcesso. Quanto mais precoce mais util. Deve-se usar de preferencia a anestesia local.

Prognostico: Muito grave. A morte se da por septicemia ou edema da glote. No meu caso foi a roptura de um grosso vaso da região cervical a causa mortis. Do diagnóstico precoce depende o prognostico.

OBSERVAÇÃO

P. N. 24 anos, solteiro, brasileiro, branco, comerciante. Veiu ao ambulatorio de Oto-Rino, no dia 15 de Setembro de 1939. Paciente abatido, andando com dificuldade. Poucas informações nos pode dar, pois, falava com grande esforço. Apenasmente nos cientificou que havia estraído um dente dias antes. Não foi possivel um exame completo da cavidade bucal. Pensei inicialmente em uma angina flegmonosa, porem, pela apalpação do maxilar inferior do lado esquerdo, que se apresentava doloroso a pressão, supuz tratar-se de uma periostite da mesma região. Foi o doente internado na segunda enfermaria de cirurgia homens, atendendo sua precaria condição. Medicação adequada. No dia seguinte de volta ao nosso serviço, ainda mais abatido, observei que a inflamação se havia propagado para a região cervical com predominancia a esquerda. Era então já manifesto o máu cheiro que o doente exalava pela boca. De pronto fiz uma longa incisão na porção mais tumefeita, mas, diminuta foi a quantidade de puz expelida. Bem drenado foi o doente devolvido a enfermaria. Essa tarde apresentou algumas melhoras. E' justo assinalar que se tratava de um paciente extraordinariamente docil. Dia 17 pela manhã fiz o curativo indicado e, de novo, outra incisão profunda ao lado da primeira. Estado geral cada vez peor, já não podendo andar veiu a consulta de maca. Após a segunda intervenção pareceu-nos que o doente havia obtido melhoras, pois, conseguiu se alimentar de liquidos ainda com alguma dificuldade. Dia 18, curativo, máu cheiro insuportavel, abatimento profundo. Dia 19, pela manhã conduzido ao serviço com recado da enfermaria que tivera uma forte hemorragia pela boca. Dia 20, ás 11 horas outra hemorragia, morte. Pelo relato da autopsia os colegas verificarão que não foi possivel identificar o vaso atingido, e, portanto não podemos afirmar que tivesse sido a hemorragia a causa mortis.

RELATORIO DA NECROPSIA

Nome: Pedro Notoli.
Idade: 25 anos.
Obito: 20-9-1939 (11,40 hs.).
Necropsia: 21-9-1939 (15,30 hs.).
Recebido ás 13,35 hs. de 21-9-1939.
Necropt.: Dr. A. Cardoso de Almeida.
N.° da necropsia: SS-12.660/39.
Sexo: masculino.
Branco, solteiro, comercio.
Brasileiro - São Paulo.
Domc.: Rua Barão Duprat, 55.
Procd.: Santa Casa (2.a C. H.).

BRONCOPNEUMONIA CONFLUENTE BILATERAL

DOENÇA: Processo necrotico purulento difuso do assoalho da bôca.

DIAGNOSTICO: Toxemia.
Broncopneumonia confluente bilateral.
Mediastinite de propagação.
Pleurite sero-fibrinosa de propagação.
Pericardite parietal de propagação.
Inchação turva do figado.
Hiperplasia da pôlpa vermelha do baço.

GENERALIDADES: Cadaver de adulto, do sexo masculino, de côr branca, pesando 42 kg. Cabeça regularmente conformada. Palpebras abertas, corneas transparentes e pupilas igualmente dilatadas. Narinas e ouvidos nada apresentam externamente digno de nota. Bôca suja de sangue e com dentes falhos e mal conservados. Na região parotidiana direita, que se acha numa área de côr arroxeada, nota-se a presença de uma abertura fistuloso, por onde saí um dreno de gaze iodoformada. Retirada a gaze e comprimindo-se a região sai pela fistula um puz esverdeado escuro em pequena quantidade. Na região sub-maxilar esquerda, que se acha tambem de côr arroxeada, encontra-se outro orificio fistuloso, por onde tambem sai um dreno de gaze que após retirado, deixa escoar pelo orifício um líquido espesso com caracteres acima descritos. Claviculas salientes e espaços intercostais visiveis. Abdomen plano. Genitais externos e anus nada apresentam digno de nota. Rigidez cadaverica presente nos membros inferiores.

CABEÇA: Calota craniana, dura-mater e seus seios venosos nada apresentam digno de nota.

ENCEFALO E MENINGES: Nada digno de nota.

ORGÃOS DO PESCOÇO: Amigdalas muito aumentadas de volume, salientes, de superficie lisa e brilhante, de côr azul escura. As regiões peri-amigdalianas, extendendo-se á toda a musculatura circunvisinha, alcançando todo o assoalho da bôca, acham-se destruidas por um processo necrotico-purulento e apresentam-se com aspecto licoroso. Entre os restos de fibras musculares encontra-se um liquido espesso, puriforme, da mesma coloração. Do lado esquerdo a região ocupada por essa zona de destruição acha-se cheia de sangue mais ou menos coagulado. A traquéa apresenta em toda a sua extensão um processo inflamatorio catarral. O esofago nada apresenta na sua luz, mostra, no entanto, na superficie externa sinais de um processo inflamatorio difuso, que o acompanha até o mediastino. O mesmo se dá com todo o tecido que envolve os orgãos do pescoço.

CAVIDADE TORACICA: Pleura esquerda livre de aderencias, apresentando um pleuriz sero-fibrinoso. A cavidade pleural direita desaparecida por aderencias dos folhetos parietal e visceral.

PULMÕES: Ambos os pulmões apresentam consistencia aumentada em nodulos espalhados pelo parenquima. Ao corte, mostram áreas em que o parenquima se apresenta hepatisado, áreas estas de cor mais esbranquiçada, e que nos lobos inferiores confluiam umas com as outras. Á espressão verificou-se a saida de pequena quantidade de púz. A crepitação nessas porções havia desaparecido. Diagnostico: Broncopneumonia confluente bilateral.

CORAÇÃO: A superficie externa do pericardio achava-se envolta por um processo inflamatorio que descia da laringe pela estrutura de sustentação do esofago e traquéa. O mediastino tinha uma coloração azulada, apresentando-se bastante aderente ao esterno. O pericardio, espesso, apresentava na sua lamina parietal perda do brilho, achando-se recoberto por uma tenue camada de fibrina. O pericardio visceral achava-se integro. Diagnostico: Pericardite fibrinosa incipiente. O coração nada apresentava digno de nota.

AORTA: Nada digno de nota.

CAVIDADE ABDOMINAL: Topograficamente nada ha digno de nota.

FIGADO: Com inchação turva.

BAÇO: Com ligeira hiperplasia da polpa vermelha.

RINS, Nada digno de nota.

ESTOMAGO, INTESTINOS E PANCREAS: Nada digno de nota.

BEXIGA E PROSTATA: Nada digno de nota.

TESTICULOS: Nada digno de nota.




(*) - Trabalho apresentado á Secção de O.R.L. da Associação Paulista de Medicina em 17-2-1940.
(**) Adjunto da Clinica.

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