Versão Inglês

Ano:  1940  Vol. 8   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 95 a 102

 

COLESTEATOMA DO SEIO MAXILAR, DO ESFENOIDE E DAS CÉLULAS ETMOIDAIS

Autor(es): ARISTIDES MONTEIRO (*)

CLINICA OTO-RINO-LARINGOLOGICA DA UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO
CATEDRATICO - PROF. JOÃO MARINHO

Apresentou-se à consulta na clinica otorinolaringologica do Hospital S. Francisco de Assis, o doente A. N. C., de 34 anos de idade, branco, casado, brasileiro, que se queixava de mão cheiro, secreção abundante pela narina direita, com uma fistula no rebordo gengival, comunicando-se com o seio maxilar direito. O doente informava que fora operado antes, duas vezes, por outro colega "que lhe abrira o maxilar e o etmoide", após a segunda operação ficara-lhe aquela fistula. Ha quasi um ano a Secreção aumentava cada vez mais, impossibilitando-o de trabalhar.
Tinha necessidade de estar com o lenço continuamente no nariz.

Examinamos o doente. O nariz estava completamente cheio de massa branco-amarelada, como um purée, de cheiro desagradavel, caracteristico dos colesteatomas que às vezes encontramos no ouvido. Era impossivel um exame das cavidades nasais com semelhante embaraço à visão. Tentamos retirar parte daquela massa, facilmente removivel, mas de permeio havia umas granulações muito vascularizadas, que sangravam ao menor contacto. Com uma Sonda, cautelosamente, fomos à procura da comunicação com o maxilar e facil foi lá entrarmos. Tivemos a impressão que a parede lateral do seio estava destruida, formando uma grande cavidade maxilonasal, cheia pela massa de colesteatoma. Tanto pelo nariz como pela fistula do rebordo gengival saía, continuamente porções do seu conteúdo. Tiramos parte desta massa, colocamos entre lamina e laminula a fresco, e verificamos no microscopio belos cristais de colesterina; a outra porção enviamos para se fazer inclusão e cortes. Pedimos uma radiografia que mostrou "ausencia da parede externa e interna do maxilar, celulas etmoidais veladas". (Dr. Campelo).

Internamos o doente para operá-lo. Tempo de coagulação e sangramento normais. Operação de Caldwell-Luc modificada, com anestesia local, novocaina-adrenalina. Encontramos alguma dificuldade em descolar as partes moles da face anterior do maxilar, pelas formações cicatriciais que existiam. Depois de termos um campo operatorio suficiente para uma boa visão de conjunto, começamos a retirar com uma espatula, a massa colesteatomosa que enchia completamente o antro maxilar, remoção simples, mas que necessitava de cuidados especiais. O poder de destruição destes tumores é enorme. A "matriz" do colesteatoma, na sua função sempre crescente, não encontra embaraço que a detenha. Quem está habituado à grande cirurgia da mastoide, terá lembrança das enormes destruições osseas que ela produz. O colesteatoma do nosso doente invadiu além do maxilar, todo o etmoide e esfenoide, o assoalho nasal, que usurou, em parte, gastou e fez desaparecer. A abobada palatina neste ponto, fazia uma saliencia na boca. No nariz, encontramos granulações neoformadas - as que impediram a rinoscopia anterior -, foram retiradas sem maiores dificuldades. O etmoide e o esfenoide facilmente libertados das massas que os enchiam e curetados. O frontal que a radiografia mostrara indene, foi poupado pela ação destruidora das massas colesteatomatosas. Nele não tocamos.

Depois de tudo acabado, passamos um tampão de eter pela cavidade operatoria e o deixamos ai permanecer alguns minutos, para conseguirmos uma limpesa maior e dissolução de algum resto de massa que por acaso tivesse escapado à nossa cuidadosa inspeção.

Podiamos agora verificar o poder destruidor destes tumores; uma unica e grande cavidade abrangia o maxilar, o etmoide, o esfenoide, a cavidade nasal direita. As relações anatomicas entre estes ossos, desapareceram. Deixamos um tampão de gase iodoformada, que retiramos no fim de quarenta e oito horas. Fechamos a fistula do sulco gengivo-jugal. Durante dez dias, de dois em dois, colocavamos e retiravamos um tampão de gase iodoformada, tendo préviamente lavado a cavidade operatoria com uma solução de água oxigenada a 10 %. Quinze dias após a cavidade nada mais secretava, o aspeto da mucosa de revestimento era inteiramente normal, viam-se os seios esfenoidal, maxilar e as celulas etmoidais inteiramente limpos.

De quinze em quinze dias o doente voltava à clinica para inspeção. Três meses após a operação tivemos que fazer nova plastica (Dr. Archimedes Peçanha) na fistula antiga do maxilar que se abrira, formando pequeno pertuito. Ele fechou-se logo, permanecendo bem até cerca de seis meses depois, ultima data que examinamos o paciente. A cavidade operatoria continuava no mesmo; o doente tinha engordado seis kilos. Tudo passara. Abandonara os lenços, desaparecera a secreção, retomara o seu trabalho diario.

Controle um ano depois de operado. Tudo normal.

Como explicar a luz dos conhecimentos modernos a origem dum colesteatoma do maxilar? Para responder a esta pergunta, temos primeiro que conhecer a constituição histológica normal da mucosa do seio maxilar. Ela é representada por uma membrana delicada, fina, que nada mais é do que um prolongamento da mucosa nasal. Compõe-se de três camadas: a superficial com cilios vibrateis e o epitelio cilindrico, de papel saliente na genese dos colesteatomas; a média, com a sua rede glandular irregularmente disposta e a profunda, que está em relação direta com o osso, desprovida de glandulas, contendo celulas fusiformes e bem mais densa que as outras partes da mucosa.

Conhecida a estrutura histológica da mucosa do seio maxilar, torna-se mais facil compreendermos a genese dos colesteatomas. Afastada a origem primaria, por não se enquadrar no caso em apreço, ficam-nos as secundarias, isto é, as inflamatorias; destas, a teoria da metaplasia epitelial - (Wendt, 1873) e a da emigração epidermica (Habermann-Bezold, 1888), são as que nos sobram para explicar aquele fenomeno. Pelos nossos dados histológicos estamos com Wendt, pois que, fragmentos da mucosa da fistula do sulco gengivo-jugal, examinados ao microscopio, mostraram que dai se originara o colestetoma que destruira toda a parede interna do seio, e parte do palato duro. Aliás é fato comum, mencionado pelos autores estrangeiros, a penetração do epitelio atravez duma fistula e sua consequente transformação histologica.

Não é somente esta uma das causas apontadas como imprescindivel para a formação dos colesteatomas, pois segundo Oppikofer, quanto mais tempo durar uma sinusite, mais se deve esperar por uma metaplasia epitelial. Ha exceções e muitas. Continua o Prof. de Basel dizendo que a especie da secreção não está ligada à metaplasia, quer dizer que tanto ela é verificada na purulenta como na catarral. Parece-nos contudo, que a metaplasia condiciona na maioria das vezes as formações colesteatomatosas.

Ha porem exceções, pois que no archivo de anatomia patologica da nossa clinica hospitalar e privada, temos varios casos em que isto foi verificado, sem formação colesteatomatosa. A metaplasia favorece tais condições, mas não quer dizer que uma esteja sempre ligada à outra. Alagna, Siebmann-Oppikofer e outros autores, verificaram fatos identicos.

O exame histopatológico do fragmento da mucosa que colhemos, mostra em varios pontos, pequenos colesteatomas insulados (fig. 1 ) no meio do tecido celular adjacente. Deste epitelio que o circunda, originam-se verdadeiras matrizes formadoras de outros tantos colesteatomas, como se vê nitidamente na fig. 2, onde se observa a penetração crescente da ponta de uma matriz atravez do tecido que a cerca. A proporção que a matriz progride, vae deixando para atrás pequenas formações colesteatomatosas, encapsuladas, que crescem e acabam por dominar completamente o clima histologico da região.

Ha dez anos publicamos um caso de colesteatoma do frontal, com exame histologico, no qual comprovamos a metaplasia epitelial (Dr. Oswino Penna), que se originara de uma fistula supra orbitaria. A pele neste caso, forneceu ensejo à transformação do epitelio. Citamos em nosso apoio, casos identicos de outros autores, como o de Habermann. Mais tarde Lautenschläger poude criar artificialmente colesteatomas, em consequencia da implantação de pele da parte superior da coxa, na cavidade de maxilar operado radicalmente; daí concluir o autor, ser este tecido dotado duma tendencia para um crescimento que tudo destróe, tendo o colesteatoma o carater dum tumor de implantação.

O tratamento dos colesteatomas do maxilar e do etmoide, como os de outras cavidades não pode deixar de ser o cirurgico. Si considerarmos a sua natureza histologica, si atentarmos para que o seu crescimento depende da sua "matriz", ipso fato, temos de levar em conta, que o seu crescimento continuo e destruidor, só poderá ser removido e sustado, por meio da cirurgia. Não podemos deixar de nos enfileirar entre os que são adeptos do tratamento cirurgico, em que pese em contrario a opinião dos poucos conservadores. Ha casos, não ha duvida, no terreno otologico, que pela sua pouca extensão, delimitam-se, insulam-se, e passam anos e anos vigiados ou não, sem trazerem quaisquer consequencias desastrosas. São porem exceções. A regra é operar; contudo nem sempre conseguimos convencer certos doentes que preferem, às vezes, a expectação armada ao bisturi.

Os casos de cura expontanea são raros. Rayland abrindo uma mastoide numa operação radical, encontrou a cavidade colesteatomatosa completamente epidermizada e seca. A propria matriz, como guiada por mão de especialista fez e curou o colesteatoma. Heimendiger curou um caso de colesteatoma do maxilar, em paciente operado anos antes de sinusite, com lavagens no seio, durando o tratamento cerca de tres semanas. Doente muito nervosa que recusou operar-se novamente.



Fig. 1 - Microfotografia do corte histológico de fragmento da fistula gengivo-jugal, vendo-se no seu interior uma formação colesteatomatosa.



Fig. 2 - Microfotografia de uma matriz mostrando no seu interior, em início, uma formação colestoatomatosa.



Os colesteatomas genuinos, os chamados não inflamatorios, às vezes, descobertos em autopsias, são outras expressões sinão de cura expontanea, pelo menos, de evolver silencioso, que passa despercebido durante a vida do paciente.

Durante algum tempo, fez época o tratamento dos colesteatomas do ouvido medio pelo alcool-iodado, com as lavagens do atito pelas canulas de Hartmann. Resultados bons foram conseguidos; nós temos dois destes casos, que datam de dez anos e que são revistos em media de seis em seis meses. Até hoje continuam clinicamente curados. Outros porem, que fizeram o mesmo tratamento, nada conseguiram. Só aplicamos este processo quando o doente se recusa a operar e quer por conta propria sugeitar-se às lavagens iodadas. E um tratamento que requer alguma perícia e certos cuidados especiais, nem sempre satisfazendo inteiramente a opinião do especialista.

A literatura mostra-nos casos interessantes de colesteatomas do maxilar superior e do etmoide. Eckert-Moebius, diz que até 1929, só foram observados 27 casos de colesteatoma das cavidades laterais do nariz, dos quais 18 eram do frontal e nove do maxilar, alguns com cooparticipação do labirinto etmoidal.

Winckler apresenta a observação dum homem de 28 anos, que se queixava de secreção pela cavidade nasal direita, dores, lacrimejamento do olho direito, conjuntivite, edema da palpebra inferior. A operação mostrou a cavidade do, maxilar cheia de uma massa brilhante, mole, que se acumulavam como um tumor, principalmente no angulo do maxilar, na parede lateral, e no zigoma. Neste ultimo para sua completa limpesa, foi necessario retirar-se o seu bordo inferior.

Nicolajew refere um caso dum homem com 39 anos de idade, sofrendo de resfriado cronico. Dores de cabeça. O exame da cavidade nasal revelou pús no meato médio, com degeneração poliposa. Feita a operação radical, verificou-se um antro pequeno com grande polipo e massas de colesteatoma.

Ottrich cita um outro caso em que o tumor enchia as celulas etmoidais e o seio maxilar.

Brenner menciona um outro caso, com a particularidade de que o epitelio chato (matriz) não provinha do seio maxilar, porem de um cisto folicular situado no maxilar.

Bilancioni, anota a observação duma mulher, que depois de uma gripe, aparece com uma sinuzite maxilar da qual se opera. Edema da palpebra, da bochecha do mesmo lado. O seio maxilar estava cheio de granulações poliposas. O exame histo-patologico da mucosa deu ora epitelio cilindrico ora chato. Encontrou-se tambem espessa massa hialina de colesterina.

Schwartz observou tres casos, dois deles originaram-se de metaplasia epitelial da mucosa da boca que penetrou no antro. O terceiro foi causado por um trauma; mais tarde, um deles, dois anos depois, teve um carcinoma do maxilar que obrigou a se fazer uma ressecção larga. Recidiva, com morte do paciente.

Kecht descreve um caso de colesteatoma do maxilar esquerdo, que apresentava nos ultimos tempos, fenomenos de deslocamento por pressão nó territorio da cavidade ocular. Fazendo-se a operação radical, aqueles fenomenos desapareceram por completo. O A. pensa que o traumatismo tenha sido a causa do tumor, pois que aos seis anos de idade o paciente recebera uma pancada no maxilar e fraturara o malar. A hemorragia, o hematoma e a inflamação subsequente, poderiam ter ocasionado, segundo pensa o autor, a metaplasia e após esta, o processo inflamatorio definitivo: o colesteatoma.

CHOLESTEATOMA OF THE MAXILLARY SINUS, THE SPHENOID BONE AND THE ETHMOID CELLS

SUMMARY

The A. describes a case of cholesteatoma in a young man. The patient presented abundant discharge from the right nostril and a fistula on the marginal gingiva communicating with the right maxillary sinus. Formerly he had been operated twice. On examination, we saw the nasal fossa quite filled up by a yellowish white mass, of a characteristic and un upleasant smell; we noticed, moreover, the presence of granulations richly vascularized, bleeding at the sligtest contact and so checking a more careful examination. The radiograph gave the following result: Absence of the outer and the inner walls of the maxillary sinus. Operation by CaldwellLuc's modified technique; the cholesteatomatous mass quite filled up the maxillary sinus, the sphenoid and the ethmoid. The floor of the nasal fossa on the same side disappeared on account of the cholesteatoma. The frontal bone was left unchanged. At the end of the surgical act three was one sole cavity comprising the maxillary sinus, the sphenoid, the labyrinth of the ethmoid and the right nasal cavity. Iodoforn gauze tampons which were removed every second day, washings with a 10% solution of hydrogen dioxide. A fortnight later on, three was no more discharge from the cavity; the mucous lining looked quite normal. After another fortnight, the patient was discharged on cure. Inspection twice every month. After three months, new plastic was performed for the definitive closing of the maxillary fistula. Six months afterwards, the last inspection everything is right: the cavity is clean and without discharge. Control a year later on: nothing abnormal.

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(*) Docente na Universidade. Assistente na Clinica.
Recebido pela Redação em 30-3-1940.

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