Versão Inglês

Ano:  1940  Vol. 8   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 83 a 94

 

ABCESSOS CEREBRAIS OTOGENOS (*)

Autor(es): DR. SILVIO OGNIBENE (**)

S. PAULO

O assunto que vos trago hoje, nenhuma originalidade apresenta, trago-o porque ha bem pouco tempo tive 2 casos que por um feliz acaso, terminaram pela cura.

E' assunto que por mais debatido que seja sempre se torna interessante por envolver uma região do corpo, o cerebro, sempre respeitado e mesmo temido, dada a complexidade dos sintomas, das molestias que o atingem.

ETIOLOGIA

Antes de Körner, eram os abcessos otogenos procurados nos mais diversos territorios do encefalo, guiando-se pelo predominio dos sintomas, especialmente na região dos centros motores. A Korner cabe a honra de ter evidenciado a origem dos abcessos cerebrais otogenos, isto é, por uma infecção por continuidade, partindo de um foco supurativo extradural, de uma pachimeningite interna, de uma leptomeningite circunscrita, de uma trombose dos seios, ou por uma transmissão direta dos germens da caixa do timpano, da mastoide, ou do ouvido interno, séde de um processo inflamatorio sem complicação, seguindo a via dos vasos sanguineos ou linfaticos e as bainhas dos nervos. Esta ultima via, é no entanto a mais rara. Isto quer dizer que geralmente o abcesso tem sua origem na visinhança do ouvido medio ou interno, logo em uma região contigua o lobo temporal ou ao cerebelo.

Sua localisação no lobo temporal é muito mais frequente, que no cerebelo, não raras vezes, no decurso de uma labirintite crônica, sendo nesse caso exclusivamente cerebeloso.

O abcesso do lobo temporal, localisa-se sobre o tegumento timpanico, enquanto que o cerebeloso, junto à parede posterior do rochedo. Neste ultimo caso, se sua origem é uma tromboflebite ou um abcesso extra-durai superficial, ocupa então o hemisferio cerebeloso junto ao seio, mas se origina de um abcesso extra-dural profundo ou do labirinto, o abcesso ocupa então uma porção mais interna no hemisferio cerebeloso.

Os abcessos cerebrais são mais frequentes nas otites medias crônicas, que nas agudas (Jansen - 5 para agudas em 30 crônicas (cerebrais) e 13 crônicas (cerebelosos). Neumann - 10 para 165 (cerebelosos).

E' perfeitamente compreensivel que dada a pequena extensão que, com grande frequencia, ocupa o foco osteitico, em relação com as meningeas, o abcesso encefalico seja, em geral, unico. Se ao mesmo tempo se formam varios abcessos, estes rapidamente confluem num unico. As vezes bolsas secundarias, em comunicação com a cavidade principal por meio de orificios estreitos, têm sido tomadas por abcessos independentes.

Muitos abcessos cerebrais são capsulados. Os não capsulados têm um limite impreciso e se confundem gradualmente numa zona de amolecimento inflamatorio da substancia nervosa, tambem os capsulados, não raras vezes, se rodeiam dessa mesma zona de amolecimento ou de uma zona cerebral edemaciada. A existencia ou não, da capsula, não é razão para se julgar da antiguidade do abcesso.

PATOGENIA

EVOLUÇÃO - No abcesso encefalico otogeno, distinguem-se clinicamente 4 periodos, que podem ser assim denominados: Inicial - Latente - o das Manifestações clinicas e o Terminal.

O periodo inicial é geralmente perfeitamente notado, apesar de frequentemente se desconhece sua significação, por não oferecer caracteristico algum ou por coincidir os seus sintomas, com os da afecção otitica. Os sintomas são, febre, cefaléa e vomitos, isto é, os sintomas de irritação meningéa. Este periodo dura poucos dias e as vezes, sem passar pelo estado de latencia, entra diretamente no periodo das manifestações clinicas, mas geralmente é o periodo de latencia, o que se segue ao inicial. A latencia não é absoluta, existem sintomas, embora pouco acentuados (ligeira cefaléa, certo malestar, inapetencia, depressão, lingua saburrosa, as vezes vomitos, pequena elevação termica vespertina) que apenas chamam a atenção do doente e que o medico não nota ou interpreta erroneamente. Mas o verdadeiro sindroma dos abcessos encefalicos é dado pelo periodo das manifestações clinicas, sendo o periodo terminal, nos casos em que se faz notar, só a expressão da irupção do abcesso no ventriculo lateral ou na superficie do encefalo.

Durante o decurso destes periodos, principalmente no 3.° periodo, se desenvolvem 3 grandes grupos de sintomas: 1.°) - Sintomas gerais - devidos à existencia de um foco purulento; 2.°) - Sintomas cerebrais difusos e sintomas gerais de compressão, motivados pela presença do abcesso; 3.°) - Sintomas relacionados com as lesões provocadas em zonas do encefalo, cujas funções podem ser diminuidas ou abolidas, compreendendo-se entre eles os sintomas focais diretos e indiretos, bem como as manifestações dependentes das alterações dos pares craneanos.

l.°) - Os sintomas gerais são: depressão e abatimento, inapetencia, palidez ou coloração sub-icterica da pele, emagrecimento rapido, lingua fortemente saburrosa, halito fetido, enfim, nota-se a existencia de uma molestia grave, antes que se apresentem sintomas cerebrais evidentes. Apesar disto, pode assinalar-se uma sensação de bem estar até poucos dias antes da morte. Nos casos em que o periodo inicial se faz notar claramente, observa-se febre e durante o periodo de latencia. Mas muitas vezes, em casos não complicados, a temperatura pode ser normal e até abaixo da normal, mesmo nos periodos seguintes.

2.°) - Sintomas cerebrais e de compressão. Entre os primeiros, o mais precoce é a cefaléa em forma de hemicranea, que pode ser continua, remitente ou intermitente. Só raramente é muito forte, podendo as vezes faltar. A dor expontanea só é bem localisada pelos adultos, mas o ponto onde o doente acusa a dor não corresponde sempre ao lugar onde está o abcesso. Mais importancia tem a dor local, provocada pela percussão do craneo, que as vezes é observada na região do abcesso. As vertigens com nauseas e vomitos, a bradicardia e irregularidade do pulso, a nevrite optica exagerada ou não, até chegar ao edema da papila, certo estado de apatia com sonolencia e entorpecimento intelectual, respondendo o doente corretamente, às perguntas, porém de modo lento, com dificuldade e em voz baixa, chegando até a obtusão cerebral e à perda da consciencia, delirio e convulsões (coma da fase terminal).

O edema da papila, as vertigens e os vomitos, as perturbações do equilibrio, são frequentes, mas não constantes, quer nos abcessos cerebrais, quer nos cerebelosos, mas mais frequentes nestes. O edema da papila é devido a uma estase do liquido cefalo raquidiano. Um elemento de valor é a lentidão do pulso devido ao aumento da pressão intracraneana, dado o crescimento do abcesso.

3.°) - Sintomas de fóco - São os mais importantes e os mais caracteristicos. E' sobre eles que temos de nos apegar, para segurança do diagnostico, dependendo este, exclusivamente da existencia de um sindroma completo. Estes por sua vez dependem da localização da doença em uma das regiões do encefalo onde se assenta o abcesso. Embora os abcessos otogenos exclusivamente se assentem no lobulo temporal e no hemisferio cerebeloso, a dificuldade do diagnostico está em determinar se o abcesso se assenta num ou no outro lugar. Felizmente existe uma diferença distinta, entre os sintomas focais dependentes do cerebelo e os do lobulo temporal, que passaremos a expor: No 1.° caso, os sintomas que predominam são os de deficit do lado da lesão. Os sintomas diretos são a ataxia e os sinais vestibulares, que são frequentes e se apresentam sómente do mesmo lado. Com efeito, sendo o cerebelo o orgão central da coordenação, da orientação do corpo no espaço, e o orgão onde reside, por influencia do vestibulo, o sentido do tonus muscular, o abcesso cerebeloso provoca alteração dessas funções e de toda a musculatura do corpo do lado correspondente à lesão cerebelosa: a ataxia, ou falta de coordenação muscular, que se reconhece pela falta de ordem e harmonia nos movimentos; as alterações de direção (alterações da orientação no espaço), que se manifestam por erros de direção na prova do indice, geralmente com desvio para fóra, e pela perda da faculdade reacional de compensar a indicação para dentro (Barany), assim como por perturbações do equilibrio, os conhecidos feno. menos vestibulares como o nistagmo espontâneo para o lado doente, a tendencia a cair do lado são, os vomitos e as vertigens, e a paralisia dos centros do mesmo lado que presidem o movimento conjugado dos olhos, no olhar lateral do lado doente. As alterações notadas são produzidas por interrupção da substancia nervosa na substancia branca, bem como por lesões dos centros corticais, em parte do nucleo de Deiters, o mesmo que por ação à distancia sobre os nucleos da ponte.

Logo, a "ataxia cerebelosa", os "erros do indice", "o nistagmo cerebeloso", "as vertigens e vomitos" (lesões do nucleo de Deiters), "a paralisia da musculatura do olho", as alterações do equilibrio e tonus muscular (hipotonia), são os sintomas focais cerebelosos. A eles Neumann junta a hemiparesia do lado doente, bem como hermiataxia.

Os sintomas indiretos, são os dados pelos nervos da base do craneo, e se apresentam tambem do mesmo lado, mas são mais raros.

Os sintomas a distancia, são provocados por compressão da protuberancia, da medula alongada (bulbo), tanto para cima como para baixo do cruzamento motor (hemiparesia cruzada e hemiparesia homonima) e dos nervos craneanos, que passam pela base do craneo do mesmo lado, e que têm sua origem aparente no bulbo e protuberancia. (Trigemio, motor ocul. externo, hipoglosso, facial e auditivo), podendo ser estes 2 ultimos comprimidos tambem junto ao orificio do conduto auditivo interno, dada sua proximidade no cerebelo.

Assim pelo que acabamos de ver, os sintomas de importancia para a localisação do abcesso no cerebelo, são as manifestações vestibulares, apesar de serem estes sintomas provocados mais ou menos nas doenças do labirinto. Um dos sintomas mais importantes, por ser dos mais constantes e precoce é o nistagmo espontaneo para o lado doente.

A exploração do labirinto, sobre tudo pela prova calorica é imprescindivel nos abcessos encefalicos pois o nervo coclear não é alterado, ou muito pouco, tardiamente e indiretamente, tratando-se de abcessos do cerebelo. O nistagmo cerebeloso, diferencia-se do nistagmo vestibular, mesmo sem outros sinais cerebelosos peculiares, do seguinte modo: No Nist. cerebeloso, os abalos se dirigem exclusivamente para o lado doente, ou são duplos, com movimento lento e grandes para o dito lado e rapidos e pequenos para o lado são. A excitabilidade labirintica se conserva no labirinto são. No nist. labirintico, os abalos nunca são duplos e só em casos muito raros se dirigem para o lado doente. Só no inicio das formas leves ou nas formas muito graves da otite interna pode isto se dar.

Quando em uma supuração labirintica já no periodo de latencia, vemos apresentar-se novamente o nistagmo, e mais, se está dirigido para o lado doente, não cabe duvida de que se trata de um nistagmo cerebeloso.

Quanto à ataxia cerebelosa, é tambem um sinal focal precoce, constante e caracteristico. No inicio ligeira, vai acentuando-se cada vez mais. Consiste em uma hemiataxia, que afeta o lado do corpo, que corresponde à lesão cerebelosa. Mesmo sem a existencia de paralisia, o doente necessita de um grande esforço para poder levantar e mover o braço. Para isso, manda-se o doente girar o braço em supinação e pronação, comparando-se com o lado são, ou contar com os dedos nas duas direções.

Sintomas focais do lobo temporal - Neste caso predominam os sintomas cruzados, sendo: diretos, as perturbações afasicas, frequentes nos abcessos do lobulo temporal esquerdo, e bastante raras nos do lado direito; e as perturbações auditivas de origem central, por lesão dos centros corticais ou mais frequentemente, de suas fibras nervosas eferentes, até agora pouco observadas. Sintomas indiretos, cruzados, por lesões da via piramidal motora ou dos ramos sensitivos opticos e acusticos, na região da capsula interna.

Ação a distancia, sobre os nervos da base do craneo, paralisia do motor ocular comum, e mais rara do motor ocular externo, que são do lado lesado.
Disto tudo resulta, de um modo geral, que o abcesso do lobulo temporal determina lesões do segmento posterior da capsula interna, que interessam de deante para traz: as fibras da via motora e da via sensitiva, isto é, feixe piramidal, os nervos facial, motores oculares comum e externo, o trigemio e o hipoglosso, alem das fibras destinadas aos membros. No extremo posterior da capsula, são lesadas as vias opticas e acusticas, cujos centros cruzados aí se acham na cortica. A surdez mais ou menos completa ainda não foi provada de modo indiscutível, devido ao estado de torpor e apatia do doente, que impede de se formar um juizo seguro, sobre o grão de surdez. Alem disso, o centro cortical da audição se acha oculto na circunvolução de Hessel da cisura de Silvio (circunvolução transversa do lobulo temporal), não tendo a ação a distancia, do abcesso, influencia sobre ela.

Os grandes abcessos temporais, por compressão cerebral, produzem frequentemente, paralisia do motor ocular comum do mesmo lado, raramente o motor ocular externo. A paralisia do primeiro, afetando as fibras pupilares, as que se distribuem ao reto-interno e ao elevador da palpebra sup., dá lugar à midriasis do mesmo lado, à falta ou insuficiencia do movimento de convergencia ocular e à ptose da palpebra sup. Estes fenomenos de déficit motor e sensitivo, cruzados, juntos com a hemianopsia e com a paresia do motor ocular do lado doente, atestam já uma localisação no lobulo temporal e, segundo a ordem de aparecimento dos sintomas, em seu segmento anterior ou posterior, mesmo sem existir alterações afasicas, quando se trate de uma localisação à esquerda.

A falta dos sintomas expostos, que por outro lado só fazem seu aparecimento, em determinados momentos do crescimento do abcesso, quando este já atingiu certo desenvolvimento, não nos autorisa a excluir o abcesso temporal.

Os sintomas de maior valor e os mais frequentes, ligados às lesões do lado esquerdo, são as alterações da linguagem. Eles precedem, regra geral, às manifestações motoras de déficit, dependentes de lesões da capsula interna. Em diferentes grãos e formas variadas, estas alterações da linguagem, se apresentam, algumas vezes (raramente) com caracteres de uma afasia sensorial (surdez verbal - Wernicke), e nos casos graves (mais frequentemente) em forma de amnesia ou esquecimento das imagens foneticas das palavras; ora só esquecendo sua significação e exprimindo-as bem, ora em forma mais pronunciada ou grave, existindo então geralmente, perturbações nas varias manifestações da linguagem (parafasia, afasia optica, alexia, agrafia, estas ultimas raras e mais frequentes na propagação do processo até a parte posterior). A forma mais grave é aquela em que falta a compreensão das palavras e o paciente repete sempre as mesmas, de modo que só compreende as perguntas mais simples, e a outras interrogações, responde com os mesmos vocabulos. Faltam as imagens das palavras e não são despertadas pela intervenção de outros sentidos, como o da vista, olfato e tacto. A afasia aumenta rapidamente; o cabedal de palavras diminue, os substantivos desaparecem, até alguns de sentido geral (coisa, objecto). O doente diz frazes sem sentido e termina por não compreender o sentido dos vocabulos. Um sinal que indica a propagação do abcesso temporal até os lobulos ocipital e parietal, é o predominio que podem adquirir no quadro afasico, a paralexia e a paragrafia, a alexia e a agrafia.

Das paralisias que logo podem aparecer, a mais frequente e a mais importante é a paresia dos ramos do facial, destinados à boca, que se manifesta por um ligeiro desvio para baixo da comissura.

Diagnostico dos abcessos cerebrais otogenos, é geralmente dificil e frequentemente impossivel. Depende em grande parte do periodo em que examinamos o paciente e do tempo durante o qual estamos observando. Na fase inicial, e mesmo no periodo latente, o diagnostico não é possivel. O mesmo acontece no periodo terminal, quando os sintomas de meningite, mascaram os do abcesso. Tambem no periodo das manifestações clinicas, surgem dificuldades e o diagnostico só pode ser feito, em presença de um sindroma completo. Os dados etiologicos, a existencia de uma otite media (ou interna), especialmente em sua forma cronica, tem importancia para o diagnostico. Si existe uma feliz coincidencia dos sintomas focais e gerais já enumerados (foram os meus casos), facil se torna o diagnostico de abcesso e sua localisação topografica. E' o que se dá geralmente nos do lobulo temporal esquerdo, mas infelizmente o comum é não existirem os sintomas de fóco, mesmo em grandes abcessos, principalmente do lado direito. Ainda menos favoraveis são as circunstancias em se tratando de abcesso do cerebelo, pois alem de geralmente faltarem seus sintomas focais, os que aparecem podem ser produzidos do mesmo modo por outras afecções centrais e perifericas, tais como meningites serosas e purulentas, de localisação cerebelosa, os tumores e nevrites do acustico e principalmente as afecções inflamatorias do labirinto. Estas não só mascaram o quadro clinico do abcesso cerebeloso como podem ser a causa dele.

A superfície posterior do rochedo, na região do aqueduto do vestibulo e do canal vertical inferior, desempenha papel importante na propagação do processo infeccioso. Tratando-se de abcesso cerebeloso, a otite media aguda desempenha papel muito mais secundario do que desempenha na origem dos abcessos temporais.

Diagnostico diferencial - A falta de febre e lentidão do pulso, coincidindo com sintomas de uma grave afecção cerebral, permite diferenciar o abcesso encefalico da tromboflebite dos seios e da meningite. O diagnostico diferencial com os tumores do angulo ponto cerebeloso (8.° par) requer considerações mais detalhadas. O tumor do acustico do angulo ponto-cerebeloso, não é muito dificil mesmo com a coincidencia deste com uma supuração cronica do ouvido medio. A anamnese traz diferenças essenciais. Chama logo a atenção o crescimento lento do tumor. O periodo das dores de cabeça, vomitos e vertigens, é acusado 1 ou 2 anos antes, a paralisia do 8.° par (acustico) é precoce e completa, não raras vezes o nervo auditivo do outro lado é comprometido; acentua-se intensamente as paralisias dos pares 3.° ao 12.° e especialmente do 5.° ao 8.° do mesmo lado, a ataxia cerebelosa, a estase papilar, a diminuição da acuidade visual, a diferença do nistagmo, para o lado são ou doente (veja pg. 328 Jansen). Ao contrario ha menos acentuação da rigidez da nuca, das cefaléas, especialmente sua exacerbação noturna, as alterações do equilibrio e lentidão do pulso, mais notados no abcesso cerebral.

TRATAMENTO

A cura do abcesso só se pode obter com a intervenção cirurgica, para seu esvasiamento. A operação tem por fim não só drenar o abcesso, como tambem intervir (se já não o foi feito antes) sobre as lesões no osso temporal (mastoide) e em certos casos, sobre o labirinto, que deram origem ao abcesso.

Antes de 1885, estes abcessos eram drenados por uma abertura praticada na porção escamosa do temporal.

De 1885 a 1889, com os progressos realisados sobre a patologia do cerebro, grande impulso teve a cirurgia cerebral, verificando-se não haver necessidade de uma fistula externa, para esvasiar o abcesso cerebral otogeno. Os resultados obtidos, dependiam mais da segurança da localisação deste, o que se vinha conseguindo com observações meticulosas, dadas mais pela mesa de autopsia, do que por manifestações clinicas.

Körner em 1889, demonstrara que quasi todos os abcessos encefalicos otogenos, se localisavam proximos da supuração primitiva do ouvido ou osso temporal e muitas vezes em comunicação com ela. Assim estas relações anatomicas ensinariam o caminho cirurgico a seguir.

Nos abcessos do lobulo temporal, em geral, as paredes osseas da caixa do timpano e das celulas mastoideas, acham-se doentes, e o abcesso radica em suas proximidades. Obtem-se então o esvasiamento deste com a extirpação do osso lesado, trepanando depois a parede superior do conduto auditivo, até a caixa, o tegumento timpanico e outras porções do osso doente, até cair sobre o abcesso e incisa-lo.

Para os abcessos do cerebelo, tambem se seguiria o osso temporal doente. Trepana-se a mastoide até a fossa craneana posterior, libertando todo o angulo superior do seio tranverso e sua porção descendente, caindo-se sobre a dura mater, que conduz ao abcesso. Os abcessos externos são assim logo atingidos, mas é esta a mesma via para os mais profundos sómente teriamos que curetar o osso na porção anterior do cerebelo, aqui encontraríamos naturalmente, com os canais semicirculares, e canal endolinfatico. Mas isto só traria vantagens, pelo menos nos casos em que os abcessos fossem originarios de uma supuração do labirinto, que teria de ser aberto. Naturalmente que esta via a seguir, não é exclusiva mas deve ser orientada pelas lesões anteriormente encontradas.

Quando as suprurações do ouvido medio ou do temporal, se acompanham de manifestações cerebrais (principalmente em creanças e jovens), dando suspeita de complicação endocraneana, deve-se abrir a mastoide, sómente, ou tendo descoberto a dura mater, e esta estando de côr normal, respeita-la aguardando a persistencia dos sintomas cerebrais, para então transpassa-la. Para isso usa-se duma agulha bem grossa e deve-se incisar antes com bisturi, a membrana meningea. A profundidade de introdução da agulha, varia muito atingindo até 3 ou 4 cms. Uma vez descoberto o foco, introduz-se uma tentacanula ou mesmo uma pinça de Hartmann, quando o puz é muito espesso. Muck e Körner aconselham o especulo de Killian e mandam por o doente sentado, para afastar as paredes do abcesso.

A limpeza da cavidade pode ser feita com água oxigenada diluida e sem pressão (nós sempre usamos sôro fisiologico), por meio de irrigador a pequena altura, atravéz de 2 tubos, um mais fino para entrada da água e outro mais grosso para a saída.

Drenar a cavidade com dreno de borracha, cujo calibre, deve ir diminuindo (não usar gases). O doente deve guardar repouso absoluto e a alimentação leve para evitar vomitos. Tomar a temperatura e pulso 2 vezes ao dia, pois pode acontecer de entupir-se o dreno, o que logo seria percebido.

Depois da drenagem, desaparecem: a bradicardia, a paralisia facial, o sensorio se reintegra rapidamente, geralmente os sintomas retrocedem.

A cura do abcesso pode ser dada como definitiva, decorrido um ano da operação. Geralmente as alterações funcionais não persistem.

Passemos agora a dar um resumo dos 2 casos de abcessos cerebrais por nós operados. O 1.° ocorrido a 25 de agosto de 1938. (Auxiliar Dr. Paulo Sáes). O 2.° a 24 de outubro de 1939. (Auxiliar Dr. Silvestre Passy).

l.° CASO

Aqui o diagnostico baseou-se exclusivamente no seguinte:

1.°- Antecedentes do caso. Doente com 40 anos. A doente havia sido por nós examinada, cerca de 20 dias antes, sofrendo de uma otite media aguda supurada, continuando sob os cuidados de outro colega com tratamento habitual, isto é, banhos de luz, vacina antipiogenica, prontozil, além dos curativos locais com água oxigenada.

2.° - O exame após 23 dias, encontramos a doente em estado de apatia, com febre de 37 e meio e pulso a 60. Não nos reconheceu, e não respondia às perguntas, mantendo-se em estado de sonolencia. O exame objectivo, acusou rigidez da nuca, hemiplegia do lado direito (ou melhor os membros em atitude flacida).

Radiografadas as 2 mastoides, verificou-se mastoidite do lado esquerdo.

O exame do liquido raquideano foi positivo para reação meningitica. Com pressão inicial de 30 - muito aumentada. Fizemos então o diagnostico de abcesso cerebral, na fossa temporal (naturalmente o diagnostico não tinha carater absoluto), e propuzemos a intervenção cirurgica urgente, o que foi feito no dia seguinte.

Aberta a mastoide e curetada, foi exposta a meningea na região do tegumento timpanico e puncionado o cerebro com agulha de grosso calibre, montada em seringa de 2 cc. que servia como bomba aspiradora. O abcesso foi encontrado a 1 ou 2 cms. de profundidade, tendo sido extraido cerca de 30 cc. de puz. A doente apresentou melhoras nos dias que se seguiram, mas nenhum restabelecimento notavel da conciencia, dava respostas atrapalhadas, falando confusamente, e em poucas palavras. O estado geral agravou-se 10 dias após, voltando a hemiplegia direita, com novo estado de torpor. Novamente retiramos os drenos e com tentacanula, pesquisamos o fóco, tendo sido coroado de sucesso esta tentativa, pois o dreno devia ter-se obstruido, porquanto bastante púz escorreu.

Nos dias que se seguiram a doente foi aos poucos se restabelecendo, sempre medicada com sulfaminas (rubiazol e prontozil), alternadas em injeções e comprimidos, tendo tido alta a 30 de setembro, para terminar os curativos externos em meu consultorio.

2.° CASO

Este já bem mais interessante, dada a ausencia de sintomas que precisassem o diagnostico de abcesso cerebral, estando a doente em condições boas de saúde.

Tratava-se de uma menina de 15 anos que 1 mês antes tivera em jaú um surto de otite media aguda, com reação mastoidéa. O colega que tratou do caso, enviou-me um relato bastante minucioso da marcha da molestia que muito nos auxiliou. A molestia evoluiu muito bem, com tratamento habitual. Após uns 15 dias a doente nada mais sentia, tenda mesmo voltado aos estudos. Alguns dias depois começou a sentir dor de cabeça, as vezes pequenas pontadas no ouvido esquerdo. As radiografias tiradas, nada revelaram.

Não tinha febre sendo o pulso normal. O exame otoscopico normal, nenhuma reação na mastoide. Uns 30 dias depois da otite, como nenhuma solução fosse dada ao caso, o colega de Jaú aconselhou a família que transportasse a doente para esta capital, onde a examinamos no mesmo dia de sua chegada.

O exame do ouvido normal, nenhuma reação na mastoide Ausencia de nistagmro, e de qualquer paralisia no rosto. A doente queixava-se de vomitos frequentes, apresentava ligeira diminuição auditiva do lado esquerdo, parecia estar num estado de torpor pois respondia lentamente às perguntas, que tinhamos de repetir. O pulso a '80 e temp. a 36 e meia. A doente havia tomado ao embarcar uma injeção de oleo canforado.

Indiscutivelmente a doente apresentava urna encefalite, nenhum outro diagnostico podia ser precisado. Internamos no Hospital e pedimos exame de liquido cefalo-raquideano, que revelou-se normal e sem aumento de pressão. Como o pulso baixasse a 60, conservando-se a temperatura normal, e persistissem os vomitos e as cefaleas do lado esquerdo, começou a nos preocupar a ideia da formação de um abcesso cerebral.

Recorremos ao exame de um clinico (Dr. Genovesi), que só poude chegar ao diagnostico de encefalite. No mesmo dia foi feito um exame neurologico pelo Prof. Tolosa que notou que quando a doente ria, esboçava-se uma paresia do facial do lado direito. Este fato não existia pela manhã quando a examinamos. O Prof. Tolosa, embora sem elementos precisos, manifestou-se favoravel à formação de um processo focal. Foi pedido então o exame de um oculista (Dr. Del Nero), que acusou edema da papila, bilateral, com já nevrite otica. Apesar de não existirem dores para o lado da mastoide mandamos radiografa-las, tendo as radiografias acusado destruição do sistema trabecular do lado esquerdo. De posse dos seguintes elementos: Bradicardia, Cefaléa, Surdez do ouvido esq., Diminuição da visão e Paresia do facial (ramo inf.) fixamos o diagnostico de abcesso encefalico do lobo temporal, na parte anterior da primeira circunvolução, e indicamos a imediata intervenção cirurgica, pois tinhamos a nosso favor a necessidade de curetar a mastoide que estava doente radiologicamente.

A mastoide foi aberta e curetada, encontramos o osso com um aspecto lardaceo, sem púz. Abatida a parede superior da caixa (tegumento timpanico) expuzemos a meningea que apresentava-se de cor normal.

Puncionamos o cerebro com agulha de 8 cms. e na região anterior da fossa temporal a uma profundidade de uns 4 cms. a seringa começou a aspirar púz. Incisamos a meningea com bisturi e introduzimos uma tentacanula que fez brotar grande quantidade de púz. Foram introduzidos 2 drenos de calibre diverso. O exame bacteriologico do material foi estreptococus hemoliticos.

Seguiram-se curativos diarios com irrigação de soro fisiologico. Do 3.° dia em diante não mais saiu púz. Os drenos foram mantidos por espaço de 15 dias, tendo sido retirados paulatinamente.

O pulso e a temperatura normalisaram-se no dia seguinte. Sómente havia uma elevação termica posteriormente a injeção de prontosil que era feita diariamente e depois em dias alternados ou mais.

Tivemos noticia em janeiro de 1940, que esta doente passava muito bem em perfeito estado normal.

Se nos fôra dado fazer algumas observações, arriscariamos, que as sulfaminas muito concorreram para o restabelecimento dos nossos doentes, pois alguns anos antes da generalisação do uso do prontosil, a primeira sulfamina que conhecemos, tivemos um caso de abcesso cerebral, cujo paciente operado com o mesmo sucesso dos casos expostos, pois restabeleceu-se rapidamente dos sintomas de compressão cerebral, chegando a vir nos receber, por muitos dias, à porta de seu quarto hospitlar. Não lhe demos alta porque sempre apresentava uma febre de 37 a 38°, febre esta que não conseguimos combater, apesar da grande e variada quantidade de vacinas antipiogenicas polivalente (Bruschetini, Pinheiros, etc. Septicemina), que eram os elementos que tinhamos à mão, além dos curativos diarios identicos aos feitos nos casos expostos anteriormente. Este doente veio a ter seu estado agravado e exito letal, 46 dias após a intervenção cirurgica, após ter tido fazes de perfeito estado normal.

Deixamos de apresentar este caso particularmente, por não termos conseguido achar as anotações sobre os detalhes da molestia. Mas podemos fazer notar que a marcha, da doença quer anterior, quer posterior, à operação foi pouco mais ou menos como a do 1.°, caso exposto.




(*) Trabalho apresentado á Secção de O.R.L. da Associação Paulista de Medicina em 17-2-1940.
(**) Adjunto da Sta. Casa.
Recebido pela Redação em 21-2-1940.

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