Ano: 1940 Vol. 8 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (8º)
Seção: Notas Clínicas
Páginas: 54 a 56
AGEUSIA PRODUZIDA POR INSTILAÇÃO MEDICAMENTOSA NO OUVIDO (*)
Autor(es): DR. SILVIO OGNIBENE S. PAULO
O caso que vou apresentar-lhes é para mim interessante, por ser o primeiro observado em minha clinica, e cuja explicação é tida facilmente desde que conheçamos a origem da inervação da zona afetada.
Trata-se do seguinte:
O. L. procurou-nos queixando-se de uma surdez no ouvido direito sem dor alguma. Ao exame o timpano apresentava-se congesto e perfurado na parte Antero inferior. Aconselhamos um medicamento calmante e compressas quentes. Como a surdez persistisse, voltou a novo exame e então constatamos uma maior extensão da perfuração. Começamos o tratamento com alcool salicilico e como este muito ardesse passamos no dia seguinte ao sanapúz liquido, seguindo-se a mais variada coleção de anti-sépticos. A supuração continuou bastante rebelde, mas muito discreta, apenas pequenos grumos sem cheiro fétido, com alternativas de melhoras. Como vemos um caso comum de otite média aguda supurada. O interessante no entanto é que o doente ao fim de alguns curativos, queixou-se que quando havia sido usado o medicamento oturea havia notado que este descera logo à garganta e que no mesmo dia não mais sentia o gosto dos alimentos em um dos lados da lingua (lado direito). Como cate estado persistisse fizemos um exame detalhado e verificamos que a região afetada era os 2/3 anteriores e lateral direito da lingua, isto é, toda a metade direita da lingua situada adiante do V lingual. O sal ou açúcar posto nas papilas caliciformes quer esquerdas quer direitas era bem distinto bem como na parte posterior da lingua, mas adiante do V lingual enquanto a metade esquerda distinguia bem os condimentos, do lado direito absolutamente nada.
Dando explicação para esse fato vimos contribuir para corroborar as idéias de Mathias Duval, demonstrada por grande numero de trabalhos, de que. a inervação sensorial (sensibilidade especial) da lingua é dada por um só nervo o glossofaríngeo, e não por este, que inervaria as papilas caliciformes e a porção da mucosa lingual, situada atraz do V, e pelo lingual, que alem da sensibilidade geral, teria a seu cargo as papilas fongiformes dos 2/3 anteriores da mucosa.
Com efeito, esta intervenção não é sinão aparente pois os filetes do lingual que se dirigem às papilas gustativas, não são outros que os filetes da corda do timpano, a qual sabe-se, vem se unir ao lingual na sua saída na caixa do timpano.
Ora, a corda do timpano é por sua vez, a continuação do intermediario de Wrisberg, que pode ser considerado como um feixe do glosso-faringeo, o qual em vez de se juntar ao tronco do glossofaríngeo e sair do craneo pelo buraco despedaçado posterior, penetra no conduto auditivo interno e se continuando pela corda do timpano ganha a lingua, por um caminho mais longo e mais complexo.
Assim fica a mucosa da lingua, inervada toda, pelo glosso-faringeo, isto é, a parte posterior do V lingual e estas papilas, pelo ramo mais importante e a parte anterior ao V, pelo ramo errante, que recebe sucessivamente os nomes de Intermediário de Wrisberg e corda do timpano.
Na fosseta petrosa está o ganglio de Andersch anexo ao ramo importante do glosso-faringeo; enquanto no aqueduto do facial está o ganglio geniculado, anexo ao ramo errante.
Em resumo a via gustativa é pois a seguinte: Dois condutores, o principal, o glosso-faringeo que partindo das celulas gustativas da base da lingua, segue pelos lados da faringe e amigdalas e após um trajeto que ora não nos interessa, penetra no cranio pelo buraco despedaçado posterior, tendo um pouco abaixo encontrado o ganglio de Andersch.
O condutor acessório, é representado pela Corda do timpano, pelo ganglio geniculado e pelo Intermediario de Wrisberg.
O ganglio geniculado, está situado no aqueduto de Fallope, os prolongamentos protoplasmáticos das celulas deste ganglio, constituem as fibras da corda do timpano, que sae do aqueduto de Fallope atravez dum canalículo, mais ou menos na altura da margem postero-superior da membrana do tímpano, indo até o cabo do martelo e à longa apofise da bigorna.
Os prolongamentos cilindraxís das celulas do ganglio geniculado, constituem as fibras do intermediário de Wrisberg, que acompanha o facial no seu trajeto petroso, depois este e o auditivo entre os dois (dai seu nome de intermediario), até a fosseta lateral do bulbo, na qual penetra, para em companhia do glosso-faringeo, dirigir-se ao assoalho do 4.° ventriculo.
Após este resumo anatomico, facilmente se compreenderá que, no nosso doente, a causticidade do medicamento, deve ter atingido a corda do timpano, na parte em que esta aflora a membrana timpanica, ao sair do aqueduto de Fallope. Sabemos que na ablação dos ossiculos do ouvido, é muito frequente cortar a corda do timpano, o que acarreta uma sensação de lingua e gosto metalico nos 2/3 da lingua do lado lesado, mas estas perturbações são passageiras desaparecendo em algumas semanas.
No entanto, no nosso paciente, esta ageusia, persiste ha varios meses, nenhuma melhora tendo ainda apresentado.
(*) Trabalho apresentado à Secção de O. R. L. da Associação Paulista de Medicina em 17-12-1939.